INTRODUÇÃO
Uma alimentação saudável, conducente a um bom estado nutricional, é fator essencial para um bom estado de saúde, desempenhando um importante papel na qualidade de vida, particularmente na prevenção de diversas doenças crónicas não transmissíveis (1). Tendo em consideração que hoje em dia os sistemas alimentares são cada vez mais complexos e distantes, com bases políticas e económicas mundiais, os indivíduos devem estar aptos para lidar com estes, de forma a garantir que a sua ingestão alimentar possa ser promotora de saúde (1). Por outro lado, as escolhas alimentares são influenciadas a nível individual, comunitário e global, por fatores como o contexto social, a disponibilidade alimentar, a formulação de políticas, estratégias de marketing, o preço dos alimentos, e os níveis de Literacia Alimentar (LA) o que leva a que a manutenção da qualidade da alimentação implique uma constante adaptação dos hábitos alimentares (1-4).
De acordo com o estudo Global Burden of Disease, em 2019 os hábitos alimentares dos portugueses representaram o quinto fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável, principalmente devido a doenças do aparelho circulatório, diabetes, doenças renais e neoplasias. Por outro lado, cerca de 160.000 anos de vida saudável poderiam ser poupados se a população portuguesa adotasse uma alimentação mais saudável. A somar a isso, outros fatores de risco associados aos hábitos alimentares, como a glicose plasmática elevada, consumo de álcool, índice de massa corporal elevado, hipertensão arterial e colesterol LDL (Low Density Lipoprotein) elevado fizeram também parte dos principais fatores de risco para a perda de anos de vida saudável (5).
Tendo em conta que os padrões alimentares nos países desenvolvidos se encontram desalinhados com as recomendações alimentares nacionais e internacionais, o aumento das doenças relacionadas com a alimentação tem sido associado a maus hábitos alimentares e a baixos níveis de conhecimentos e competências relacionadas com a alimentação (1). Wijayaratne et al. (2018) evidenciou a estreita relação entre a LA dos elementos responsáveis pela alimentação do seu agregado familiar e a redução do impacto das barreiras à alimentação saudável (6). Recentemente a avaliação de planos comunitários e políticas alimentares e nutricionais revelaram também que o apoio às populações no desenvolvimento de competências, conhecimentos e comportamentos relacionados com a alimentação poderá ser importante no combate das doenças crónicas de origem alimentar, e na melhoria da própria relação com a alimentação (1). Cullen et. Al (2015) reconhece ainda a necessidade de aumentar os níveis de conhecimento, competências e práticas de forma a permitir às populações tomarem decisões mais conscientes que salvaguardem a saúde (7). Desta forma, as práticas alimentares saudáveis são consideradas o outcome ideal da LA (8).
Numa perspetiva mais global, os baixos níveis de Literacia em Saúde estão associados a maiores custos económicos, a um maior número de internamentos e utilização dos serviços de urgência, e ainda a uma menor prevalência de atitudes preventivas na área da saúde, levando a uma diminuição da qualidade de vida (9). Para além disso existe evidência de que a Literacia em Saúde contribui não só para a promoção da saúde e prevenção da doença, mas também para a eficácia dos próprios serviços de saúde (9).
Tendo em conta a importância da alimentação no quotidiano e o seu papel determinante no desenvolvimento de doenças crónicas, a conceptualização da LA pode contribuir significativamente na orientação de futuros programas e atividades comunitárias que visem a promoção da saúde com foco no comportamento alimentar (10). A sua promoção deve ser considerada uma prioridade na sociedade atual envolvendo vários intervenientes: população, decisores políticos e os profissionais de saúde e da educação. Com o aumento do nível de Literacia são esperados: um aumento da capacidade para pensar criticamente e autonomamente, para procurar, obter e usar de forma crítica os serviços e informações, para comunicar eficazmente, e um aumento do sentido de responsabilidade, da motivação e proatividade (7, 9).
Desta forma, a promoção da LA e da Literacia Nutricional (LN) da população portuguesa encontra-se atualmente na agenda de diversas instituições, bem como na agenda política, através da atuação do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), sob a tutela da Direção-Geral da Saúde (DGS), em diversas frentes, nomeadamente: na regulação da publicidade alimentar dirigida a menores de 16 anos, no desenvolvimento de uma campanha “Comer melhor, uma receita para a vida” para a promoção da alimentação saudável na população portuguesa, bem como na divulgação das novas versões do blogue Nutrimento e do seu site (11). Em articulação com o programa PNPAS, a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS) também coordenada pela DGS e desenvolvida por vários ministérios, atua ainda nesta temática através do seu 3.º eixo estratégico: promover e desenvolver a literacia e autonomia dos consumidores para escolhas alimentares saudáveis (12).
Apesar da urgente necessidade em avaliar os níveis de LA das populações e os próprios output’s e outcome’s de políticas alimentares e intervenções comunitárias, é ainda um processo difícil e complexo porque, para além de ainda não existir um consenso na literatura relativamente aos conceitos de LN e LA, também não existe ainda uma ferramenta capaz de avaliar corretamente a complexidade de conhecimentos, competências e comportamentos relacionados com a alimentação (1, 10).
A atual importância da LA resulta também da perda de identidade cultural, da preocupação com a segurança alimentar (Food Safety e Food Security), da perda de competências na preparação de alimentos principalmente nos mais jovens e nos grupos sociais mais desfavorecidos, da redução da biodiversidade e da preocupação crescente com a sustentabilidade ambiental (13). Desta forma, sabendo que grande parte dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável estão intimamente relacionados com a Nutrição e Alimentação, tendo a consciência do papel preponderante da LA na saúde das populações, a par da inexistência de dados acerca de LA da população portuguesa, considera-se um tema extremamente urgente de ser explorado (4, 9, 14).
Assim, de forma a contribuir para uma uniformização na avaliação da LA em contexto nacional, este artigo objetiva definir e distinguir os conceitos de LA e LN, identificar os domínios e constituintes de LA, e finalmente analisar as ferramentas de avaliação de LA validadas existentes na literatura, e identificar quais delas mais se adequam à população portuguesa.
METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica nos motores de busca PubMed e Google Scholar com os seguintes descritores combinados e/ou isolados: Health Literacy; Food Literacy; Nutrition Literacy; Health Literacy; Measurement Tools; Assessment Tools; Portuguese Population. Foram analisados 48 artigos científicos, 18 dos quais foram incluídos na análise das ferramentas de avaliação de LN (11 artigos) e LA (7 artigos).
Literacia Nutricional e Literacia Alimentar: Definições
O conceito isolado de literacia representa a capacidade de compreender, processar, assimilar e aplicar a informação à qual se tem acesso, permitindo otimizar a utilização de competências individuais, que se refletem em níveis distintos de literacia na população (15, 16).
Literacia em Saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde significa “O grau em que os indivíduos têm a capacidade de obter, processar e entender as informações básicas de saúde para utilizarem os serviços e tomarem decisões adequadas de saúde.” (9). A maioria dos autores baseou as suas definições de LN, LA e os seus mapas conceptuais na Literacia em Saúde (10, 17).
A Literacia em Saúde deve ser promovida e, para isso, existem recomendações na sua promoção, tais como: utilização de boas práticas de Literacia em Saúde em toda a comunicação verbal, escrita e visual; tornar a informação relevante e acessível; investir em diferentes recursos; implementar e aumentar as oportunidades de aprendizagem em todos os níveis; aumentar e melhorar os recursos centrados na pessoa; aumentar o acesso à informação; promover o desenvolvimento profissional; rentabilizar as tecnologias; sensibilizar; e motivar a participação e envolvimento das pessoas (4).
Embora não existam dados sobre LA em Portugal, tendo em conta o baixo nível de Literacia em Saúde da população portuguesa, onde quase metade da população (49%) possui um nível de Literacia em Saúde considerado problemático a inadequado, a somar ao facto de que 57% dos portugueses (5,9 milhões de pessoas) tem excesso de peso (pré-obesidade ou obesidade), presume-se que a sua LA não divirja muito dos baixos níveis de Literacia em Saúde (18, 19). Apesar disto, um estudo piloto realizado numa amostra de 338 portugueses adultos revelou que 65,2% apresentava elevada LN (20).
Embora os termos de LN e LA sejam amplamente utilizados em investigação, formulação de políticas e em contexto prático em saúde pública, não existe um consenso entre os diferentes autores relativamente à sua definição e aos seus domínios (10, 21).
Literacia Nutricional
Para definir LN, a literatura atual, intimamente relacionada com as definições de Literacia em Saúde, está centrada nas capacidades básicas de literacia e numeracia necessárias para aceder, processar e entender informações nutricionais, ou seja uma definição que apenas se baseia na compreensão de informações exclusivamente relacionadas com nutrientes, e não com toda a envolvência que o tema da alimentação implica (10). A LN, apesar de importante, não é considerada suficiente para a alteração de comportamentos, sendo necessária uma abordagem mais holística do conhecimento em torno da alimentação (21).
Literacia Alimentar
O conceito de LA é cada vez mais utilizado em formulação de políticas alimentares e nutricionais e investigação, e mesmo na opinião pública, e embora não exista consenso relativamente à sua definição, atualmente a literatura enfatiza toda a envolvência dos indivíduos no sistema alimentar através, não só da importância de relacionar a informação nutricional e principalmente alimentar, como também na própria capacidade em aplicar essa mesma informação, nomeadamente as competências para preparação de alimentos, fazer escolhas alimentares saudáveis e compreender o impacto das mesmas na saúde, no meio ambiente e na economia (16, 22, 23). A maioria dos autores enfatiza a influência dos fatores comportamentais tais como as atitudes, consciência, motivação no conceito de LA (10). A LA aborda aspetos como a cultura, a identidade alimentar, a convivialidade e confraternização em torno da alimentação, e o próprio comportamento alimentar.
A LA permite criar uma relação positiva com a alimentação, assumindo um importante papel no aumento da autodeterminação e empoderamento para tomar decisões alimentares conscientes, contribuindo para a melhoria da saúde pública, e na redução de custos com a mesma (2, 4). As competências de LA estão intimamente relacionadas com contexto de cada um, variando entre indivíduos, e mesmo entre diferentes culturas (1). Para além disso, alguns autores veem a LA como um importante fator para uma sociedade mais justa e sustentável (4, 24, 25).
Thomas et al. (2019) relata a existência de uma distinção entre componentes e fatores influenciadores de LA (26). A LA é apenas um dos determinantes da tomada de decisão, e necessita de ser interpretada numa abordagem ecológica mais abrangente incluindo os fatores psicológicos, socioeconómicos, socioculturais, políticos, históricos, fatores relacionados com a sustentabilidade e os sistemas alimentares, onde se inserem variáveis tais como a motivação, preferências individuais, educação, disponibilidade alimentar, preço dos alimentos, estratégias de marketing e excesso de informação não fidedigna (7, 10, 26-28). Estes são fatores que estão relacionados com a LA na medida em que têm capacidade de interagir e influenciar as escolhas alimentares, e a própria LA, e não componentes constituintes deste conceito. Assim sendo, de forma a poder atuar corretamente sobre a LA, esta deve então ter uma abordagem coordenada e colaborativa de todos (políticas, saúde, sistema alimentar e educação).
Um dos fatores que tem ganho mais destaque ultimamente tem sido a consciencialização da influência da sustentabilidade na alimentação, nomeadamente do conhecimento do impacto da produção alimentar no ambiente físico e social (28, 29). Topley et al. (2013) inclui no seu mapa conceptual, integrado no domínio da equidade e sustentabilidade dos sistemas alimentares, a necessidade de apoiar sistemas alimentares locais, considerando que uma comunidade com elevados níveis de LA é mais consciente da necessidade do consumo de alimentos locais, e por sua vez do fortalecimento da sua economia local (25).
Vidgen & Gallegos (2014)apresenta uma das definições de LA mais abrangentes (1) : “condição (ensino/informação) que capacita os indivíduos, famílias, comunidades, ou países a salvaguardar a qualidade da alimentação através do fortalecimento da resiliência em relação à alimentação ao longo do tempo. É composto por um conjunto de conhecimentos, competências e comportamentos inter-relacionados necessários para planear, gerir, escolher, preparar e consumir de forma a atender às necessidades e ingestão determinadas”.
Domínios e Constituintes de Literacia Alimentar
A Figura 1 apresenta uma proposta de esquema, adaptada de Vidgen & Gallegos, 2014 (1); Block et al., 2011 (2); Howard e Brichta, 2013 (30); Schnogl et al., 2006 (4) ; Topley, 2013 (25); Thomas et al., 2019 (26); Truman & Elliott, 2019 (31); Rosas et al., 2019 (28), que sistematiza os componentes de LA, agrupados em 4 domínios interrelacionados: planeamento e gestão; seleção; preparação; e consumo, bem como fatores externos que podem influenciar os referidos domínios de LA:
Planeamento e Gestão
Os três componentes incluídos neste domínio referem-se à priorização de tempo para a alimentação, a existência de um plano para garantir que os alimentos são aprovisionados regularmente e ainda à capacidade para tomar decisões que equilibrem as necessidades alimentares com os recursos disponíveis.
Seleção
Os componentes abordados neste domínio referem-se à seleção de géneros alimentícios, traduzindo-se na capacidade de escolha dos alimentos através de diferentes fontes, e do saber quais as vantagens e desvantagens de cada uma delas; de determinar quais os constituintes dos produtos alimentares, a sua proveniência, o seu método de produção, o conhecimento do seu processamento, como os armazenar e utilizar; de dispor de uma visão crítica em relação à qualidade de determinado alimento; de interpretar rotulagem alimentar; e ainda de saber onde adquirir e selecionar fontes de informação sobre nutrição e alimentação.
Apesar dos domínios estarem todos inter-relacionados, a capacidade para escolher os alimentos está altamente dependente da experiência na preparação de alimentos.
É ainda necessário enfatizar a capacidade de saber identificar os produtos da época e a proveniência dos mesmos de forma a encorajar práticas alimentares mais sustentáveis (21).
Preparação
Os componentes incluídos neste domínio consistem em: cozinhar refeições saborosas a partir de qualquer alimento disponível, utilizando eficientemente os utensílios de cozinha e dispondo de capacidade para adaptar receitas para experimentar novos alimentos e ingredientes; e ainda a capacidade de aplicar os princípios básicos de higiene e segurança alimentar.
Competências na preparação de alimentos são consideradas cada vez mais um componente essencial na tradução de conhecimentos nutricionais para o âmbito da prática alimentar, o que naturalmente vai ao encontro do conceito de LA apresentado (21, 32).
Consumo
Este domínio inclui componentes relacionados tanto com o ato de comer, como com as suas consequências: entender que a alimentação tem um impacto no bem-estar pessoal; demonstrar autoconsciência da necessidade de equilibrar a ingestão alimentar de cada um; compreender a importância da sustentabilidade (ambiente, sociedade e economia) na alimentação; e conviver e alimentar-se socialmente. Por outro lado, diversos autores classificam LA nos domínios funcional, interativo e crítico, organizados por ordem crescente de complexidade (10, 21, 24):
Literacia Alimentar Funcional
Capacidade de obter, processar e aplicar informação necessária para comportamentos e escolhas alimentares mais saudáveis. Neste domínio constam valências como o conhecimento necessário para cozinhar e fazer decisões informadas; conhecimento acerca da origem dos alimentos e das etapas dos sistemas alimentares; interpretar rotulagem alimentar e conhecimento geral da composição dos alimentos; capacidade para entender o efeito das escolhas alimentares na saúde e no bem-estar; e por fim a capacidade para entender o efeito das influências sociais, históricas religiosas nas escolhas e hábitos alimentares.
Literacia Alimentar Interativa
Este domínio vai mais além e aborda a capacidade de comunicação interpessoal acerca de toda a envolvente da alimentação, através da troca, partilha e discussão de informações na interação com outros.
Literacia Alimentar Crítica
Capacidade de analisar e avaliar criticamente a qualidade da informação em alimentação (nomeadamente a promovida pelo marketing alimentar e por indivíduos não competentes para tal), refletir criticamente sobre os fatores (sociais, culturais, históricos, religiosos, etc.) que influenciam os comportamentos alimentares, e reconhecer a influência (económica, social, ambiental) das decisões alimentares na sociedade.
Literacia Alimentar e Literacia Nutricional: Ferramentas de Avaliação
Este estudo, através de pesquisa bibliográfica, analisou e sintetizou as caraterísticas das ferramentas de avaliação de LN e LA validadas existentes na literatura, num total de 18, em que 7 destas avaliam LA (Tabela 1) e 11 avaliam LN (Tabela 2), sendo que as tabelas apresentam a caracterização das ferramentas quanto ao país de origem da ferramenta, a população-alvo, o método de administração, o objetivo de avaliação, o número de perguntas da ferramenta, duração prevista para o preenchimento, a escala de classificação, as categorias de classificação e, no caso da Tabela 1, o incremento com a indicação dos domínios do conceito de LA (presentes na Figura 1) abrangidos. As revisões de ferramentas existentes de Yuen et al. (2018) e Amouzandeh et al. (2019) foram importantes pontos de partida para a recolha e sistematização dos dados (34, 35). Não foram consideradas ferramentas significativamente redutoras na sua abrangência de domínios, tais como ferramentas de avaliação de conhecimento nutricional, como é exemplo a General Nutrition Knowledge Questionnaire (GNKR) de Kliemann et al. (2016) (36).
ANÁLISE CRÍTICA
Os conceitos de LN e LA apresentam-se muitas vezes com significados semelhantes, o que, potencialmente, tem provocado uma dificuldade em avaliar os resultados e comparar a eficácia das intervenções focadas nos dois diferentes conceitos (10). A própria tradução para diferentes idiomas, quando efetuada de forma errada, pode representar um fator confundidor dos conceitos. A diversidade de literatura existente dificulta a combinação de resultados dos estudos para chegar a um conceito de LA definitivo e consensual, bem como a determinação dos seus constituintes, e ao mesmo tempo a sistematização das ferramentas mais adequadas para a sua avaliação (7).
A maior parte das ferramentas de avaliação são consideravelmente redutoras, focando-se apenas na avaliação da LN, ou em determinados domínios da LA, sem avaliar toda a sua envolvente, levando a que a importância deste conceito no consumo alimentar seja eventualmente subestimada (1, 39, 54). Para além, disto estas ferramentas apresentam alguma dificuldade na avaliação das competências práticas de LA - normalmente os estudos focam-se na aquisição teórica de conhecimento e, por isso, apresentam dificuldades na medição de resultados relacionados com a tomada de decisão e mudança de atitudes e comportamentos (competências práticas) (16, 21).
Comparativamente à LN, o conceito de LA é mais amplo e apropriado para orientar o desenvolvimento de políticas alimentares e nutricionais, bem como as intervenções comunitárias. Assim sendo, de forma a estabelecer uma uniformização na literatura, é recomendada a adoção do conceito de LA como o conceito preferencial, mais abrangente, que aborda os conhecimentos, competências e comportamentos necessários para a envolvência dos indivíduos no sistema alimentar, de forma a permitir fazer escolhas e ter comportamentos mais conscientes e saudáveis. O ato de nos alimentarmos é extremamente complexo e influenciado por diversos fatores, não fazendo sentido restringirmo-nos apenas ao foco no conhecimento dos nutrientes para abordar toda esta temática (como acontece na LN) (4).
A literatura tende a identificar maioritariamente a presença de competências relacionadas com literacia funcional e crítica, sugerindo por sua vez uma maior investigação no âmbito da componente interativa (10).
Apesar da conceptualização de Vidgen & Gallegos (2014) (1) ser a mais consensual entre a literatura, esta apresenta algumas lacunas na sua abordagem, tendo sido portanto desenvolvido um novo mapa conceptual com base neste, e enriquecido com adaptações de outros autores, nomeadamente a inclusão da determinação do método de produção de determinado alimento (componente 2.3), o conhecimento do seu processamento (componente 2.3), interpretar rotulagem alimentar (componente 2.4), saber onde adquirir e selecionar fontes de informação sobre nutrição e alimentação (componente 2.5) e
Tabela 2:
compreender a importância da sustentabilidade (ambiente, sociedade e economia) na alimentação (componente 4.3). Foi também incluída uma perspetiva mais abrangente através da adição de fatores influenciadores, responsáveis por interagir com os domínios da LA, como é o caso dos fatores psicológicos, socioeconómicos, socioculturais, políticos, históricos, fatores relacionados com a sustentabilidade e com os sistemas alimentares.
Os resultados deste trabalho vão ao encontro da revisão sistemática de Yuen et al. (2018), onde a maior parte das ferramentas analisadas se focaram na avaliação de LN, ao invés da LA (34). Embora Yuen et al., 2018, destaque que no geral a ferramenta NLit apresenta as propriedades psicométricas mais fortes, esta não foi considerada relevante para aplicação na população portuguesa por apenas avaliar LN.
Apesar de até ao momento nenhuma ferramenta de avaliação de LA ter avaliado os 11 componentes da conceptualização de Vidgen & Gallegos (2014), este trabalho demonstra que a maior parte das ferramentas abordou os 4 domínios: Planeamento e Gestão, Seleção, Preparação e Consumo, embora o domínio de Planeamento e Gestão tenha sido o menos abrangido. A par disto, a emergente investigação do conceito de LA face à LN é evidenciada através da análise das ferramentas, onde se constata que o incremento da validação de ferramentas de LA tem sido bastante mais recente que a referente às ferramentas de LN.
Assim sendo, e após análise de todas as ferramentas incluídas nas Tabelas 1 e 2, é possível concluir que as ferramentas SPFL (Self- Perceived Food Literacy) (41) e IT-FLS (Italian Food Literacy Survey)(37) são as ferramentas, que devido à sua abrangência da população- alvo e domínios incluídos, mais se adequam à adaptação para futura validação e aplicação na população portuguesa.
É necessária uma maior investigação no sentido de colmatar as lacunas na avaliação do conceito de LA, através do desenvolvimento de ferramentas bem definidas, que tenham a capacidade de avaliar não só conhecimentos, mas também competências e comportamentos, de forma a permitir obter dados quantitativos dos níveis de LA da população portuguesa, e ainda auxiliar no desenvolvimento e avaliação rigorosa de intervenções comunitárias (34).
CONCLUSÕES
Este trabalho, com base numa revisão da literatura científica, procurou clarificar e contribuir para a uniformização dos conceitos de LN e LA através da sua definição, e análise dos domínios e constituintes de LA. Por outro lado identificaram-se e analisaram-se as ferramentas validadas existentes, capazes de avaliar os dois conceitos, sugerindo-se quais as ferramentas que melhor se adequam à aplicação na população portuguesa, considerando o potencial interesse na sua futura validação em Portugal.
A LN concentra-se apenas nas capacidades para compreender informações relacionadas com nutrientes, enquanto que a LA constitui um conceito mais holístico, capaz de promover escolhas alimentares mais saudáveis.
A concetualização de Vidgen & Gallegos (2014) é a que se apresenta mais alinhada com os conceitos atuais de literacia, tendo a capacidade de reconhecer a natureza multidimensional e contextual dos diferentes domínios de LA.
É urgente uniformizar e desenvolver uma ferramenta suficientemente abrangente e dinâmica, capaz de avaliar toda a envolvência da LA na população (nomeadamente em contexto nacional) de forma mensurável, precisa e exata. Este processo permitiria comparar níveis de LA entre diferentes populações, e a sua evolução ao longo do tempo, tornando possível o desenho e posterior avaliação de políticas e programas ajustados a esses dados, com vista na promoção de melhores hábitos alimentares e melhores resultados em saúde.
Apesar de não existir nenhuma ferramenta capaz de avaliar toda essa envolvência, os autores sugerem que as ferramentas de avaliação de LA SPFL e IT-FLS sejam as que mais se adequam à população portuguesa, pelo que seria útil a sua posterior aplicação e validação.