A globalização da economia e as novas tecnologias de informação e comunicação trouxeram muitas mudanças para o cenário econômico, social, político e cultural, especificamente no que diz respeito ao mercado de trabalho. Tais mudanças têm promovido o surgimento de novas formas de organização das atividades laborais e, consequentemente, de atuação dos indivíduos, transformando as relações de trabalho entre as pessoas e as organizações. O teletrabalho, objeto deste estudo, é uma forma de trabalho flexível que vem sendo utilizada e pode ser definido como uma modalidade de trabalho à distância, inclusive em casa, utilizando computadores e telefone (ILO, 1998).
O termo teletrabalho é oriundo do termo telecommuting seguido do termo teleworking, criado por Nilles (1997) em meados dos anos 70, para designar as atividades laborais realizadas fora do ambiente comum de trabalho e com o uso da tecnologia da informação e comunicação. Rosenfield e Alves (2011) afirmam haver uma falta de conceituação precisa sobre a atividade de teletrabalho e que, portanto, o teletrabalho não pode ser conceituado simplesmente como trabalho à distância, mas sim como elemento das mudanças organizacionais estratégicas que apontam novas formas de trabalho sustentadas pelas tecnologias da comunicação e informação. Assim, transformação do lugar, dos objetos e tempo de trabalho são elementos básicos para se levar em consideração nas análises das novas formas de trabalho, especialmente quando se fala em teletrabalho (Ordoñez, 2012).
Nessa perspectiva, Rodrigues (2011) considera que o teletrabalho é o tipo de trabalho que elimina barreiras geográficas e arquitetônicas e abarca alguns elementos caracterizadores dessa modalidade de trabalho, tais como: a distância, a não presencialidade, prevalência do uso de equipamentos telemáticos (tecnologia da informação e comunicação) e horário flexível. A literatura aponta que os estudos relacionados ao teletrabalho estão majoritariamente inseridos em aspectos legais, como a regulamentação legal do teletrabalho, e aspectos administrativos, como dificuldades de implantação da atividade em organizações e formas de controle do trabalho e dos trabalhadores (Rocha & Amador, 2018).
Segundo Paris (2011) trabalhar com a modalidade teletrabalho envolve novos desafios para todos os envolvidos no processo, o teletrabalhador, os supervisores, subordinados, a organização como um todo e o ambiente externo a este contexto, principalmente a família do teletrabalhador. A revisão da literatura aponta que a qualidade de vida, redução do tempo no trânsito, autonomia, flexibilidade de rotina e aumento de produtividade são impactos positivos percebidos pelos trabalhadores que exercem esse tipo de atividade (Barros & Silva, 2010; Krein, 2007; Pérez et al., 2002; Rafalski & Andrade, 2015; Rodrigues, 2011) e mencionam como impactos negativos a falta de interação social e “abandono” por parte dos supervisores (Barros & Silva, 2010; Rafalski & De Andrade, 2015).
Segundo Rodrigues (2011), o teletrabalho tende a ser a forma de prestação de trabalho mais utilizada no decorrer do século XXI, concentrando na sociedade contemporânea, denominada de sociedade da informação, um elevado número de teletrabalhadores. De acordo com pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (SOBRATT), em parceria com a SAP Consultoria em Recursos Humanos (RH), em 2016 existia no país cerca de 12 milhões de teletrabalhadores e 68% das empresas praticavam teletrabalho no Brasil em suas diferentes modalidades, home office e trabalho de campo. (Pesquisa Home Office Brasil, 2016; SAP Consultoria RH, 2016; Sobratt, 2016).
Tendo em vista os aspectos apresentados, torna-se relevante identificar impactos do teletrabalho para a saúde dos trabalhadores. Sendo assim, a presente revisão sistemática da literatura objetiva sistematizar e avaliar a produção científica nacional e internacional acerca dos impactos do teletrabalho para a saúde e bem-estar dos teletrabalhadores.
Método
O estudo realizado trata-se de uma revisão sistemática da literatura, que segundo (Sampaio & Mancini, 2007), consiste em utilizar como fonte de dados a literatura sobre um tema, possibilitando uma visão ampla acerca do conhecimento já adquirido em estudos anteriormente realizados. Foram seguidas as diretrizes para realização de revisão sistemática propostas por Petticrew e Roberts (2006) e do protocolo PRISMA (Moher et al., 2009), tais como, definir o objetivo da revisão, identificar a literatura, selecionar os possíveis estudos a serem incluídos, estabelecer os critérios de inclusão e exclusão, identificar os estudos pré-selecionados, categorizar os estudos selecionados, analisar e interpretar os resultados, apresentar a revisão ou a síntese do conhecimento (Botelho et al., 2011; Sampaio & Mancini, 2007).
Foram escolhidas e utilizadas para o levantamento da literatura as seguintes bases eletrônicas de dados, Scielo, Pepsic, PsycINFO e Redalyc. Tais bases foram escolhidas em função da abrangência de estudos disponíveis, acesso a textos completos, publicações nacionais e internacionais e o interesse em bases específicas da área da Psicologia (Pepsic e PsycINFO). A busca e a avaliação dos artigos foram realizadas por dois pesquisadores na primeira e segunda etapa, e na terceira passou pela avaliação de um juiz independente da área, de acordo com os seguintes critérios de inclusão, a) estudos publicados em periódicos de psicologia (nacionais e internacionais), b) artigos publicados em português, inglês e espanhol, c) artigos nacionais e internacionais. Foram excluídas teses e dissertações, capítulos de livros, resenhas de livros, artigos em duplicidade e artigos que possuem a palavra-chave, mas não tem relação com o assunto/ tema de interesse. Foram utilizadas as palavras-chaves, teletrabalho, telework, telecommuting, well-being, saúde e bem-estar e utilizadas as combinações, teletrabalho AND saúde, teletrabalho AND bem-estar, telework AND well-being, telecommuting AND well-being, telework AND health. Tais palavras-chave foram selecionadas após pesquisa de descritores no Vocabulário de Termos em Psicologia, cadastrados na Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia (BVS-Psi) e após verificação das palavras-chave que mais apareciam nos artigos relacionados ao tema. A escolha e análise dos artigos encontrados foi realizada em três etapas. Na primeira etapa, foram realizadas, (a) a escolha das bases de interesse que seriam utilizadas para pesquisa; e (b) a escolha da utilização dos descritores. Não houve restrição quanto ao ano de publicação dos artigos, pois, o intuito era encontrar todos os artigos possíveis e disponíveis sobre o assunto, contudo, as datas ficaram aleatoriamente restritas pela quantidade de estudos encontrados e que abrangeram os anos de 2002-2017. Na segunda etapa, foram realizadas, (a) a catalogação de todos os artigos encontrados com utilização do software State of Art through Systematic Review (Start), versão 1.6.3, desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que auxilia o planejamento, a execução e a análise final dos estudos encontrados, tornando a revisão sistemática mais ágil, precisa e replicável (Hernandes et al., 2012); e (b) separação de artigos por bases para uma pré-análise de temáticas encontradas e verificação da quantidade de artigos por bases.
Na terceira etapa, foram realizadas, (a) leitura dos resumos e de alguns artigos na íntegra; e (b) o refinamento final da escolha dos artigos que seriam utilizados no estudo. A seleção inicial resultou em 99 artigos. Após o refinamento das análises, foram excluídos artigos duplicados (n=3) e os que não abordavam a questão da saúde para o teletrabalhador, que eram incongruentes com o tema e objetivo da pesquisa (n=80), resultando em 16 artigos considerados relevantes e pertinentes ao foco de estudo, por se adequarem aos critérios de inclusão, como mostra a Figura 1, sendo dois brasileiros (com amostras nacionais) e 14 estrangeiros. Os estudos estrangeiros abarcam países como, Colômbia, Espanha, México, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Bélgica, República Dominicana e Alemanha.
Procedimentos de análise dos dados
As informações levantadas nos artigos foram organizadas em quatro categorias temáticas, publicações por área de pesquisa, ano de publicação (Quadro 2), metodologia, caráter e tipo de pesquisa (Quadro 1). As categorias temáticas encontradas foram validadas por dois pesquisadores e um juiz independente da área que consideraram pertinentes de acordo com a ideia central dos estudos selecionados e a quantidade de publicações por categoria, (a) Saúde (mental e física); (b) Qualidade de Vida no Trabalho; (c) Satisfação; e (d) Bem-estar.
Após a organização das categorias temáticas, que foram analisadas de acordo com as diretrizes de Braun & Clarke (2006), a fim de garantir maior rigor científico, verificou-se as áreas de publicação, delineamento e método. De acordo com os autores, a análise temática consiste em um processo utilizado para codificar informações qualitativas, a partir da identificação, análise e informação dos padrões temáticos que se relacionam com a questão de pesquisa, baseado no conjunto de dados coletados pelo pesquisador. Tal método de análise é utilizado por pesquisadores de diversas áreas e permite que as informações coletadas sejam analisadas sistematicamente, resultando no destaque dos temas mais relevantes para a compreensão do fenômeno estudado (Joffe, 2012).
Resultados
Os 16 artigos selecionados foram publicados em 15 periódicos e em 5 áreas diferentes, Administração (n=5, 33,33%), Ciências Sociais (n= 1, 6,67%), Ergonomia (n=1, 6,67%), Multidisciplinar (n=3, 20%), Psicologia (n=5, 33,33%). Estes dados sugerem que a área da Administração e Psicologia são as que mais pesquisam acerca do tema teletrabalho e com focos de investigações diferentes, uma vez que a administração tende a dar ênfase em aspectos organizacionais para os níveis macro e meso, tais como, implantação da atividade em organizações e formas de controle do trabalho e dos trabalhadores (Rocha & Amador, 2018). Enquanto a Psicologia tende a focar os estudos no indivíduo, nível micro de uma organização, como foco na subjetividade e aspectos relacionados à saúde e impactos da atividade para o profissional e o ambiente em seu entorno.
As publicações relacionadas à área Multidisciplinar abrangem periódicos que aceitam publicações de diversas áreas de estudos, como a área da saúde, humanidades, ciência e tecnologia. Verificou-se que nestes periódicos o teletrabalho e a saúde abrangem aspectos da tecnologia da informação e comunicação, o indivíduo e sociedade. Percebe-se que as publicações na área de Ergonomia e Ciências Sociais são decorrentes da análise do teletrabalho atrelada com questões abordadas pelos periódicos escolhidos. Por exemplo, em revistas da área de ergonomia são abordados os impactos do teletrabalho em aspectos ergonômicos (Bentley et al., 2016) e em revistas das ciências sociais são abordados aspectos relacionados à tecnologia, indivíduo e sociedade (García, Guevara, & Mella, 2008).
Em relação ao método de pesquisa e delineamento do estudo, foi encontrado maior número de estudos com abordagem tipo estudo de caso (n=6) e levantamento (n=6) e predomínio de pesquisas qualitativas (n=8). A maioria dos estudos encontrados é de caráter empírico (n=13), objetivando ancorar e corroborar informações e dados apresentados conceitualmente (Quadro 1)
Quanto à quantidade de publicações por ano verificou-se um baixo de número de publicações, o que sugere que os impactos do teletrabalho para a saúde do teletrabalhador ainda é um tema de estudo pouco pesquisado. Foram encontrados apenas 2 artigos desenvolvidos com amostra brasileira, dentre os 16 selecionados. Os demais foram desenvolvidos em países dos continentes, norte e sul americano, Oceania e Europa (Quadro 2).
A maioria dos estudos sobre teletrabalho encontram-se em países americanos e europeus. Foram encontrados poucos estudos acerca do tema no Brasil. Dos dois estudos encontrados, o de Fonseca e Pérez-Nebra (2012), objetivou identificar os impactos psicológicos do teletrabalho na saúde mental dos teletrabalhadores com base na epidemiologia do trabalho de Codo et al. (2004). O segundo estudo, de Biasi e Pera de Souza (2006), identificou fatores de risco e de proteção para a qualidade de vida no trabalho (QVT) de teletrabalhadores.
Saúde (mental e física)
Nesta categoria foram reunidos cinco estudos. Um deles, o de Fonseca e Pérez-Nebra (2012), utiliza pressupostos da epidemiologia do trabalho para identificar os impactos psicológicos do teletrabalho na saúde mental dos teletrabalhadores. O estudo ocorreu com teletrabalhadores majoritariamente das áreas de comunicação e tecnologia da informação que responderam ao inventário de diagnóstico integrado do trabalho (DIT), que engloba questões relacionadas ao trabalho, sofrimento psíquico e dados demográficos. As autoras destacam que os teletrabalhadores que dedicam mais tempo e carga horária ao teletrabalho, se apropriando do sentido do trabalho, apresentam menores níveis de sofrimento psíquico (depressão). Também foram encontradas correlações positivas entre o trabalho presencial e o sofrimento psíquico, em comparação ao teletrabalho (Fonseca & Pérez-Nebra, 2012).
Cifre e Salanova (2012) testaram a adaptação de um modelo teórico de saúde psicossocial no trabalho, RED (recursos-emoções/ experiências-demandas) e, apontaram o teletrabalho como uma atividade positiva para a saúde dos teletrabalhadores. Embasaram a afirmação nos dados da variável AET (Autoeficácia específica para teletrabalho) no que tange sentir emoção com o trabalho, ou seja, que diversos recursos organizacionais e laborais afetam diretamente a forma como o teletrabalhador se sente e, que o apoio da supervisão, apropriação do trabalho e flexibilidade impactam positivamente na saúde do trabalhador (Cifre & Salanova, 2012). Contudo, o modelo testado analisou apenas os aspectos positivos para a saúde psicossocial do teletrabalhador, não apresentando possíveis aspectos negativos para a saúde psicossocial, impossibilitando a comparação entre dados para uma análise mais aprofundada acerca dos fatores que acometem a saúde do teletrabalhador.
Chávez e Sánchez (2016) realizaram um estudo sobre absenteísmo e teletrabalho. Segundo os autores, o controle da presença do teletrabalhador não é necessário, então a presença do teletrabalhador é medida por objetivos cumpridos, mais do que o computo das horas trabalhadas no local de trabalho. Verificou-se que a saúde emocional é determinante para evitar o ausentismo dos teletrabalhadores, e permite que estes cumpram seus objetivos.
Em outro estudo, que compara trabalhadores convencionais e teletrabalhadores, Lundberg e Lindfors (2002) mostram que o teletrabalho se torna mais interessante para as mulheres que possuem filhos, devido à redução de estresse com relação ao tempo de deslocamento e à não realização do trabalho fora de casa, além de outras percepções, como ter mais tempo para cuidar da família e dos afazeres domésticos. Outro dado deste estudo (Lundberg & Lindfors, 2002) refere-se aos homens e ao aumento da pressão sanguínea quando trabalham no escritório, indicando um fator potencial de risco ao estresse, pois, quando estão trabalhando em casa (uma modalidade de teletrabalho) essa pressão reduz. Contudo, a dificuldade em relaxar após um dia de trabalho em casa (indivíduos tendem a continuar trabalhando pós-expediente) pode ser um risco para a saúde mais importante que o nível real de estresse gerado durante o trabalho, levantando a hipótese de que este seria um fator negativo para o teletrabalho.
Como aspectos negativos do teletrabalho para a saúde do trabalhador são apontados, excesso de trabalho (workaholic), conflito trabalho-família, falta de controle externo ou de supervisão podendo, estas variáveis ocasionar estresse (risco para a saúde mental, física/ ergonômica) afetando saúde, bem-estar e qualidade de vida dos teletrabalhadores (Fabregat & Gallego, 2002; Lundberg & Lindfors, 2002). Os autores pontuam que o teletrabalho tem consequências positivas e negativas em curto e longo prazo para a saúde do trabalhador, e que são necessárias mais pesquisas que abarquem esses aspectos, pois são poucos os estudos existentes sobre os impactos para a saúde do teletrabalhador.
Os cinco estudos encontrados elencam impactos do teletrabalho para a saúde física e mental do teletrabalhador, focando questões psicossociais e a relação da atividade fim com o estresse, fator mencionado e presente nos estudos, bem como os aspectos que influenciam o desenvolvimento dessa doença. Por outro lado, Fonseca e Pérez-Nebra (2012), também apresentam estratégias para contornar os aspectos geradores de estresse e mencionam a importância do teletrabalhador se apropriar do sentido do trabalho como variável relevante para redução do sofrimento psíquico. As autoras também trazem a sugestão de impulsionar as organizações e indivíduos a adotarem o regime de teletrabalho, por avaliarem o teletrabalho como positivo para a promoção da saúde mental. Este dado é corroborado com os achados de Cifre e Salanova (2012), que também abordam a questão da importância da apropriação do trabalho por parte do teletrabalhadores.
Fabregat e Gallego (2002), Lundberg e Lindfors (2002) apontam aspectos negativos do teletrabalho para a saúde física e mental dos teletrabalhadores, mas não se opõem a realização da atividade, embasando suas conclusões no fato de existirem poucos estudos sobre os impactos do teletrabalho para a saúde do teletrabalhador, indo ao encontro ao posicionamento de Fonseca e Pérez-Nebra (2012), de que os estudos existentes acerca desse assunto hipotetizam os fenômenos psíquicos, não sendo estes de fato pesquisados.
É possível concluir que há lacunas quanto aos impactos na saúde física e mental do teletrabalhador, porém, a literatura aponta o estresse, o isolamento social e a dificuldade em relaxar como fatores negativos do teletrabalho. Por outro lado, o apoio dos supervisores, a apropriação do sentido do trabalho, e a redução de deslocamentos, são apontados como aspectos positivos.
Qualidade de vida no trabalho (QVT)
Nesta categoria foram reunidos quatro estudos, sendo três internacionais abarcando países como Colômbia, República Dominicana e Canadá e um nacional, publicados em espanhol, inglês e português. Qualidade de Vida no Trabalho, para Biasi e Pera de Souza (2006), envolve um conjunto de ações da empresa, no sentido de impactar melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho, buscando favorecer o desenvolvimento humano e organizacional, ao compreender o estresse e as doenças associadas ao ambiente de trabalho e à satisfação das expectativas dos empregados. Os achados de Biasi e Pera de Souza (2006) mostram, ainda, que há uma clara correlação entre experiências de estresse mental, pressões no trabalho e sintomas orgânicos ou psíquicos.
Agregando às informações citadas anteriormente, Peláez e López (2013), afirmam que a produtividade e a qualidade de vida não são elementos distintos e que há grande relação entre eles. Assim, se a organização fornece as condições que os colaboradores necessitam para melhorar o bem-estar (e a qualidade de vida) eles estarão mais comprometidos, o que leva a melhorar a qualidade do trabalho e a produtividade. Nessas condições o teletrabalho contribui para a melhoria da qualidade de vida no trabalho, principalmente porque os colaboradores podem passar mais tempo com sua família. Essa relação recursiva encontrada entre produtividade e qualidade de vida no trabalho faz desta modalidade - teletrabalho - uma escolha interessante de desenvolvimento organizacional em mercados globalizados.
O estudo realizado por Montreuil e Lippel (2003) corrobora com as explanações precedentes, apontando que a maioria dos teletrabalhadores analisados relatou melhora na qualidade de vida, percebida por níveis mais baixos de estresse devido ao menor deslocamento, ambiente de trabalho favorecedor de concentração, bem-estar e maior controle sobre as configurações do trabalho e do gerenciamento do tempo utilizado, resultando em melhor equilíbrio entre trabalho e família e maior produtividade. De acordo com a pesquisa realizada por García et al. (2008) cinco componentes resultaram em níveis de qualidade de vida abaixo da média, sendo eles, integração social, segurança e bem-estar, desenvolvimento da capacidade humana, trabalho em equipe e ergonomia, incluindo a realização de tarefas repetitivas rotineiramente, movimentos forçados ou posições inadequadas. As autoras apontam, ainda, a necessidade de criação de equipes multidisciplinares para avaliação das questões ergonômicas e como meio de melhorar a percepção de teletrabalhadores à necessidade de trabalho em equipe, através do estabelecimento de canais de comunicação e cooperação dos colaboradores. Sugerem ainda programas de reconhecimento de grupos, reuniões presenciais periódicas para alinhamento de objetivos e favorecimento da integração entre eles, com o objetivo de minimizar a possível sensação de isolamento e a falta do sentido de pertença à empresa.
Desta forma, os artigos apontam uma possível relação entre produtividade e qualidade de vida (Peláez & López, 2013) e entre qualidade de vida e satisfação às expectativas dos indivíduos (Biase & Souza, 2006).
Satisfação
A satisfação no trabalho compreende percepções individuais de tarefas e atividades, realizações, recompensas, condições de trabalho e práticas de gestão, constatada por um estado emocional positivo vindo da experiência subjetiva do indivíduo em relação ao seu trabalho (Bentley et al., 2016). Nesse sentido, o estudo aponta que a satisfação percebida pelos teletrabalhadores está diretamente relacionada ao suporte social organizacional ofertado e a redução de tensões psicológicas relacionadas à realização do trabalho.
Já no estudo de (Tremblay, 2002), a satisfação identificada por trabalhadores que aderiram a tal modalidade de trabalho voluntariamente é verificada em nível elevado, considerando a percepção de autonomia, liberdade, flexibilidade de horários e redução dos deslocamentos e maior tempo para a dedicação familiar, além de que, aqueles que trabalham em regime de tempo integral possuem salários significantemente altos. Com base na Teoria da Troca Social, Bae e Kim (2016) destacam que os teletrabalhadores têm uma relação positiva com a satisfação no trabalho, verificada a partir da percepção de que as empresas que oferecem a modalidade de teletrabalho os beneficiam na questão do não deslocamento, comodidade, melhor gerenciamento do tempo e estar mais presentes no contexto familiar; dessa forma, tendem a retribuir ao objeto de favorecimento que lhes fora disponibilizado.
Por sua vez, Konradt et al. (2003) apontam que a satisfação dos teletrabalhadores também é influenciada positivamente com a implementação de um sistema de avaliação que inclui mecanismos de estabelecimento de metas e feedback, considerando assim, a qualidade do gerenciamento por objetivos um forte preditor de tensão e/ou satisfação no trabalho entre os teletrabalhadores. Bae e Kim (2016) apontam que o teletrabalho é mais atraente para as mulheres do que para os homens, porque alivia o conflito entre trabalho e família, principalmente para as que realizam atividades rotineiras e repetitivas em um ambiente com alto ruído e que exige pouco contato com os colegas de trabalho (Tremblay, 2002).
Como fatores promotores da falta de satisfação dos teletrabalhadores, Konradt et al. (2003) apontam o isolamento e a falta de contato social. Ainda como propulsores de insatisfação, Tremblay (2002) indica os aspectos relacionados à tecnologia, tais como, lentidão dos sistemas de informática ou das linhas telefônicas e das medidas incômodas de segurança, este último não exemplificado no estudo.
Os estudos sobre satisfação relacionada ao teletrabalho abarcam aspectos positivos, tais como, suporte social organizacional ofertado aos teletrabalhadores, autonomia, liberdade, flexibilidade de horários, redução de deslocamentos, maior tempo para dedicação familiar e gerenciamento do tempo (Bae & Kim, 2016; Bentley et al., 2016; Tremblay, 2002). Alguns desses aspectos como redução de deslocamentos, e maior tempo para família também estiveram presentes nas categorias saúde (física e mental) e qualidade de vida no trabalho.
Bem-estar
Em relação à categoria de bem-estar (n=3), Lapierre e Allen (2006) e Elst et al. (2017) abordam que as características do trabalho (autonomia da tarefa, tomada de decisão e contato com colegas) são preditores do bem-estar; que a supervisão de apoio à família (suporte do supervisor) e o enfrentamento focado no problema por parte dos teletrabalhadores são preditores significativos para bem-estar afetivo e, que o apoio emocional por parte da família do teletrabalhador é um preditor significativo de bem-estar físico, sendo meios potenciais de evitar o conflito trabalho-família e proteger o bem-estar do trabalhador ao exercer atividades laborais em casa.
Ao testar hipóteses sobre relacionamento entre teletrabalho e bem-estar afetivo, Anderson et al. (2015) constataram que profissionais mais abertos à realização do teletrabalho tem uma relação mais positiva com o trabalho e o bem-estar afetivo, afirmando que o teletrabalho é uma atividade benéfica que pode agir como intervenção para aumentar o bem-estar em alguns funcionários que possuem mais perfil para a atividade. Destarte, trabalhar em casa e manter uma conexão social fora do local de trabalho - como foi exposto anteriormente - aumenta o afeto positivo (entusiasmo, felicidade), o bem-estar e reduz os impactos negativos (medo, ansiedade, culpa), sendo uma estratégia positiva para a realização do teletrabalho com mais bem-estar e minimizando sofrimentos.
Discussão
Quanto à saúde e teletrabalho verificou-se que os estudos focam as questões psicossociais e a relação do teletrabalho com o estresse, bem como aspectos que influenciam o desenvolvimento dessa doença e estratégias para contornar os aspectos geradores do estresse. Foram apresentados aspectos negativos que podem afetar a saúde psíquica e psicossocial do indivíduo e que precisam de atenção, tais como: isolamento social, sobrecarga de trabalho, nível de satisfação, aumento de carga horária de trabalho, conflito trabalho versus família, má adaptação ao “novo” regime de trabalho (Fabregat & Gallego, 2002; Fonseca & Pérez-Nebra, 2012).
Fonseca e Pérez-Nebra (2012) afirmam que quanto mais alto o nível de satisfação percebido pelos teletrabalhadores, menor é o sofrimento psíquico, supondo que este fator esteja relacionado a um maior envolvimento com o trabalho. Em contrapartida, as autoras afirmam que quanto maior for o suporte social e melhor os níveis de relacionamentos, mais saudável é o indivíduo, atribuindo a isto o fato de que é preciso que as organizações ofereçam suporte organizacional, dos gestores e pares, e que o próprio indivíduo busque suporte emocional. Fabregat e Gallego (2002) trazem questões acerca de riscos para a saúde psicossocial, física e a ergonomia, destacando a necessidade de programas de prevenção e intervenção nas organizações para otimizar a adaptação no teletrabalho, realizado por meio de tecnologias da informação e comunicação.
Também verificou-se nos estudos que o controle do trabalhador sobre o trabalho e a importância social minimizam o sofrimento psíquico, além de reforçar o sentimento de autonomia e valor social no trabalho. A sobrecarga de tempo despendido para a realização de atividades em regime de teletrabalho e os níveis de satisfação tem relação direta com quadros psicopatológicos (Fonseca & Pérez-Nebra, 2012). Entretanto, as autoras relacionaram o teletrabalho com a diminuição de problemas em saúde mental.
As quatro categorias analisadas estão atreladas e trazem questões acerca de possíveis ações, intervenções e estratégias que promovam e melhorem a saúde do teletrabalhador e, apontam aspectos positivos do teletrabalho para a qualidade de vida, satisfação e bem-estar desses profissionais, tais como, flexibilidade, redução do estresse devido à redução no tempo de deslocamentos, melhora da produtividade devido ao maior controle do trabalho e gerenciamento do tempo, autonomia e liberdade, mais tempo para a família (Bae & Kim, 2016; Cifre & Salanova, 2012; Lundberg & Lindfors, 2002; Montreuil & Lippel, 2003; Peláez & López, 2013; Tremblay, 2002).
A partir da revisão da literatura realizada neste estudo verificou-se a necessidade de mais pesquisas sobre a saúde do teletrabalhador, pois, o teletrabalho ainda é considerado uma área nova de pesquisa com muitas lacunas de pesquisa, principalmente em relação aos impactos para o teletrabalhador. Verificou-se também a existência de poucos estudos nacionais sobre o tema, falta de consenso entre as avaliações dos pesquisadores, principalmente em relação às questões de depressão e estresse geradas pelo teletrabalho, e poucas intervenções para minimizar os aspectos negativos causados pelo teletrabalho. Tais questões podem se tornar futuras agendas de pesquisa da área.
Esta revisão sistemática possui algumas limitações quanto aos descritores utilizados, uma vez que há muitos termos utilizados para definir o teletrabalho, e a escolha de bases de dados apenas da área da psicologia.