O progresso científico assenta na comunicação. A publicação científica é uma das principais formas de comunicação, sendo que a sua evolução tem tido um exponencial crescimento na quantidade, mas também na acessibilidade a informação. Para melhorar este aspeto o formato em acesso aberto, open access, permite abrir as portas para a reprodutibilidade dos estudos, bem como para a inovação 1.
Este foi um dos principais motivos para que este ano, a Revista Portuguesa de Imunoalergologia, permitir o acesso aos artigos em formato de pré-publicação através do seu site. Outro aspeto essencial no adequado acesso à informação é a possibilidade de a obtermos de forma rápida, sumária e com qualidade e, neste contexto, as revisões sistemáticas e meta-análises pelo seu rigor metodológico podem ser das mais importantes fontes de evidência. Neste número temos o exemplo de uma revisão sistemática que aborda o impacto de uma das mais frequentes medidas terapêuticas que instituímos aos nossos doentes com alergia à proteína de leite de vaca, a evicção aos produtos lácteos, e qual o seu impacto no crescimento da criança e nos potenciais riscos nutricionais. Recentemente, o futuro do acesso à informação e das novas formas de comunicação começa a basear-se em modelos de algoritmos de inteligência artificial 2, que se alimentam da nossa informação de forma muito mais rápida e tornam-se um veículo de comunicação.
Como é que esse futuro vai mudar a publicação científica é algo em discussão, mas a necessidade de rigor científico será sempre uma necessidade transversal. Temos de assumir que a inteligência artificial será cada vez mais usada e útil para melhorar a fluência dos manuscritos, a sua estrutura, corrigir erros gramaticais, mas esta dependerá dos dados/informação a que tem acesso e a resposta obtida na IA pode não se adequar a todas as realidades.
Neste número, João Pires et al., traz um ponto de vista específico dos nossos cuidados primários, a análise da qualidade de prescrição de terapêutica de alívio na asma. Ao verificarmos que esta fica aquém do recomendado nas guidelines e que a asma é ainda uma patologia que necessita de maior atenção na primeira linha de cuidados permite-nos agir sobre esta problemática. A comunicação é aqui essencial para conseguirmos focar-nos nas áreas que de forma real e na nossa proximidade necessitam de maior atenção. Em continuidade com este objetivo, neste número todos os nossos artigos comentados se dedicam à asma, na perspetiva da sua evolução e previsão das suas trajetórias ou na procura de novas ferramentas para avaliarmos fatores importantes na asma como a disfunção das pequenas vias aéreas. Trazer estes temas à reflexão permite sensibilizar a comunidade científica e médica para estes desafios. O papel dos grupos de interesse da Sociedade Portuguesa de Imunoalergologia, neste caso o Grupo de Interesse de Asma, que nos desafiou com a partilha de artigos nesta área visa exatamente esse objetivo: fazer-nos refletir, alertar e por fim levar-nos a agir. A inteligência artificial, apesar de melhorar a comunicação científica, não substitui esta necessidade de partilha; as questões que nos surgem têm por base não só o conhecimento científico, mas a experiência clínica, as discussões entre pares, a nossa empatia na prática clínica, e esta é que justifica no fundo a nossa busca por melhorar os cuidados de saúde.
A implementação da inteligência artificial tanto na prática clínica, como na publicação científica, implica regulamentação e transparência na sua utilização 3. Outro desafio no futuro da publicação científica é uma abordagem inovadora de peer-review, no sentido de valorizar o trabalho dos revisores. O exemplo é o atualmente seguido pela eLife(4), em que os autores submetem o seu trabalho que fica disponível em formato pré-impressão e são sujeitos a revisão por pares de forma pública e acessível. Esta discussão promove a transparência e um processo de revisão contínua, em que a simples resposta de aceitar/rejeitar o manuscrito desaparece 4. Esta nova abordagem ainda muito recente necessitará de tempo e avaliação, mas já é possível em outras revistas acedermos ao processo de revisão do manuscrito e sugestões dos revisores.
As novas oportunidades estão nesta comunicação científica que estava escondida no processo de revisão. Apesar dos desafios, da fadiga e da escassez de revisores 5, do conflito do tempo (tão escasso para tudo) a que dedicamos a um processo de revisão, infelizmente pouco reconhecido e insuficientemente valorizado, não há inteligência artificial que substitua a discussão por pares. Apenas ela tornará o futuro da publicação mais nobre e mais rico.