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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.16 Porto mar. 2019

https://doi.org/10.21011/apn.2019.1607 

ARTIGO ORIGINAL

Suplementos alimentares para emagrecimento contendo sinefrina: riscos e toxicidade

Dietary supplements for weight loss with synephrine: risks and toxicity

Mariana Catarina Ribeiro Alves1*; João Paulo Capela1,2

1Unidade de Investigação Universidade Fernando Pessoa em Energia, Ambiente e Saúde do Centro de Estudos em Biomedicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de Abril, n.º 349,4249-004 Porto, Portugal

2UCIBIO/REQUIMTE (Rede de Química e Tecnologia), Laboratório de Toxicologia do Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Rua D. Manuel II, Apartado 55142, 4051-401 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: A sinefrina é o principal composto ativo presente no Citrus aurantium. Encontra-se incorporada em muitos suplementos alimentares que advogam promover a perda de peso, isto apesar do efeito termogénico e a segurança da sinefrina carecerem de estudos que os comprovem. Diversas autoridades de segurança alimentar internacionais emitiram recomendações sobre níveis máximos de consumo diários.

Objetivos: Estudar a composição dos suplementos alimentares para emagrecimento contendo sinefrina e/ou Citrus aurantium disponíveis no mercado português e analisar os efeitos adversos associados às doses diárias de sinefrina que apresentam.

Metodologia: Para a pesquisa de suplementos alimentares para emagrecimento com sinefrina, foi realizada uma pesquisa em pontos de venda físicos e sítios da internet, entre março e abril de 2018.

Resultados: Reuniram-se 37 suplementos com sinefrina e/ou Citrus aurantium na sua composição, apenas sendo possível inferir sobre a quantidade de sinefrina presente em 16 suplementos. Aferiu-se que a dose diária de extrato de Citrus aurantium recomendada pelo produtor e/ou distribuidor corresponde a um valor mediano de 200 mg com valor mínimo de 6 mg e o valor máximo de 840 mg. A quantidade mediana de sinefrina diária recomendada é de 12 mg, com um valor mínimo de 0,6 mg e valor máximo de 60 mg. A cafeína anidra e a sinefrina encontram-se combinadas em 9 suplementos. Vários suplementos excedem os limites diários de sinefrina recomendados por autoridades de segurança alimentar, de destacar que 13 dos 16 suplementos, em que foi possível estimar o valor de sinefrina, excedem os limites preconizados pela autoridade alemã BfR.

Conclusões: Os níveis de sinefrina presentes em vários suplementos podem ser danosos para a saúde dos consumidores. O risco cardiovascular da sinefrina é aumentado na presença de cafeína. Os consumidores devem ser alertados para os níveis destes compostos presentes nos suplementos.

Palavras-chave

Cafeína, Citrus aurantium, Peso corporal, Sinefrina, Suplemento alimentar, Termogénese, Toxicidade cardiovascular

 


 

ABSTRACT

Introduction: Synephrine is the main active compound present in Citrus aurantium. It is found in many dietary supplements that advocate the promotion of weight loss, despite the limited availability of studies that prove the thermogenic effect and safety of synephrine. Several international food safety authorities issued recommendations on the maximum daily levels.

Objectives: Study the composition of dietary supplements containing synephrine and/or Citrus aurantium available in the Portuguese market and analyze the adverse effects associated with their synephrine daily doses.

Methodology: To find dietary supplements for weight loss with synephrine, it was carried out a research at local stores and internet websites, between March 2018 and April 2018.

Results: 37 supplements containing synephrine and/or Citrus aurantium were found, but it is only possible to infer about the amount of synephrine in 16 supplements. It was assessed that the Citrus aurantium daily dose recommended by the producer and/or distributor corresponds to a median value of 200 mg, with a minimum value of 6 mg and a maximum value of 840 mg. The median amount of daily synephrine recommended is 12 mg, with a maximum value of 60 mg and a minimum value of 0.6 mg. Anhydrous caffeine and synephrine were combined in 9 supplements. Several supplements exceed the daily dose limits of synephrine recommended by food safety authorities, of note that 13 of the 16 supplements, where it was possible to estimate the daily dose of synephrine, exceed the limits recommended by the German BfR authority.

Conclusions: Synephrine daily levels present in various supplements can be dangerous to health consumers. The cardiovascular risk of synephrine is increased in combination with caffeine. Consumers should be alerted to the levels of these compounds present in dietary supplements.

Keywords

Citrus aurantium, Body weight, Synephrine, Sietary supplement, Thermogenesis, Cardiovascular toxicity

 


 

INTRODUÇÃO

O consumo excessivo de alimentos e o estilo de vida sedentário promove sinergicamente o aumento de peso e o risco de obesidade (1). Dados de 2015-2016, revelam que em Portugal, a prevalência de pré-obesidade e obesidade é de 34,8% e 22,3%, respetivamente (2). Existem diversas estratégias adequadas para o tratamento destas patologias, desde a alteração de comportamentos alimentares e do estilo de vida, terapias farmacológicas até procedimentos cirúrgicos (3, 4).

Vários suplementos alimentares (SA) disponíveis no mercado que advogam a rápida promoção da perda de peso, através do aumento do metabolismo energético e/ou lipídico, indução da lipólise durante o exercício, supressão do apetite, diminuição da absorção de lípidos, prevenção de ganho ponderal após perda de peso, e até melhorar a performance desportiva (3, 5–7). O estigma social da obesidade, o seu fácil acesso, a publicidade massiva, a alegada ausência de efeitos adversos propagandeada pelos produtores, a crença num produto milagroso para a perda de peso sem exigências de alterações do estilo de vida, a não necessidade de prescrição médica ou orientação por um nutricionista, são alguns dos motivos que levam ao uso dos SA (8).

Os SA termogénicos podem ser constituídos por um único composto ou por um conjunto de compostos, cada um com o seu mecanismo de ação distinto (6, 13, 14). Dada a grande falta de estudos que avaliam a sua eficácia e segurança, os seus possíveis efeitos secundários ou reações adversas constituem uma preocupação para a saúde pública (3). São muitos os SA disponíveis no mercado que alegam ter efeitos termogénicos, alguns dos quais contêm sinefrina e/ou Citrus aurantium. A sinefrina é o principal composto ativo presente no Citrus aurantium, a principal fonte natural para a produção de SA contendo sinefrina (9–11). O Citrus aurantium é uma árvore da família da Rutaceae, também chamada de Laranja Amarga, Bitter Orange, Seville Orange, Sour Orange, Green Orange, Zhiqiao, Zhi Shi ou Kijitsu (4, 12). A sinefrina encontra-se também presente noutras espécies de Citrus assim como na Evodia rutaecarpa (9, 11, 13). E está distribuída pela natureza e é consumida frequentemente em vários alimentos e sumos derivados de citrinos (14). É utilizada há mais de 20 anos em SA termogénicos, devido à sua suposta capacidade de ligação a recetores β3-adrenérgicos e consequente aumento do metabolismo basal e da lipólise, supressão do apetite e aumento da resistência em desportistas (5, 10, 14–18). O Programa de Monitorização em Competições da Agência Mundial Antidopagem (WADA) concluiu que a sinefrina não é proibida, no entanto monitoriza esta substância de forma a detetar padrões de uso ilegítimo no desporto (19).

Existem três posições isoméricas da sinefrina, a orto- (o-sinefrina), meta- (m-sinefrina) e a para- (p-sinefrina) sinefrina, que diferem na posição do grupo hidroxilo no grupo fenólico, o que altera as suas características farmacodinâmicas (9, 11, 18, 20). A o-sinefrina não é obtida a partir de extratos naturais, nem é usada na perda de peso (18). No que respeita à forma isomérica presente no Citrus aurantium não existe consenso, no entanto a maioria dos estudos indicam que este apenas contém p-sinefrina (9, 14, 15, 17, 18, 20, 21). A p-sinefrina também designada de sinefrina e oxedrina, é um derivado de feniletanolamina, constitui mais de 85% de todos os protoalcalóides presentes no Citrus aurantium, e é considerada uma amina simpaticomimética (15–17, 21, 22). A m-sinefrina também designada de fenilefrina ou Neo-sinefrina, é um fármaco simpatomimético usado como descongestionante nasal, midriático e cardiotónico (23) (Figura 1).

A segurança e eficácia da sinefrina são muitas vezes questionadas devido à sua semelhança estrutural com os agonistas dos recetores adrenérgicos simpatomiméticos, que possuem efeitos estimulantes ao nível do sistema nervoso central, cardiovascular e cerebrovascular, pelo seu efeito no aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e na vasoconstrição (9, 15–17, 21, 24, 25). Sendo que estes efeitos são exacerbados quando combinada com outros compostos que ativam outros recetores, como a cafeína (26). Outros derivados sintéticos de sinefrina como metilsinefrina (oxilofrina, p-hidroxiefedrina), isopropilnorsinefrina e t-butil-norsinefrina, foram proibidos em SA, pois promovem um aumento significativo da frequência cardíaca e da pressão arterial (16, 27). Diversas autoridades de segurança internacionais preocupadas com o consumo de suplementos contendo sinefrina, incluindo a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), emitiram recomendações acerca do seu consumo, incluindo níveis máximos de consumo diários. Estas recomendações encontram-se resumidas na Tabela 1.

Dada a recente preocupação com os níveis de sinefrina presentes nos SA por várias autoridades de segurança alimentar, torna-se importante perceber qual a dosagem de sinefrina e associações de compostos presentes nos suplementos. No presente trabalho, foi estudada a composição dos SA para emagrecimento contendo sinefrina e/ou Citrus aurantium disponíveis no mercado português, assim como, as doses diárias de sinefrina que apresentam, de forma a avaliar a segurança dos consumidores que consomem estes produtos.

METODOLOGIA

Para a pesquisa de SA para emagrecimento contendo sinefrina disponíveis Portugal foram procurados em pontos de venda, incluindo sítios da internet, suplementos constituídos por sinefrina e/ou Citrus aurantium, ou as suas denominações sinónimas de Laranja Amarga, Bitter Orange, Seville Orange, Sour Orange ou Green Orange, assim como, por Evodia Rutaecarpa, pois apresentam sinefrina na sua constituição. A informação contida nos rótulos dos suplementos, retirada dos sítios da internet das empresas prozis (www.prozis.pt), eunutrition (eunutrition.com) e myprotein (pt.myprotein.com/), dos sítios nutriTienda (www.nutritienda.com/pt), amazon (www.amazon.com), fitnis (www.fitnis.pt) e planetaHuerto (www.planetahuerto.pt), assim como, de pontos de venda físicos, incluindo parafarmácias e outros locais de venda de suplementos, foi minuciosamente analisada e agrupada. A pesquisa dos suplementos foi realizada entre março de 2018 e abril de 2018. Foram excluídos aqueles que não continham a composição e/ou as quantidades de todos os ingredientes, tanto no rótulo ou na sua descrição nos sítios da internet. Os dados obtidos foram informatizados numa base de dados no programa IBM SPSS Statistics version 25.0. Para a análise estatística foi utilizada a estatística descritiva e aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnoff para a determinar a normalidade da distribuição.

Para a pesquisa de artigos científicos sobre tema, utilizaram-se as bases de dados PubMed, B-on, Science direct e Google Académico, com as palavras-chave “dietary supplement and thermogenic”, “synephrine supplementation”, “Citrus aurantium supplementation”, “bitter orange supplementation”, “synephrine thermogenic effects”, “synephrine thermogenic toxicity” e “synephrine and caffeine”. Na ausência da designação de qual o isómero de sinefrina analisado nos artigos científicos revistos, considerou-se o isómero p-sinefrina. Os critérios de seleção aplicados restringiram-se a estudos publicados depois do ano 2000, de forma a incluir apenas os estudos mais recentes sobre a temática.

RESULTADOS

Os ingredientes e respetivas quantidades referidas no rótulo, ou na sua descrição nos sítios da internet, elaborados pelos produtores e/ou distribuidores dos SA contendo sinefrina, encontram-se descritos nas Tabela 2 e 3. Devido ao elevado número de ingredientes distintos obtidos, cerca de 100, e para tornar a interpretação das tabelas percetível e objetiva, estes foram agrupados em 7 grupos. Assim, a Tabela 2 é constituída pelo grupo dos “componentes contendo sinefrina” que inclui a própria sinefrina, a Laranja Amarga (Citrus aurantium) e a Evodia rutaecarpa e “fontes de cafeína”. A Tabela 3 é constituída pelo grupo dos “complexos vegetais”, “aminoácidos e derivados”, “vitaminas”, “minerais” e “outros ingredientes”. De realçar que os valores presentes na Tabela 2 encontram-se expressos por dose única e por dose total diária recomendada, enquanto que os valores presentes na Tabela 3 encontram-se expressos por dose total diária recomendada pelo responsável pelo suplemento. O valor energético e de macronutrientes destes suplementos é por norma reduzido e não foram incluídos pela sua irrelevância para o objetivo do estudo.

A partir da análise dos rótulos dos 37 SA contendo sinefrina e/ou Citrus aurantium verificou-se que 35 (95%) suplementos apresentam Citrus aurantium e 16 (43%) apresentam descrita a percentagem de sinefrina presente no Citrus aurantium, ou referem apenas a quantidade de sinefrina usada, permitindo o cálculo da quantidade de sinefrina presente. De entre os suplementos que continham sinefrina na composição, somente dois se caracterizaram pela ausência de Citrus aurantium, nomeadamente os suplementos 19 e 37.

Relativamente à dose total diária de Citrus aurantium, o valor mínimo encontrado referente à dose total diária recomendada é de 6 mg, correspondente ao suplemento 13, e o valor máximo é de 840 mg, correspondente ao 14. No diz respeito à quantidade de sinefrina presente nos suplementos, o valor mínimo de 0,6 mg, corresponde ao suplemento 25 e valor máximo de 60 mg ao suplemento 19. De realçar que os suplementos número 19 e 33, também possuem Evodia rutaecarpa, uma fonte de sinefrina, assim a quantidade de sinefrina neles presente será superior.

A cafeína, sob a forma de cafeína anidra, está presente em 25 (68%) suplementos, e destes, 9 encontram-se combinados com sinefrina. A cafeína anidra constitui a única fonte de cafeína na qual é possível quantificar a quantidade de cafeína presente. Assim, de acordo com a Tabela 4, o valor mínimo de cafeína é de 6 mg, presente no suplemento 21 e valor máximo é de 750 mg, presente no 19. Além da cafeína anidra, surgem nos suplementos, por vezes em combinação, outras fontes de cafeína que farão aumentar o conteúdo total deste composto, em particular o café verde, extrato de chá verde, extrato de guaraná, erva-mate e noz-cola.

Para além das informações nutricionais, no rótulo, ou na sua descrição nos sítios da internet, alguns dos SA contêm por vezes as seguintes advertências: “Os SA não devem ser utilizados como substitutos de um regime alimentar variado e equilibrado, bem como de um estilo de vida saudável”, “ Não se destina a atletas de alta competição (dopping positivo), grávidas, lactentes ou idosos”, “Não recomendado a pessoas com doença cardíaca, hepática, renal, tiroidea, sanguínea, inflamatória do colón, do foro psiquiátrico ou diabetes”, “Recomenda-se aconselhamento médico ou nutricional”, “Não combinar com produtos que contenham outros estimulantes como cafeína, pseudoefedrina ou fenilpropanolamina”, “Elevado teor em cafeína”, “A cafeína poderá causar nervosismo, insónias, irritabilidade e taquicardia”, “Não misturar álcool”, “Este produto é contraindicado para menores de 18 anos”.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste estudo verificou-se que as quantidades de sinefrina por dose diária, variaram entre 0,6 e 60 mg, sendo que os suplementos podem ainda conter extratos padronizados de Citrus aurantium para o seu conteúdo em sinefrina, que normalmente varia entre 4%, 6%, 10% e 30% de sinefrina, mas também se encontram no mercado alguns suplementos com concentrações de 95% de sinefrina (13, 26, 28). Nos suplementos analisados, encontraram-se padronizações do conteúdo de sinefrina de 3%, 6%, 50% e 95%. Em termos quantitativos os SA disponíveis no mercado, segundo a EFSA, fornecem uma dose diária de Citrus aurantium entre 100 e 200 mg (28). Os suplementos analisados contêm quantidades de Citrus aurantium que variam entre 6 e 840 mg. Assim, 11 suplementos fornecem menos de 100 mg, 10 fornecem entre 100 mg a 200 mg e 14 suplementos fornecem mais de 200 mg de Citrus aurantium por dose diária.

Muitas autoridades de segurança internacionais conduziram avaliações do risco e/ou emitiram alertas para a administração de produtos com sinefrina, tal como a sua combinação com cafeína. Apesar dos valores limite diários serem distintos entre estas organizações, a titulo de exemplo o Instituto federal Alemão de Avaliação de Riscos (BfR) considerou a dose máxima diária de 6,7 mg de sinefrina nos SA como segura (26). Neste estudo, dos 16 suplementos que fornecem as doses diárias de sinefrina, apenas 3 suplementos (número 25, 33, 37) respeitam esta recomendação. Ou seja 81%, excedem os limites preconizados por esta organização, colocando-se possivelmente em risco de saúde os utilizadores destes produtos.

O efeito das aminas biogénicas tem sido estudado uma vez que poderá afetar o comportamento alimentar, o balanço energético e o controlo de peso (13). A sinefrina é considerada um composto simpatomimético direto e na periferia imita os efeitos da estimulação do SNC pelas catecolaminas ao nível dos recetores α1, α2, β1, β2 e β3-adrenérgicos (22, 24). Alguns autores referem que a sinefrina atua principalmente nos recetores β3-adrenérgicos, o que provoca um aumento da termogénese e da lipólise, controlo glicémico e do apetite, levando a uma redução do peso sem efeitos cardiovasculares significantes (16, 29). Por outro lado, a sinefrina parece estimular os recetores α1-adrenérgicos resultando em vasoconstrição e aumento da pressão arterial (9, 17, 25, 30, 31), o que não é alheio ao facto de a sinefrina apresentar similitude estrutural com os neurotransmissores endógenos da família das catecolaminas. Na literatura encontram-se descritos alguns estudos que avaliam os efeitos a nível cardiovascular da sinefrina. Bui e colaboradores conduziram um estudo com o objetivo de avaliar a alteração de parâmetros cardiovasculares durante 6 horas após a administração, no qual participaram 15 adultos normotensivos de peso normal, que receberam placebo ou uma dose única de 900 mg de extrato de Citrus aurantium (contendo 6% de sinefrina, equivalente a 54 mg). Entre as 1-5 horas foi registado um aumento pressão arterial sistólica no extrato com uma diferença máxima média de 7,3±4,6 mmHg. Entre as 4-5 horas a pressão arterial diastólica foi significativamente superior no extrato com uma diferença máxima de 2,6±3,8 mmHg. Entre as 2-5 horas, a frequência cardíaca foi significativamente superior no extrato com uma diferença máxima de 4,3±4,5 batimentos por minuto (btm). Os autores concluíram que a pressão arterial sistólica e diastólica, e a frequência cardíaca foram superiores durante 5 horas no grupo tratado com Citrus aurantium (32).

A interdição da efedrina em suplementos alimentares, aumentou a integração da sinefrina ou da sua combinação com cafeína nestes produtos, tornando-se os seus maiores substitutos (13, 17, 21). A cafeína é um alcaloide natural estruturalmente semelhante à adenosina, atuando como um antagonista não seletivo do seu recetor, promovendo o bloqueio da atividade pré-sináptica da adenosina que conduz à libertação de catecolaminas, que atuam nos recetores adrenérgicos (13, 33, 34). Segundo a EFSA, a ingestão de 200 mg/dia de cafeína a partir de todas as fontes em consumidores adultos saudáveis não habituais, e de 400 mg/dia consumidores habituais, não levarão a preocupações de segurança (35). Os suplementos 6, 8, 9, 14, 18, 19 atingem e ultrapassam esta recomendação máxima, sendo que os suplementos 9, 14, 18 e 19 fornecem 440 mg, 450 mg, 700 mg e 750 mg de dose diária de cafeína, respetivamente. A co-ingestão de sinefrina e cafeína poderá aumentar o efeito termogénico do suplemento uma vez que cada composto tem um mecanismo de ação distinto, contudo, efeitos secundários como arritmias, hipertensão e ataque cardíaco podem ser potenciados na combinação de efedrina e cafeína (10). Deste modo, a ingestão concomitante de sinefrina com outros estimulantes, pode conduzir a efeitos adversos cardiovasculares, que podem não ser observados quando a sinefrina é administrada isoladamente (10, 28, 36). Haller e colaboradores realizaram um estudo para avaliar a segurança de um suplemento contendo sinefrina e cafeína durante 12 horas após a administração (36). Participaram 10 indivíduos normotensivos, separados em 3 grupos, um recebeu um suplemento com Citrus aurantium, contendo 46,9 mg de sinefrina, outro um suplemento composto por Citrus aurantium contendo 5,5 mg de sinefrina, 5,7 mg de octopamina, 239,2 mg de cafeína e outros ingredientes, e o último um placebo. Os autores concluíram que estes suplementos têm efeitos cardiovasculares significativos, mas provavelmente não serão causados pela administração de Citrus aurantium, uma vez que uma dose superior de sinefrina não teve influência na pressão arterial, mas sim devido à presença de cafeína e de outros estimulantes (36). Noutro estudo, Haller e colaboradores conduziram um estudo onde participaram 10 adultos, que receberam placebo ou um suplemento contendo 21 mg de sinefrina do Citrus aurantium, 304 mg de cafeína oriunda de cafeína anidra, chá verde e guaraná, e outros ingredientes (37). Os participantes foram randomizados para os seguintes grupos: produto teste + exercício de intensidade moderada ou produto teste + descanso ou placebo + exercício. Após a administração, foram realizadas medições durante 12 horas. Os resultados demonstraram um aumento da pressão arterial diastólica no grupo produto teste + exercício, com 71,17±8,7 mmHg comparativamente ao grupo placebo+ exercício, com 63,0±4,9 mmHg. A glicose pós-prandial plasmática também aumentou no grupo produto teste + exercício. A elevação da pressão arterial e da glicose plasmática são parâmetros a ter em consideração especialmente em indivíduos com patologias cardiovascular e no metabolismo da glicose quando ingerem estes suplementos (37). Num outro estudo Ratamess e colaboradores estudaram o efeito metabólico, lipolítico e cardiovascular de um suplemento durante o exercício, em que 12 homens foram distribuídos por grupos da seguinte forma: 100 mg de p-sinefrina ou 100 mg de p-sinefrina+100 mg de cafeína ou placebo, administrados 45 minutos antes do início do exercício. Foi detetado um aumento do glicerol antes do exercício e a glicose plasmática foi significativamente superior no grupo p-sinefrina+cafeína em todas as medições. O VO2 e o gasto energético foram superiores no grupo p-sinefrina e p-sinefrina+cafeína, 30 minutos após o exercício. As taxas de oxidação da gordura (calculadas tendo por base os parâmetros VO2 e VCO2) também foram superiores nestes grupos entre os 25 e 30 minutos após o exercício. A média da pressão arterial e o gasto energético foi significativamente superior no grupo p-sinefrina+cafeína. Os autores concluíram que a suplementação com p-sinefrina ou p-sinefrina+cafeína aumenta a lipólise, o VO2, o gasto energético e a oxidação da gordura após o exercício. De salientar que foram verificados aumentos na frequência cardíaca apenas na combinação de p-sinefrina+cafeína (38).

Muitos suplementos termogénicos analisados neste estudo apresentam uma combinação de vários compostos ativos. Na verdade os SA contendo Citrus aurantium relatados em casos clínicos associados a vários efeitos adversos eram poliherbais, contendo polialcalóides e elevadas doses de cafeína (16, 39). Stohs (39) após a revisão dos 22 relatórios de reações adversas recebidas pela Agência dos alimentos e medicamentos dos Estados Unidos da América (FDA) de 2004 a 2009 e outros 10 casos clínicos disponíveis na literatura relacionados com os efeitos adversos associados ao consumo de produtos contendo várias ervas e componentes entre as quais Citrus aurantium ou p-sinefrina, concluiu que estes incluíam enfarte agudo parede lateral do miocárdio, síncope induzida por exercício associada ao prolongamento do intervalo QT, acidente vascular cerebral isquémico, angina variante, colite isquémica, espasmo coronário e trombose, enfarte do miocárdio com elevação do segmento ST, fibrilação ventricular, um possível mascarar de bradicardia e hipotensão num individuo com anorexia nervosa (39). A Agência Nacional Francesa da Segurança Sanitária, da Alimentação, do Ambiente e do Trabalho (ANSES) identificou 18 relatos de reações adversas associadas ao consumo suplementos contendo Citrus aurantium, entre 2009 e 2013, sendo a hiperfosfatémia a reação adversa mais reportada (11).

As principais limitações na análise dos estudos experimentais e dos casos clínicos, são que estes não permitem concluir de forma sólida que os extratos de Citrus aurantium e a p-sinefrina são os responsáveis diretos pelos efeitos adversos descritos, ou pela falta deles, uma vez que há vários fatores que podem contribuir para os efeitos descritos. Por exemplo, a presença de vários ingredientes ativos além da sinefrina, a escassez de informações relacionadas com a farmacocinética da sinefrina, propriedades ligação aos recetores adrenérgicos e o desconhecimento da relação dose-resposta (11, 13, 39). Nos ensaios clínicos com humanos, são apontadas limitações do baixo número de participantes, baixas doses de administração (muitas vezes uma dose única), o tempo de duração que normalmente é curto, não permitindo inferir sobre os efeitos de exposições a longo prazo, faltando avaliar os efeitos cerebrovasculares referidos anteriormente.

O presente estudo apresenta algumas limitações. Uma delas prende-se com o facto de apenas serem analisados SA disponíveis no mercado português, excluindo produtos de outros mercados estrangeiros facilmente acessíveis aos consumidores através da compra em sítios da internet. Além disso, procedeu-se a uma analise descritiva do conteúdo de compostos presentes nos suplementos de acordo com a informação veiculada pelo fabricante, não foi efetuada confirmação da dosagem de sinefrina ou de outros componentes por nenhum método analítico.

CONCLUSÕES

Nos suplementos termogénicos analisados neste estudo a p-sinefrina apresenta-se combinada com vários outros componentes, o que significa que os efeitos do consumo se devem à mistura e não apenas à p-sinefrina isoladamente. De destacar a combinação de p-sinefrina com cafeína, que é responsável pela potenciação dos efeitos adversos cardiovasculares. Dos 37 suplementos analisados apenas em 16 foi possível calcular a quantidade de p-sinefrina contida no suplemento, dificultando a análise da segurança das doses recomendadas pelo fabricante. Os consumidores devem ser ativamente alertados para os níveis dos compostos presentes nestes suplementos, que por vezes excedem os níveis recomendados por várias autoridades de segurança alimentar.

 

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Endereço para correspondência

Mariana Catarina Ribeiro Alves

Rua de Quintão, casa 9, Abade de Neiva,

4750-013 – Barcelos, Portugal

marianalvesnutricao@gmail.com

 

Recebido a 15 de outubro de 2018

Aceite a 4 de março de 2019

 

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