INTRODUÇÃO
O setor vitivinícola em Portugal é, historicamente, de grande relevância socioeconómica, contribuindo significativamente para a economia nacional (Fraga et al., 2017), não só porque o vinho representa cerca de 50% das vendas totais da indústria das bebidas, mas também devido ao crescimento do enoturismo (Ferreira et al., 2020). Contudo, as projeções climáticas para as próximas décadas em Portugal destacam uma tendência global de aumento da temperatura e diminuição da precipitação durante a estação de crescimento da videira, sugerindo uma reformulação das condições ótimas para a viticultura em todo o país (Fraga et al., 2017). Por isso, a adaptação às alterações climáticas constitui um dos principais desafios do setor agrícola, e em particular da viticultura, garantindo simultaneamente qualidade da produção e sustentabilidade (Casson et al., 2022).
Por outro lado, as práticas vitivinícolas convencionais envolvem a frequente passagem de máquinas no terreno, com efeitos negativos em termos de qualidade do solo, nomeadamente ao nível da compactação. No entanto, ainda existe um conhecimento limitado sobre o impacto a longo prazo de práticas de gestão na qualidade do solo da vinha (Ferreira et al., 2020).
Neste contexto, agravado pelo aumento dos custos dos fatores de produção, é fundamental otimizar a gestão dos recursos disponíveis, incorporando tecnologias que forneçam dados sobre as variáveis envolvidas no processo de produção. Esta perspetiva insere-se no âmbito da Agricultura de Precisão (AP), que se expandiu na última década a praticamente todas as culturas. Na sua aplicação à viticultura (Viticultura de Precisão, PV) procura-se avaliar a variabilidade espacial, quer do solo, quer das necessidades fisiológicas da vinha, a fim de implementar técnicas de gestão específicas para cada local, reduzindo o uso de fatores de produção e, consequentemente, o impacto ambiental e maximizando o rendimento e a qualidade da produção (Ammoniaci et al., 2021).
É muito diversificado o conjunto de decisões de gestão na vinha, desde a aplicação de fatores de produção (por exemplo, água, adubos, produtos fitossanitários) até às práticas culturais (nomeadamente, a poda, a cobertura da entrelinha, o controlo do bardo, a monda de cachos ou a colheita segmentada) (Ferrer et al., 2020).
A variabilidade na vinha é resultado de muitos fatores, incluindo edáficos, biológicos, climáticos, topográficos e antropogénicos (Córdoba et al., 2013). Conhecer a variabilidade espacial das caraterísticas do solo permite uma melhor compreensão da variabilidade da resposta fisiológica da vinha (Ammoniaci et al., 2021). Esta variabilidade pode ser levantada usando uma grelha de amostragem regular do solo (Verdugo-Vásquez et al., 2022), porém, dado o custo e o tempo necessários para este tipo de amostragem e a necessidade de muitas amostras de solo para obter uma efetiva representação espacial, não pode ser considerado um processo viável e prático ao nível da exploração agrícola comercial (Moral et al., 2010; Sams et al., 2022). O uso de sensores ganha, por isso, uma importância decisiva para cartografar as propriedades relevantes do solo, reduzindo assim o número de amostras necessárias para descrever a variabilidade espacial.
Alguns fatores responsáveis pela variabilidade numa vinha permanecem estáveis ao longo do tempo, tais como a topografia e algumas propriedades do solo; portanto, o conhecimento da sua variabilidade espacial pode proporcionar uma melhor compreensão deste complexo cenário de tomada de decisão (Ferrer et al., 2020) e a definição de zonas de gestão (ZG). As ZG representam áreas relativamente homogéneas, em termos de textura, de relevo ou dos níveis de determinados nutrientes (Moral et al., 2010), e podem ser usadas para adaptar práticas de viticultura (Unamunzaga et al., 2014). A capacidade de representar sob a forma de mapa a variabilidade espacial tanto da altimetria como das caraterísticas do solo permite aos viticultores passar de uma abordagem de amostragem aleatória para uma metodologia de amostragem inteligente baseada em zonas com caraterísticas similares (Tardaguila et al., 2021).
As diferenças relativas entre as ZG identificadas numa vinha tendem a ser relativamente estáveis, o que está ligado a um forte fator de controlo associado à heterogeneidade do solo (Gatti et al., 2022). Compreender os fatores subjacentes à heterogeneidade do solo ao nível da parcela é essencial para uma gestão ótima e mais sustentável das culturas (Pereyra et al., 2023).
A monitorização da variabilidade do solo inclui o uso de uma ampla gama de sensores (Ammoniaci et al., 2021). A tecnologia de deteção de condutividade elétrica aparente do solo (CEa), montada em plataformas móveis e acoplada a recetores GNSS, pode ser altamente relevante na instalação de novas vinhas e na reabilitação de vinhas existentes (Tardaguila et al., 2021). Existem dois tipos principais de sensores atualmente no mercado para medir a CEa do solo: (i) sensores de contacto (por exemplo, o sensor Veris), são invasivos e utilizam elétrodos, geralmente associados a discos que abrem um pequeno sulco no solo (2-3 cm); um elétrodo emissor gera uma corrente elétrica e um segundo elétrodo recetor mede a diferença de potencial no solo; (ii) sensores sem contacto (por exemplo, os sensores Dualem ou EM38), não são invasivos, são compostos por um transmissor e uma bobina recetora, geralmente instalados em extremidades opostas de uma barra não condutora; este tipo de sensor funciona segundo o princípio da indução eletromagnética: o transmissor gera um campo magnético que induz uma corrente elétrica no solo, que por sua vez cria um segundo campo magnético proporcional à sua condutividade, medida pela bobina recetora (Ammoniaci et al., 2021). A CEa está geralmente relacionada com várias propriedades físicas e químicas do solo, como a textura e profundidade, a capacidade de retenção de água, o teor de matéria orgânica, a salinidade, a capacidade de troca catiónica (CTC), o pH entre outros parâmetros (Esteves et al., 2022). É reconhecido o efeito significativo da topografia nas propriedades do solo que são determinantes para a produção vegetal (Kumhálová et al., 2011), pelo que, a CEa e o relevo podem ser considerados parâmetros-chave para delinear ZG (Vitharana et al., 2008).
Outro exemplo da crescente incorporação tecnológica no setor agrícola é o cone penetrómetro eletrónico, podendo, por exemplo, auxiliar na caraterização da variabilidade espacial do solo e, consequentemente, do seu potencial produtivo (Serrano et al., 2023b). A medição do índice de cone (IC, em kPa) reflete a compactação do solo e é considerada uma ferramenta importante para o diagnóstico das camadas do solo mais restritivas ao crescimento radicular (Pias et al., 2018), sendo comuns avaliações nas camadas de solo de 0-0,15 m, de 0-0,30 m e de 0-0,45 m (Serrano et al., 2023a). Por estas razões, pode ser um parâmetro muito interessante em termos de validação de ZG.
Este estudo teve por objetivo demonstrar o interesse de definir e validar ZG numa vinha tendo por base a utilização de vários sensores eletrónicos: um medidor de CEa, um recetor GNSS/RTK e um cone penetrómetro eletrónico.
MATERIAL E MÉTODOS
Caraterísticas do campo experimental
O campo experimental é uma vinha com 3,3 ha, localizada na Herdade da Mitra, da Universidade de Évora (38,532° N; 8,015° W). Este campo é constituído por duas parcelas: uma área de 2,0 ha (Figura 1a) de castas de uvas tintas (principalmente ‘Aragonez’, ‘Trincadeira’ e ‘Castelão’); e uma área de 1,3 ha (Figura 1b) de castas de uvas brancas (principalmente ‘Arinto’, ‘Síria’ e ‘Antão Vaz’).
A vinha tem uma densidade de plantação de 4000 plantas/ha (compasso de 2,5 m 1,0 m) e é conduzida em cordão bilateral, sendo realizada anualmente a pré-poda mecânica seguida da poda manual em talão. A rega da vinha, dependente das condições climáticas de cada ano, é realizada de forma homogénea em toda a área e normalmente decorre entre os meses de junho e setembro, até duas a três semanas antes do início da vindima. A adubação é administrada por fertirrigação na altura da maturação da uva, com aplicação de 20 kg/ha de um adubo ternário (“7-14-20”). Para além da adubação e da rega também a poda, os tratamentos fitossanitários e as restantes operações culturais são realizadas de forma homogénea em toda a vinha.
Um levantamento altimétrico de precisão do campo experimental foi realizado em outubro de 2022 usando um recetor GNSS de precisão (Trimble RTK/PP-4700 GPS, Trimble Navigation Limited, Sunnyvale, CA, EUA). O modelo digital do terreno foi gerado usando a ferramenta de interpolação “TIN” do ArcGIS (versão 10.5, ESRI, Inc., Redlands, Califórnia, EUA). Esta informação vetorial foi convertida numa superfície (mapa altimétrico) com resolução de 1 m usando a ferramenta ''Spatial Analyst'' do ArcGIS (Figura 1, a e b).
O tipo de solo dominante na área de estudo é o Cambissolo, de origem granítica (FAO, 2005).
O clima desta região mediterrânica é classificado como Csa (classificação Köppen-Geiger) (Peel et al., 2007) e é caraterizado por elevada irregularidade e baixa pluviosidade (<600 mm).
Levantamento da condutividade elétrica aparente do solo (CE a )
O sensor de contacto Veris 2000 XA (Veris Technologies, Salina, KS, EUA; Figura 2a e b) equipado com antena GNSS foi utilizado para medir a CEa do solo em outubro de 2022. Este sensor é montado sobre um chassis apoiado em duas rodas e é formado por dois pares de elétrodos incorporados em discos ajustáveis: um par injeta corrente no solo (discos mais externos), enquanto o outro par (discos mais internos) mede a diferença de tensão elétrica. No nosso estudo o ajustamento dos discos permitiu a medição da CEa da camada superficial do solo (de 0 a 0,30 m de profundidade). O sensor foi puxado por um veículo todo-o-terreno, percorrendo todas as entrelinhas da vinha, a uma velocidade média de 5 km/h e foi programado para registar as medições a cada segundo.
Os mapas krigados que mostram a distribuição espacial da CEa em cada parcela foram produzidos com o módulo “ArcMap” do ARCGIS, foram obtidos a partir dos valores estimados pela aplicação do algoritmo de krigagem pontual ordinária do ArcGIS, integrando a estrutura de correlação espacial descrita com os respetivos variogramas.
Definição de zonas de gestão (ZG)
Os dados dos levantamentos da CEa e altimétrico foram utilizados como dados de entrada para as análises geoestatísticas que permitiram a aplicação de um algoritmo para definição das ZG, cujos procedimentos foram descritos por Fridgen et al. (2004). O software “Management Zones Analyst” (MZA) (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA) foi utilizado neste estudo. A abordagem “ISO Cluster” no ArcGIS foi utilizada para efetuar a classificação. Este algoritmo organiza os dados utilizando o “Classificador de Máxima Verosimilhança” (MLC, "Maximum Likelihood Classifier").
Do ponto de vista prático, foram consideradas três zonas de gestão com diferentes potenciais produtivos (menor, intermédio e maior potencial), partindo do pressuposto que zonas de CEa mais elevada correspondem a zonas maior potencial produtivo. Este número de classes (ZG) foi determinado pela conjugação do menor índice de desempenho da imprecisão (FPI, “Fuzziness Performance Index”), ou seja, do menor grau de partilha de associação entre classes, com a menor entropia de classificação normalizada (NCE, “Normalized Classification Entropy”), sendo que esta estima a desorganização criada pelas várias classes (Fridgen et al., 2004).
Validação de zonas de gestão (ZG)
Depois de definidas as ZG em cada uma das parcelas, a partir de levantamentos realizados com tecnologias expeditas (sensor de condutividade elétrica e GNSS de precisão), é fundamental a sua validação. Esta foi realizada por meio de análises laboratoriais de amostras de solo e por medições de compactação do solo (CI) a várias profundidades.
Em cada ZG de cada parcela (uvas tintas e uvas brancas) procedeu-se em janeiro de 2023 à recolha, de forma aleatória e georreferenciada com GNSS, de 4 amostras compósitas de solo (0-0,30 m de profundidade). Cada amostra compósita de solo resultou de 5 subamostras recolhidas em cada área de amostragem de acordo com diagrama apresentado na Figura 2c. Cada amostra compósita foi etiquetada e enviada para o laboratório “AmbiTerra” da Universidade de Évora em caixas metálicas, pesadas e depois secas a 105 °C até peso constante para determinação da humidade gravimétrica do solo. A análise granulométrica (areia, limo e argila) foi realizada num sedimentógrafo (modelo 5100 da Micromeritics). A fração fina do solo (com diâmetro < 2 mm) foi submetida a análises químicas utilizando métodos laboratoriais de referência (AOAC, 2005) para determinação dos seguintes parâmetros: pH, matéria orgânica (MO), fósforo (P2O5), potássio (K2O), grau de saturação por bases (GSB), soma de bases de troca (SBT) e capacidade de troca catiónica (CTC). O pH em água (1:2,5) foi determinado pelo método potenciométrico. A MO foi determinada por combustão e medição do dióxido de carbono (CO2) por infravermelhos. Para extração do fósforo e do potássio foi usado o método Egner-Riehm. O GSB, a SBT e a CTC foram obtidos pelo método do acetato de amónio.
Simultaneamente à recolha das amostras de solo, procedeu-se à medição do IC em 3 pontos de cada área de amostragem (Figura 2c), na camada de solo de 0-0,45m. Foi utilizado um cone penetrómetro eletrónico “FieldScout SC 900” (Spectrum Technologies, Aurora, IL, EUA). Foi calculado o valor médio do IC das medições de cada área de amostragem e de cada ZG, para cada intervalo de profundidades considerado (0-0,15 m, 0,15-0,30 m; e 0,30-0,45 m).
Não foram considerados nesta fase do estudo questões relacionadas com o vigor vegetativo ou com a produtividade da cultura, parâmetros determinantes na efetiva validação do potencial produtivo das ZG.
Com o objetivo de avaliar se as ZG em cada parcela (tintas e brancas) eram significativamente diferentes (p < 0,05), uma vez que não se pode presumir a normalidade e a independência dos dados, foram utilizados o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis seguido do teste “post-hoc” de comparações múltiplas de Dunn, na comparação de médias dos parâmetros do solo entre ZG.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Definição de zonas de gestão (ZG)
O interesse pela VP tem sido destacado em diversos trabalhos publicadas nos últimos anos (Ammoniaci et al., 2021; Tardaguila et al., 2021; Gatti et al., 2022), percebendo-se que a investigação se concentrou especialmente em quatro áreas principais: (i) na avaliação da variabilidade espacial; (ii) em algoritmos estatísticos para delimitação de ZG; (iii) no desenvolvimento de tecnologias de taxa variável (VRT- Variable Rate Technology); e (iv) na implementação de estratégias e práticas de gestão diferenciada da vinha (Ammoniaci et al., 2021). Este estudo centra-se em avaliar a variabilidade espacial do solo numa vinha e, a partir desta, definir e validar ZG.
Em termos práticos, procurou-se avaliar se a monitorização expedita da CEa e da altimetria permite captar a variabilidade espacial do solo, levando à identificação de ZG. Os mapas das Figuras 3 (a) e 4 (a), respetivamente para a parcela das variedades tintas e para a parcela das variedades brancas, mostram a variabilidade espacial da CEa, especialmente marcada na parcela de uvas brancas. Esta variabilidade espacial é um potencial indicador de variabilidade das caraterísticas do solo, o que sugere a conveniência em definir ZG (Moral et al., 2010), constituindo o ponto de partida que justifica a implementação do conceito de VP (Ammoniaci et al., 2021). As ZG representam, portanto, a ligação entre a variabilidade espacial e a potencial gestão diferenciada (Córdoba et al., 2013).
A transformação da CEa e dos mapas altimétricos em mapas de ZG através da aplicação de algoritmos geoestatísticos é apresentada nas Figuras 3 e 4 (b). Tal como a variabilidade presente nos mapas de CEa indiciava, a aplicação dos critérios de classificação descritos na metodologia levou à definição de três ZG na parcela de uvas brancas (menor potencial, intermédio e maior potencial produtivo) enquanto na parcela de uvas tintas foram apenas definidas duas ZG (de menor e de maior potencial produtivo).
Validação de zonas de gestão (ZG)
Tão importante quanto a definição das ZG é a sua validação. O Quadro 1 apresenta os valores dos parâmetros médios do solo (média de 4 pontos de amostragem em cada ZG, em cada parcela). Os resultados confirmam valores significativamente mais elevados de argila, limo, humidade, MO, pH, fósforo, grau de saturação e soma de bases de troca e CTC e valores significativamente menores de areia nas ZG com maior potencial produtivo.
Parâmetros | Areia (%) | Limo (%) | Argila (%) | Humid (%) | MO (%) | pH | P2O5 (mg/kg) | K2O (mg/kg) | GSB (%) | SBT (cmol/kg) | CTC (cmol/kg) |
ZG “Tintas” | |||||||||||
< Potencial | 79,58 a | 9,58 a | 10,84 a | 12,10 a | 0,91 a | 5,68 a | 38,01 a | 47,00 a | 23,24 a | 2,50 a | 15,13 a |
> Potencial | 68,47 b | 13,08 b | 18,45 b | 17,01 b | 1,19 b | 6,60 b | 19,85 b | 32,95 b | 99,48 b | 14,98 b | 21,28 b |
ZG “Brancas” | |||||||||||
< Potencial | 76,53 a | 11,26 a | 12,21 a | 14,70 a | 1,24 a | 6,03 a | 204,70 a | 113,75 a | 34,01 a | 3,74 a | 34,01 a |
Intermédio | 76,15 a | 12,19 a | 11,66 a | 18,21 b | 1,63 b | 6,63 b | 341,20 b | 134,50 b | 46,37 b | 5,86 b | 46,37 b |
> Potencial | 61,75 b | 17,39 b | 20,86 b | 19,82 c | 2,19 c | 6,98 c | 506,13 c | 107,75 a | 103,03 c | 15,10 c | 103.03 c |
Humid- Humidade; MO- Matéria orgânica; GSB-Grau de saturação de bases; SBT- Soma de bases de troca; CTC- Capacidade de troca catiónica; Diferentes letras minúsculas ao lado dos valores médios dos parâmetros indicam diferenças significativas (p < 0,05) de acordo com o teste de “Dunn”.
A correlação positiva e significativa entre CEa e a componente fina da textura do solo (argila e limo) foi documentada em diversos estudos (Moral et al., 2010; Ammoniaci et al., 2021; Esteves et al., 2022), levando inclusivamente à indicação de valores de referência específicos de CEa para determinadas caraterísticas do solo (substrato rochoso, areia, argila, água, etc.) (Ammoniaci et al., 2021). A relação entre a CEa e outras propriedades físicas e químicas do solo, nomeadamente o teor de MO (Ammoniaci et al., 2021), a humidade (Serrano et al., 2013), a CTC, o pH, e outros nutrientes do solo (Esteves et al., 2022), foi demonstrada em uma ampla gama de solos. Da mesma forma, as Figuras 5 e 6 mostram, respetivamente para a parcela de uvas tintas e para a parcela de uvas brancas, valores significativamente mais baixos de IC (ou seja, de compactação do solo) nas ZG de maior potencial produtivo. Estas figuras mostram também um aumento do IC nas camadas de solo de 0,15-0,30 m e 0,30-0,45 m, relativamente à camada superficial do solo (0-0,15 m). Este comportamento foi também registado por Pias et al. (2018), justificando a maior compactação nas camadas de solo abaixo do efeito dos discos e outros órgãos ativos dos semeadores e outras máquinas usadas na manutenção da entrelinha. A correlação inversa entre a CEa e a compactação do solo está em linha com vários outros trabalhos (Krajco et al., 2007; Pentoś et al., 2021; Serrano et al., 2023a,b), alguns deles até sugerindo o potencial da CEa como alternativa rápida para avaliar a compactação do solo (Krajco et al., 2007; Pentoś et al., 2021).
Interesse das zonas de gestão (ZG)
Estes resultados mostram que a monitorização da CEa do solo e a posterior definição de ZG pode ajudar a orientar a amostragem (amostragem inteligente) para fins de caraterização da variabilidade espacial de uma parcela. Este interesse ganha particular importância em parcelas de grande extensão, onde a amostragem intensiva do solo não seria praticável, quer em termos de custos, quer em termos de tempo e de mão-de-obra. Para se perceber o interesse desta abordagem, se se fizesse um hipotético exercício de prática comum na região, com a recolha de uma amostra compósita do solo, considerando para a área total (3,3 ha) a média dos parâmetros nos 20 pontos de amostragem considerados neste estudo (4 em cada uma das 5 ZG), a análise laboratorial revelaria, por exemplo, para o fósforo (P2O5) e para o potássio (K2O), respetivamente, valores médios de 222 mg/kg e 87,2 mg/kg, valores elevados, não justificando a adubação no caso do fósforo (Efe Serrano, 2006). Contudo, a análise do Quadro 1 mostra que na parcela de uvas tintas os teores destes nutrientes variam entre 20-40 mg/kg, no caso do P2O5 e 30-50 mg/kg, no caso do K2O, abaixo dos valores considerados adequados para a cultura (Efe Serrano, 2006) e a justificarem, consequentemente a adubação desta parcela, ao contrário do que requeria a parcela de uvas brancas.
Dado que estes valores anormalmente elevados de fósforo e de potássio ocorrem apenas na zona de uvas brancas (Quadro 1), onde os valores de MO também são muito mais elevados (média entre 1,2 e 2,2% na parcela de uvas brancas, em comparação com a média na parcela das uvas tintas, entre 0,9 e 1,2%), a proximidade de uma pocilga (a montante da parcela de uvas brancas) e uma ligeira pendente no sentido da linha de água que separa as duas parcelas poderá estar na origem deste padrão inesperado. A mesma razão que terá levado o algoritmo geoestatístico a definir uma ZG intermédia nesta parcela. Também aqui, o levantamento expedito da CEa do solo e a consequente definição de ZG se revelou fundamental como indicador deste efeito externo (drenagem de efluentes da produção pecuária intensiva) na variabilidade espacial da camada superficial do solo.
Limitações e perspetivas do estudo
Em futuros trabalhos, será importante validar estes resultados em outras condições, com diferentes tipos de solo ou em diferentes regiões, ampliando a base de dados e, desta forma, contribuir para a otimização do processo de prescrição, por exemplo da adubação, concretizado no fechar do ciclo de viticultura de precisão através de tecnologia de taxa variável (Katz et al., 2022).
Também será fundamental desenvolver algoritmos para avaliar a significância agronómica desta classificação (ZG de maior ou menor potencial), em termos práticos no que se refere às quantidades de adubos ou corretivos a prescrever.
Uma abordagem holística do processo produtivo exigirá ainda complementar e validar a informação sobre a variabilidade espacial da camada superficial do solo com duas perspetivas: (i) a monitorização do vigor vegetativo da vinha, o que pode ser conseguido de forma relativamente simples e com interessante regularidade temporal através de índices obtidos a partir de imagens de satélite (por exemplo, NDVI- Normalized Difference Vegetation Index, ou NDWI- Normalized Difference Water Index); (ii) a colheita segmentada da vinha, por zonas, para avaliar o impacto da definição das ZG na produtividade (através de mapas de produtividade obtidos com monitores de rendimento) e na qualidade, quer da uva, quer do vinho.
CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo mostraram que a utilização de ferramentas expeditas de medição e representação cartográfica em mapas da CEa e da altimetria permite capturar a variabilidade espacial de caraterísticas físicas (textura, compactação, humidade) e químicas (pH, MO, grau de saturação e soma de bases de troca e CTC) da camada superficial de solo (0-30 cm). Permite também a definição e validação de ZG, refletindo diferente potencial produtivo. Estas ZG podem ser relevantes na instalação de novas vinhas ou na replantação de vinhas existentes, por exemplo, para a seleção das cultivares mais adaptadas, ou para orientação da cultura na parcela (exposição solar, drenagem, etc.) para um determinado “terroir”. Esta abordagem também pode ser útil para um processo de tomada de decisão mais informado no que confere à gestão diferenciada da aplicação de fatores de produção (água, adubos, produtos fitossanitários) e para orientar as práticas culturais. A capacidade de cartografar a variabilidade espacial do solo permite aos viticultores ganhos óbvios em termos de gestão de recursos.