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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.7 no.16 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

A dimensão do desenho nas esculturas de Evandro Soares

The Dimension of Drawing in Evandro Soares’s Sculptures

 

Glayson Arcanjo de Sampaio*

*Brasil, artista e professor de artes visuais. Mestre em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (2008) e graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU (2006).

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Goiás (UFG), Faculdade de Artes Visuais. Avenida Esperança, s/n, Campus Samambaia (Campus II) CEP: 74690-900, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

Resumo:

Este artigo descreve o processo de criação do artista brasileiro Evandro Soares, discorre sobre os procedimentos realizados por ele ao trabalhar com a matéria metálica (ferro e arame) através das técnicas de solda, corte e dobra afim de elaborar geometrias complexas nas esculturas produzidas, elucidando a vocação destas se portarem simultaneamente como desenhos espaciais - ou esculturas lineares, ao fazerem convergir, em um mesmo espaço expositivo, situações instalativas e recursos bidimensionais e tridimensionais.

Palavras chave: Escultura, desenho, perspectiva, geometria.

 

Abstract:

This article describes Brazilian artist Evandro Soares’s poetic process. It discusses the procedures applied when working with metallic material (iron and wire) through welding, cutting and bending techniques in order to create complex geometries in his produced sculptures. This process points out the characteristic of his sculptures being simultaneously as spatial drawings or linear sculptures since they converge in the same exhibition space particular situations and two-dimensional and three-dimensional features.

Keywords: Sculpture. Drawing. Perspective. Geometry.

 

Primeira dimensão: ofícios do serralheiro-artista.

Evandro Soares, artista brasileiro nascido em Largo do Piritiba, Bahia, aprendeu, ainda jovem, uma gama de recursos técnicos e outros aparatos ferramentais que o conduziram ao ofício de serralheiro. Na serralheria construiu diversos objetos, como portões, grades, janelas e portas de ferro que seriam utilizados em casas e edificações comerciais.

Possuindo grande familiaridade com a construção de objetos e estruturas metálicas, soube tirar proveito das técnicas apreendidas para dar vazão a novas idéias, transformando o arame e o ferro galvanizado em esculturas que abordavam elementos representativos de seu cotidiano.

Ao manipular máquinas de soldagens, corte e dobra e se apropriar de recursos da serralheira transportando estas operações para o campo da arte, Soares reforça certa condição contemporânea que, não só está associada aos ofícios do artista em seu ateliê clássico mas se aproxima dos procedimentos e das manufaturas ligadas à indústria.

 

Segunda dimensão: decodificação e desenho

Para Evandro o desenhar sobre a superfície do papel passa por um refinado processo de codificação-decodificação. O artista quase sempre inicia seus projetos a partir de estudos em páginas de caderno ou folhas soltas. É que em seu ofício, sempre precisou antecipar problemas espaciais e geométricos formulando pontos, planos, retas e hiperplanos quando estes passam a ser planejados no espaço bidimensional (Figura 1).

 

 

Desenhar é uma maneira de ver introjetado a um entender. Marar e Sperling (2007:243) ressaltam que “o desenho tem um caráter de aproximação sintética e não analítica da realidade”, de modo que ver e entender tornam-se sinônimos. Para eles

(...) podemos gerar o desenho bidimensional de objetos que “vivem” em dimensões tão altas quanto se queira. Obviamente, mantendo-se constante a dimensão do meio em que se representa e aumentando-se a dimensão do objeto representado, complica-se bastante o processo de visualização. A representação de objetos com (3 + n) dimensões em um meio bidimensional necessita de uma decodificação do desenho percebido para a sua efetiva compreensão, como a que se processa na representação de ângulos retos em perspectivas, que ganham ares de ângulos agudos ou obtusos. (Marar & Speling, 2007:247).

Ao inserir o material metálico a seu processo de trabalho levando-o a figurar não somente como um sistema angulos representados mas, de fato como um dado concreto (por ser um objeto concreto no espaço) o artista aumentará a dimensão dos objetos representados. E é aí que começa a aventura do artista!

A fim de planejar suas composições em áreas maiores que os cadernos, mas ainda próximas às escalas e extensões do corpo humano, foi preciso que Soares modificasse a superfície aumentando seu peso e resistência através do uso de papeis de alta gramatura (papeis pesados de 400g, 500g, 600g). Sobre a superfície do papel o arame é dobrado de variadas maneiras sendo depois amarrado e soldado ao verso, de modo a literalmente romper e atravessar a folha.

O artista passará a criar estudos e variações das geometrias, estruturas e composições com materiais e recursos técnicos cada vez mais elaborados a cada novo projeto executado, mas sem perder a delicadeza conquistada no trabalho com as estruturas de arame mais fino.

Com o processo de trabalho alterado e com variações tanto no peso visual quanto na densidade do papel, intensificaram-se os desafios gráficos. Cada cubo, construído com arame pequenos pedaços de arame, permite não só a passagem da luz como também a possibilidade de se projetar para frente e para fora da superfície branca (Figura 2). O tamanho e a direção de cada cubo pode se manter inalterável ou se diferenciar entre si. Ao se projetarem para frente/fora do papel as arestas produzem vãos onde o artista riscará a nanquim linhas diagonais curtas, diretamente na superficie do papel.

 

 

As linhas traçadas produzirão certa complicação das composições, a partir da repetição, onde, a cada nova repetição, pequenas variações formais são produzidas. Denominaremos estas variações por estrutura celular geométrica. Elas tornar-se-ão constantes e, com maior frequência, o artista planejará grupos complexos, estruturados e ligados entre si (Figura 3). São estas estruturas que permitirão a reorganização, com maior liberdade, do espaço branco e preto da superfície do papel e que de algum modo irão conduzir e encaminhar nossa percepção visual (Figura 4).

 

 

 

 

Terceira dimensão: perspectiva e vertigem

Evandro Soares participou, em junho de 2013, da mostra coletiva ‘Diálogo Desenho’, que ocorreu no Museu Universitário de Arte em Uberlândia – MUnA, com instalação de parede composta basicamente por dois cubos de ferro de tamanhos e formatos distintos. Para produzir os cubos, Evandro precisou medi-los, cortá-los, montá-los e soldá-los anteriormente em sua oficina de serralheria. Por possuirem altura, largura, profundidade e peso consideráveis o artista confeccionou também oito pequenos dispositivos de metal, que presos à parede, serviriam para sustentar o restante da peça (Figura 5).

 

 

Enquanto o cubo de ferro marca o dado tridimensional de sua escultura, as linhas produzidas com tinta nanquim permite ao artista operar com os dados bidimensionais (Figura 6). As linhas desenhadas diretamente na parede partem dos pontos de encontro onde os ângulos formam as arestas dos cubos de ferro. As linhas desenhadas diretamente na parede se deslocando para a direita se configurando como dois poliedros; espelhados e fora dos limites dos dois primeiros cubos de metal.

 

 

Quando vistas em conjunto, as linha do metal e as linhas produzidas com nanquim produzirão alterações da percepção inicial do espectador, instaurando certa confusão visual justamente pela interferência junto aos códigos da representação da perspectiva (Figura 7 e Figura 8).

 

 

 

 

A artista brasileira Regina Silveira, no texto Desenho e invisibilidade: um depoimento sobre as Desaparências, propõe significativas operações para desmontar os códigos tradicionais da representação, em especial, o da perspectiva linear. A artista, ao trabalhar com perspectivas multiplanas, – tipo de representação orientada por um único ponto de vista e que possibilita a recomposição da imagem distorcida para a imagem original – se interessa menos pela visão total da imagem refeita por este mecanismo do que pela possibilidade de ativar uma possível vertigem. Segundo a artista,

muito mais interessante para mim é a própria vertigem perceptiva que emerge do conflito que as imagens construidas geometricamente (como as perspectivas distorcidas) instauram no espaço real onde devem se enxertar, tentando acomodar-se aos parâmentros mais fluidos desse espaço, onde há multiplos pontos de fuga e não se percebe a convergência. (Silveira, 2007:176)

Diferentemente Regina Silveira, interessa na estrutura construída e instalada por Evandro Soares no MUnA esta espécie de decomposição e a possibilidade de recomposição alcançada somente com a presença do expectador. A distorção e tonalidade das linhas projetadas; a fluidez tonal das sombras; a mescla das sombras ao espaço que circunda a escultura e a integração ao restante do espaço do museu são ampliadas quando o objeto é iluminado (dando a ver as sombras ocasionadas pela projeção das luzes do museu diretamente nas hastes de ferro da estrutura) e irão reforçar o conflito visual existente entre a estrutura instalada, os dados relativos ao espaço e a experiência do expectador.

 

Dimensão final: conclusão

Neste artigo foi analisado o processo de criação do artista Evandro Soares através da observação de alguns dos desenhos preparatórios bem como as bases do projeto realizado na exposição Diálogo Desenho no MUnA. Intentamos trazer à vista o modo como o artista escolhe e prepara a matéria metálica (ferro e arame) através de recursos e técnicas de soldagem, corte e dobra, aprendidas com a profissão de serralheiro. Evidenciamos algumas soluções para os problemas surgidos no percurso de sua produção como as alterações de escala, peso, dimensão e formato, e como tais soluções permitiram abrir vias de recepção de seu trabalho com o público. Por fim, ao constatarmos especificidades instalativas presentes no trabalho do artista, anunciamos uma vocação de suas esculturas se portarem simultaneamente como desenhos espaciais – ou esculturas lineares –, fazendo convergir, em um mesmo campo visual, complexidades de situações bi e tridimensionais.

 

Referências

Diálogo Desenho (2013) [em linha] Catálogo da exposição. Uberlândia: MunA. [Consult. 2015-12-15] Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/234522398/Glayson-Arcanjo-Dialogo-Desenho         [ Links ]

Marar, Ton & Sperling, David (2007) "Em matemática, metadesenhos." In: Derdyk, Edith (org.). Disegno, Desenho, Desígnio. São Paulo: Editora Senac, p. 241-52.         [ Links ]

Silveira, Regina (2007) "Desenho e invisibilidade: um depoimento sobre as desaparecencias." In: Derdyk, Edith (org.) Disegno, Desenho, Desígnio. São Paulo: Editora Senac, p. 169-80.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 30 de dezembro de 2015 e aprovado a 22 de janeiro de 2016

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: glaysonarcanjo@hotmail.com (Glayson Arcanjo de Sampaio)

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