INTRODUÇÃO
O Sistema Penitenciário Federal no Estado Brasileiro foi implementado em 2006, como uma reprodução do modelo de unidades de segurança máxima norte-americanas, as “Supermax”, com o uso ostensivo de artefatos de vigilância e a reclusão individual do preso como pilares do sistema.
No entanto, o que está a ocorrer é a subversão da ordem de todo um sistema: está tornando regra o que deveria ser excepcional e provisório.
No Relatório Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, de Juan Mendez3, destaque-se o seguinte trecho: “O Relator tem consciência do esforço arbitrário que é definir o momento a partir do qual um regime já prejudicial se torna prolongado e, portanto, capaz de infligir uma dor inaceitável”.
O Relator conclui que o prazo de 15 (quinze) dias representa o marco que separa o “regime de isolamento” ao “regime de isolamento prolongado”, porque, a partir deste momento, de acordo com a literatura pesquisada, alguns dos danos psicológicos causados pelo isolamento se tornam irreversíveis.
Esse novo regime do Estado Brasileiro é um regime de isolamento prolongado. E é de fato um sistema extremamente rigoroso e gravoso ao preso, em especial pelo que se destaca a seguir:
1) Longo período de isolamento, perpetrado pelo recolhimento em cela individual por cerca de vinte e duas horas por dia, com a consequente privação de maior contato humano diário;
2) Distanciamento da região que habitava, e, principalmente, distanciamento do seu núcleo familiar;
3) Atualmente, sem visitas íntimas, apenas com visitas coletivas nos pátios, gravadas e monitoradas;
4) A Proibição de visita social nos pátios das esposas que estiverem respondendo a quaisquer investigações policiais ou a processos judiciais em curso, ficando estas pela visitação limitadas por um vidro blindado.
Nos presídios federais as celas são individuais, com alimentação feita no próprio local. De regra, são 22:00h do dia de isolamento. O único contato diário com outra pessoa é pelo tempo de 02:00h, durante o banho de sol que é coletivo.
No que se refere ao direito de visita íntima, vale destacar que este é outro direito frequentemente maculado nos presídios brasileiros. Não deixa de se caracterizar, portanto, como uma espécie de Regime disciplinar diferenciado.
Trata-se de um sistema de medida extrema e de isolamento e não se sabe ao certo o alcance dos efeitos psicológicos e psiquiátricos que isso acarreta.
Ademais, conforme informações retiradas do banco de dados do Sistema Penitenciário Federal, no período entre 22.06.2017 e 05.07.2017, existem 570 (quinhentos e setenta) presos federais e destes 121 (cento e vinte um) estavam no Sistema Penitenciário Federal há mais de 720 (setecentos e vinte) dias.
Essa informação mostra que, na prática, o art. 10, da Lei 11.671/2008, que estipula o prazo máximo de permanência é completamente ignorado, visto que quase 20% (vinte por cento) dos presos federais extrapolam o prazo legal.
Além dessas, temos outras arbitrariedades, fazendo desse sistema penitenciário um erro, na medida em que afronta os preceitos constitucionais da Constituição da República, principalmente o da dignidade da pessoa humana e da proibição de aplicação de penas cruéis ou de banimento.
Conforme expresso por Maria Lúcia Karam4:
A identificação do “criminoso” em indivíduos isolados e facilmente reconhecíveis produz uma sensação de alívio. O “criminoso” é o outro. Quem não é processado ou condenado vive uma consequente sensação de inocência. A imposição da pena a um apontado responsável pela prática de um crime funciona como a “absolvição” de todos os não selecionados pelo sistema penal, que, assim, podem comodamente se auto intitular “cidadãos de bem”, diferentes e contrapostos ao “criminoso”, ao “delinquente”, ao “mau”. (...). É preciso tentar compreender o significado da privação da liberdade. É preciso conduzir nosso olhar, nossa imaginação, nossos sentimentos, para dentro dos muros das prisões, esforçando-nos por imaginar a infinita dor das pessoas que sofrem a pena, esforçando-nos para deixar de lado a indiferença; os preconceitos; as abstratas ideias que privilegiam a “ordem”, a “segurança”, a “defesa da sociedade”, ideias que, esquecendo-se da igualdade originária entre todos os indivíduos, dividem-nos entre supostos “cidadãos de bem” e apontados “criminosos”.
A limitação do espaço, a impossibilidade de ir a outros lugares, de buscar e estar com quem se deseja; o isolamento, a separação, a distância do meio familiar e social; a perda de contato com experiências normais da vida, essas restrições inerentes à privação da liberdade são fonte de muita dor.
Os fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil são os constantes dos incs. I a V, do art. 1º, quais sejam: a Soberania; a Cidadania; a Dignidade da pessoa humana; Valores sociais do trabalho e livre-iniciativa e Pluralismo político.
Para o nosso estudo, importante destacar a Dignidade da pessoa humana. Segundo Mendes de Souza5, tal princípio “retrata a preocupação do constituinte com o homem, tanto sob o aspecto moral quanto sob o material. Ao elevar a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da comunidade estatal, o constituinte coloca o ser humano como fim último de nossa sociedade”.
E, no dizer de Barra6, “O homem-pessoa não é um bem jurídico - na realidade (...) é um ente dotado de valor em si mesmo”.
O direito à Saúde, previsto no art. 6º da Constituição Federal, acrescente-se, é destacado pela doutrina como um dos aspectos indispensáveis à realização do fundamento da Dignidade da pessoa humana.
E a Lei de Execução Penal impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Assim, estão estes protegidos quanto aos direitos humanos fundamentais do homem (vida, saúde, integridade corporal e dignidade humana), porque servem de suporte aos demais, que não existiriam sem aqueles. É o que prescreve o art. 40.
Também está previsto nas Regras Mínimas para Tratamento dos Presos da ONU (Organização Mundial das Nações Unidas), o princípio de que o sistema penitenciário não deve acentuar os sofrimentos já inerentes à pena privativa de liberdade (item 57, 2ª parte).
Com tais considerações, identificando evidente afronta a preceitos fundamentais, convém ressaltar que a inclusão e manutenção de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima deveria ser medida excepcional e por prazo determinado, nos moldes da Lei 11.671/2008.
1 SUCESSIVAS RENOVAÇÕES: O ISOLAMENTO POR TEMPO INDETERMINADO TEM SUAS CONSEQUÊNCIAS
A legislação federal brasileira, na Lei de Execuções Penais (Lei 11.671/2008) prescreve:
Art. 10. A inclusão de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima será excepcional e por prazo determinado.
§ 1º O período de permanência não poderá ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, renovável, excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência.
E, nos termos do art. 2º do Decreto 6.877/2009: “O processo de inclusão e de transferência, de caráter excepcional e temporário, terá início mediante requerimento da autoridade administrativa, do Ministério Público ou do próprio preso”.
A dicção da lei aduz que o período de permanência não poderá ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias. Ou seja, o prazo de permanência não é de 360 dias, mas de até 360 dias, prorrogáveis, excepcionalmente.
É imperioso ainda salientar que o preso não pode cumprir integralmente sua pena em recinto prisional federal, haja vista ser um regime de exceção e por prazo determinado, destinado a recolher presos de alta periculosidade e caráter diferenciado.
Em 1990, a Assembleia Geral adotou a Resolução 45/111, contendo os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos e em seu Princípio 7º estabelece que devem ser empreendidos e encorajados esforços com vistas a abolir ou restringir o regime de isolamento, como medida punitiva.
O Comitê de Direitos Humanos, no § 6º de seu Comentário Geral 20, ressaltou que o regime de isolamento prolongado da pessoa detida ou presa pode equivaler a um dos atos proibidos pelo art. 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Já o Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes recordou que: “o regime de isolamento prolongado pode equivaler a um ato de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes...” (CAT/OP/PRY/1, § 185).
Não obstante, a Corte Europeia de Direitos Humanos tem enfatizado reiteradamente que o regime de isolamento, mesmo quando é apenas parcial, não pode ser imposto a um preso por tempo indeterminado7.
No Relatório do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, o Relator especial se pronunciou no § 76: “o Relator Especial reitera que, em sua opinião, qualquer imposição de regime de isolamento que exceda 15 dias constitui tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante, dependendo das circunstâncias”8.
Existem presos que estão há 10 (dez) anos em regime de isolamento, e ainda sem quaisquer garantias de retorno ao encarceramento brasileiro padrão ou mesmo seu Estado de origem.
Nessa toada, o Relatório do Conselho de Direitos Humanos sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes explicita: “O uso de regime de isolamento somente pode ser aceito em circunstâncias excepcionais, quando sua duração for a mais breve possível e por um período determinado devidamente anunciado e informado”9.
Indivíduos submetidos a quaisquer destas práticas são, de certa forma, colocados em uma prisão dentro de uma prisão, e, portanto, estão submetidos a uma forma extrema de angústia e exclusão, o que claramente excede uma pena de prisão normal.
Devido ao seu isolamento, presos mantidos em regime de isolamento por tempo indeterminado ou prolongado podem facilmente ser esquecidos pelo sistema judiciário e, portanto, proteger seus direitos se torna ainda mais difícil, mesmo em Estados com alto grau de respeito ao estado de direito10.
O sentimento de incerteza causado pela falta de informação sobre a duração do regime de isolamento aumenta a dor e o sofrimento das pessoas sujeitas a este regime.
Nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (ou Regras de Mandela) se garantiu: “Regra 88: 1. O tratamento dos presos deve enfatizar não a sua exclusão da comunidade, mas sua participação contínua nela”.
O Estado Brasileiro vem cometendo arbitrariedades e abusos intermináveis, transformando o que deveria ser uma estadia excepcional em algo rotineiro desrespeitando de forma escancarada os dispositivos constitucionais e tratados de direitos humanos, consagrando o regime da total e inexorável desesperança.
É inegável que as sucessivas renovações que vem sendo aplicadas na prática estão trazendo sérias patologias mentais aos custodiados das Penitenciárias Federais.
O isolamento individual de 22 (vinte duas) horas, a escassas visitas, o distanciamento de sua cidade e de seus costumes, a rigorosíssima disciplina, a falta de perspectiva de retorno à sociedade, tudo isso junto, não tem como não virar uma verdadeira tortura psicológica.
No Habeas Corpus 0057899-92.2016.8.19.0000, impetrado por Lucas Nepomuceno, filho de um dos reclusos com 10 (dez) anos no sistema federal, em favor do mesmo, Márcio Nepomuceno, narra-se: “... há 10 (dez) anos não vê uma televisão ou ouve um rádio e é mantido isolado por 22 (vinte e duas) horas diárias, período em que não vê ninguém, apenas escuta vozes de comando de agentes penitenciários quando chega a hora de sua alimentação, que é entregue por um pequeno espaço existente na porta da cela”.
A narrativa acima demonstra de forma clara o vilipêndio ao princípio da humanidade das penas, o que transforma as penitenciárias federais em “fábricas” de distúrbios psicológicos, inclusive com registros oficiais de casos de suicídios, o que mostra que o regime de isolamento imposto é de fato enlouquecedor e afronta, indiscutivelmente, o art. 1º, III, da Constituição de nossa República Federativa, que traz como pilar da democracia, a dignidade da pessoa humana.
Inúmeros são os casos de suicídios e morte no Sistema Penitenciário Federal (sem contar a tentativas que não são divulgadas). Vejamos:
a) 25.05.2010 - Renildo dos Santos Nascimento em Catanduvas/PR;
b) 05.05.2011 - Adão Oliveira Silva em Campo Grande/MS;
c) 15.10.2013 - Caso do Italiano em Campo Grande/MS;
d) 25.04.2014 - Robson Ribeiro da Silva Sobrinho em Catanduvas/PR;
e) 02.06.2014 - Osmano Canuto de Araújo em Catanduvas/PR.
O relatório da visita de inspeção do Presídio Federal de Campo Grande, do Ministério da Justiça, mais exatamente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, revela: “As celas são individuais e possuem a dimensão de 6m², sendo que a cela de isolamento é dotada de 12 m². As celas são compostas de um solário, bancada, cama e banheiro”.
À exceção dos períodos de banho de sol (2 horas diárias), os internos passam o resto do dia isolados nas celas. O isolamento quase que absoluto, agravado pela configuração das celas (inteiramente de cor branca), não se mostra favorável para a saúde mental dos presos.
A quase totalidade dos internos faz uso de antidepressivos, medida largamente utilizada pela administração para arrefecer os danos psicológicos causados pelo regime disciplinar imposto11.
Tal procedimento, porém, favorece a dependência dos internos em relação a estes medicamentos, subvertendo completamente os ideários de humanidade.
Essa é também a situação atual dessas vítimas que, conforme laudos e prontuários médicos, sobrevivem à base de remédios controlados.
Percebe-se, através dos prontuários médicos e psicológicos, que os denunciantes relatam, em comum, os sintomas de: insônia, ansiedade e depressão. Todos fazem uso de antidepressivos, principalmente do bupropiona 150 mg.
Os quatro presídios federais, segundo relatórios produzidos pela Defensoria Pública da União (DPU), entre 2016 e 2017, não tiveram nenhum registro de rebelião, fuga ou homicídio. O sistema tem 832 (oitocentas e trinta e duas) vagas, mas abriga apenas 437 (quatrocentos e trinta e sete) detentos.
Ainda de acordo com os relatórios citados, em ação solicitando a volta dos presos a seus estados, a DPU alegou uma série de problemas de saúde mental, decorrentes do isolamento dos presos. O órgão afirma, segundo dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional, que “cerca de 12% dos custodiados federais já recorreram ao suicídio e 60% sofrem alucinações auditivas, psicose, desorientação, dentre outros problemas mentais”12.
É grave a violação de direitos humanos constatada na realidade cotidiana do Brasil, há inobservância de garantias tão fundamentais a um estado democrático de direito.
Neste ponto vale ressaltar, ainda, a violação ao direito de visitas íntimas e sociais, um dos aspectos mais importantes para manutenção da saúde mental dos detentos, resguardado pela Lei de Execução Penal, em seu art. 41, X: “constituem direitos do preso: X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”.
O Decreto Federal 6.049/2007 do Sistema Penitenciário Federal estabelece:
Art. 36. Ao preso condenado ou provisório incluso no Sistema Penitenciário Federal serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Art. 37. Constituem direitos básicos e comuns dos presos condenados ou provisórios: (...) X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados.
O mesmo Decreto Federal 6.049/2007 tratou da visita íntima da seguinte forma (art. 95): “a visita íntima tem por finalidade fortalecer as relações familiares do preso e será regulamentada pelo Ministério da Justiça”.
Já a Portaria 1.190, de 19.06.2008 - Gab/Ministério da Justiça, institui:
Art. 1º. A visita íntima tem por finalidade fortalecer as relações familiares, devendo ser concedida com periodicidade mínima de duas vezes por mês, em dias e horários estabelecidos pelo diretor da penitenciária, respeitadas as características de cada estabelecimento penal federal.
§ 1º O preso, ao ser internado no estabelecimento penal federal, deve informar o nome do cônjuge ou de outro parceiro para sua visita íntima.
§ 2º A visita ocorrerá em local adequado para esta finalidade e compatível com a dignidade humana, possuindo a duração de 01 (uma) hora”.
E ainda a Portaria 122, de 19.09.2007 - Depen - Ministério da Justiça esclarece:
Art. 1º. A visita do cônjuge, da(o) companheira(o) de comprovada união estável, um ou outro, parentes e amigos aos presos realizar-se-á, semanalmente, em local apropriado nos horários e dias determinados pelo Diretor do estabelecimento penal federal.
§ 1º Em caso de datas festivas ou de sua proximidade, a critério do Diretor do estabelecimento penal federal, poderá ocorrer mais de uma visita por semana.
§ 2º Será permitida a entrada de até três visitantes, por preso, por dia de visita, sem contar as crianças.
§ 3º A duração da visita será de três horas.
Em obediência ao que determina a Lei de Execução Penal e as portarias aqui citadas, as prisões devem permitir visitas, tanto da família como de amigos.
Diz-se deste um direito limitado porque, além de o ordenamento jurídico não abarcar nenhum direito de caráter absoluto, sofre uma série de restrições, tanto com relação às condições que devem ser impostas por motivos morais, de segurança e de boa ordem do estabelecimento, como porque pode ser restringido por ato motivado do diretor do estabelecimento (art. 41, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais).
Outrossim, nem se diga que aquele que está cumprindo pena sofre, necessariamente, restrição de seus direitos, a começar pelo direito de liberdade e livre locomoção, já que tais impedimentos não se confundem, nem poderiam, com o direito ao contato íntimo, expressamente garantido por lei, e que não está entre os efeitos da sentença penal condenatória.
Além disso, o direito deve ser garantido, não apenas por constar de mandamento legal, mas, sobretudo, para evitar que a abstinência sexual por período prolongado contribua para o desequilíbrio da pessoa, gerando um clima tenso no estabelecimento penitenciário, por conduzir, na maioria dos casos, ao homossexualismo, violando-se, por consequência da imposição da opção sexual, o direito à dignidade da pessoa humana, este, sim, de caráter absoluto em nosso ordenamento.
Ademais, embora não haja norma disciplinando a remoção temporária de presos para a visitação, fato é que tal não é proibido. Ou seja, na ausência de regulamentação legal, cabe ao magistrado discricionariamente deferir ou não o pedido, com vistas às disposições legais acima referidas, sobretudo em atenção às restrições consentâneas te tal direito, vale dizer, a par das limitações do caso concreto.
Assim, os vínculos familiares, afetivos e sociais são considerados bases sólidas para afastar os condenados da delinquência.
Não há como negar a necessidade da humanização da pena privativa de liberdade, por meio de uma política de educação e de assistência ao preso, que lhe facilite, se assim o desejar, o acesso aos meios capazes de permitir-lhe o retorno à sociedade em condições de convivência normal.
No Brasil, onde o sistema penal é vasto, se encarcera mais pessoas do que qualquer outro país na América Latina. Infelizmente os problemas desse sistema imenso e de difícil controle possuem proporções correspondentes. Abusos dos direitos humanos são cometidos diariamente nos estabelecimentos prisionais e afetam milhares de pessoas.
A doutrina penitenciária moderna, com acertado critério proclama a tese de que o preso, mesmo após a condenação, continua titular de todos os direitos que não foram atingidos pelo internamento prisional decorrente da sentença condenatória em que se impôs uma pena privativa de liberdade.
Com a condenação, cria-se especial relação de sujeição que se traduz em complexa relação jurídica entre o Estado e o condenado que, ao lado dos direitos daquele, que constituem os deveres do preso, encontram-se os direitos, que devem ser respeitados pela Administração.
À luz dessas considerações, é muito importante que o sistema carcerário não aumente ainda mais o isolamento dos detentos além do que é inerente ao próprio encarceramento.
Nota-se que tais fatos são de conhecimento do Estado. Logo, este regime não deveria continuar a ser aplicado ou, no mínimo, ser adequado aos preceitos fundamentais da constituição pátria e às normas de direitos humanos das quais somos signatários.
Na jurisprudência interna podemos ainda citar o entendimento do Ilustre Desembargador Federal Tourinho Neto:
Antigamente, no período medieval, onde imperava o Direito Canônico, a prisão era castigo “com o isolamento em calabouço para salvaguarda moral dos presos e também com o fito de levar o condenado, com a inação obrigatória, a purificar a alma” (Gabriel Le Brás). Hoje, é para proteger a ordem e a segurança do estabelecimento ou da sociedade. A barbárie é a mesma. Mudou-se, apenas, a finalidade. Tortura-se com o silêncio. Fere-se mais a alma do que o corpo.3. Na Penitenciária Federal, o paciente está submetido a um regime cruel, desumano, regime assemelhado ao das masmorras dos regimes totalitários, nazistas, stalinistas etc.
A já citada Lei de Execução Penal no Brasil veio com a função declarada no seu art. 1º: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Outro exemplo na jurisprudência pátria, merece destaque:
Pode se dizer que por mais que em privilégio do direito social à segurança pública (art. 144 da CF), e, ainda que o ordenamento jurídico preveja a existência de unidades prisionais federais, destinadas ao abrigo de presos provisórios ou definitivos, “cuja inclusão se justifique no interesse da segurança pública e do próprio preso” (art. 3º da Lei 11.671/2008), deve-se recordar que a inclusão de qualquer preso em unidade prisional federal é medida de exceção e temporária, devendo se limitar estritamente às hipóteses previstas em lei, não podendo se converter em regra ou mecanismo para que os Estados deleguem à União a execução da pena daqueles que sejam, eventualmente, considerados como “ persona non grata ”13.
E ainda, conforme a Carta de Direitos Humanos: 48 “Períodos longos de isolamento não contribuem para a reabilitação ou ressocialização dos presos”.
Agora, será que um indivíduo que fica sucessivos anos, chegando ao absurdo de 10 (dez) períodos de 360 (trezentos e sessenta) dias, isolado do mundo sem a justificação da excepcionalidade está sendo reabilitado?
Onde está a implementação do art. 1º da Lei de Execução Penal? E o art. 5º da Constituição Federal da República Brasileira, que trata de direitos fundamentais, e que assegura o respeito à integridade física, psíquica e moral de todas as pessoas. Este está sendo respeitado?
Cabe destacar para o tema em debate, a interessante obra de Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere14, resultante da experiência do autor, preso em março de 1936, acusado de ligação com o Partido Comunista.
Este destaque para refletirmos: a história do cárcere, diga-se, sempre foi um pesadelo para aqueles que o vivem ou viveram. Na obra em comento, o País passava por um regime ditatorial15.
E atualmente, qual o sentido do encarceramento desumano, completamente contrário aos ditames de um estado democrático de direito?
Graciliano Ramos, ao narrar sua história não se diz injustiçado, embora o tenha sido. Memórias do Cárcere narra acontecimentos da vida de Graciliano Ramos e de outras pessoas que estiveram presas durante o Estado Novo e se direciona a situações vivenciadas por outras pessoas; destaque-se esta interpretação:
O que o autor retrata, e é o que mais interessa em Memórias do Cárcere, é um olhar de quem foi preso, algo que é muito mais abrangente do que se fixar no olhar do narrador. O discurso, regido pela égide da opressão é caracterizado pelo desdobramento: pois é psicológico, e, ao mesmo tempo, um documentário; é particular, mas universaliza-se16.
Ainda neste sentido, de compreender os fatores psicológicos de quem está encarcerado, vale destacar o que bem sintetizou Lola Huete17 sobre o que é a prisão, após percorrer algumas prisões femininas na Espanha: “(…) te roba el amor de otros y te impide darlo, ver crecer y envejecer a los tuyos e incluso morir; te deja un poso de miedo a que te abandone y te olviden; te culpa por el sufrimiento que les ocasionas; te aísla de la vida real, te impide el gesto cotidiano: hacer la compra, conducir al trabajo, salir al balcón; te provoca rechazo de otros, sientes que pierdes la vida…”18.
Retomando, é inevitável afirmar que a custódia no Sistema Penitenciário Federal está a gerar danos psíquicos e emocionais, submetendo os condenados a malefícios que não se limitam à privação de liberdade.
Cumpre relembrar que os direitos fundamentais têm, dentre as características: a universalidade, a imprescritibilidade, historicidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade.
O direito à saúde, dotado de todas as características, de direito fundamental, é direito de segunda geração e o seu desrespeito macula uma conquista histórica, garantida constitucionalmente.
Em consonância com os ditames constitucionais e os princípios que bem norteiam os direitos humanos, vale citar o que bem ponderou Karam a respeito do Código de ética que rege os psicólogos brasileiros:
Estabelece compromissos com o respeito e a promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano; com a promoção da saúde e qualidade de vida das pessoas e das coletividades; com a contribuição para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Tais compromissos traduzem um imperativo ético que há de conduzir ao rompimento da trágica aliança entre os saberes “psi” e o sistema penal.
O Estado tem a responsabilidade para concretizar um ideal de vida digno na sociedade19. E neste ideal, inclui-se o direito social à saúde, que não se limita aos cidadãos livres. Aliás, o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, prevê que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
CONCLUSÃO
O sistema constitucional brasileiro não admite direitos e garantias absolutas, mas impõe que as limitações de ordem jurídica se destinem de um lado, a proteger a integridade do interesse social e de outro, assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades.
É inquestionável a gravidade das consequências psicológicas geradas pelo aprisionamento em presídios federais brasileiros.
Por todo o exposto, conclui-se que não está assegurada a coexistência harmônica de valores constitucionais relevantes. O fato é que as constantes renovações no Sistema Prisional Federal, na maioria dos casos, ultrapassam a medida da razoabilidade.
Preponderou-se a supremacia da segurança pública, enquanto direito social (art. 144 da Constituição Federal brasileira de 1988), mas não se revela legítimo o sacrifício às garantias individuais, sem a existência de fatores excepcionais e contemporâneos que justifiquem o encarceramento.
Virou rotina o pedido de inclusão, assim como renovações sucessivas de permanência no Sistema Prisional Federal sob a alegação genérica de “ser perigoso e integrante de organização criminosa”, e tal motivação vem se prestando, como bem explanado pelo Desembargador Paulo da Cunha20: “à execração pública, ao exílio, à vingança ou ao sensacionalismo”.
O afastamento do preso do meio social e familiar com o consequente rompimento dos laços familiares reconhecidamente importantes para a ressocialização, só pode ser decretado quando há provas suficientes de que o preso realmente se enquadra ou continua se enquadrando nos moldes do art. 3º do Decreto 6.877/2009, o que, seguramente, assim com a sua renovação tem que respeitar a excepcionalidade do art. 10 da Lei 11.671/2008.
A Constituição da República, como norma matriz, veda a adoção de penas cruéis e de caráter perpétuo (art. 5º, inc. XLVII, da CF), garante a individualização na execução da pena (art. 5º, inc. XLVIII, da CF) e assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, inc. XLIX, da CF).
No Brasil, portanto, não existe pena de morte tampouco perpetua, porém adota um sistema que compromete a saúde mental dos detentos.
O problema e diferença em relação aos países desenvolvidos é que os nossos encarcerados voltarão ao convívio social e teremos que conviver com eles. A dúvida que fica: esse convívio será (tem sido) saudável?
Que meios estão sendo empregados para garantir o retorno ao meio social com segurança e com o objetivo da pena, de não apenas punir, mas ressocializar?
Deve-se ter em mente: devemos encarcerar e punir o indivíduo que cometeu o delito, mas jamais devemos privá-los dos seus direitos outros, aqueles que estão além da liberdade legalmente comprometida, resultante da sentença condenatória.
Não devemos e não podemos retirar direitos a custo de “fazer justiça”, a custo da saúde, física e mental. Não podemos seguir distorcendo justiça e direitos humanos. Devemos primar pela justiça, que se faz em observância à estrita legalidade.
No dizer de Karam21:
O sistema penal é uma fonte de violência, danos e dores. A pena elimina a liberdade, exclui, estigmatiza, provoca ódios, estimula comportamentos negativos ou indesejáveis (...) Algum dia, não importa quando, a humanidade construirá um mundo onde cada um dos indivíduos e seus direitos fundamentais serão efetivamente respeitados; um mundo onde não haverá prisões; um mundo onde nenhum Estado terá o violento, danoso e doloroso poder punitivo; um mundo onde ninguém mais carregará o estigma do “criminoso”, do “mau”, ou do “inimigo”.
Por corolário, dentre os direitos assegurados aos condenados está aquele de cumprir a reprimenda imposta em estabelecimento prisional próximo de sua família, como forma de manter os vínculos afetivos e garantir a assistência familiar, emocional e social, contribuindo para a harmônica integração social.