1. Introdução
O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for the International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um estudo educacional multiciclo de grande escala promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Trata-se do maior e mais complexo estudo internacional no domínio da educação e avaliação de competências dos adultos e tem como propósito fundamental a provisão de informação estatística detalhada e a assistência aos governos dos países participantes na avaliação, monitorização e análise do nível e da distribuição daquelas competências, visando a adequação e o desenvolvimento de políticas, programas e iniciativas com implicações neste âmbito. Depois de um 1.º Ciclo, realizado entre 2008 e 2013, com prolongamento em duas rondas adicionais de recolha de informação (2014-2015 e 2017), envolvendo perto de quatro dezenas de países, decorre, desde 2018, o 2.º Ciclo do PIAAC (2018-2024), com participação de 31 países1.
A componente principal do PIAAC é o “Inquérito às Competências dos Adultos” (Survey of Adult Skills), que avalia as competências dos participantes nos domínios da literacia, numeracia e resolução de problemas e cuja fase principal de aplicação decorreu, em Portugal, entre janeiro e agosto de 2023. Para além deste estudo, e igualmente no âmbito das atividades do Grupo de Projeto responsável pela coordenação do PIAAC no nosso país, foi ainda possível programar, desenvolver e concluir o conjunto de atividades associado à concretização de um segundo estudo, de menor dimensão e complementar ao “Inquérito às Competências dos Adultos”, assente na aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC (PIAAC Employer Survey Module on Skill Gaps, ou simplesmente PIAAC Employer Module). Este inquérito por questionário, coordenado diretamente pela OCDE, foi aplicado a uma amostra de responsáveis de organizações empregadoras nos cinco países europeus participantes na primeira ronda da iniciativa - Eslováquia, Hungria, Itália, Países Baixos e Portugal. No nosso país, a concretização do “Módulo de Empregadores” resultou de uma parceria estabelecida entre o Grupo de Projeto do PIAAC, que atua com suporte administrativo e financeiro da ANQEP, I.P., e o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (GEP-MTSSS), tendo o desenvolvimento das operações decorrido em articulação com a aplicação do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” (Continuing Vocational Training Survey, CVTS), estudo do Eurostat cuja responsabilidade pela operacionalização e execução o Instituto Nacional de Estatística (INE) delega no GEP-MTSSS2.
O “Módulo de Empregadores” do PIAAC contém itens de pesquisa sobre competências requeridas pelas empresas, incluindo: um conjunto de perguntas básicas sobre posse, desequilíbrios e carências de competências dos trabalhadores; itens sobre formação necessária e desejável; questões sobre práticas de recursos humanos e modos de organização do trabalho favorecedoras da aquisição e promoção de competências; e um conjunto de itens sobre as características principais das empresas inquiridas. Estes itens são selecionados e ajustados tendo em consideração os tópicos e questões incluídas no estudo que hospeda o Módulo, neste caso, o “Inquérito à Formação Profissional Contínua” de 2020. Os resultados da aplicação do Módulo visam possibilitar uma melhor avaliação, a partir das experiências e perspetivas dos empregadores, dos requisitos de competências das respetivas organizações e forças de trabalho, bem como uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos e estratégias que aqueles mobilizam para responder a desequilíbrios existentes e a carências de competências destas últimas.
O desenvolvimento e a aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC decorreram, em Portugal, entre 2020 e 2023. Depois de uma fase preparatória, concretizada, durante 2020 e 2021, em estreita relação com a OCDE e os demais países participantes, procedeu-se à administração do questionário, em 2022, seguindo-se uma fase de tratamento, limpeza e validação dos dados, que redundou na disponibilização pública e na entrega à OCDE, no primeiro trimestre de 2023, dos microdados do inquérito. Desde essa altura, decorrem tarefas de reporte técnico e de análise dos resultados do estudo. Ainda que os dados relativos a Portugal possam ser desde já acedidos e utilizados por investigadores e equipas de investigação nacionais e internacionais, bastando para tal a respetiva credenciação junto do INE e do GEP-MTSSS, a análise comparada dos dados está ainda em curso, sendo pretensão da OCDE publicar um relatório internacional de análise dos dados no final de 2024, em articulação com a publicação dos dados do “Inquérito às Competências dos Adultos” do PIAAC.
Neste artigo, são apresentados, a título introdutório e de forma sucinta, os principais objetivos e características definidoras do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, os aspetos metodológicos mais relevantes associados à respetiva operacionalização e as particularidades da sua aplicação em Portugal, reservando-se ainda uma pequena secção conclusiva do texto para a exploração de alguns resultados gerais do estudo e a identificação de oportunidades de investigação abertas pela disponibilização deste inédito conjunto de dados sobre as demandas por competências evidenciadas pelas organizações empregadoras sediadas no nosso país.
2. O “Módulo de Empregadores” do PIAAC: objetivos e quadro metodológico geral
O “Módulo de Empregadores” do PIAAC centra-se no estudo dos “desequilíbrios”, “desajustamentos” ou “hiatos de competências” existentes nas organizações empregadoras, tal como percebidos e reportados pelos responsáveis destas instituições. Os “hiatos de competências” (skill gaps) - o mais das vezes correspondentes a “carências” ou “lacunas de competências” (skill shortages) - expressam os desequilíbrios entre a oferta e a procura de competências necessárias nos locais de trabalho. Numa perspetiva de longo prazo, “e dado o ritmo lento de ajustamento em matéria de capital humano, desequilíbrios de competências persistentes traduzem uma alocação suboptimal de recursos, que pode reduzir o crescimento económico no seu conjunto” (Marcolin & Quintini, 2023, p. 7; ver também OCDE, 2017; 2019b)3.
Os hiatos de competências podem ou não estar associados a fenómenos de escassez ou excesso de mão-de-obra (labour shortages/surpluses). Sendo certo que a oferta insuficiente ou excessiva de trabalhadores disponíveis para trabalhar nas condições de mercado num dado momento conduz geralmente a desequilíbrios em matéria de competências, não é infrequente que as empresas observem tais desequilíbrios mesmo em situações em que aqueles fenómenos não se verificam. Os hiatos de competências podem ser observados quando as competências dos trabalhadores (ou das pessoas que procuram trabalho) excedem ou estão aquém das competências requeridas pelos trabalhos disponíveis, nas condições de mercado existentes num dado momento, não sendo rara a sua associação com desequilíbrios registados a montante em matéria de qualificações ou áreas de formação escolhidas e frequentadas.
Os desajustamentos de competências são uma preocupação das empresas, que tentam contrariá-los através de mudanças nas práticas de recrutamento, de alterações nas formas de organização do trabalho, remuneração e alocação interna de recursos humanos e da pro visão de formação inicial ou contínua. Uma compreensão adequada destas práticas empresariais impõe que se conheçam os requisitos de competências identificados pelas organizações empregadoras e as lógicas e estratégias subjacentes à mobilização dos mecanismos que os empregadores consideram mais eficazes para responder aos desequilíbrios observados. Ora, ainda que a inquirição dos trabalhadores acerca destes assuntos providencie informação relevante, estes conhecem de forma habitualmente limitada os desafios que as respetivas entidades empregadoras enfrentam em matéria de hiatos de competências e nem sempre estão cientes do conjunto de estratégias e práticas de gestão desenvolvidas a este propósito nas suas empresas; por conseguinte, a melhor forma de obter esta informação é tipicamente através da inquirição direta dos empregadores (ver, sobre isto, a síntese do quadro teórico-concetual subjacente ao “Módulo de Empregadores” do PIAAC avançada por Marcolin & Quintini, 2023, pp. 10-15).
O “Módulo de Empregadores” do PIAAC (PIAAC Employer Survey Module on Skill Gaps) visa complementar o “Inquérito às Competências dos Adultos”, componente principal do Programa, através da recolha de informação sobre competências disponíveis ao nível da empresa, competências que os empregadores antecipam que serão necessárias no futuro e práticas de gestão de recursos humanos e de promoção da formação mobilizadas neste âmbito. O propósito é recolher informação estatística harmonizada e passível de comparação, em diversos países da OCDE, através da preparação e aplicação de um questionário comum. Na primeira ronda de aplicação do “Módulo”, ocorrida em 2021 e 2022, participaram cinco estados-membros, todos europeus (Eslováquia, Hungria, Itália, Países Baixos e Portugal), tendo o “Inquérito à Formação Profissional Contínua”, do Eurostat, sido o estudo selecionado para “hospedar” esta iniciativa inédita da OCDE.
O pequeno questionário do “Módulo de Empregadores” do PIAAC contém um conjunto de questões essenciais (cinco) sobre desajustamentos em matéria de competências identificados na empresa e sobre fatores explicativos da respetiva presença. Do “núcleo” do questionário fazem ainda parte questões (também cinco) sobre as características fundamentais da empresa (setor de atividade, dimensão, localização), indispensáveis à contextualização dos resultados e à ligação dos mesmos com outras bases de dados e resultados de outros estudos. Um conjunto de questões opcionais do “Módulo” incide sobre tópicos relevantes em matéria de política empresarial ou mesmo de política pública. São questões sobre as consequências que cada empresa observa em resultado da presença de hiatos de competências, sobre a capacidade de inovação das empresas inquiridas e sobre as suas práticas de organização do trabalho e de gestão de recursos humanos, incluindo a menção a estratégias de recrutamento e a identificação de dificuldades sentidas neste plano. Um segundo conjunto de questões opcionais explora as estratégias que, em concreto, as empresas põem em prática para confrontar os hiatos de competências identificados. A informação recolhida através destas questões refere-se a práticas de formação, formas de organização do trabalho e outras práticas de gestão, incluindo características da força de trabalho conseguida através de novos recrutamentos.
A seleção das questões a contemplar em cada aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC - e, portanto, a dimensão do questionário e a duração do seu preenchimento - dependerá, entretanto, das características e questões que estiverem incluídas no estudo escolhido para o “hospedar”. Várias das questões propostas na versão completa do “Módulo” puderam ser dispensadas nesta primeira ronda de aplicação exatamente porque se sobrepunham a questões já incluídas no “Inquérito à Formação Profissional Contínua” de 2020, que o acolheu (ver, para mais informações sobre o conteúdo do “Módulo”, Marcolin & Quintini, 2023, pp. 10-15 e Anexo A).
A informação obtida através do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, que reflete representações e práticas declaradas dos empregadores sobre os temas tratados, encontra correspondência em diversas questões do Questionário-Base do “Inquérito às Competências dos Adultos”. Também na componente principal do PIAAC há lugar ao questionamento - neste caso, a membros da população ativa empregada e desempregada, que respondem às perguntas do questionário no seu domicílio e a título individual - sobre nível de competências (auto)percebido, competências mobilizadas no local de trabalho, lacunas de competências e de formação identificadas, mudanças observadas no local de trabalho (em diferentes domínios) ou provisão de formação na sequência das mudanças verificadas (em Marcolin & Quintini, 2023, Anexo B, é possível encontrar uma tabela de correspondências entre as questões apresentadas no “Módulo de Empregadores” e as questões homólogas presentes no Questionário-Base do “Inquérito às Competências dos Adultos” do PIAAC).
A conjugação dos dois pontos de vista - de trabalhadores (empregados ou não no momento da inquirição), por um lado, e de responsáveis de organizações empregadoras, por outro - reduz o viés associado à obtenção de um ponto de vista único, amplia as oportunidades de especificação empírica dos conceitos investigados e oferece informação potencialmente relevante para o desenvolvimento de medidas de política, quer no que respeita à conceção ou afinação de políticas públicas, quer no que se refere à adoção ou reformulação de políticas e iniciativas de cariz empresarial ou setorial. Por exemplo, o estudo das diferenças entre os dois pontos de vista em sede de concertação social pode suscitar a revisão e aperfeiçoamento de políticas e dispositivos de antecipação de necessidades de qualificações e competências ou a revisão das políticas de formação contínua num dado setor de atividade económica.
A recolha de dados com recurso a duas fontes distintas, mas concetualmente articuladas, oferece também oportunidades de complexificação e aprofundamento da análise estatística em torno destes tópicos. Sendo de grande dificuldade técnica - em face da presença de processos de amostragem muito diferenciados e das particularidades metodológicas da concretização desta primeira ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC - a criação de uma ligação estatística ao nível dos indivíduos entre os dados recolhidos através deste inquérito e os dados recolhidos através do Questionário-Base do “Inquérito às Competências dos Adultos” (isto é, o conjunto de operações que permitiriam o estabelecimento de uma ligação estatística - ex-post matching - entre os dados providenciados pelos indivíduos que responderam ao “Inquérito às Competências dos Adultos” e os dados obtidos através do “Módulo” junto dos respetivos empregadores), é ainda assim possível conceber uma ligação dos dados a um nível interméd io, isto é, considerando os dados dos dois inquéritos de forma agregada, por exemplo, olhando as experiências e perceções - tanto de empregados, como de empregadores - num mesmo setor de atividade económica. Os dados obtidos através do estabelecimento de uma ligação estatística deste tipo podem ainda ser complementados com dados provenientes de outros inquéritos a entidades empregadoras ou com dados de fontes administrativas, desde que disponíveis num nível de desagregação idêntico (para uma discussão destas possibilidades, ver Marcolin & Quintini, 2023, pp. 18-21).
O “Módulo de Empregadores” do PIAAC pode ser aplicado isoladamente ou como elemento complementar de um inquérito a empregadores já existente, solução que permite uma considerável economia de custos. A associação da primeira ronda de aplicação do “Módulo” à concretização do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” de 2020, que resultou de um acordo estabelecido entre a OCDE e o Eurostat, provou ser viável e adequada para os países interessados em participar nesta vertente complementar do PIAAC. Trata-se, contudo, de uma opção disponível apenas para países europeus. Países não-europeus que possam vir a querer aplicar o “Módulo” terão de fazê-lo em articulação com outros inquéritos existentes ou assumindo a sua aplicação como operação estatística independente.
Pese embora a economia de custos inerente à aplicação do “Módulo” no quadro de um inquérito pré-existente, este facto supõe condicionalismos relevantes, como os que decorrem da determinação heterónoma da unidade de observação a contemplar, do período de referência da inquirição ou da cobertura amostral considerada (tipos, dimensões e ramos de atividade das empresas inquiridas). Na primeira ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, o respetivo enquadramento no âmbito do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” determinou que os dados recolhidos tivessem de reportar-se a 2020 e restringiu a amostra a empresas do setor privado, impondo ainda a exclusão das situações de autoemprego e das empresas com menos de dez trabalhadores (sobre este tópico, ver Marcolin & Quintini, 2023, pp. 23-25)4.
3. A aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC em Portugal: especificidades metodológicas e caracterização genérica da amostra
Portugal participou, juntamente com Eslováquia, Hungria, Itália e Países Baixos, na primeira ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC. A recolha de dados decorreu em 2021 e 2022 (2022, no caso português), de forma autoadministrada, com recurso a plataformas online de inquirição e recolha de respostas (computer assisted web interviewing, CAWI), acessíveis através de mecanismos de acreditação individual segura das entidades respondentes. Em todos os países participantes nesta primeira ronda de aplicação, o “Módulo” foi assumido como operação complementar à edição de 2020 do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” (CVTS 6), tendo cada país participante procedido à tradução e adaptação do respetivo questionário - contendo questões “nucleares” e questões “opcionais” (ou “desejáveis”) - de acordo com os conteúdos incluídos no questionário do CVTS 6 e, eventualmente, considerando interesses de pesquisa específicos do país.
A utilização do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” como “hospedeiro” do “Módulo de Empregadores” do PIAAC determinou vários parâmetros da amostra de respondentes, incluindo a unidade de observação (unidades legalmente estabelecidas), o ano de referência (2020), os ramos de atividade cobertos (categorias B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, R e S da NACE, Rev. 2 - ver abaixo), a natureza das entidades a inquirir (empresas do setor privado) e a sua dimensão (empresas com dez ou mais pessoas ao serviço)5.
No caso português, a aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC decorreu no segundo semestre de 2022 (formação no mês de julho, recolha de dados em setembro e outubro, processamento e limpeza dos dados em novembro, envio para o INE em dezembro), tendo a validação final e a entrega dos microdados à OCDE ocorrido no primeiro trimestre de 2023. Os dados transmitidos à OCDE incluíram, para além da base de dados com os itens decorrentes das respostas ao questionário, os elementos relativos à análise e ponderação da amostra e os metadados do estudo.
A base amostral foi a mesma que havia sido usada na aplicação do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” (extração da amostra em setembro de 2021, formação em outubro do mesmo ano, aplicação do questionário entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, processamento e limpeza dos dados entre janeiro e junho, envio dos dados para o Eurostat em junho de 2022), tendo sido solicitado às empresas respondentes que tomassem como período de referência para as respostas o ano de 2020.
Responderam ao “Módulo de Empregadores” do PIAAC 3.419 empresas (de uma amostra bruta de 6.583 empresas elegíveis, correspondentes a um universo estimado de 41.553 empresas). A taxa de resposta foi de 51,9%. A Tabela 1A apresenta a dimensão da amostra e as taxas de resposta obtidas, consideradas por dimensão da empresa (três grupos) e por ramo de atividade económica (vinte grupos da NACE, Rev. 2). As Tabelas 1 B e 1C simplificam a leitura destes dados.
Estima-se que o universo de mais de 41.500 empresas representado pela amostra mobilizada no quadro da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC abranja perto de 2,3 milhões de trabalhadores. Deste universo de empresas, estima-se que cerca de três quartos (31.400) tenham providenciado aos seus trabalhadores algum tipo de formação profissional contínua. O número de trabalhadores empregados nas empresas que providenciaram algum tipo de formação profissional contínua corresponderá a perto de 2,06 milhões (89,6% do universo de trabalhadores representado), estimando-se em cerca de 980 mil (42,6%) o número daqueles que, no ano de referência do estudo, participaram em cursos de formação profissional contínua6.
Tabela 1A - Dimensão da amostra de empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC em Portugal e taxas de resposta obtidas, por dimensão da empresa (três grandes grupos) e ramo de atividade económica (os vinte grupos da NACE, Rev. 2 considerados).
Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE).
Tabela 1B - Amostra de empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC em Portugal, por dimensão da empresa (três grandes grupos).
Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE)
Tabela 1C - Amostra de empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC em Portugal, por setor de atividade económica (cinco agrupamentos de ramos de atividade da NACE, Rev. 2).
Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE). Nota: O setor I corresponde aos códigos NACE 1-10, o setor II corresponde ao código NACE 11, o setor III corresponde aos códigos NACE 12-16, o setor IV corresponde aos códigos NACE 17-19 e o setor V corresponde ao código NACE 20
4. O “Módulo de Empregadores” do PIAAC e o estudo das demandas por competências nas empresas: resultados preliminares e pistas de investigação
A disponibilização dos dados do “Módulo de Empregadores” do PIAAC abre portas ao desenvolvimento de investigação relevante - de contornos inéditos em Portugal - sobre perfis empresariais, procura de competências e práticas de recrutamento e formação de trabalhadores, tal como representadas e declaradas pelos responsáveis das entidades empregadoras. Não obstante o seu caráter parcelar e provisório, as análises avançadas nesta secção do presente artigo, que se baseiam na mobilização de indicadores estatísticos apreciados de forma preliminar e descritiva, dão conta de alguns dos caminhos que tal investigação poderá percorrer, apoiada em informação recente e confiável obtida diretamente junto de uma amostra alargada de empresas de diferentes ramos de atividade sediadas no país7.
Procurando detalhar aspetos relativos ao perfil da amostra de empresas inquiridas, no que nele se refere à provisão de formação profissional, os dados disponibilizados na Tabela 4 dão conta de diferenças importantes na proporção de empresas que promoveram alguma forma de formação profissional contínua (FPC), quando tal tópico é apreciado à luz da dimensão da entidade inquirida (medida em número de trabalhadores). Assim, se a percentagem de empresas que declarou providenciar alguma forma de FPC ultrapassa, no total de empresas inquiridas, 75%, estima-se que esse valor baixe para 72,2% quando consideradas apenas as empresas com entre 10 e 49 trabalhadores, sendo nas empresas com entre 50 e 249 trabalhadores e, sobretudo, nas empresas com 250 ou mais trabalhadores que mais incidente se revela a provisão de alguma forma de FPC (respetivamente, 91,7% e 98,7% do total de empresas nestas categorias).
Este padrão encontra correspondência quer nos valores relativos à provisão de cursos de FPC, que são promovidos por menos de metade das entidades empregadoras com entre 10 e 49 trabalhadores, valor que contrasta com os 82,3% e os 93,9% observados nos casos das empresas das categorias de dimensão intermédia e superior, quer no volume de trabalhadores envolvidos nestes cursos, que ascende a 56,5% do total de trabalhadores nas empresas de maior dimensão, ficando -se pelos 25,5% nas empresas mais pequenas consideradas no estudo (45,1% do total de trabalhadores nas empresas com entre 50 e 249 empregados). O padrão é também observável nos dados relativos à provisão estimada de formação profissional inicial (FPI), ainda que, neste caso, com menores distâncias entre as diferentes categorias de dimensionamento das empresas: ela é oferecida em 17,8% das empresas com entre 10 e 49 trabalhadores, 21,2% das empresas com entre 50 e 249 trabalhadores e 20,3% das empresas com 250 ou mais trabalhadores (a média global cifra-se, neste indicador, nos 18,3%).
Ao olhar-se a amostra do ponto de vista já não da dimensão das empresas, medida em número de trabalhadores, mas do setor de atividade em que as empresas inquiridas atuam, é possível verificar diferenças igualmente importantes. Os setores que incluem quer as atividades tecnológicas, financeiras e de seguros, quer as atividades técnico-científicas, artísticas, culturais e recreativas e as atividades de apoio aos serviços são aqueles que apresentam as proporções mais elevadas de provisão de algum tipo de FPC pelas empresas (91,1% e 86,8% das empresas fazem -no), no que contrastam com o setor da construção, cujo valor estimado de provisão de alguma forma de FPC pelas empresas respetivas está situado abaixo da média geral (é aqui de 68,1%). Não obstante as prováveis assimetrias internas - trata-se de agrupamentos de ramos de atividade económica muito amplos e heterogéneos -, os setores da indústria (exceto construção) e do comércio, transportes, hotelaria e restauração apresentam, para todos os indicadores considerados na Tabela 4, valores relativamente alinhados com as médias gerais registadas.
Tabela 2 - Provisão de FPC e FPI nas empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC em Portugal (proporções estimadas), em 2020.
Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE). Nota: FPC - Formação Profissional Contínua (CVT, na sigla em língua inglesa); FPI - Formação Profissional Inicial (IVT, na sigla em língua inglesa).
Quando questionados sobre o perfil de competências dos trabalhadores e sobre eventuais desequilíbrios em matéria de competências observados nas respetivas organizações, os responsáveis das empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC declararam maioritariamente não existirem nas suas equipas quaisquer trabalhadores sem as competências consideradas “adequadas”. Com efeito, para 57,3% dos empregadores inquiridos, não se registavam hiatos de competências: “nenhum” dos trabalhadores ao serviço nas organizações deste grupo de respondentes desempenhava funções sem as competências consideradas adequadas no momento da inquirição. Mais de um terço, porém, identificava-os (37,4%), havendo um pequeno número de inquiridos (5,3%) que não sabia se existiam ou não hiatos de competências nas respetivas organizações. Dos inquiridos que identificaram desequilíbrios em matéria de competências nas suas empresas, 23% declararam serem “poucos” os trabalhadores com competências desadequadas, 10,5% declararam serem “alguns” os trabalhadores com estas características e apenas 3,9% consideraram estarem nesta condição “a maioria” ou “todos” os trabalhadores por si empregados (). Ficará para momento ulterior de análise destes dados a apreciação deste tópico - certamente iluminadora de importantes nuances empíricas e analíticas - realizada em função da dimensão das empresas, dos respetivos ramos de atividade e de outras variáveis relevantes.
Quanto a domínios considerados lacunares em matéria de competências (situações de underskilling), os empregadores inquiridos que reportaram a existência de desequilíbrios deste tipo nas suas organizações tenderam a referir lacunas de competências de âmbito técnico ou prático (competências específicas), registando-se também proporções relevantes de empregadores que apontaram lacunas de competências ao nível das chamadas competências transversais (ou soft skills), incluindo competências de trabalho em equipa ou competências de resolução de problemas. A Tabela 5 apresenta os cinco principais domínios identificados pelos empregadores quando questionados sobre os tipos de competências que maiores necessidades de melhoria impunham à data da inquirição.
Tabela 3 - Domínios revelando necessidades de melhoria de competências (cinco domínios percentualmente mais indicados pelos empregadores participantes no “Módulo” do PIAAC), em 2020.
Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”, PIAAC/Portugal).
Visando ou não a resposta a desequilíbrios de competências identificados pelos empregadores, o desenvolvimento de respostas formativas é, como aliás acima evidenciado, apanágio de uma clara maioria das empresas inquiridas. Considerando todas as formas de que pode revestir-se a resposta formativa das empresas - quer ao nível da FPC, quer ao nível da FPI -, verificou-se que menos de 20% das empresas não desenvolveram quaisquer atividades de formação no ano de 2020. De acordo com as respostas dos participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC, uma proporção bastante equilibrada de empresas (rondando 14% do total) promoveu uma, duas, três, quatro ou cinco atividades de formação em 2020, com uma minoria de organizações (menos de 10%) a declarar a realização de mais de cinco atividades deste tipo ().
De entre as modalidades de formação disponíveis que foram identificadas como mais relevantes pelos responsáveis das empresas inquiridas, destaca-se a opção pela “formação on-the- job” (promovida por 65% das entidades auscultadas que promoveram formação), seguindo -se a promoção de “cursos de formação externos” (por 56,7% das empresas) e a promoção de “cursos de formação internos” (por 49,3% das empresas). A participação em seminários, encontros, palestras e atividades afins e o desenvolvimento de atividades de autoformação orientada (em regime presencial ou em regime de e-learning) foram também práticas relevantes num número considerável de empresas, no ano de 2020 (Tabela 6).
Tabela 4 - Modalidades de formação promovidas pelas empresas inquiridas (percentagem de empregadores participantes no “Módulo” do PIAAC que declarou ter promovido a modalidade), em 2020.
Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”, PIAAC/Portugal).
No plano do recrutamento e retenção de pessoal, quase metade dos empregadores que participaram no “Módulo” do PIAAC (45,5%) declarou ter tido dificuldade na manutenção/retenção de trabalhadores no ano de referência do estudo. Não se sabendo se esta proporção de respostas foi afetada ou não pelas vicissitudes decorrentes da manifestação, precisamente no ano em causa, 2020, da pandemia da COVID-19, ela dá conta de um significativo desafio com que presentemente parecem confrontar-se muitas empresas sediadas em Portugal. Mais uma vez, a apreciação destes dados à luz de variáveis como a dimensão da empresa ou o respetivo ramo de atividade económica trará ao conhecimento deste assunto elementos analíticos seguramente novos e muito relevantes.
No que respeita às dificuldades de recrutamento registadas, as empresas inquiridas que dinamizaram iniciativas de angariação de novos trabalhadores evidenciaram sobretudo dificuldades relacionadas com a “ausência” ou “escassez” de candidatos (em especial, no caso de preenchimento de lugares correspondentes a tarefas exigindo qualificação profissional formal - 40,4% das empresas - e no caso de preenchimento de lugares sem exigências em matéria de qualificação profissional formal ou diploma de ensino superior - 37,1% das empresas respondentes).
A proporção de empregadores que declarou ter tido dificuldade em recrutar trabalhadores em virtude da inadequação das competências apresentadas pelos candidatos foi reduzida: 9,8% no subgrupo de recrutamentos para tarefas exigindo qualificação profissional formal; 4,9% no subgrupo de recrutamentos para tarefas exigindo diploma de nível superior; 4,5% no subgrupo de recrutamentos para tarefas que não exigiam qualificação profissional formal nem diploma de ensino superior. Entre um quarto e um terço das empresas inquiridas não registou dificuldades de recrutamento nestes diferentes subgrupos de qualificações/competências requeridas, e em 20 a 30% dos casos não se registaram quaisquer recrutamentos. Vale a pena notar que a proporção de empresas que não recrutou ou que, tendo recrutado, não registou dificuldades de recrutamento foi sempre mais baixa no subgrupo dos postos correspondentes a tarefas exigindo qualificação profissional formal - significando, portanto, uma procura relativa ligeiramente maior, no período de referência, por trabalhadores e por qualificações/competências deste tipo (Tabela 7).
Tabela 5 - Dificuldades de recrutamento das empresas, por tipo de requisitos de qualificações/competências dos postos de trabalho, de acordo com os empregadores participantes no “Módulo” do PIAAC), em 2020.
Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”, PIAAC/Portugal)
Como a aproximação sucinta, preliminar e descritiva a alguns resultados da aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC proposta nas páginas precedentes indicia, a disponibilização dos microdados deste estudo augura possibilidades de especificação empírica e analítica - e, portanto, de construção de conhecimento científico suportado em dados fiáveis e robustos - de tópicos com significativa atualidade e relevância, como os que dizem respeito, entre outros: à presença de desequilíbrios e desfasamentos de competências nas empresas (que poderá ser apreciada consoante a região, a dimensão da empresa, o ramo de atividade económica, etc.); às formas de que se reveste a procura de competências pelos empregadores (tipos de qualificações e competências demandados, dificuldades de angariação de competências, estratégias e práticas de recrutamento e de retenção de força de trabalho); à provisão de formação pelas organizações (intensidade da formação providenciada, modalidades de formação privilegiadas, novas apostas em matéria formativa); ao impacto da mudança técnica e tecnológica nas empresas e na procura de competências (mudanças na organização do trabalho, tendências de evolução dos perfis de competências requeridos); ou às estratégias e práticas empresariais em matéria de gestão de recursos humanos8.
São tópicos com óbvia relevância económica, podendo os dados e as consequentes análises suscitar apostas e ajustamentos em matéria de política empresarial e/ou setorial, mas são também tópicos com inegáveis implicações societais, particularmente se os resultados dos estudos baseados nos dados do “Módulo” puderem ser mobilizados no quadro de processos de conceção e desenvolvimento de medidas de política pública - em âmbitos que podem ir da revisão e melhoria dos sistemas de antecipação de necessidades de qualificação ao redesenho de programas e iniciativas formativas em diversos setores e a diversas escalas, passando pela afinação dos propósitos, conteúdos e públicos potenciais da oferta formativa financiada e a financiar, promovida e a promover.