1 OBJECTIVOS, METODOLOGIA E PRÉ-INTRODUÇÃO
Os objectivos continuam, de novo, a estar concentrados na protecção da confiança na “origem lícita de determinados factos”, sempre num universo de Sociedade Democrática - CEDH, Convenção Europeia dos Direitos “do Homem”-Humanos - como orientação decisiva do próprio Estado de Direito, livre e verdadeiro. Neste sentido, não afectando a protecção, quer da “paz pública”, quer da “realização da justiça”, tendo também em consideração o princípio da legalidade que está consagrado no código penal português e na respectiva “secção” na qual se enquadra a presente criminalização lusitana do crime de “branqueamento”5. Criminalização, portanto, que tutela um bem jurídico poliédrico. Como em situações pretéritas, a metodologia a ser perseguida centraliza-se numa certa investigação comparativa maxime dogmática e doutrinal6, legal7, mas igualmente, ainda que brevitatis causa, jurisprudencial8, que podemos analisar sobre a matéria, como v.g., em países como Portugal e em toda a UE-União Europeia, a qual é neste momento em que escrevemos composta por 27 países, com a recente saída do Reino Unido9. Por fim, mas não por último, não podemos esquecer que no crime de “branqueamento” ou “lavagem” de v.g dinheiro, como refere a própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça Português, “O grande patrão do crime pode ser um cidadão respeitável, de peito medalhado, amigo do rei. Manda meter cheques na conta bancária e sereias na cama de nababos e poderosos. Chantageia e corrompe o mais Catão”10.
2 INTRODUÇÃO
De acordo com textos anteriores, já sabemos que a Lei portuguesa 83/2017, de 18 de Agosto, que vamos abreviar por LB-Lei do Branqueamento, “estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais. 2 - A presente lei estabelece, também, as medidas nacionais necessárias à efetiva aplicação do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006 [adiante designado “Regulamento (UE) 2015/847”]”. Entretanto esta lei foi ligeiramente alterada pelo Dec.-Lei 144/2019, de 23 de Setembro11.
3 O BEM JURÍDICO DO ILÍCITO PENAL DO BRANQUEAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DA E NA CRIMINALIZAÇÃO; AS DEFINIÇÕES DA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO; O DEVER DE FORMAÇÃO NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO
Sobre o recortar dos contornos do “bem jurídico” do crime de branqueamento no ordenamento jurídico português, bem como sobre as definições e dever de formação na LB-Lei do Branqueamento, os quais têm que estar sempre presentes no contexto em que dissertamos, remetemos para um outro texto nosso12.
4 O REGIME SANCIONATÓRIO NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO-ILÍCITOS CRIMINAIS
De acordo com o art. 157º da LB, “Divulgação ilegítima de informação”, “1 - A divulgação ilegítima, a clientes ou a terceiros, das informações, das comunicações, das análises ou de quaisquer outros elementos previstos nas alíneas a) a d) do n. 1 do art. 54.º da presente lei e no art. 14.º do Regulamento (UE) 2015/847, é punida: / a) No caso das pessoas singulares, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais; / b) No caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas, com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias. / 2 - Em caso de mera negligência, a pena prevista na alínea a) do número anterior é reduzida a 1/3 no seu limite máximo”13. Está portanto aqui em causa o bem jurídico da tutela da informação não consentida no contexto do diploma legislativo. É assim punível o dolo nas suas três modalidades: directo, necessário e eventual, bem como a negligência consciente ou inconsciente14.
De acordo com o art. 158º da LB, “Revelação e favorecimento da descoberta de identidade”, “1 - A revelação ou o favorecimento da descoberta da identidade de quem forneceu informações, documentos ou elementos ao abrigo dos arts. 43.º a 45.º, 47.º e
53.º da presente lei ou do Regulamento (UE) 2015/847, é punida: / a) No caso das pessoas singulares, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, nos termos gerais; / b) No caso das pessoas coletivas ou entidades equiparadas a pessoas coletivas, com pena de multa com um limite mínimo não inferior a 50 dias. / 2 - Em caso de mera negligência, a pena prevista na alínea a) do número anterior é reduzida a 1/3 no seu limite Máximo”. Verifica-se, pois, uma tutela do bem jurídico que poderemos apelidar de descoberta da identidade nos termos supramencionados. Igualmente aqui é punível o dolo nas suas três modalidades: directo, necessário e eventual, bem como a negligência consciente ou inconsciente15.
Já o art. 159º da LB nos fala no crime de “Desobediência”, “1 - Quem se recusar a acatar as ordens ou os mandados legítimos das autoridades setoriais, emanados no âmbito das suas funções, ou criar, por qualquer forma, obstáculos à sua execução, incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada, se as autoridades setoriais tiverem feito a advertência dessa cominação. / 2 - Na mesma pena incorre quem não cumprir, dificultar ou defraudar a execução das sanções acessórias ou medidas cautelares aplicadas em procedimentos instaurados por violação das disposições da presente lei ou dos respetivos diplomas regulamentares”. Crime que vem de encontro aquilo que já existe em termos mais gerais no Código Penal Português16. Estão em causa os crimes contra o bem jurídico autoridade pública, rectius, num ambiente de “resistência, desobediência e falsas declarações à autoridade pública”, nos termos mais generalistas do Código Penal. Cremos que no futuro, feita uma grande reforma de uniformização - pois o excesso de especialização perde a noção do total real, “estupidifica a ovelha que não se consegue aperceber por vezes do verdadeiro rumo do rebanho a que pertence”, levando à corrupção do “Espírito da História” de que nos falava Georg Wilhelm Friedrich Hegel -, para evitar interpretações cada vez mais diversas, não haverá necessidade de estar a repetir ilícitos típicos demasiado similares em diferentes diplomas legislativos.
5 O REGIME SANCIONATÓRIO NA LB-LEI DO BRANQUEAMENTO-ILÍCITOS CONTRAORDENACIONAIS, “PARTE GERAL”
A LB-Lei do Branqueamento procura neste contexto criar uma “parte geral para os ilícitos contraordenacionais”. O que, no mínimo, entra em conflito interpretativo com o já existente no ordenamento jurídico português, i.e., o RGCO-Regime Geral das Contraordenações17. Não deixando de lembrar que, em face das lacunas do RGCO, se aplicam, quer as normas do Código Penal, quer os Princípios Processuais Penais e, portanto, incluindo o Código de Processo Penal e, claro está, o próprio Código de Processo Civil18. Pelo que, é necessário destacar aqui as seguintes normas jurídicas: art. 160º da LB: “Aplicação no espaço / O disposto na presente secção é aplicável, independentemente da nacionalidade do agente, aos seguintes factos que constituam infração à lei portuguesa: / a) Factos praticados em território português; / b) Factos praticados fora do território nacional pelos quais sejam responsáveis as entidades referidas nos arts. 3.º, 4.º e 6.º, atuando por intermédio de sucursais, agentes ou distribuidores ou em regime de prestação de serviços, bem como as pessoas que, em relação a tais entidades, se encontrem em alguma das situações previstas no n. 1 do art. 163.º; c) Factos praticados a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, salvo tratado ou convenção em contrário”19.
Já o art. 161º da LB prescreve a “Responsabilidade / 1 - Pela prática das contraordenações previstas na presente secção podem ser responsabilizadas, conjuntamente ou não, pessoas singulares, pessoas coletivas, ainda que irregularmente constituídas, e associações sem personalidade jurídica. / 2 - É responsável como autor das contraordenações previstas na presente lei todo aquele que, por ação ou omissão, contribuir causalmente para a sua produção”. É caso para dizer ao legislador: obrigados! Mas, na realidade, cremos que o mencionado no art. 161º da LB não acrescenta nada à questão da “responsabilidade”, quer ao RGCO, quer ao Código Penal, o qual se aplica subsidiariamente. De contrário, teríamos um CP ou RGCO profundamente incompleto e, portanto, em desacordo com a própria Constituição-Constitucional.
O art. 162º da LB prevê a “Responsabilidade das pessoas coletivas e das entidades equiparadas”: “1 - As pessoas coletivas e as entidades equiparadas a pessoas coletivas são responsáveis pelas contraordenações cometidas pelas pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais, quando estas atuem no exercício das suas funções ou em nome e no interesse do ente coletivo. / 2 - A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva apenas é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. / 3 - A invalidade e a ineficácia jurídicas dos atos em que se funde a relação entre o agente individual e a pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva não obstam à responsabilidade de nenhum deles”. Neste contexto, como seria de esperar, surgem alguns problemas de interpretação e aplicação da legislação em vigor. E isto porque - como já referimos em outras publicações20 -, os modelos de imputação da responsabilidade penal e/ou contraordenacional que o legislador português tem consagrado no ordenamento jurídico português diferem de legislação para legislação. O que provoca uma inadmissível dificuldade interpretativa levando alguns intérpretes e aplicadores a violarem sistematicamente o princípio da legalidade e, antes mesmo disso, a teoria da interpretação consagrada no art. 9º do Código Civil português. Uma norma constitucional fora da Constituição21. Se houver dúvidas, compare-se o art. 162º da LB com v.g. o art. 11º do Código Penal22, ou com o art. 7º do RGCO23, ou com o art. 7º do RGIT-Regime Geral das Infracções Tributárias24, ou com o art. 3º do RJIAECSP-Regime Jurídico das Infracções Anti-Económicas e Contra a Saúde Pública25, ou com o art. 401º do CdVM-Código dos Valores Mobiliários26 ou com o art. 73º do RJC-Regime Jurídico da Concorrência27, entre outros! Se nuns casos as redacções se assemelham, noutros casos são completamente diferentes, criando a confusão total na interpretação e aplicação da lei. Recordamos um determinado “professor catedrático” - cátedra da “manga de alpaca burocrática” - que mais parece um aprendiz de direito penal ao estar sempre a dizer que “eu não sou positivista”. Confundindo, de modo grave e irracional do ponto de vista das ciências jurídicas, o seu próprio positivismo com o respeito pelos mínimos valores constitucionais do princípio da legalidade criminal28. Ou, melhor dizendo, convidando ao activismo judicial que violará o princípio da legalidade e a separação original de poderes preconizada, entre outros, por Montesquieu: legislativo, executivo e judicial. O que conspurca a consagração e aprofundamento do Estado de Direito - espaço e tempo - democrático, social, livre e verdadeiro. Exemplo prático: é mais fácil imputar, processualmente, a responsabilidade criminal por um crime de branqueamento (lavagem no Brasil) a uma determinada empresa, sociedade comercial (art. 11º do CP somado ao art. 368º/A do mesmo CP), do que imputar, processualmente, a responsabilidade criminal por um crime de fraude fiscal (art. 7º do RGIT somado ao art. 103º do mesmo RGIT). É que o nexo de imputação consagrado no art. 11º do CP (pessoas com posição de liderança: órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade) é mais largo do que o nexo de imputação consagrado no art. 7º do RGIT (órgãos ou representantes apenas)! Sendo que, por ironia, o crime de fraude fiscal (simples ou qualificada), é um dos crimes que pode dar origem ao crime de branqueamento previsto e punido no art. 368º/A do CP! A lógica da interpretação e aplicação racionais jurídicas e científicas fica prejudicada.
Por outro lado, refere o art. 162º da LB, com o nosso negrito: “ 2 - A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva apenas é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela ”. Ora, esta norma jurídica é p.e. similar à seguinte disposição legislativa, entre muitas outras hipóteses que aqui poderiam ser vertidas: art. 11º/6 do Código Penal, “A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito”. Mas a diferença irracional reside na palavra que colocámos acima a negrito “ apenas ”! Refere o Código Penal inserido no Capítulo III, “Causas que excluem a ilicitude e a culpa”, art. 31º, “Exclusão da ilicitude”: “1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. / 2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: / a) Em legítima defesa; / b) No exercício de um direito; / c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou / d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado”: “nomeadamente”! Além do art. 21º da Constituição, o “Direito de resistência”. Ou seja, em caso algum, em termos também constitucionais, a responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva “ apenas” é excluída quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. A responsabilidade da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva também pode ser excluída que não apenas quando o agente atue contra ordens ou instruções expressas daquela. Nomeadamente se estiverem em causa outras causas que excluem a ilicitude ou a culpa, os quais, portanto, não são taxativas. De contrário, estaríamos perante uma norma que violaria não apenas o próprio Código Penal, como, claro está, a Constituição.
A esta grande confusão gerada por culpa exclusiva dos vários legisladores portugueses vistos como um todo ao longo das décadas da nossa ainda jovem democracia - desde o 25 de Abril de 1974, a acrescentar à Constituição de 25 de Abril de 1976, com as suas, até agora, 7 Revisões -, temos a somar o art. 163º da LB, “Responsabilidade das pessoas singulares”, “1 - A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas a pessoas coletivas não exclui a responsabilidade individual das pessoas singulares que sejam titulares de funções de administração, gerência, direção, chefia ou fiscalização, representantes, trabalhadores ou demais colaboradores, permanentes ou ocasionais. / 2 - Não obsta à responsabilidade dos agentes individuais que representem outrem a circunstância de a ilicitude ou o grau de ilicitude depender de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só se verificarem na pessoa do representado, ou de requerer que o agente pratique o ato no seu próprio interesse, tendo o representante atuado no interesse do representado. / 3 - As pessoas singulares que sejam membros de órgãos de administração, de direção ou de fiscalização da pessoa coletiva ou entidade equiparada a pessoa coletiva incorrem na sanção prevista para o autor, especialmente atenuada, quando, cumulativamente, não sejam diretamente responsáveis pelo pelouro ou pela área onde se verificou a prática da infração e a sua responsabilidade se funde unicamente no facto de, conhecendo ou devendo conhecer a prática da infração, não terem adotado imediatamente as medidas adequadas para lhe pôr termo, a não ser que sanção mais grave lhe caiba por força de outra disposição legal”. Também aqui nos poderíamos socorrer de normas jurídicas muito similares já existentes p.e. no Código Penal, o qual se aplica subsidiariamente29. Quanto ao n. 3 do art. 163º da LB será igualmente importante referir que, em caso algum, pode prejudicar as eventuais hipóteses de acção por omissão: cfr. art. 10º do Código Penal, “Comissão por acção e comissão por omissão”, “1 - Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. / 2 - A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. / 3 - No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada”. E, como é evidente, o art. 10º do CP prevalece sobre o art. 163º da LB. Assim como a Constituição criminal prevalece sobre qualquer lei ou decreto-lei ordinários30.
Como já referido, esta LB tenta “recriar” ou “repisar” uma “parte geral do regime geral das contraordenações” ou do próprio Código Penal, os quais já existiam no nosso ordenamento jurídico, conforme mencionado. Ora veja-se (!): art. 164º da LB, “ Tentativa e negligência / 1 - A tentativa e a negligência são sempre puníveis. / 2 - Em caso de infração negligente, o limite máximo da coima prevista para a infração é reduzido para metade. /3 - Em caso de tentativa, a coima aplicável é a prevista para o ilícito consumado, especialmente atenuada ”. Muito haveria para dizer sobre esta precisa norma jurídica da LB-Lei do Branqueamento. Já sabemos que as regras gerais constam do Código Penal Português e do RGCO-Regime Geral das Contraordenações Português. Assim, no RGCO: art. 8º do RGCO, “Dolo e negligência / 1 - Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. / 2 - O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo. / 3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais”; art. 12º do RGCO, “Tentativa / 1 - Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de uma contra-ordenação que decidiu cometer sem que esta chegue a consumar-se. / 2 - São actos de execução: / a) Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de contra-ordenação; / b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico; / c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”; art. 13º do RGCO, “Punibilidade da tentativa / 1 - A tentativa só pode ser punida quando a lei expressamente o determinar. / 2 - A tentativa é punível com a coima aplicável à contra-ordenação consumada, especialmente atenuada”; art. 14º do RGCO, “Desistência / 1 - A tentativa não é punível quando o agente voluntariamente desiste de prosseguir na execução da contra-ordenação, ou impede a consumação, ou, não obstante a consumação, impede a verificação do resultado não compreendido no tipo da contra-ordenação. / 2 - Quando a consumação ou a verificação do resultado são impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforça por evitar uma ou outra”. Ora, veja-se agora o Código Penal Português. Art. 13º do CP, “Dolo e negligência / Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”; art. 21º do CP, “Actos preparatórios / Os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário”; art. 22º do CP, “Tentativa / 1 - Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. / 2 - São actos de execução: / a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; / b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou / c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”; art. 23º do CP, “Punibilidade da tentativa / 1 - Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão. / 2 - A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada. / 3 - A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”. Recordemos então de novo a norma jurídica em questão na parte que aqui mais nos interessa: “art. 164º da LB, “ Tentativa e negligência / 1 - A tentativa e a negligência são sempre puníveis… ”. Como já referimos noutras publicações, o legislador português consagrou uma regra jurídica que viola a Constituição Portuguesa, a qual assenta na dignidade do ser humano. Ora, ao ser humano, que não é perfeito - assim como as máquinas, a matemática ou a inteligência artificial também não são perfeitas, até porque como resulta do pensamento de Edmund Husserl, “não há ciências mais perfeitas do que as ciências humanas”, humanistas, diríamos -, é natural o engano, a negligência, o errar no devir negligente ou uma série de tentativas que, inclusive, não podem ser puníveis do ponto de vista da legitimidade constitucional. É impossível ao ser humano acertar sempre e fazer sempre tudo a 100%, já para não falar que cada ser humano, é um ser humano. Então, se houver desistência na tentativa, esta, mesmo assim, é punível?! Claro que, constitucionalmente, a resposta é peremptória: não. Note-se na chamada “tentativa impossível”, quando p.e. é “manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”. Como é que é possível, sem ferir a Constituição em qualquer das suas vertentes que assentam na dignidade do ser humano31, afirmar o seguinte?! “A tentativa e a negligência são sempre puníveis”?! A razão é simples, o “Estado Policial”, com tiques autoritários, há muito tempo que percebeu que também é esta uma forma de punir, mas também, no caso das contraordenações, de cobrar uma espécie de “impostos” por uma outra via, a via das coimas. Coimas são as multas penais no mundo das contraordenações. Mais dinheiro a entrar no Estado tirado aos bolsos dos contribuintes. Ora, todos bem sabem que nem sempre os dinheiros públicos são bem gastos e sequer tratados com zelo.
Além do mais, ao afirmarmos que “A tentativa e a negligência são sempre puníveis”, estamos a violar a necessidade, adequação, proporcionalidade e intervenção (que deve começar por ser) mínima, das sanções penais e contraordenacionais. Será mesmo necessário à prevenção geral positiva - incluindo a retribuição -, à prevenção especial positiva (incluindo a ressocialização) e à “justiça restaurativa”, quando possível, que a tentativa e negligência sejam sempre puníveis?! E será adequado?! E será proporcional?! E respeitará o princípio de intervenção mínima do Estado?! Tendo sempre em consideração a dignidade do ser humano, na qual assenta a Constituição Portuguesa?! Como já dissemos noutra publicação: “Será por estas e por outras que o legislador dos regimes contraordenacionais especiais - laboral, tributário, segurança social, bancário, etc. etc. etc. - passou também a declarar, preto no branco, tão positivista afinal que ele é (mas tão pouco historicista e teleológico…), que, por regra, “a negligência é sempre punível”? Então, onde fica o art. 18º da CRP, cujos fundamentos são tão odiados nos regimes autoritários e totalitários?! Foi deixado na gaveta?! E o art. 13º do CP ou o art. 8º/1 do RGCO?! E o art. 32º/10 da CRP?! Ou terá passado a “cobrança de coimas” a ser uma nova forma de cobrança de “impostos” e “taxas”?! Mas também não estará isso mesmo a violar o Princípio da Legalidade Tributária e por isso também o art. 103º da CRP ou o art. 104º da CRP, como um todo?! Já para não falar no art. 165º/1, al. I) da CRP?!”32
Quanto ao “Concurso de infracções”, o art. 165º da LB, estabelece o seguinte: “1 - Salvo o disposto no número seguinte, se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, são os agentes responsabilizados por ambas as infrações, instaurando-se, para o efeito, processos distintos, os quais são objeto de decisão pelas entidades respetivamente competentes. / 2 - Há lugar apenas ao procedimento criminal quando o crime e a contraordenação tenham sido praticados pelo mesmo agente, através de um mesmo facto, violando interesses jurídicos idênticos, podendo o juiz penal aplicar as sanções acessórias previstas para a contraordenação em causa. / 3 - Nos casos previstos no número anterior, deve a autoridade setorial respetiva ser notificada da decisão que ponha fim ao processo”. Trata-se duma solução que é no mínimo curiosa. Em lugares paralelos, temos o art. 2º do RGIT-Regime Geral das Infracções Tributárias, “Conceito e espécies de infracções tributárias / 1 - Constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. / 2 - As infracções tributárias dividem-se em crimes e contra-ordenações. / 3 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente será punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação”. A expressão “… violando interesses jurídicos idênticos…” é absurda, pois no caso do direito penal está em causa a tutela de bens jurídicos e no caso do direito contraordenacional está em consideração a tutela de bens administrativos. Embora se possa considerar direito penal em sentido amplo a conjugação de direito e processo penal e direito contraordenacional, temos que admitir que estamos também perante áreas com especificidades próprias. Isto significa, por conseguinte, que os interesses, quer tutelados no direito e processo penal, quer tutelados no direito contraordenacional, não são em rigor idênticos do ponto de vista jurídico.
Sobre a “Prescrição”, prevê a LB no seu art. 166º: “1 - O procedimento relativo às contraordenações previstas na presente lei prescreve no prazo de cinco anos. / 2 - Nos casos em que tenha havido ocultação dos factos que são objeto do processo de contraordenação, o prazo de prescrição suspende-se até ao conhecimento desses factos por parte da entidade com competência instrutória do procedimento contraordenacional. / 3 - Sem prejuízo das outras causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas na lei, a prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se também a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso. / 4 - A suspensão prevista nos números anteriores não pode ultrapassar: / a) 30 meses, quando as infrações sejam puníveis com coima até € 1 000 000; / b) Cinco anos, quando as infrações sejam puníveis com coima superior a € 1 000 000. / 5 - O prazo referido no número anterior é elevado para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. / 6 - O prazo de prescrição das coimas e sanções acessórias é de cinco anos, a contar do dia em que a decisão administrativa se torne definitiva ou do dia em que a decisão judicial transite em julgado”. Também a prescrição já tinha regras próprias, quer no direito e processo penal, CP e CPP, quer no regime geral das contraordenações, RGCO33. Ou seja, com o acentuar da passagem dos anos estamos a construir uma série de sub-regimes penais e contraordenacionais. Uma “Torre de Babel” na qual chegará o dia, como a História nos ensina, na qual ninguém se irá entender.
De acordo com o art. 167º da LB, também é importante referir que o legislador consagrou uma “Graduação da sanção / 1 - A determinação da medida da coima e das sanções acessórias faz -se em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza individual ou coletiva do agente. / 2 - Na determinação da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente e das exigências de prevenção, atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias: / a) Duração da infração; / b) Grau de participação do arguido no cometimento da infração; / c) Existência de um benefício, ou intenção de o obter, para si ou para outrem; / d) Existência de prejuízos causados a terceiro pela infração e a sua importância quando esta seja determinável; / e) Perigo ou dano causado ao sistema financeiro ou à economia nacional; / f) Caráter ocasional ou reiterado da infração; / g) Intensidade do dolo ou da negligência; / h) Se a contraordenação consistir na omissão da prática de um ato devido, o tempo decorrido desde a data em que o ato devia ter sido praticado; / i) Nível de responsabilidades da pessoa singular, âmbito das suas funções e respetiva esfera de ação na pessoa coletiva ou entidade equiparada em causa; / j) Especial dever da pessoa singular de não cometer a infração. / 3 - Na determinação da sanção aplicável tem-se ainda em conta: / a) A situação económica do arguido; / b) A conduta anterior do arguido; / c) A existência de atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração; / d) A existência de atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infração; / e) O nível de colaboração do arguido com a entidade com competência instrutória do procedimento contraordenacional. / 4 - A coima deve, sempre que possível, exceder o benefício económico que o arguido ou pessoa que fosse seu propósito beneficiar tenham retirado da prática da infração”. Também neste campo de matérias era já possível discernir, quer no direito e processo penal, CP e CPP, quer no regime geral das contraordenações, RGCO, regras similares34. Ou seja, mais regras, sobre temas similares ou mesmo iguais, havendo sobreposição e gerando uma natural, e humana, confusão na tarefa de interpretar e aplicar a legislação em vigor. O ordenamento jurídico português, como aliás outros no mundo, caminham para o caos interpretativo, a par da manifesta falta de formação dos próprios Magistrados. Já para não falar na ausência de Tribunais mais especializados. O que, por outro lado, pode provocar ferimentos constitucionais.
Já no art. 168º da LB, estão consagradas as “Injunções e cumprimento do dever violado / 1 - Sempre que a infração resulte da violação de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensam o infrator do cumprimento do dever, se este ainda for possível. / 2 - A autoridade setorial competente ou o tribunal podem sujeitar o infrator à injunção de cumprir o dever em causa, de cessar a conduta ilícita e de evitar as suas consequências. / 3 - Se as injunções referidas nos números anteriores não forem cumpridas no prazo fixado pela autoridade setorial competente ou pelo tribunal, o infrator incorre na sanção prevista para as contraordenações nos termos do art. 170.º”. O Tribunal. O Tribunal e não o tribunal, uma vez que se trata dum órgão de soberania. O qual deve ser respeitado e fazer-se respeitar perante o poder legislativo e executivo.
6 CONCLUSÕES
De novo, também por aqui, o problema do branqueamento de vantagens, como por exemplo capitais - ou lavagem de vantagens como por exemplo dinheiro -, é uma questão que continua a dizer respeito à corrupção em sentido amplo e portanto não apenas ao direito e processo penal, mas também à criminologia e à política criminal, às ciências jurídico-criminais: “Strafrecht ohne Kriminologie ist blind, Kriminologie ohne Strafrecht ist grenzenlos”35. Esta máxima permanece válida, ainda que por vezes atacada na academia através da corrupção das ciências jurídico-criminais pelos próprios docentes ou investigadores, cada um a lutar pela sua aldeia de vaidade, não se apercebendo da figura do ridículo que fazem… “Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz”. Mais uma vez temos que ter em consideração a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Mas também, no seio da UE, o Tratado da União Europeia e o Tratado de Funcionamento da União Europeia. Mais uma vez lembremos que para Franz Von Liszt era uma unidade orgânica das partes que superava a parcialidade da especialização36. Demasiada especialização significa estupidificação e/ou ignorância sobre o todo, sobre a estrutura arquitectónica, até porque somente se pode ser um especialista de qualidade se antes se foi um generalista de qualidade. Assim, pois, não podemos esquecer o princípio da culpa e o princípio da presunção de inocência, entre outros, como o princípio da legalidade, o princípio do contraditório, o princípio do acusatório ou o princípio do recurso, o princípio da transparência e o princípio do segredo de justiça a par do princípio da publicidade, entre outros. E, como nos diz também Hans-Heinrich Jescheck, que tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente em 2006 na Alemanha, e como já tivemos oportunidade de dizer noutras publicações, o juízo de desvalor sobre a atitude jurídica interna do autor não opera globalmente sobre a base do conjunto da personalidade daquele, mas apoia-se na análise dos elementos da culpa determinados legalmente37. Ou como também como já citámos noutros locais e como diria Claus Roxin, que a responsabilidade depende dos dados que se devem adicionar ao ilícito: da culpa do sujeito e da necessidade preventiva de sanção penal que há que deduzir da lei38. Afinal, como igualmente nos diz Günther Jakobs, a culpa - assim que há um autor dum facto anti-jurídico, pois há uma falta de motivação jurídica dominante, mas também quando o autor é responsável por essa falta - é uma infidelidade ao Direito. i.e., um conceito determinado de modo normativo39. Tendo nós também que afirmar que não há qualquer comparação possível entre um Estado de Direito democrático social, verdadeiro e livre e uma qualquer ditadura, de direita ou de esquerda ou do raio que a parta, na expressão popular. Antes uma monarquia Constitucional do que uma República ditatorial, ou alguns dos países com maior qualidade de vida do mundo não fossem p.e. a Noruega, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Reino Unido, Japão, entre outros. Sem prejuízo do Estado de Emergência ou Estado de Sítio, o qual pode ser estabelecido nos termos constitucionais-constitucionais. No sentido também de que pertencerá ao Povo a escolha dos seus representantes, bem como haverá uma separação nítida entre os poderes legislativo, executivo e judicial. Sem prejuízo da fiscalização mútua legitimada e incentivada do ponto de vista constitucional-constitucional. Finalmente, por fim, mas não por último, não tem sentido estar a criar ex novo regimes gerais de direito penal ou direito contraordenacional que se sobrepõem aos já existentes! De contrário, o caos interpretativo e aplicativo da legislação já é uma realidade. Solução alternativa possível? Criar códigos europeus democraticamente legitimados e aplicáveis em toda a União Europeia.