INTRODUÇÃO
A Inteligência Artificial (IA) tem apresentado um desenvolvimento muito intenso nos últimos anos, em diversas áreas, não sendo o Trabalho uma exceção. Para além disso, muitos investigadores preveem mudanças drásticas na forma de este ser organizado e consequentes desemprego e questões económicas, sociais e emocionais associadas. Pretende-se com esta revisão sintetizar os dados que mais ajudarão a elucidar a situação e a melhor orientar os profissionais da Saúde e Segurança Ocupacionais.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores de postos de trabalho onde a IA está a ser ou poderá vir a ser aplicada.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre de que forma a IA irá alterar as condições de trabalho e variáveis associadas
-C (context): postos de trabalhos modificados presentemente ou que poderão ser alvo de intervenção da parte da IA
Assim, a pergunta protocolar será: De que forma a IA mudou e/ou poderá mudar a organização do trabalho e respetivos conceitos a ela relacionados?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2023 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Inteligência Artificial | -título e/ ou assunto | 1222 | 1 | não | - | - | - | |
+ trabalho | 19 | 2 | sim | 2 3 4 5 6 7 23 23 27 |
R1 R2 R3 R4 R5 R6 R7 R8 R9 |
15 1 - 2 6 4 7 9 8 |
|||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | ARTIFICIAL INTELLIGENCE | -2011 a 2021 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
12.927 | 3 | não | - | - | - | |
+ occupational health | 31 | 4 | sim | 1 3 4 5 6 7 8 10 12 15 17 23 25 |
IA1 IA2 IA3 IA4 IA5 IA6 IA7 IA8 IA9 IA10 IA11 IA12 IA13 |
11 3 - 19 20 17 21 12 18 16 13 14 10 |
CONTEÚDO
Dados Históricos
A IA começou a ser desenvolvida na década de 50 (1) (2). Ela é também designada/equiparada à 4ª Revolução Industrial (RI) (3); ou seja, a progressiva automatização, baseada na Nanotecnologia, Engenharia Genética e nas Neurociências (4). Na década de 70, contudo, ficaram realçados alguns problemas associados à IA, como o custo e a incapacidade de ter um pensamento humano, pelo que na generalidade dos países existiu um decréscimo de investimento nos projetos de investigação da área, nessa altura. Contudo, presentemente, nos motores de busca da internet, cada vez mais se fazem mais pesquisas associadas à IA, sobretudo em países asiáticos (2). Muitas empresas avançam na sua direção, com os objetivos de potenciar a produção e a qualidade, além de protegerem o ambiente e minorarem o risco laboral para os trabalhadores (5).
Revoluções Industriais
No século XVII James Watt inventou a máquina a vapor e tal implicou alterações acentuadas nos métodos de trabalho, produção e questões sociopolíticas. No início do século XIX a eletrificação fez algo equivalente e potenciou a indústria automóvel, a produção em série e a aviação, fazendo com que as mercadorias fossem transportadas de forma mais rápida e segura, mesmo entre continentes. Por fim, na década de 70, surgiram as tecnologias de informação e automação, bem como a internet, ficando parte do trabalho humano progressivamente substituído por máquinas. No século XXI pensa-se que ocorrerá algo equivalente com a IA, que redefinirá a produção e a prestação de serviços em inúmeros contextos. No entanto, não está claro como a sociedade reagirá à IA e à progressiva substituição de mão-de-obra por máquinas, algumas das quais mais inteligentes que a grande maioria dos humanos; ou seja, os desafios serão igualmente tão intensos quanto as potencialidades. No passado era o trabalho físico que dominava a sociedade; agora passará a ser o trabalho cognitivo (6).
A primeira RI ocorreu no século XVIII (7) (8), sobretudo devido à evolução das máquinas, motores e ferramentas (7). Tal implicou um aumento populacional e migração do campo para a cidade, originando mão de obra acessível, eventualmente explorada. A dada altura, o excesso de produção originou uma crise financeira (9). O símbolo da primeira RI ocorreu por volta de 1770, com a máquina a vapor de Watson, já mencionada, para substituir a força de tração humana e animal. No século XIX a eletricidade permitiu um grande avanço tecnológico, como também já se referiu. A mecanização levou ao desenvolvimento da indústria e à precarização do trabalho (trabalho infantil, turnos prolongados, baixa remuneração). Este desenvolvimento cativou as populações rurais, que vieram para as cidades à procura de melhores condições de vida. O transporte ferroviário e os barcos a vapor mais mecanizados fizeram com que as deslocações/comercializações ficassem mais rápidas, fáceis e acessíveis. Contudo, o impacto ambiental também foi considerável. O primeiro movimento da população contra as máquinas (devido à perda de empregos) ocorreu em 1812 e designou-se por “Revolta Ludista” que, obviamente, não conseguiu atingir os seus objetivos. O crescimento económico ficava comprometido porque os baixos salários não permitiam consumir mais (8).
A 2ª RI ocorreu no século XX, baseada também na maquinaria, tecnologia e novas formas de comunicação (7) e alguma produção em série. Nas últimas três décadas foram inseridas as mudanças mais drásticas. O Taylorismo, e posteriormente o Fordismo, potenciaram a produção em série, baixando o custo dos produtos e aumentando os salários; as vendas passaram a ser superiores, originando um período de grande prosperidade económica. Na fase pós-guerra as mulheres ingressaram no mercado de trabalho, potenciando ainda mais o processo (8).
Pensa-se que está agora a decorrer a 3ª RI, alicerçada na tecnologia de informação (internet, computadores, smartphones) (7) (8) (9). A energia nuclear potenciou ainda mais a indústria e marcou o início desta fase, paralelamente com a informatização e colocação da tecnologia e da ciência ao serviço do processo produtivo (9); até com alguma interação com a Segunda Guerra Mundial (8). Com o aumento dos dados, surgiram robots e a automação, sendo os humanos cada vez menos necessários (9). O Japão tentou fazer algo equivalente, através do Toyotismo: aqui destaca-se sobretudo a flexibilidade de produção, através de uma qualificação abrangente do funcionário, que lhe permitia executar vários postos de trabalho, até porque não havia muita mão de obra neste país; para além disso, o Toyotismo produzia em função das encomendas, procurando não armazenar (8).
A 4ª RI poderá ser à custa de IA (7) (8) (9), na qual o acesso a alguns produtos e serviços é mais fácil que nunca, desde tarefas simples (como usar GPS em smartphones), até atividades médicas (a nível de pesquisa e terapêutica). Esta também se baseia na nanotecnologia, com velocidade de evolução muito superior à 3ª RI, não produzindo só em massa, mas de forma personalizada às necessidades do mercado, com rapidez e eficiência (9). Os dispositivos informáticos ultrapassam qualquer humano a nível de raciocínio. Esta fase trará grandes alterações no mercado de trabalho e aumento progressivo do desemprego; ela surge com a robótica, nanotecnologia, impressão 3D e a “internet das coisas” (que conecta diversos equipamentos). A diferença para as outras RIs será o facto de que, nesta, o mercado de trabalho não conseguirá acompanhar a tecnologia. Aqui verificar-se-á a segunda geração de conexão, ou seja, e existência de megadados e algoritmos inteligentes. O número de robots irá continuar a aumentar; podendo eles serem ou não autónomos, consoante são capazes de tomar decisões, em função das informações previamente adquiridas e considerando experiências anteriores (“machine learning”); ou seja, quando um algoritmo consegue gerar outros algoritmos (8).
Se o capitalismo conseguisse manter o equilíbrio entre o emprego e o consumo, continuaria a existir progresso económico e melhores condições de vida (8).
As revoluções anteriores também alteraram as relações de trabalho; contudo, esta poderá extinguir muitos mais postos de trabalho a uma velocidade muito superior. Também nas revoluções anteriores foi necessário a intervenção do Estado para atenuar as consequências negativas nos trabalhadores (como criação de salário mínimo, número máximo de horas de trabalho, restrições para mulheres e crianças, direito à greve e à sindicalização), ou seja, promover a dignidade humana (9). As máquinas ocuparam parte dos postos de trabalho executados por humanos, alterando a formação profissional, segurança social e o acesso à sustentabilidade económica; contudo, dúvidas parecidas surgiram já na 1ª e 3ª RIs (com a evolução dos computadores e da internet); no entanto, nessa altura, pelo contrário, surgiram sociedades mais evoluídas e com melhores condições de vida (8). Esta fase poderá ser completamente diferente das anteriores, uma vez que no passado não existiam máquinas com capacidade para superar a inteligência humana e controlar, eventualmente, num processo sem retorno (6).
Modo de Funcionamento (simplista)
As redes artificiais estão inseridas na IA e funcionam como modelos com capacidade para armazenar e usar dados, através de algoritmos de aplicação simplificada (10). Eles imitam as redes neuronais humanas; tomando a melhor decisão, em função da informação recolhida. Com o desenvolvimento da IA este processo é cada vez mais versátil e capaz de realizar tarefas anteriormente consideradas como exclusivamente humanas. A máquina aprende progressivamente com os seus erros (4); ou seja, passam a conseguir resolver problemas para os quais não foram programados, em função da "experiência", exemplos e analogias (2).
Definição
A IA é a capacidade de um computador processar informação e gerar resultados (decisões, resolução de problemas), baseados numa aprendizagem progressiva; permitindo também diminuir custos, monitorizar, aumentar a produtividade, reconhecer imagens, rastrear movimentos em massa, melhorar o apoio ao cliente, analisar dados e desenvolver algoritmos (1) (3) (8) (11), mesmo que os resultados/objetivos e/ou ambientes sejam complexos (1). Por outras palavras: pode ser definida como ramo da ciência da computação que constrói sistemas que se assemelham à capacidade humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e resolver problemas (2) (11). O "comportamento inteligente" poderá basear-se na perceção, raciocínio, aprendizagem, comunicação e desempenho em situações complexas (2).
Aplicações Genéricas (para além do Trabalho)
Nos últimos anos surgiram máquinas com capacidade de entender e reagir a piadas/trocadilhos e manter uma conversação (2). Diversos softwares e algoritmos facilitam várias tarefas quotidianas. Na realidade, todos os setores poderão ser abarcados (6).
Muitos investigadores receiam que a IA supere de forma muito intensa a inteligência humana, podendo tal constituir um grande perigo, não só, mas também, por exemplo, a nível de equipamento de guerra. Contudo, outros também salientam que se deveria publicitar aspetos em que a IA poderia ser útil à sociedade, como em contexto de transparência, respeito pela dignidade humana e garantia de privacidade (2). Aliás, existem programas de IA para avaliar, detetar e intervir precocemente em crises humanitárias e organizar rapidamente auxílio adequado (8), por exemplo.
Aplicações específicas em contexto de Produtividade e Desempenho
A IA produz máquinas mais rápidas, eficientes e inteligentes que os humanos. A aprendizagem automática também se designa por “deep learning”, permitindo que os computadores realizem tarefas intelectuais. Os computadores quânticos (ainda em fase de testes) serão ainda mais eficazes e rápidos, conseguindo evoluir de forma inovadora (8).
Os países com a IA mais desenvolvida são a China, EUA, Japão, Alemanha e Reino Unido; provavelmente em função dos setores profissionais mais desenvolvidos e da sua maior ou menor aplicabilidade de automatização (ou seja, o setor industrial é mais automatizável que o dos serviços), por exemplo (2). A IA terá um impacto cada vez maior, nos próximos anos, quer na indústria, quer nos serviços. Tal poderá implicar alterações nas instituições, relações de trabalho, tempos de trabalho e até salários. Estas alterações irão afetar a liderança e gestão das organizações; bem como a educação e formação (6). As relações de trabalho serão alteradas de forma intensa. Outros, por sua vez, consideram que tal é absolutamente imprevisível. Alguns países estão a tentar atenuar o impacto eventualmente negativo através da formação profissional e inovação a nível de emprego, segurança social e fiscalidade (8).
Na Alemanha, por exemplo, o custo-hora do trabalho humano versus computador é na ordem dos 40 para 5 a 8 euros, para além disso, a máquina não fica doente, não tem filhos, não faz greve, nem férias, não depende de fatores externos e tem por isso um desempenho mais constante e confiável (6) (8), eventualmente 24 horas por dia, 365 dias por ano, mesmo em ambientes nocivos. De igual forma, também não ocorrem sinistros associados a fadiga ou decisões baseadas nas emoções, mas apenas em factos (6).
Estima-se que as empresas nacionais, em relação à IA, estejam num patamar inferior à média europeia; ou seja, 45% não têm qualquer projeto/atividade associada à IA. Para além disso, a inserção da IA nas empresas é lenta; aliás estima-se que apenas 5% a tenha englobado de forma intensa (2).
A IA é usada para aumentar a produtividade (2) (3) (12) (13) (14) e diminuir os custos (12). Ainda assim, alguns defendem que o aumento da produtividade não é positivo, quando comparado com o investimento que é necessário geralmente realizar e tempo de implementação e potenciação necessários (1). Para além disso, o aumento da produção pode diminuir o trabalho necessário e, assim, potenciará o desemprego ("desemprego tecnológico"). De certa forma, tal já aconteceu da agricultura para os meios urbanos (na revolução industrial) e depois para os serviços, devido ao aumento da eficácia da produção. Contudo, se até agora as máquinas apenas se limitavam a tarefas "manuais", repetitivos, perigosas, cansativas e razoavelmente simples; a partir de agora são também possíveis tarefas cognitivas, através de algoritmos e que eram monopolizadas pelos humanos (7).
A IA pode participar na tomada de decisão, em função da recolha, tratamento, processamento e análise de dados. Ela poderá eliminar o viés que alguns sentimentos possam colocar na tomada de decisão. Ou seja, poderá existir uma complementaridade entre humanos e máquinas, que certamente potenciará os resultados isolados de ambas as partes. Poderá ser útil identificar as tarefas que podem ser executadas por máquinas, permitindo a alguns funcionários ficar com tarefas mais criativas (2). A interação/colaboração trabalhador-robot é fundamental; é necessário que o funcionário aceite e esteja motivado a colaborar (2) (14); mais idade e/ou mais receio poderão perturbar a relação com maior probabilidade, ainda que, paradoxalmente, a IA se torne mais relevante para potenciar a produtividade de funcionários justamente com mais idade; ainda assim, quanto mais simples e acessível ficar a tecnologia, menos relevante é o fator idade (14); outros investigadores, por usa vez, consideram que com mais idade haverá menos receio (2). Quanto mais útil o robot for ao funcionário, mais aceitabilidade este terá perante a inovação (2) (14), independentemente da idade; tal como quanto mais membros relevantes na sociedade apreciam a sua utilização (2). Ela permitiu o aparecimento de máquinas que diminuem as tarefas dos funcionários humanos, de forma mais rápida e com menos erros, podendo a evolução determinar a eliminação desses postos de trabalho (1); algumas máquinas apresentam capacidade para resolver problemas, imitando ou até superando as competências cognitivas humanas (2).
Uma variável inserida no receio poderá ser o facto de o funcionário achar que poderá perder o seu emprego perante a tecnologia (2) (14) (15), dado apresentarem pior desempenho e custo superior ao das máquinas (8) e/ou até mesmo a sua utilidade para a sociedade (2); em alguns casos poderá ser necessário apoio psicológico (14); ainda que alguns não descartem a possibilidade de existir uma simbiose em contexto laboral. Os mais pessimistas até consideram que estarão em causa não só os postos manuais e rotineiros, como alguns dos que exigem conhecimentos mais específicos; poucos são os que não se sentem ameaçados pela IA. Ainda assim, 61% da amostra de um estudo nacional considera que talvez possa existir uma simbiose. Outros acreditam que, pelo menos até 2030, a IA não potenciará o desemprego (2). Está, contudo, publicado que a automatização levará a um aumento progressivo e intenso do desemprego (6) (8), por vezes na ordem dos 60% (8). Estima-se que 5% do total das profissões poderiam ser 100% automatizada e 60% poderia ficar pelo menos 30% mais automatizada (15). Contudo, de salientar que a automatização pode ocorrer apenas numa parte das tarefas, por exemplo, e não no posto de trabalho total. Outro estudo estimou que, analisando 702 profissões, 47% (4) poderiam desaparecer (2) até 2035, devido à automação (4). Outros investigadores publicaram que nos próximos 45 anos a IA poderá conseguir superar os humanos com 50% de probabilidade em todas as tarefas e que, em 120 anos, todas as tarefas possam ser realizadas por máquinas (6).
Ainda assim, é mais provável que postos de trabalho com tarefas mais rotineiras e/ou com funcionários menos qualificados sejam automatizados (1); contudo, também poderão surgir profissões novas (1) (2) (6); outros, por sua vez, não acreditam que estas sejam numericamente relevantes (2). Na realidade existem muitas estatísticas diversas: por exemplo, que um terço dos postos atuais de trabalho qualificados possam ter os funcionários substituídos por máquinas no futuro (6); que cerca de 47% dos postos de trabalho nos EUA se extinguiram numa ou duas décadas, contudo, outros investigadores publicaram que nenhuma profissão poderá ser totalmente substituída por máquinas (7). A maioria dos indivíduos considera que a IA vai originar mais desemprego que emprego (5). Os mais otimistas consideram que novos postos de trabalho serão criados e não haverá substituição, mas colaboração e complementação com os humanos, ainda que o desemprego vá aumentar. Mais provavelmente a IA irá alterar todos os postos de trabalho nos próximos anos; alguns acreditam que nos próximos vinte anos as máquinas consigam fazer qualquer tarefa (7). Estima-se que cerca de 800 milhões de indivíduos possam ficar desempregados, criando-se apenas cerca de dois milhões de postos novos, até 2030, em função da IA e da automatização; a OIT (Organização Internacional do Trabalho), por sua vez, estimou que até 2025, 50% dos postos seriam mecanizados. No Brasil, por exemplo, estima-se que até 2026, cerca de 57% dos trabalhadores seja substituído por máquinas. Ou seja, segundo muitos não se prevê desemprego associado à IA: este já é verificado presentemente (8).
Os humanos que tiverem capacidade para elaborar algoritmos terão um melhor nível de vida com maior probabilidade, aumentando as diferenças socioeconómicas (2). A nível de adaptações dos funcionários, poderá ser útil o "upskilling" (aprofundar conhecimentos em área que já se trabalha) e/ou "reskilling" (adquirir conhecimentos em áreas novas) para ocupar um posto diferente do anterior) (1). A reestruturação das empresas poderá levar a despedimentos em massa e, por vezes, não só a nível da secção produtiva; de forma a se obter mais eficiência, maior velocidade de produção, flexibilidade e qualidade. É muito importante a constante atualização e qualificação dos trabalhadores, para potenciar o acesso e manutenção dos postos laborais (9).
Quanto mais desemprego existir, maior aceitação existirá para a precarização das condições de trabalho. Os postos de trabalho que gerem outros funcionários serão cada vez menos necessários, uma vez que existirão cada vez menos erros com a automatização (9).
A IA também poderá ser usada para recrutar novos colaboradores, através de algoritmos (onde, por exemplo, se valorizam e quantificam a linguagem corporal, cadência do discurso e a capacidade de comunicação) (3).
Com a evolução é de supor que as máquinas consigam fazer tarefas com maior exigência a nível manual (destreza) (9). A nível de géneros, consideram-se que os profissionais mais atingidos seriam eventualmente os do sexo feminino, dado geralmente trabalharem em postos mais facilmente automatizados, o que poderia contribuir/acentuar a desigualdade entre sexos. Estas trabalhadoras poderiam ser parcialmente requalificadas a nível profissional, mas não na totalidade. Ocorrendo, simultaneamente, diminuição dos salários e dos direitos laborais, em geral (8).
Até nos países muito pouco desenvolvidos tal processo poderá ter impacto, uma vez que será mais barato ter máquinas no país de origem mais desenvolvido, ainda que com mão de obra humana mais acessível, mas tendo que pagar e organizar o transporte (8).
Se todos os trabalhadores fossem reconvertidos para um número restrito de postos de trabalho, também aí passaria a haver um excedente, sem existir garantia que, posteriormente, até essas tarefas não pudessem passar a ser feitas por máquinas. Isto já aconteceu na 1ª RI, mas os postos disponíveis eram mais numerosos e a reconversão muito menos complexa, sendo as mudanças também mais graduais do que as associadas à IA (8).
Mesmo trabalhadores com habilitações de áreas técnicas apresentam presentemente taxas de desemprego elevadas, como 20% na China ou 30% nos EUA, por exemplo. O que é agora ensinado nas escolas e universidades, talvez se torne totalmente obsoleto em algumas décadas. Talvez apostar na empatia, generosidade e criatividade constituam conteúdos mais pertinentes. Aliás, o status associado a algumas profissões poderá mudar completamente (8).
À partida, não havendo uma grande guerra e/ou catástrofe natural, a tecnologia não parará de evoluir e o desemprego continuará a aumentar. Uma vez que as principais receitas governamentais são os impostos, a capacidade de atuação política irá diminuir bastante. Até agora, a generalidade dos governos incentivou a criação de emprego e a formação, porque isso lhe daria um retorno e mais consumo; colocar impostos associados as máquinas poderia atenuar a questão e tornaria as mesmas um pouco menos aliciantes que os humanos (8).
-Aplicação a alguns setores profissionais específicos
A IA permitirá escolher o melhor tratamento médico, potenciando os resultados e diminuindo os erros; o diagnóstico deverá ser mais eficiente (2) (6) (8) e os exames mais assertivos. Aliás, algumas aplicações móveis poderão também potenciar o estilo de vida e prevenir algumas patologias (2) e assim salvar mais vidas; para além de que se poderão descobrir novas terapêuticas inovadoras e mais eficazes (6). Impressoras 3D conseguem replicar órgãos humanos, revolucionando a ideia de transplante (8). Na China, por exemplo, já existe tecnologia para elaborar relatórios médicos em segurança e com uma precisão de 97% (6).
A nível de recursos humanos, a seleção de funcionários também poderá ficar mais eficaz (2).
Em contexto financeiro, a deteção de irregularidades também poderá ficar facilitada; além de que, a nível legal, por exemplo, a revisão dos documentos/contratos também poderá ficar facilitada (2). Aliás, estima-se que a precisão/concordância com os veredictos humanos atinja valores na ordem dos 79% (8).
No apoio ao cliente, os assistentes virtuais permitem libertar alguns funcionários de tarefas mais rotineiras e/ou ter mais tempo para chamadas com assuntos mais complexos; assim, potencia-se a eficácia e o cliente apreciará mais o serviço, globalmente (2); trata-se de um setor que também poderá ser muito revolucionado pela IA (6).
Por exemplo, no Japão foram criados tratores agrícolas automatizados, porque os agricultores estão muito envelhecidos (6).
A nível de terrorismo, as máquinas poderão desarmar bombas ou entrar em ambientes inóspitos, em contexto químico, por exemplo (6). A vigilância, por sua vez, cada vez será mais efetuada por câmaras e drones. No Dubai, por exemplo, existe uma esquadra de polícia coordenada pela IA (8).
As máquinas poderão influenciar o futuro ecológico do planeta positivamente (6). O lixo tecnológico, contudo, poderá fazer o oposto (8).
A condução automatizada diminui a sinistralidade (devido ao efeito anulado de conduzir sob o efeito de substâncias psicoativas e/ou erros por estar a interagir com o telemóvel, por exemplo) (6). Em Paris, por exemplo, existem autocarros autónomos em experimentação. A legislação também se deverá dedicar a esclarecer questões de responsabilidade civil e penal associadas às máquinas, como por exemplo acidentes com veículos autónomos (8).
Em contexto literário (6), houve em 2019 o primeiro livro escrito pela IA. Logo, até atividades mais criativas e/ou complexas serão abarcadas, mesmo as que exigem um elevado nível de escolaridade (9).
Alguns autores também destacam os setores da distribuição de produtos e serviços bancários (8).
Aplicações específicas à Saúde e Segurança Ocupacionais
Com a progressão e desenvolvimento da IA é expetável que tal se possa aplicar em benefício da Saúde e Segurança Ocupacionais (3) (11). Ela poderá permite identificar os riscos (3) (12) (16), de forma eventualmente precoce (17) e/ou detalhada (6), por exemplo, através de sensores para agentes químicos, parâmetros ergonómicos, físicos ou biológicos; podendo potenciar a prevenção de doenças profissionais (3) (6) e acidentes laborais (3) (5) (6) (16), sobretudo em setores de risco elevado (3); até está publicado que a IA pode anular completamente a sinistralidade (6). A automação diminui o erro, uma vez que a decisão é tomada baseada em dados. Para qualquer competência desejada, já há algum engenheiro informático a tentar desenvolver algum algoritmo. A IA permite a identificação/reconhecimento dos comportamentos inseguros. A identificação das causas e circunstâncias dos acidentes possibilita que as instituições tomem medidas (5). Por outro lado, a robotização crescente, por sua vez, também poderá potenciar o risco de acidentes, segundo alguns investigadores (8) (18). Ainda assim, as máquinas poderão fazer as tarefas com mais riscos, protegendo a saúde dos trabalhadores (5) (6). Existem então aplicações baseadas na IA que conseguem integrar/validar as condições laborais, em conjugação com as patologias e as tarefas laborais/riscos, potenciando a prevenção e a satisfação, bem como a produtividade e diminuindo o absentismo (19) e os erros (5).
Em postos de trabalho onde são razoavelmente frequentes os acidentes de trabalho por colisão de trabalhadores com objetos, de forma específica, pode ser desenvolvida tecnologia que, através de sensores, minimize este risco; com emissão de avisos visuais ou táteis (20).
O risco de problemas músculo-esqueléticos poderá ser atenuado através do uso da IA, no sentido de identificar tarefas, movimentos, circunstâncias mais lesivas, através de sensores preparados para esse efeito (21).
Ela também consegue criar algoritmos de previsão de perda de audição em trabalhadores expostos ao ruído e, consequentemente, modificar e melhorar as condições de trabalho nesse contexto (10).
As máquinas poderão substituir os trabalhadores em tarefas mais intensas e/ou repetitivas, quer manuais, quer cognitivas (ainda que mais fácil se manuais); contudo, pode haver complementaridade entre máquinas e humanos, sobretudo para tarefas menos rotineiras (1).
Para além disso, a visão computacional possibilita o registo dos movimentos dos trabalhadores, postura e produtividade efetuada, bem como o cumprimento das regras de segurança (como o uso de EPIs - equipamentos de proteção individual) (5).
Decisões Políticas e questões Legais
Foi sugerido que estas máquinas fossem tributadas a nível de impostos (1); é o caso do parlamento europeu que, para além disso, ainda incentiva também que se comece a pensar nos riscos de Saúde e Segurança associados. A 4ª RI irá diminuir muito as receitas dos estados a nível de taxas cobradas, para além de que este poderá ter mais despesas a nível de formação profissional e reconversão profissional. O imposto sobre as máquinas designa-se por “robot tax”. Contudo, paradoxalmente, até agora, tem se vindo justamente a diminuir a carga fiscal das empresas, para potenciar o desenvolvimento económico. Para além disso, quantas mais pessoas estiverem desempregadas, menor será o consumo; logo, também a produção de bens e serviços gerará menos receita para o estado. Assim, colocar impostos associados à IA poderá ser fundamental para a subsistência da economia. Por sua vez, também poderá ser necessário cobrar um imposto relativo à destruição de postos de trabalho humanos. Contudo, para taxar robots, antes de mais, é necessária de uma definição clara do conceito (8).
Alguns defendem a existência de um rendimento mínimo universal, que cada um poderia completar com os seus próprios recursos, também designado por imposto de renda negativo, para que todos tenham a subsistência garantida. O conceito não é novo e já existiu até num passado longínquo, designado por dízimo, para incentivar as doações para os mais pobres, por volta de 1600, com a Rainha Elizabeth I. Alguns países estão a estudar o conceito e/ou até já o começaram a implementar. Contudo, não é fácil a aplicabilidade de alguns detalhes: por exemplo, estipular o valor que garante essa subsistência mínima, forma de entrega, efeitos macroeconómicos e viabilidade da ideia. Em países muito pobres os resultados têm sido positivos, verificando-se melhoria das condições de vida e diminuição da desnutrição, bem como abandono escolar atenuado e menos criminalidade. O conceito atual de valorização do trabalho faz parecer absurda a ideia de oferecer dinheiro com este objetivo; contudo, talvez a IA venha revolucionar esse paradigma. Quanto mais as pessoas usufruírem deste tipo de apoio, menos discriminadas se sentirão, uma vez que não serão vistas como preguiçosas ou incompetentes. Alguns consideram que o valor proporcionado deveria ser apenas para as necessidades básicas, não removendo o indivíduo do estatuto de pobre; contudo, nem sequer o conceito de pobre é linear- alguns orientam-se pelos 60% dos rendimentos médios existentes em determinado contexto; definição essa também em mutação. Há quem sugira que se testem diversas possibilidades a nível de quantias maiores ou menores e impedir ou incentivar acumular com outros rendimentos, para perceber o que funcionaria melhor com a generalidade da população. O objetivo não será propriamente tentar combater as desigualdades, mas evitar um retrocesso civilizacional. Daí que a implementação deste rendimento mínimo fique mais funcional se existir numa escala global, entre diversos países. A economia global ficará melhor se os países mais desenvolvidos ajudarem os mais pobres- “economia partilhada” poderia atenuar o problema, ou seja, facultar bens, recursos e serviços (8).
A globalização do mercado leva a assimetrias cada vez maiores entre países e povos, tornando eventualmente o trabalho mais precário, pior remunerado e mais insalubre, piorando também a saúde ecológica do planeta. Outros acreditam que se poderá conseguir diminuir a pegada ecológica ambiental através, por exemplo, do uso de materiais menos poluentes e utilização mais racional da água a da energia (8).
As migrações em busca de melhores condições de vida potenciam os partidos de extrema direita e a xenofobia, uma vez que facilmente se assume que o desemprego nacional é justificado pelos emigrantes. Trabalhar menos horas poderia atenuar discretamente o desemprego (8).
Estão a ser elaboradas normas comuns dentro da União Europeia relativas à condução automatizada de veículos, sobretudo autocarros, por exemplo. A necessidade de criar normas relativas à IA é urgente, uma vez que esta evolução deverá ser e está a ser muito rápida (8). Por exemplo, na Alemanha, já foi elaborada legislação (2) (6) relativa à condução automatizada, de forma a estipular quais são as responsabilidades humanas e que prioridades a máquina deverá ter para minorar danos em função de caraterísticas pessoais das eventuais vítimas, como sexo, idade, etnia ou patologias conhecidas, físicas e/ou psiquiátricas (6).
Tendo em conta que o robot poderá tomar decisões autónomas, dificilmente o seu construtor poderá ser responsabilizado (6) ou, pelo menos, será algo controverso. No caso específico de drones, existem normas que sugerem que estes não ultrapassem a fronteira nacional e que estejam registados; contudo, questões de responsabilidade civil e penal também não estão claras (8).
Outra preocupação é a criação de normas relativas à integração de componentes robóticos em humanos, bem como a existência de máquinas a trabalhar sem a supervisão humana (8).
A economia dos países irá se desenvolver de acordo com as normas mais ou menos restritas que possam existir em relação à IA (8). Seria desejável que a legislação colocasse limites éticos sem, contudo, impedir o desenvolvimento positivo da IA (6). Desejavelmente, a legislação laboral deverá ser uniforme entre os diversos países (6) (9) (por exemplo, a nível de horas de trabalho) (6). A globalização potencia a concorrência entre empresas e, consequentemente, maior pressão de produtividade nos funcionários e mais riscos laborais. Caberá ao estado proporcionar alguma proteção. Os países que mais dominam a tecnologia são os EUA e a China, pelo que apresentam vantagem competitiva. A automatização aumenta o produto interno bruto. A globalização do trabalho leva ao desemprego estrutural, ou seja, à procura intensa de baixar o custo de produção, levando à extinção de alguns postos. Alguns tentam atingir um compromisso entre os extremos, designado por flexisegurança; ou seja, flexibilidade para a instituição e mercado, conjugada com alguns direitos para o trabalhador (9).
Nos EUA há já a preocupação de criar legislação para regular a IA, de forma também a não impedir a evolução mas, simultaneamente, proteger alguns direitos humanos (9). Neste país algumas empresas de robótica destinam 1% dos seus lucros para a formação reconversão profissional de indivíduos com menos habilitações (8).
A China, por sua vez, pretende desenvolver ao máximo a IA, de forma a ter vantagem competitiva internacional; mas sempre salvaguardando os interesses nacionais, ainda que tal possa implicar menos direitos da população chinesa (dado os programas de vigilância e controlo) (9).
O Brasil já apresenta desde 2019 alguma legislação relativa à IA, destacando o bem-estar humano, dignidade, liberdade, democracia, pluralidade, diversidade, privacidade, transparência, confiabilidade e manutenção da supervisão humana (9).
Alguns também salientam que a IA poderá criar algumas reticências perante a confidencialidade e privacidade dos trabalhadores (3) (5). A partilha de dados entre máquinas também poderá ser perigosa (6).
Para além disso, os sistemas de IA foram criados por humanos, logo, poderão apresentar erros, tendências e/ou preconceitos, ainda que, simultaneamente, pode ser utilizada para projetos que tragam mudança positiva e melhorem a vida, mas suscitar algumas questões legais na mesma. Seria desejável que os indivíduos não conseguissem alterar os sistemas de IA, para concretizar objetivos pessoais (existe tecnologia que desliga o robot quando algum humano se aproxima, por exemplo) (6).
Outras considerações
Uma minoria (8%) também acredita que uma das vantagens será os humanos passarem a ter mais tempo livre (5). A implementação da IA em tarefas que os humanos não conseguem fazer (como lidar com dados em massa) ou em contexto muito nocivo será pacífica, contribuindo assim para melhor qualidade de vida física e emocional (6).
Capacidades únicas humanas são a empatia e afeção na interação com outros humanos e interpretação de situações complexas e tomada de decisão nessas bases (7). Profissões onde seja necessária alguma empatia e humor, poderão ter alguma dificuldade em serem substituídas por máquinas (terapeutas, nutricionistas, por exemplo), contudo, numa fase com o desemprego muito elevado, não haveria capacidade económica para ter acesso a este tipo de serviços, por exemplo (8).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
As consequências descritas na literatura em relação à interação da IA com o Trabalho não são consensuais, ainda que a maioria dos investigadores considere que isso será a mudança mais brusca e grave enfrentada pela humanidade, na medida em poderá ser possível que a maioria da população mundial fique desempregada e sem meios de subsistência, com todas as implicações associadas aqui descritas, num prazo muito mais curto do que a maioria poderá imaginar. Alguns países valorizam mais este assunto, pelo que já iniciaram estudos ou até a aplicação de medidas práticas para tentar atenuar esses problemas.
Seria muito relevante divulgar o tema perante empregadores, chefias, recursos humanos e trabalhadores, avaliando também quantas empresas aplicam a IA, de que forma esta alterou variáveis como produtividade, número de postos e tipo tarefas; bem como os principais erros executados nessa caminhada e quais as melhores formas de os atenuar, divulgando o processo e as conclusões obtidas, publicando tais informações em revista da área.