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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.38 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.jun2019.038.art01 

ARTIGO ORIGINAL

 

Das políticas de habitação ao espaço urbano: Trajetória espacial dos Afrodescendentes na Área Metropolitana de Lisboa

From the housing policies to the urban space: Spatial trajectory of Afro-descendants across Lisbon Metropolitan Area

 

Elena TavianiI

[I]Gran Sasso Science Institute, Urban Studies, Italy. e-mail: elena.taviani@gssi.it.

 


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo explorar a geografia residencial das populações afrodescendentes da Área Metropolitana de Lisboa resultante das políticas de habitação adotadas nos últimos 60 anos. O enquadramento teórico será elaborado em torno da categoria “afrodescendentes”, que abrange os imigrantes provenientes das antigas colónias portuguesas em África, bem como os seus descendentes. Embora esses grupos sejam diversificados e plurais, destaca-se o facto de serem grupos sociais consolidados e históricos da cidade. Com efeito, uma revisão das estatísticas e dos relatórios oficiais revela que têm sido uma presença constante na cidade desde o início da sua história moderna. Em seguida, olhando para as últimas seis décadas através de uma revisão sistemática da literatura, é possível identificar as três fases principais que marcaram a evolução das políticas de habitação: a primeira fase, desde a década de 60 à de 90 do século passado, foi marcada principalmente pela ambiguidade institucional do regime de propriedade; a segunda fase, de 1993 a 2000, ocorreu durante a execução do Programa Especial de Realojamento (PER), programa nacional de habitação social; e a terceira fase, iniciada há cerca de 15 anos, foi caracterizada pelo processo de reabilitação urbana que ainda está em curso. A natureza das políticas adotadas e as consequências sócio-urbanísticas que afetaram as populações afrodescendentes serão examinadas distintamente. Não obstante a escassez dos dados, o presente artigo visa o reconhecimento da marginalização residencial dos afrodescendentes no espaço metropolitano de Lisboa como resultado das políticas de habitação em apreço.

Palavras-chave: Afrodescendentes, Área Metropolitana de Lisboa, bairros informais, habitação social, reabilitação urbana; marginalidade.


ABSTRACT

The purpose of this paper is to explore the residential geography of the African communities in the urban space of Lisbon Metropolitan Area resulting from the housing policies implemented over the last 60 years. Despite the high degree of diversity that characterized this group composed by both immigrants from former Portuguese colonies in Africa and their descendants, the theoretical framework will be built around the notion of African community as a consolidated minority group. Thus, through a systematic literature review, three main phases that marked the evolution of housing policies are identified. A first period, from the 1960s to the 1990s, defined by institutional ambiguity in the properties regime, a second season, from 1993 to the 2000s, when a national social housing programme was enforced, and a third stage, started around fifteen years ago with the urban rehabilitation process that is still ongoing. The nature of the policies implemented and the socio-urban consequences which involved the African community will be investigated distinctly. At the end of each section explanatory examples will be presented: the informal settlement of Cova da Moura, resulted from the spread of clandestine settlements, Casal da Mira social district, constructed during the re-location programme and the historical neighbourhood of Mouraria currently affected by urban renewal. Eventually, the attempt is to acknowledge and define the continuous marginalization that has affected the African communities within the metropolitan space of Lisbon as a result of the housing policies analysed.

Keywords: Afro-descendants, Lisbon Metropolitan Area, informal settlements, social housing, urban regeneration, marginality.


 

 

1. Introdução

O presente artigo visa descrever a evolução da geografia residencial dos afrodescendentes na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e o contributo das políticas de habitação para essa geografia, analisando as últimas seis décadas. A categoria de afrodescendentes, abordada neste estudo, indica os grupos sociais heterogéneos compostos pelos imigrantes das antigas colónias portuguesas em África – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe –, bem como pelos seus descendentes, mesmo que tenham nacionalidade portuguesa. Pretende-se realçar a condição que é comum a essas pessoas (a marginalização), em vez de descrever a sua pluralidade económica, política, sociocultural e até étnica.

A etnia não é um conceito simples nem coerente, tendo sido tema de um grande debate no âmbito das Ciências Sociais[2]. Em Portugal, a categoria de grupos étnicos ainda não existe nas estatísticas oficiais [3] (Harrison, Ian, & Phillips, 2005: 24), embora a sociedade portuguesa seja profundamente marcada pela sua presença (Eaton, 1998; Malheiros 1998, 2002; Fonseca, Malheiros, Esteves & Caldeira, 2002; Rosales, 2013).

Os fluxos migratórios para Portugal estão intrinsecamente ligados à sua história colonial (Pereira, 2013), especialmente no que diz respeito a África, sendo que têm moldado decisivamente a paisagem humana do país, bem como a sua identidade nacional (Arenas, 2015). O laço colonial ainda é visível na composição da população, especialmente em Lisboa, a capital e a primeira metrópole do país (Arbaci & Malheiros, 2010), e a imigração das últimas décadas, muito diversificada, tornou a cidade numa metrópole multicultural e cosmopolita (Eaton, 1998; Bäckström & Castro-Pereira, 2012; Marques, 2015; Caldas, 2015). Ainda hoje, os principais grupos de imigrantes estabelecidos na AML provêm dos PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – e do Brasil (INE, 2017).

Todavia, há uma grande diferença no estabelecimento desses dois grupos na região. Enquanto a presença africana na sociedade portuguesa e o seu estabelecimento na zona de Lisboa são tão antigos como os “Descobrimentos”, remontando ao século XV, os fluxos migratórios provenientes do Brasil só tiveram início nos anos 80 do século passado. Além disso, os imigrantes africanos, comparados com os do Brasil, mostram uma distribuição geográfica muito mais concentrada na AML, como ilustra a Figura 1 (Fonseca, 2007; Fonseca et al., 2008). Importa referir que as estatísticas oficiais ignoram completamente o número de descendentes de imigrantes africanos (EUMC, 2004: 8). A segunda e terceira gerações são compostas por um vasto número de pessoas, mas os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) estão longe de representar em termos quantitativos o crescente peso deste grupo. Pode-se considerar um número aproximado de 90 mil afro-europeus a viver na AML, contando crianças e jovens apenas até aos 29 anos (Machado et al., 2007).

 

 

A falta de dados supracitada é a principal limitação deste estudo: a categoria em questão não é quantificável, podendo apenas ser estimada por aproximação, e não pode ser mapeada no contexto urbano. A evolução da geografia residencial das populações afrodescendentes e os contributos das políticas de habitação para essa geografia permanecem um assunto relevante. Assim, a questão será abordada através de uma combinação inovadora dos meios disponíveis, nomeadamente estatísticas oficiais, dados secundários e estudos académicos.

A escala de observação é, evidentemente, a escala metropolitana. A Área Metropolitana de Lisboa é o principal ponto de concentração da população residente em Portugal, abrigando aproximadamente 2,8 milhões de pessoas, as quais representam 26,6 % da população residente em Portugal. A população está distribuída por 18 municípios [4], nove dos quais estão agrupados na margem norte do rio Tejo, na Grande Lisboa, e os restantes na sua margem sul, na Península de Setúbal. Os fluxos urbanos constantes ligam muitos pontos deste dispositivo metropolitano, cujo grande centro é Lisboa (Figura 2).

 

 

Os autores que estudaram a evolução urbana de Lisboa são unânimes no que toca a traçar as origens do crescimento demográfico na década de 60, com o consequente crescimento urbano (Salgueiro, 1992). Assim, o período temporal em análise são os últimos 60 anos.

A presença de cidadãos estrangeiros é a característica mais importante da evolução da composição social da Área Metropolitana de Lisboa ao longo dos últimos anos, e a etnia tornou-se numa das principais dimensões da diferenciação sócio-espacial. Uma vez que é impossível responder à pergunta em causa – qual é a geografia residencial das populações afrodescendentes dentro do espaço metropolitano de Lisboa? – por meio do mapeamento das áreas residenciais, devido à falta de dados, a alternativa aceitável para explorar esta questão consiste numa revisão sistemática da literatura sobre as políticas de habitação que visaram essas populações.

Uma breve referência aos fluxos migratórios em Portugal e uma descrição sucinta da presença africana na AML ao longo da história moderna irão preceder o estudo bibliográfico. Estas secções são essenciais para descrever o contexto português e referir os aspetos históricos da questão.

O texto visa essencialmente rever a literatura, mediante uma divisão em três secções, sendo que cada uma aborda uma fase distinta das políticas de habitação. Uma tal divisão em três fases corre o risco de ser simplista; porém, trata-se justamente de uma tentativa de identificar apenas os momentos principais que caracterizaram a evolução das políticas. No final de cada secção, serão apresentados breves exemplos explicativos: o bairro informal da Cova da Moura, o projeto de realojamento social do Casal da Mira e o bairro histórico da Mouraria, atualmente objeto de renovação urbana.

Por fim, a título de conclusão, são expostas algumas reflexões sobre a marginalização dos afrodescendentes no espaço urbano de Lisboa, resultante da execução das políticas de habitação em apreço.

 

2. História da imigração dos PALOP na Área Metropolitana de Lisboa

2.1. Panorama dos fluxos migratórios em Portugal: da emigração à imigração

Tradicionalmente, Portugal tem sido um país marcado pela emigração, que foi particularmente intensa entre 1960 e 1970, quando 1,5 milhões de pessoas deixaram o país e a população diminuiu - 2,5 % (INE, 1970).

O isolamento político resultante da ditadura e o baixo nível de desenvolvimento do país não o tornavam atrativo para os estrangeiros. Com efeito, no início da década de 60, o número de residentes não nacionais em Portugal representava apenas 0,3 % da população total, na sua maioria cidadãos europeus (INE, 1960). Naquela época, as pessoas das colónias africanas ainda não eram contabilizadas como estrangeiras, pelo que não constavam das estatísticas.

A implantação do regime democrático em 1974, a descolonização africana, a modernização da economia nacional e o processo de integração europeia foram alguns dos fatores mais importantes para reverter a trajetória de Portugal da emigração para a imigração (Fonseca, 2008: 51).

Assim, a emigração diminuiu e a imigração deu início a uma fase de crescimento significativa. Entre 1975 e 2006, o número de imigrantes aumentou 13 vezes, de 31 983 para 437 126 (INE, 2012). Os nacionais dos PALOP ultrapassaram rapidamente o número de europeus (INE, 1984), tornando-se, a partir daí, o grupo mais numeroso de estrangeiros no país. Mais tarde, com a entrada de Portugal na União Europeia, em 1986, o fluxo migratório intensificou-se, passando a incluir o Brasil. Em 1996, 56,2 % dos estrangeiros que residiam legalmente no território nacional provinham dos PALOP e do Brasil (Fonseca et al., 2002). Na transição do século XX para o século XXI, o afluxo de imigrantes atingiu uma escala sem precedentes, registando-se uma taxa de crescimento de 152,8 % entre 1996 e 2006 (INE, 2012). No entanto, após o término do ciclo de grandes obras públicas, teve início uma recessão económica, que levou a uma diminuição do número de estrangeiros. O último censo nacional de 2011 indica que os PALOP são o maior grupo do país (35,4 % do total), com um total de 154 766 pessoas. O segundo maior grupo é o dos europeus, com 80 022 pessoas (18,3 %), e o terceiro é o dos brasileiros, com 73 975 pessoas (16,9 %).

 

2.2. A presença africana em Lisboa: do período colonial à imigração dos PALOP

A peculiaridade da composição dos grupos de estrangeiros da Área Metropolitana de Lisboa é a ligação mais manifesta com o passado colonial português. Entre o final do século XV e a segunda metade do século XVIII, foram importadas para Portugal cerca de meio milhão de pessoas de África como escravos. Em 1551, Cristóvão Rodrigues de Oliveira observou que 10 % dos habitantes de Lisboa eram escravos africanos (Rodrigues de Oliveira, 1554; Saunders, 1982: 84; Henriques, 2011: 20). O número aumentou para 15 % até 1773, o que resultou na sua profunda integração no tecido social da cidade (Lahon, 2004). Com a abolição da escravatura, desapareceram das estatísticas oficiais, pois tornaram-se cidadãos do império português perante a lei. Não existem dados sobre as populações africanas que viveram no país durante dois séculos, de 1773 até ao final do império colonial.

Mais recentemente, durante a década de 60 do seculo passado, a emigração para a Europa e a Guerra Colonial causaram a escassez de jovens adultos do sexo masculino no território nacional. Foram trazidos de Cabo Verde para Lisboa trabalhadores não qualificados para trabalhar nos principais projetos de construção pública (Góis, 2008: 12). Formou-se uma concentração residencial de cabo-verdianos (Malheiros, 2000), o chamado “Triângulo Cabo-verdiano”, onde se encontra a rua simbolicamente designada “Poço dos Negros”.

Em 25 de abril de 1974, deu-se a Revolução dos Cravos e, um ano depois, todas as colónias africanas tornaram-se independentes.

Em junho de 1975, o Decreto-Lei n.º 308-A/75 introduziu um novo regime de direitos de cidadania. De acordo com a nova lei, as pessoas nascidas nas colónias perdiam o estatuto de cidadãos portugueses, se estivessem a residir nos países recém-descolonizados à data da independência. Os únicos que podiam manter a cidadania portuguesa eram os que já residiam em Portugal durante os cinco anos que antecederam a independência, mesmo que tivessem nascido nas colónias (Horta & White, 2009). A partir daquele momento, a categoria de imigrantes começou a ser utilizada nas estatísticas oficiais para quantificar os residentes provenientes das antigas colónias africanas.

O processo de descolonização repentino e desorganizado criou um afluxo de imigrantes provenientes das terras recém-libertadas, os quais chegaram juntamente com os retornados [5]. Representando um dos maiores movimentos de instalação pós-colonial da Europa, um número global de 600 000 pessoas estabeleceu-se na AML (Malheiros, 2000), a qual já contava com 1,8 milhões de habitantes antes da sua chegada (INE, 1970).

Os imigrantes dos países PALOP foram integrados em setores de baixos salários e de mão de obra não qualificada. Enquanto os homens trabalhavam na construção e nas obras públicas, as mulheres trabalhavam em serviços domésticos, limpeza, restauração e hotelaria (Fonseca et al., 2002: 72). A dimensão e as oportunidades do mercado de trabalho regional, formal e informal, em Lisboa facilitaram o acesso ao emprego, mesmo para os imigrantes em situação irregular (Fonseca, 2003).

Desde os anos 80 até ao início do novo milénio, o número de imigrantes dos PALOP residentes na área de Lisboa aumentou, de forma constante, de 30 000 para cerca de 125 000 (Figura 3). Esta evolução colocou em evidência o processo de fixação em curso: ano após ano, registavam-se muitas entradas e poucas saídas. Além disso, duas campanhas de regularização extraordinárias revelaram, através de estatísticas, que havia imigrantes no território nacional em situação irregular.

 

 

Em 2001, 65,7 % dos estrangeiros na AML eram provenientes dos PALOP, entre os quais os cabo-verdianos foram sempre a maior comunidade, seguidos pelos angolanos e pelos guineenses (INE 2002). A partir de 2005, registou-se uma redução acentuada dessa percentagem (Figura 3), uma consequência das aquisições de nacionalidade portuguesa.

Assim, se em 2006 os PALOP representavam 49% dos estrangeiros em Lisboa (Malheiros et al., 2011), a percentagem diminuiu consideravelmente para 31% em 2016 (INE, 2017).

No que diz respeito ao emprego, a população PALOP na AML ainda está sobre-representada no emprego semiqualificado e não qualificado: as mulheres trabalham, na sua maioria, nos serviços e no comércio e os homens trabalham principalmente como operários, artesãos e na construção civil (INE, 2002; Fonseca, 2017: 95; Fonseca et al., 2008: 44; Pereira, 2008, 2013). O risco de desemprego das famílias neste tipo de situação profissional tem um efeito desestabilizante para os descendentes que andam na escola (Roldão, 2015: 291), mesmo que não leve diretamente à interrupção dos estudos e à entrada no mercado de trabalho para complementar o orçamento familiar. Com efeito, no que toca ao nível de escolaridade, o grupo PALOP está substancialmente abaixo da média no ensino superior (Pereira et al., 2001; INE 2002; Fonseca et al., 2008).

No entanto, a representação profissional dos imigrantes PALOP (homens na construção e mulheres na limpeza) não identifica de forma alguma as pessoas de origem africana com cidadania portuguesa, em expansão no setor terciário (Machado et al., 2007). Uma menor instabilidade laboral reflete-se nos níveis de escolaridade. Os jovens portugueses afrodescendentes apresentam uma semelhança dupla aos jovens nacionais: ambos têm níveis de escolaridade superiores aos dos pais [6] (Pereira et al., 2000), e esses níveis de escolaridade não diferem significativamente entre si (Machado et al., 2007).

 

3. Políticas de habitação e populações afrodescendentes no espaço urbano da AML: uma revisão da literatura

Foi só na década de 90 que se consolidou uma área de estudo sobre a imigração e os grupos étnicos no contexto português. Muito poucos estudos incluíam uma abordagem espacial e ainda menos eram aqueles que incidiam diretamente nas populações afrodescendentes na Área Metropolitana de Lisboa.

A revisão articula-se numa trajetória diacrónica e está dividida em três partes, que correspondem às três principais fases da política de habitação que marcaram o contexto metropolitano. Cada secção começa com a apresentação da política de habitação, a que se segue uma exposição de alguns aspetos urbanos tangíveis daí resultantes, com casos explicativos.

A primeira fase, das décadas de 60 a 90, caracterizou-se pela ambiguidade no regime de propriedade e territorial, que deu origem à primeira expansão urbana informal. O bairro ilegal da Cova da Moura (n.º 1 na Figura 4) será apresentado como um exemplo da consequência material desta abordagem institucional ambígua. A segunda fase, de 1993 até a primeira década do século XXI, corresponde à execução do plano nacional de realojamento, que visava demolir os bairros informais e realojar a população em novas habitações sociais. O bairro do Casal da Mira (n.º 2 na Figura 4) é um exemplo deste projeto de realojamento maciço. Por fim, a terceira fase em apreço abarca os últimos 15 anos, que foram delineados por uma política de reabilitação urbana levada a cabo especialmente no Município de Lisboa, mas a qual teve consequências diretas em todo o território metropolitano. O bairro histórico da Mouraria (n.º 3 na Figura 4) é um exemplo paradigmático de uma área atualmente objeto de renovação urbana.

 

 

3.1. Das décadas de 60 a 90: ambiguidade no regime de propriedade

Durante a década de 60, o crescimento demográfico de Lisboa foi impulsionado pela chegada de migrantes nacionais, provenientes das zonas rurais (Craveiro, 2010) e pelo afluxo dos primeiros imigrantes de Cabo Verde (Mendes, 2008). O fluxo migratório para Lisboa foi moldado também pelas políticas económicas e de habitação adotadas pelo governo de Salazar. A indústria transformadora consolidou-se como um setor privilegiado da economia portuguesa e, do ponto de vista geográfico, Lisboa e os seus arredores foram alvo das estratégias que apoiaram este desenvolvimento económico.

O congelamento das rendas dos imóveis, a construção dos primeiros projetos de habitação social de larga escala (Baptista, 1999: 19) e a ausência generalizada de controlo sobre as habitações informais foram algumas das ações (ou não ações) empreendidas (Malheiros, 2000). Terrenos sem licenças de construção foram arrendados ou vendidos a preços muito baixos, sem aviso de proibição (Salgueiro, 1972: 37). Surgiu assim um mercado imobiliário ilegal, paralelo ao mercado legal, que implicava a transferência de habitações precárias informais dos migrantes rurais para os recém-chegados de África, os quais se espalharam pela periferia norte da área urbana. O próprio Estado impulsionou a construção informal de várias formas: a organização de loteamentos onde as famílias pobres podiam construir barracas, pagando uma renda mensal baixa, ou, por outro lado, favorecendo as empresas imobiliárias e os grandes empreiteiros nas áreas urbanas com mais valor (Mendes, 2008; Santos, 2014).

O primeiro estudo sobre os bairros informais degradados da área metropolitana foi realizado por Teresa Barata Salgueiro (1972). Trata-se de uma análise geográfica precisa dos bairros degradados dentro do sistema urbano de Lisboa. O seu trabalho, que remonta ao início da década de 70, pouco antes do fim da ditadura, ignorou completamente a questão das populações afrodescendentes que viviam nas áreas analisadas. Contudo, são três as grandes razões que tornam esse estudo fundamental para este debate. Em primeiro lugar, a autora documentou a existência e o padrão geográfico dos bairros clandestinos [7] desde a década de 60 (Salgueiro, 1972: 32). Foram igualmente apresentadas algumas teorias para explicar a instalação de pessoas naqueles locais específicos da área metropolitana. A proximidade aos limites municipais de Lisboa e aos transportes públicos foram os principais fatores de atração. A autora destacou ainda a ambiguidade do regime de propriedade no que dizia respeito àqueles terrenos.

O movimento migratório maciço que se seguiu à descolonização alterou definitivamente a composição social do território metropolitano, colocando sob maior pressão o mercado da habitação regional (Malheiros, 1998). Como resultado, a construção de habitações informais aumentou (Craveiro, 2010).

A desorganização política e os princípios de esquerda dos novos governos portugueses após a Revolução não permitiram travar os bairros ilegais [8]. A expansão residencial desorganizada e a grande falta de coordenação entre os ordenamentos local e regional revelaram a inadequação dos instrumentos de ordenamento de uma democracia jovem (Ferreira, 2012). Assim, durante a segunda metade da década de 70, o número de bairros degradados cresceu a um ritmo acelerado nos arredores a norte de Lisboa, como ilustra a Figura 5 (Malheiros & Vala, 2004; Arbaci & Malheiros, 2010). A sua especificidade era precisamente a origem pós-colonial (Ascensão, 2015).

 

 

Além da concentração em bairros degradados, os imigrantes das antigas colónias africanas revelaram uma tendência para se instalarem também em bairros suburbanos onde havia uma boa oferta de apartamentos de baixo custo construídos legalmente (Malheiros, 2000).

A partir daí, a diferenciação espacial que caracterizou a evolução urbana da AML tornou-se sinónimo de segregação étnica (Malheiros, 1998; Vala, Brito & Lopes, 1999:130). A dinâmica da economia urbana dos anos 80 acentuou as tendências polarizadoras, envolvendo até mesmo o mercado de trabalho, que incorporava carateres étnicos (Malheiros, 1998). O investimento direto estrangeiro registou um crescimento substancial, assim como o comércio com parceiros europeus. Numerosos fundos estruturais da UE têm contribuído para a economia portuguesa, com um impacto particular no setor das obras públicas na região de Lisboa (Malheiros, 2000). A presença de imigrantes altamente qualificados e bem pagos da Europa e da América do Norte aumentou. Entretanto, a procura de um forte contingente de trabalhadores pouco qualificados nos serviços e no setor da construção foi largamente satisfeita pelos imigrantes dos PALOP (Batalha, 2008).

O acesso diferenciado ao espaço materializou a desigualdade, que teve como base a etnia, aumentando os níveis de segregação espacial. Os espaços marginalizados interagiram com os grupos étnicos e sociais desfavorecidos numa espiral de desvalorização mútua e numa reprodução contínua de estereótipos (Malheiros, 1998; Carreiras, 2018). Por sua vez, a exposição a desvantagens espaciais teve impacto na escola (Roldão, 2015: 23) e nos resultados do trabalho de crianças e adultos, agravando ainda mais as desigualdades (OECD, 2018: 13).

As áreas marcadas pela presença dos chamados “bairros de lata” situam-se no primeiro anel da periferia de Lisboa (Fonseca, 2008: 78; Fonseca et al., 2002; Malheiros, 1998; Malheiros et al., 2011). O concelho da Amadora (Figura 5) acolhe grande parte desses bairros informais, devido à sua proximidade à capital e ao eixo do transporte urbano: a linha ferroviária Lisboa-Sintra (Barbosa & Ramos, 2008; Santos, 2014).

A Cova da Moura (Imagens 1 e 2), localizada na Amadora, é um dos maiores e mais antigos bairros da população imigrante. Oficialmente classificado como área de génese ilegal, surgiu da ocupação de terrenos privados e públicos a partir dos anos 50. Atualmente, conta com uma área total de 16,5 hectares e cerca de 7 000 moradores, 60% dos quais têm origem africana (Horta, 2008).

 

 

 

À semelhança de outros bairros de origem ilegal, a Cova da Moura recebeu, com o passar do tempo, o estigma de “no-go area” [9]. Uma série de fatores contribuiu para a construção de representações negativas sobre o bairro e os grupos sociais que lá vivem (Westin, Bastos, Dahinden & Góis, 2010), como a criminalidade e a etnicização da pobreza e a sobre-representação da violência nesses contextos pelos meios de comunicação social (Malheiros et al., 2007: 34). Com o estigma a moldar a realidade, este tipo de discurso reforçou a condição de marginalização de áreas já bastante isoladas, afastadas do resto da população, a qual tem receio de lá ir (Malheiros et al., 2007: 256). Sem negar a prática de crimes em alguns dos bairros informais metropolitanos de Lisboa, não têm sido raros os episódios de violência policial nos bairros com população maioritariamente de origem africana, como a Cova da Moura (Raposo & Varela, 2016; Malheiros et al., 2007: 121-126). Nas últimas décadas, tem sido denunciado um grande número de abusos policiais [10]. Essa violência por parte da polícia, que ultrapassa os limites da legalidade, parece atingir o objetivo de rejeitar e punir aqueles que já são marginalizados e vistos como párias urbanos, por serem pobres e negros, e por viverem em bairros degradados (Raposo & Varela, 2016).

 

3.2. De 1993 a 2000: o programa especial de realojamento

Na década de 90, assistiu-se a um grande dinamismo no ordenamento e na gestão urbana, com a segunda geração de Planos Diretores e com a criação administrativa da Área Metropolitana de Lisboa [11]. Paradoxalmente, o padrão duplo de estabelecimento de imigrantes, com os europeus a viverem nas melhores áreas e os afrodescendentes a viverem nos espaços urbanos marginais, tornou-se mais marcado ao longo da última década (Fonseca et al., 2002: 89). O aumento da diferenciação espacial foi também o resultado de iniciativas maciças de ordenamento do território, que visaram produzir uma cidade reestruturada e vibrante, capaz de lutar por um lugar nas redes urbanas globais e europeias, muito competitivas (Malheiros, 2000). A ocorrência de dois grandes eventos internacionais em Portugal – Lisboa Capital da Cultura (1994) e EXPO’98 – levou o país a enfrentar a questão da habitação precária e dos bairros degradados (Carrière & Demazière, 2002), considerados motivo de vergonha nacional (Eaton, 1998).

Como forma de tentar resolver este problema, foi lançado um programa nacional de habitação social denominado PER – Programa Especial de Realojamento – que envolvia as duas principais áreas metropolitanas do país: Lisboa e Porto. Lançado em 1993 e executado ao longo das duas décadas seguintes, o PER foi o maior plano de habitação social já desenvolvido no Portugal democrático (Arbaci & Malheiros, 2010; Cachado, 2013). Na área metropolitana de Lisboa, foram realojados mais de 20 000 agregados familiares (Tulumello et al., 2018).

O programa tinha dois objetivos principais: eliminar as barracas (Alves, 2018) e realojar os moradores (Fonseca et al., 2002; Cachado, 2013). Desde o início, houve a perceção de que o realojamento dos moradores dos bairros ilegais em novos bairros sociais era, acima de tudo, um problema social e não um problema de edificação (Guerra 1994). Os grupos nacionais moravam em habitações mais clássicas, ao passo que os imigrantes, especialmente dos PALOP, moravam em habitações espontâneas, superlotadas e degradadas (Cardoso & Perista, 1994: 104). Os processos de demolição dos bairros de construção própria e de realojamento dos seus moradores em novos apartamentos não resolveram claramente o problema da exclusão social (Pardue, 2014). Aliás, a concentração espacial e a segregação residencial de grupos de imigrantes foram preservadas por essa política, ao mesmo tempo que se quebraram importantes vínculos de identidade com os antigos bairros (Malheiros, 2000; Ascensão, 2015). Mesmo no texto introdutório da lei [12], e durante toda a execução do programa, os bairros espontâneos foram descritos como uma “praga” social e como enclaves de pobreza e de atividades ilegais (Alves, 2018).

A estigmatização tanto dessas zonas como dos moradores, os quais, em Lisboa, eram principalmente imigrantes africanos e seus descendentes, foi um tema que dominou o debate público (Horta, 2008; Pardue, 2014). Contudo, este fenómeno (enquanto objeto de análise) não tem sido considerado nem desenvolvido nos estudos académicos, tal como se afirma no Relatório sobre Migrantes, Minorias e Habitação da União Europeia de 2005. Não obstante alguns contributos consideráveis, em Portugal, não há uma grande tradição de estudos académicos sobre a segregação de migrantes e minorias étnicas e as suas consequências para a integração social (Harrison et al., 2005: 48).

Os primeiros resultados do programa de realojamento começaram a ser percetíveis no início do novo milénio. De acordo com o Inquérito do Projeto Europeu Geitonies [13], o fator de variação denominado fator étnico explicou a variação de 10,28 % dos 21 indicadores incluídos na análise dos dados dos Censos 2001 (Fonseca et al. 2008: 20), destacando uma forte relação entre as áreas residenciais dos imigrantes dos PALOP (Figura 6) e as habitações pobres e precárias.

 

 

O padrão de localização dos afrodescendentes emergiu claramente em sobreposição às áreas urbanas com as piores condições (Fonseca et al., 2002). As populações de origem africana estavam sobre-representadas em bairros degradados, onde faltavam, muitas vezes, as condições básicas (casas de banho e eletricidade), ou em grandes aglomerados de habitação social. Além disso, a pequena redução do nível de segregação decorrente do PER não é necessariamente uma tendência positiva em si. Com efeito, a dispersão habitacional ocorreu principalmente num contexto espacial de menor prestígio (Malheiros & Vala, 2004; Malheiros et al., 2011: 127). As novas habitações situam-se em terrenos desvalorizados da periferia urbana. Estão isoladas das rotas de acesso a centros comerciais e de serviços e perto de áreas indesejáveis, como cemitérios, áreas industriais e antigas lixeiras. Trata-se de locais estigmatizados e excluídos da sociedade, o que aumenta a condição de marginalidade dos seus novos habitantes (Fonseca et al. 2008: 29).

Neste sentido, a fim de desafiar a relação ortodoxa entre a dessegregação residencial e a inclusão social, o trabalho de Arbaci e Malheiros (2010) sobre a dinâmica da segregação socioétnica no sul da Europa parece revestir-se de especial importância. Propondo uma reflexão inovadora sobre a marginalização por meio da dispersão espacial, os autores interpretaram a dessegregação étnica como sendo um produto ou mesmo um instrumento de domínio e controlo utilizado pelas instituições, e como sendo o resultado espacial de mais marginalização e separação sociais (Arbaci & Malheiros, 2010).

Gradualmente, a execução do PER gerou um ponto de vista crítico comum, segundo o qual a construção intensiva de habitações sociais deu origem a uma nova exclusão social, em vez de resolver o problema da situação habitacional que afetava o território metropolitano (Cachado, 2013; Pardue, 2014; Raposo & Varela, 2016; Fonseca, Malheiros, Mcgarrigle & Pereira, 2017; Oliveira, 2017; Pozzi, 2017; Carreiras, 2018). Em lugar de terem em conta os erros cometidos nas décadas anteriores e de procurarem novos modelos, as políticas portuguesas reproduziram as medidas em matéria de habitação social europeia do pós-guerra, criando enclaves nas zonas periféricas (Cachado, 2013). A habitação social resultante da execução do programa é um exemplo paradigmático do realojamento maciço (Pereira et al., 2001) destinado à concentração de pessoas que partilham determinadas condições: viviam anteriormente em bairros degradados, são pobres e, na sua maioria, de origem africana.

O Casal da Mira, construído no início do século XXI, é o maior bairro de realojamento social do concelho da Amadora (Imagens 3 e 4). Tem cerca de 2 800 habitantes e mais de 700 apartamentos (Batalha, 2008; Cabannes & Raposo, 2013). O Casal da Mira é habitado por uma população muito jovem: metade tem menos de 25 anos. A percentagem da população dos PALOP e seus descendentes é cerca de 50 % dos moradores (CLAS, 2017).

 

 

 

O bairro fica perto de um grande centro comercial e de uma grande via rápida urbana. A sua localização, configuração e tamanho, juntamente com uma rede de transportes deficiente e a ausência de espaços públicos e de equipamentos sociais, limitaram o desenvolvimento de redes sociais locais (Moises, 2013). No entanto, a grande área inclinada de proteção da via rápida foi ocupada pela população para a prática da agricultura urbana, principalmente por famílias de imigrantes de Cabo Verde com baixos rendimentos e os seus descendentes (Cabannes & Raposo, 2013). A transformação positiva dos terrenos inutilizados em espaços verdes e produtivos reflete o conceito de apropriação do espaço (Lefebvre, 1968), por oposição ao conceito de propriedade no sentido convencional. Ao contrário da propriedade, que é pessoal e exclusiva, a apropriação, tal como proposta por Lefebvre, é um direito coletivo e inclusivo: o direito de transformar o espaço de acordo com as necessidades das pessoas que lá vivem.

 

3.3. O atual processo de reabilitação urbana no município de Lisboa: uma tendência neoliberal

Apesar das populações afrodescendentes estarem concentradas na periferia, devido ao longo processo de expulsão do centro da cidade (Tarsi, 2014, 2016; Arbaci & Malheiros, 2010), ainda existem alguns bairros no centro histórico de Lisboa marcados pela sua presença. Os imigrantes dos PALOP e seus descendentes vivem principalmente nos antigos bairros centrais que se consideram atualmente afetados pela degradação urbana e que precisam de ser reabilitados [14].

Nos últimos 15 anos, o município de Lisboa tem sido objeto de um processo contínuo de renovação urbana, com uma combinação de capital nacional e estrangeiro, que está a criar novas desigualdades espaciais. As políticas de reabilitação revelaram que as intervenções públicas ou privadas por meio da valorização das áreas urbanas desencadeiam mecanismos contraditórios de expulsão social (Pavel et al., 2013). Tais políticas urbanas são orientadas para o mercado, pelo que são marcadas pela lógica do consumo, pela competitividade entre as metrópoles e pelo protagonismo dos intervenientes privados no processo de ordenamento e produção dos espaços urbanos renovados.

A tendência neoliberal tornou-se flagrante com a promulgação do Decreto-Lei n.º 104/2004, que aprovou um regime excecional de reabilitação urbana para algumas zonas históricas e áreas críticas. Este regime permitia que os municípios criassem Sociedades de Reabilitação Urbana [15] (SRU) com poderes de mobilização de capital privado e de autoridade administrativa. Mais recentemente, a Lei n.º 31/2012 estabeleceu o Novo Regime de Arrendamento Urbano [16](NRAU), que está a ser contestado pelos inquilinos enquanto o seu primeiro resultado foi o encerramento dos contratos de arrendamento anteriores à década de 90, sem qualquer garantia de direitos para os arrendatários. Deste modo, o NRAU impôs um mecanismo de atualização das rendas, que deu origem a valores incomportáveis para muitos locatários. Como consequência, nos últimos anos, tem-se verificado um deslocamento social pelo território metropolitano inteiro (Pavel et al., 2013).

O processo contínuo de regeneração urbana, no âmbito do qual a reabilitação de imóveis atrai outros residentes mais ricos, leva ao despejo dos antigos moradores, que deixam de conseguir suportar as novas rendas (Mendes, 2013).

A Mouraria (Imagens 5 e 6), situada na área que faz fronteira com o centro tradicional de Lisboa, pertence ao grupo dos “Bairros Históricos e Conjuntos Urbanos que imprimem uma identidade particular a cidade” (Mendes, 2012). Remonta ao início do período medieval e significa literalmente “o bairro dos Mouros” (Menezes, 2009). Tem sido associado à exclusão social e à insegurança. As rendas baixas e a negligência pública favoreceram a formação de enclaves de imigrantes. O número de moradores de nacionalidade estrangeira na Mouraria é três vezes superior à média do município de Lisboa (INE, 2012).

 

 

 

Os primeiros imigrantes a estabelecerem-se e a abrirem negócios na Mouraria foram os imigrantes dos PALOP, que hoje são 25 % da população total (Fonseca et al., 2010: 23). O bairro é considerado uma área urbana étnica (Mendes, 2012). Essa diversidade étnica é visível principalmente na praça Martim Moniz (Fonseca & McGarrigle, 2013), que constitui o maior espaço público do bairro, marcado pela presença de dois grandes centros comerciais, os quais abrigam, desde os anos 80, atividades comerciais grossistas (Caldas, 2015).

Não obstante a vitalidade económica e urbana do bairro, a Mouraria é descrita como uma área de intervenção de alta prioridade, já que se considera que mais de metade dos seus edifícios necessitam de reabilitação (CML, 2011). A Reabilitação Urbana da Mouraria integra-se num plano promovido pela Câmara Municipal de Lisboa em 2011, e o processo de valorização em curso acarreta o risco de modificar completamente a sua população atual em poucos anos. A chegada de uma nova classe média está a provocar a subida dos preços dos imóveis, contribuindo para a expulsão dos grupos mais desfavorecidos (Malheiros et al., 2012). Está igualmente a acentuar a fragmentação urbana e a divisão social do espaço habitacional da cidade. Neste momento, os residentes estão a lutar contra os despejos e os deslocamentos, mas não se verifica ainda qualquer alteração nas políticas.

 

4. Conclusões

As políticas de habitação das últimas seis décadas criaram uma situação habitacional dificilmente reversível na Área Metropolitana de Lisboa. A análise relativa à habitação dos afrodescendentes mostra claramente que ocupam uma posição marginal no espaço urbano.

A primeira fase, caracterizada pela ambiguidade institucional no regime de propriedade e territorial, criou as condições para que os imigrantes das colónias africanas se estabelecessem em terrenos onde a construção era ilegal. Ao longo dos anos, todos os fluxos migratórios subsequentes e os descendentes dos primeiros imigrantes seguiram o exemplo, ampliando esses bairros informais, construídos principalmente com materiais de baixa qualidade. Com o passar do tempo, esses locais passaram a ser mais do que “bairros de lata”. As pessoas que lá moravam investiram nas suas casas e criaram um forte tecido social. Além disso, se inicialmente as áreas ocupadas se situavam em zonas bastante remotas, com o crescimento urbano, passaram a ser consideradas pelos investidores zonas valiosas, a poucos minutos do centro de Lisboa.

No início dos anos 90, o Estado decidiu demolir os bairros de construção informal e libertar os terrenos ocupados, uma vez que já prejudicavam a imagem urbana. Os moradores, na sua maioria imigrantes dos PALOP e os seus descendentes, foram obrigados a mudar-se. Construíram-se novas habitações sociais, administradas pelos municípios da Área Metropolitana, os quais deslocaram essas pessoas para áreas ainda mais isoladas e remotas em comparação com os “bairros de lata”.

O processo de demolição e realojamento teve consequências sociais e urbanas negativas. Em primeiro lugar, destruiu o tecido social, separando comunidades coesas e impondo às pessoas uma nova vizinhança. Em segundo lugar, criou bairros isolados das infraestruturas e dos serviços existentes, e difíceis de integrar na continuidade do sistema urbano. A marginalização das comunidades envolvidas neste processo aumentou, o que levou a uma maior criminalidade, pobreza e estigmatização.

Atualmente, a reabilitação urbana levada a cabo em muitos dos municípios da AML, particularmente em Lisboa, assenta, mais uma vez, no deslocamento da classe social mais vulnerável, obrigando as pessoas a abandonarem os seus lares. Em nome da valorização urbana, está a ser utilizado um novo mecanismo de expulsão, que afeta os grupos populacionais mais desfavorecidas da sociedade, compostos, na sua maioria, por imigrantes dos PALOP e os seus descendentes.

Apesar da participação dos afrodescendentes na história do país e na construção física e da identidade de Lisboa, e não obstante partilharem valores e aspetos culturais com a população nacional, nunca foram adotadas políticas capazes de reduzir a sua marginalização. As políticas deveriam ser concebidas à escala correta, a fim de minimizar essa marginalização, visando não só o núcleo da cidade, mas também as suas zonas periféricas. O desafio para o futuro deverá passar por proporcionar as populações afrodescendentes a possibilidade de participarem de forma direta e visível na vida da cidade, em vez de permanecerem à sua margem.

 

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Received: 19-12-2018; Accepted: 02-05-2019.

 

NOTES

[2] O conceito de “grupo étnico” é essencialmente uma noção moderna introduzida quase exclusivamente pelos Estados coloniais (Amselle e M’Bokolo 1999: III). Pode ser útil enquanto categoria no âmbito das Ciências Sociais; contudo, não há consenso quanto às características próprias de um grupo étnico. Normalmente, os autores referem-se a uma origem, cultura, religião ou língua em comum, e ao sentimento de pertença dos membros de um determinado grupo. Neste caso, a consciência étnica é entendida como o sentimento de pertença de um grupo que se identifica, e é identificado por outros, como fazendo parte de uma categoria distinta de outras categorias da mesma ordem (Barth, 1969: 11). Nesta perspetiva, a utilização da categoria étnica neste estudo incide principalmente nas relações entre grupos, no poder e nas forças estruturais.

[3] Em março de 2018, na sequência das recomendações das Nações Unidas relativas à necessidade de Portugal dispor de informações sobre a origem étnica e devido a alegações de racismo institucional por parte de coletivos, o Governo português constituiu o Grupo de Trabalho Censos 2021 - Questões Étnico-Raciais, com o objetivo de produzir instruções para o Censos 2021. https://dre.pt/ (Consultado em 2 de março de 2019)

[4] Grande Lisboa: Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Vila Franca da Xira.

Península de Setúbal: Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal.

[5] “Retornados” é a designação dada aos cidadãos portugueses que, após a independência das colónias em África, se mudaram para Portugal. Embora a designação evoque o retorno, muitos retornados nasceram nas colónias portuguesas.

[6] O projeto denominado “Jodia” consistiu num inquérito realizado pelo CIES-ISCTE junto de 1 000 afrodescendentes, com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos, na AML, em 2004.

[7] O “fenómeno clandestino” não pode ser dissociado do contexto de desequilíbrios regionais de caráter social, económico e cultural que caracterizavam a sociedade portuguesa naquela época (Craveiro, 2010).

[8] No período que se seguiu à Revolução, foi realizada uma experiência de arquitetura, pioneira no contexto europeu. O SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local – criou unidades técnicas lideradas por arquitetos, em colaboração com as populações locais, com o objetivo de dar resposta às necessidades prementes de habitação das comunidades desfavorecidas por todo o país. Numa altura em que uma grande percentagem da população vivia em situação de pobreza, 25 % das pessoas eram analfabetas e todas estavam imbuídas do espírito revolucionário, a arquitetura entrou em cena para oferecer soluções mediante uma abordagem ascendente. Infelizmente, a iniciativa apenas durou dois anos e, em Lisboa, nenhum dos projetos chegou a ser concluído.

[9] Uma ‘no-go area’ é um local com uma reputação de violência e criminalidade, que faz com que as pessoas tenham medo de lá entrar. https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/no-go-area(Consultado em 9 de maio 2019)

[10] A associação SOS Racismo Portugal, criada em 1996, luta há anos pela criação de um sistema legal capaz de punir atos de violência e racismo sofridos pelas minorias étnicas. Ao longo do tempo, tem comunicado inúmeros crimes cometidos pelas forças policiais. http://www.sosracismo.pt/ (Consultado em 24 de abril de 2019)

[11] Antes de 1991, os limites administrativos não incluíam a Península de Setúbal.

[12] Decreto-Lei n.º 163/1993, Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Diário da República.

[13] GEITONIES – Generating Interethnic Tolerance and Neighbourhood Integration in European Urban Spaces – foi um estudo que visou não só os imigrantes, mas também nacionais, em seis cidades europeias a nível de bairros. https://cordis.europa.eu/project/rcn/88907_en.html (Consultado em 10 de maio de 2019)

[14] Os processos de reabilitação urbana abrangem um amplo conjunto de intervenções, que vão desde a simples recuperação de edifícios e espaços públicos até à revitalização social e económica da área urbana.

[15] https://www.portaldahabitacao.pt/pt/portal/reabilitacao/sociedadesreabilitacaourbana/menusru.html (Consultado em 15 de março de 2019)

[16] http://www.portaldahabitacao.pt/pt/nrau/home/index.jsp (Consultado em 15 de março de 2019)

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