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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.68 Lisboa dez. 2020  Epub 31-Dez-2020

https://doi.org/10.23906/ri2020.68a01 

As presidências portuguesas do conselho da União Europeia

Nota introdutória

Reinaldo Saraiva Hermenegildo1 

Alice Cunha1 

1IPRI-NOVA - Colégio Almada Negreiros, Campus de Campolide, 1070-312 Lisboa. Portugal. hgreinaldo@hotmail.com; alice.cunha@fcsh.unl.pt


Com um intervalo de catorze anos em relação à Presidência anterior, após a crise económica e financeira de 2010-2014, e com a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), 1 de janeiro de 2021 ficará registado nas datas simbólicas da participação portuguesa na UE, pois o país assumirá, pela quarta vez, a Presidência rotativa do Conselho da UE, novamente inserido no trio Alemanha-Portugal-Eslovénia, conhecido por «GPS» (no seu acrónimo em inglês: Germany, Portugal, Slovenia).

Portugal exerceu a Presidência do Conselho da UE em três momentos distintos da vida política nacional e da construção europeia (1992, 2000 e 2007), com prioridades constantes e diferentes nos três exercícios, o que foi já alvo de estudo em explicação detalhada1. No entanto, com o atual número temático pretendemos revisitar alguns dos traços fundamentais das presidências anteriores e projetar a quarta Presidência portuguesa do Conselho, que irá decorrer, em virtude da pandemia de covid-19, por um lado, num ambiente incerto, por outro, desafiador, na medida em que o exercício das funções da Presidência estará assente em métodos inovadores no domínio tecnológico.

Mais uma vez, a Presidência portuguesa herdará da Presidência alemã dossiês da agenda política importantes. Em 2007, foi a necessidade de aprovação de um tratado; em 2021, a necessidade de iniciar a implementação da «bazuca» europeia.

Os três primeiros exercícios decorreram em momentos distintos, bem como irá decorrer a próxima Presidência, no que concerne ao contexto nacional e europeu, conjunturas essas que foram determinantes na definição das prioridades para cada Presidência.

Quanto ao contexto nacional, em 1992 Portugal vivia os primeiros anos da integração nas Comunidades, sendo um país que procurava integrar-se nas instâncias europeias, obter o máximo de benefícios económicos e sociais para o país e demonstrar que era competente no exercício das suas atribuições no plano europeu, ou seja, atestar que era o «bom aluno». No plano europeu, os Estados-Membros estavam focados no domínio económico, nas questões do mercado interno, no pacote Delors II, como forma de alavancar a economia europeia e na necessidade de aprovação do tratado que instituiu a UE, a qual iria reforçar a partir de então a sua componente política, para as Comunidades não serem essencialmente ou quase exclusivamente uma organização de natureza económica.

Assim, as prioridades são determinadas pelo ambiente nacional, o que levou a que estas fossem sobretudo no domínio económico (a coesão económica e social - o pacote Delors II, Mercado Interno e a Política Agrícola Comum) e o perfil é sobretudo de natureza administrativa, uma vez que a grande preocupação era que o exercício da Presidência fosse bem-sucedido em termos organizativos.

No âmbito da segunda Presidência, em 2000, o país já se encontrava plenamente integrado na UE. Por sua vez, a União tinha uma dimensão política mais robusta, contrariamente ao período da primeira Presidência, pelo que o raio de ação da UE passou a ser mais vasto, englobando matérias de vários domínios, que não apenas os de âmbito económico e social. Neste período, a UE estava numa fase de preparação do seu maior alargamento e perante novos desafios no âmbito político e de ação externa.

Este contexto e o grau de integração de Portugal levou a que as prioridades fossem de natureza económica e política, plasmadas na Estratégia de Lisboa e na reforma institucional no Tratado de Nice. Por outro lado, o país foi inovador no que concerne à organização de cimeiras, nomeadamente da UE com a China, a Índia e África, com especial realce para esta última.

Nessa medida, Portugal acrescentou às prioridades económicas outra dimensão,a política, e, dentro desta, a de ação externa. A partir da Presidência de 2000, Portugal passa a ter uma visão nacional para a integração europeia, bem como um perfil menos administrativo e mais político.

Em 2007, Portugal estava plenamente integrado nas instâncias comunitárias, era um ator ativo na construção europeia, evidenciado em especial na forma como materializou o exercício da Presidência anterior, com propostas inovadoras, nas vertentes económica, política, institucional e de ação externa. Esta Presidência tinha um grande desafio (o maior da Presidência): fazer aprovar um Tratado da União. Este período era também o fim de um ciclo económico de crescimento. A esta prioridade maior juntaram-se outras de natureza económica (Estratégia de Lisboa), de segurança (as migrações), de ação externa (conjunto de cimeiras da União com o Brasil, a China, a Rússia e África).

Em 2007, Portugal projeta para o plano europeu e mundial os seus interesses e valores, recorrendo ao agenda-setting e à liderança de alguns dos processos europeus, nomeadamente no domínio da ação externa e do espaço de liberdade, segurança e justiça. Com efeito, estamos perante um país que se apresenta com um perfil marcadamente político.

Assim, em síntese, as prioridades das presidências portuguesas tiveram matérias em comum nos três exercícios e outras de natureza diferente, algumas sobretudo no grau de enfoque que tiveram, mais do que na substância das mesmas. Nessa medida, podemos assumir que Portugal teve inicialmente prioridades essencialmente de natureza económica, para depois evoluírem também para uma dimensão política e, por fim, de âmbito político, institucional e de ação externa.

Um traço que caracteriza as três presidências portuguesas é o facto de, de exercício em exercício, se integrarem novas prioridades, mas agregando as anteriores. Ou seja, de presidência em presidência, em geral, são acrescentadas prioridades às já existentes.

Ao longo dos três exercícios encontramos também uma evolução no estilo de presidir por Portugal - de um estilo de gestão, para um de definição de agenda e finalmente um de liderança. Em 2021, possivelmente, a Presidência portuguesa não terá muita visibilidade mediática, tal como sucedeu de resto com as presidências alemã e sobretudo a croata, de que praticamente não se ouviu falar, com a maioria dos encontros a realizar-se à distância por via digital.

Ao longo de mais de uma década, entre 2007 e 2019, o exercício da Presidência sofreu alterações em virtude do quadro institucional, que resultou do Tratado de Lisboa, desde logo, porque este passou a ser apenas assumido pelos Estados no que concerne ao Conselho, com exceção do formato de relações externas, passando a Presidência destes formatos para o alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança que, como o Conselho Europeu, passaram a ser assumidos em permanência. Por outro lado, a esta mudança no quadro institucional juntar-se-á uma outra, menos previsível, o desenvolvimento da pandemia de covid-19. Assim, este será um exercício diferente dos anteriores, desde logo pelo quadro institucional diferente, razão pela qual teve também implicações no desenho das prioridades nacionais e no agenda-setting consequente, em virtude do tipo de assuntos (mais limitado) que estão incluídos no programa da Presidência.

Portugal, de forma crescente, ao longo das presidências, passou a ter um leque maior de prioridades nas temáticas das relações externas, o que ficou bem patente, na última Presidência, com a organização, por exemplo, de cimeiras da UE com África, Brasil, Rússia, China e Índia.

Na quarta Presidência, a prioridade regressará ao domínio económico, dada a atual pandemia, bem como ao social.

Tendo em conta o atual quadro institucional nas diferentes tipologias de agenda-setting, Portugal deverá recorrer sobretudo ao agenda-structuring, especialmente nas áreas que estão englobadas pelas presidências permanentes do Conselho. Por sua vez, o recurso ao agenda-setting poderá ser feito em algumas das matérias de natureza supraestadual, nomeadamente no âmbito do espaço de liberdade, segurança e justiça. Outras áreas, que vêm sendo colocadas na agenda europeia de forma sucessiva, como as questões ambientais, são uma matéria que tanto pode ser desenvolvida através do agenda-setting ou do agenda-structuring, consoante o grau, a direção e a ênfase que se pretenda dar a esta matéria.

Como as presidências também não são imunes ao atual contexto pandémico, à agenda bastante abrangente, em linha com os assuntos da ordem do dia comunitária e com a Agenda Estratégica 2019-2024, juntam-se no programa do trio medidas de saúde, de defesa de um sistema de gestão de crises europeu e de recuperação da economia, com uma dupla preocupação superveniente: o combate à pandemia combinado com a recuperação económica. Além disso, a vertente social também ocupa um papel importante, com o estandarte da implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, para o qual se espera um novo ímpeto político na Cimeira Social, prevista para maio de 2021.

Com o acordo alcançado quanto ao Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, mas ainda, à data, sem a conclusão das negociações do Brexit, a Presidência portuguesa centrar-se-á no modelo social europeu e nas migrações2, área inclusive referida no discurso sobre o estado da União pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, a 16 de setembro último.

Sob o lema «Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital», os cinco eixos prioritários da Presidência incluem:

  • • uma Europa resiliente, que mitigue os efeitos da crise pandémica, que inicie a implementação do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e o Fundo de Recuperação «Next Generation EU», bem como promova a proteção dos cidadãos europeus e a defesa do Estado de direito, da democracia e das liberdades fundamentais;

  • • uma Europa social, que reforce o modelo social europeu, combata a pobreza, a exclusão social e as desigualdades;

  • • uma Europa verde, que promova o Pacto Ecológico Europeu e o Pacto Europeu para o Clima, e aposte na economia azul e no uso sustentável dos recursos dos oceanos;

  • • uma Europa digital, que acelere a transição digital inclusiva, implemente as melhores práticas digitais na administração pública, e desenvolva o conceito de democracia digital;

  • • e, finalmente, uma Europa global, que reforce o papel da Europa no mundo, na cooperação internacional e no multilateralismo, ao mesmo tempo que dinamiza o relacionamento com África e a Índia, e confere um novo ímpeto às relações transatlânticas3.

Num contexto em que a solidariedade europeia está a ser posta à prova, Portugal exercerá este cargo de grande envergadura diplomática, com a experiência acumulada nos 35 anos de experiência como Estado-Membro bem-sucedido.

Este número temático da R:I, intitulado «As presidências portuguesas do Conselho da União Europeia», pretende exatamente analisar o papel que as presidências do Conselho têm no quadro europeu, em especial as presidências portuguesas. Além de uma visão de conjunto acerca do exercício das presidências, a sua relevância e contributo para a construção europeia, os cinco artigos que constituem este número abordam individualmente temáticas específicas, como a agenda económica e social, a governança, a política externa, as cimeiras internacionais, e as relações UE-África.

João Ferreira do Amaral sintetiza as linhas gerais da quarta Presidência portuguesa do Conselho da UE, pela primeira vez num contexto de crise pandémica. Em particular, aborda as questões económicas e as questões sociais presentes no programa do trio de presidências, aferindo o alcance e a importância das mesmas, bem como analisa qual deve ser a postura portuguesa em relação às mesmas, numa visão de conjunto com os antecedentes da integração europeia. As primeiras incluem assuntos já em curso, como o aprofundamento do mercado interno, a conclusão da união bancária, a economia circular e a neutralidade carbónica; as segundas incluem a realização da uma Cimeira Social Europeia e a fixação de um salário mínimo, um dos novos temas eleitos pela presidente da Comissão Europeia, que certamente será inserido e muito debatido na ordem do dia do Conselho da UE.

Na ótica de que o trio de presidências reduziu consideravelmente a autonomia individual de cada uma delas, José Magone antevê o comportamento das presidências alemã e portuguesa em 2020-2021, do ponto de vista da teoria da integração europeia, com referência às mudanças do sistema de governança multinível. Além de identificar cinco fases na evolução do papel da Presidência desde que foi criada, e de como as alterações introduzidas têm moldado a performance da mesma, defende que a Presidência é sobretudo um processo de aprendizagem, no qual os Estados-Membros têm de incorporar processos formais e informais e métodos de negociação. E, nesse processo, tanto a Alemanha como Portugal têm sido bem-sucedidos, quer individualmente quer em forma de trio, o que parece indiciar que este novo trio de presidências venha a reforçar o novo sistema de cooperação e os resultados conjuntos.

No âmbito da Política Externa e de Segurança Comum e da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESC/PESD), o artigo de Laura C. Ferreira-Pereira examina os principais contributos das três presidências portuguesas anteriores. Em detalhe, analisa essas presidências na perspetiva de as autoridades nacionais promoverem o protagonismo global da UE, assim potenciando também a sua própria relevância internacional, quer através da celebração de parcerias da UE com atores internacionais relevantes, quer por via da capacitação militar da UE na resposta a crises internacionais. A autora concluiu que nessas presidências não apenas foi notória a prioridade conferida às questões relativas à PESC/PESD, como também o país conseguiu projetar a visão portuguesa sobre a ação externa europeia, antevendo igualmente que, na Presidência de 2021, seja expectável que Portugal fortaleça a promoção da «Europa global», tal como consta, aliás, do programa da Presidência.

Em relação ao impacto distintivo de cada presidência, Pedro Emanuel Mendes identifica a influência de Portugal no desenvolvimento das relações externas da UE, em concreto na realização de cimeiras internacionais, que têm sido uma das marcas distintivas das presidências portuguesas. Com um enfoque nas cimeiras UE-ASEAN e UE-Índia de 2007, o autor explica como Portugal - enquanto Estado-Pivô das relações externas da UE - tem, por um lado, conseguido articular eficientemente a sua dimensão bilateral com a dimensão multilateral europeia e, por outro lado, exercer um papel de relevo na afirmação das relações externas da própria UE, e o que se perspetiva a este nível, para o próximo semestre.

Partindo da premissa de que esta Presidência é de particular importância para os Estados-Membros de menor dimensão sobretudo no que diz respeito ao exercício de uma maior influência, mas também da evidência de o Tratado de Lisboa ter reduzido as competências da Presidência no âmbito da política externa, António Raimundo explora as estratégias delineadas pelas autoridades portuguesas para influenciar a política da UE para com África. A chamada vocação global da política externa portuguesa, aliada à participação nacional na UE, fazem com que África seja uma área geográfica prioritária da atuação portuguesa ao nível das relações externas da UE. Nesse sentido, o autor examina as estratégias portuguesas, frequentemente interligadas - multilateralismo, especialização, coligações, e uso da Presidência rotativa - para exercer a sua influência nesse domínio.

Bibliografia

HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva - As Presidências Portuguesas da União Europeia. Porto: Fronteira do Caos, 2017. [ Links ]

TEIXEIRA, Nuno Severiano; HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva - «As presidências portuguesas da União Europeia». In Relações Internacionais. N.º 48, 2015, pp. 61-78. [ Links ]

TEIXEIRA, Nuno Severiano; HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva - «The Portuguese Presidencies of the European Union: a preliminary study». In Portuguese Studies. Vol. 34, N.º 1, 2018, pp. 70-85. doi: https://doi.org/10.5699/portstudies.34.1.0070. [ Links ]

Notas

1 TEIXEIRA, Nuno Severiano; HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva - «The Portuguese Presidencies of the European Union: a preliminary study». In Portuguese Studies. Vol. 34, N.º 1, 2018, pp. 70-85; TEIXEIRA, Nuno Severiano; HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva - «As presidências portuguesas da União Europeia». In Relações Internacionais. N.º 48, 2015, pp. 61-78; HERMENEGILDO, Reinaldo Saraiva - As Presidências Portuguesas da União Europeia. Porto: Fronteira do Caos, 2017.

2Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. In Diário da Assembleia da República, I Série, Número 74, 10 de julho de 2020, p. 5.

Reinaldo Saraiva Hermenegildo Natural de Valpaços. Major da Guarda Nacional Republicana (GNR). Investigador do IPRI-NOVA. Doutor em Relações Internacionais, especialidade de História e Teoria das Relações Internacionais, pela NOVA FCSH. Foi professor e coordenador científico na Academia Militar; atualmente, desempenha funções na Secção de Operações, Treino e Relações Públicas do Comando Territorial de Lisboa da GNR. Autor da obra As Presidências Portuguesas da União Europeia (Fronteira do Caos, Porto, 2017).

Alice Cunha Doutora em História Contemporânea pela NOVA FCSH. É investigadora na mesma faculdade, no IPRI-NOVA, onde tem trabalhado sobre integração europeia, área na qual tem publicado. Os seus principais interesses de investigação estão relacionados com a história da integração europeia, os estudos sobre o alargamento, a europeização e os fundos europeus. É membro do European Union Liaison Committee of Historians.

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