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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med v.23 n.5 Porto  2009

 

Mixoma Cardíaco

Patologia e Correlação Clínica em Material de Ressecção Cirúrgica

 

Maria Cristina Furian Ferreira*†, Henrique Pott Jr.†

*Laboratório de Anatomia Patológica, Hospital e Maternidade Celso Pierro; †Faculdade de Medicina, Centro Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil

 

Introdução: O mixoma cardíaco (MC) é um tumor primário do coração, raro, de etiologia desconhecida, prevalente em adultos na terceira e sexta décadas de vida. Caracteriza-se por proliferação celular anormal das células mesenquimais multipotenciais subendocárdicas comprometendo a via de entrada de um ou de ambos os ventrículos. Apesar de sua etiopatogenia ser pouco conhecida, sabe-se que suas manifestações clínicas podem ser variadas de acordo com a topografia e o acometimento cardíaco. Neste estudo pretende-se descrever os aspectos morfológicos do MC e associá-los aos dados clínicos dos pacientes, e discutir a patogenia do MC.

Métodos: Neste estudo retrospectivo do tipo série de casos, foram utilizadas amostras de ressecção cirúrgica fixadas em formalina 10% e provenientes de pacientes com diagnóstico ecocardiográfico de MC, operados no período de 2007 a 2008.

Resultados: Foram descritas as características anatomo-clínicas de seis mixomas cardíacos de átrio esquerdo em pacientes com idade entre 19 e 69 anos. Macroscopicamente identificaram-se dois tipos anatômicos. O quadro clínico produzido pelo tumor cardíaco incluiu manifestações não específicas e manifestações relacionadas à obstrução ao enchimento ventricular esquerdo ou à embolização para vasos cerebrais. Pode-se ainda estabelecer que a apresentação clínica correlacionou-se com o aspeto tumoral.

Conclusões: Embora os MC sejam histologicamente benignos, eles podem ser letais devido à sua posição estratégica. Sua morbimortalidade e crescente incidência faz necessário incluir esta entidade nosológica no diagnóstico diferencial de doenças que apresentem-se como as síndromes de tromboembolia cerebral e insuficiência cardíaca. Os sintomas apresentados pelos pacientes correlacionam-se com o aspecto, tamanho, mobilidade e localização do tumor.

Palavras-chave: mixoma cardíaco; patologia; correlação anatomo-clínica.

 

Cardiac Myxomas

Introduction: The cardiac myxoma (CM) is a primary tumor of the heart, often of unknown etiology prevalent in adults in the third and sixth decades of life. It is characterized by abnormal cell proliferation of multipotencial mesenchymal subendocardial cells jeopardizing the route of entry of one or both ventricles. Although its pathogenesis is poorly understood, it is known that their clinical manifestations may be varied according to topography and cardiac involvement. In this study, we intend to describe the morphologic aspects of CM and associate them to the patient’s clinical data, and to discuss the pathogenesis of MC.

Methods: This retrospective study, type case series used samples of surgical resection fixed in formalin 10% from patients with echocardiographic diagnosis of MC, operated from 2007 to 2008.

Results: We describe the anatomo-clinical characteristics of six cardiac myxomas of the left atrium in patients aged between 19 and 69 years. Macroscopically it were identified two anatomic types. The clinical presentation produced by the cardiac tumor included non-specific events and manifestations related to left ventricular filling obstruction or embolization to the brain vessels. It was also established that the clinical presentation correlates with the tumor aspect.

Conclusions: Although the MC are histologically benign, they can be lethal due to its strategic position. its increasing incidence and morbidity is necessary to include this nosological entity in the differential diagnosis of diseases that presents as cerebral thromboembolism and heart failure syndromes. The symptoms presented by patients correlates with the appearance, size, mobility and location of the tumor.

Key-words: cardiac myxoma; pathology; anatomo-clinical correlation.

 

INTRODUÇÃO

Os tumores primários do coração são raros, têm baixa incidência e baixa prevalência; em uma série de estudos de necrópsia sua incidência variou entre 0,0017 a 0,19% (1) e são muito menos freqüentes que os tumores metastáticos do coração (2,3). Três quartos dos tumores primários do coração são benignos, nesse grupo, os mixomas constituem o tumor primário do coração mais comum em adultos, são responsáveis por 50% dessa incidência, sendo os demais formados por lipomas, fibroelastomas papilares, e rabdomiomas (1-3).

Ocorrem em qualquer faixa etária, mas são particularmente mais freqüentes entre a terceira e sexta décadas de vida (1-3). Embora possam surgir em qualquer uma das quatro câmaras ou, raramente, bicamaralou sobre as valvas cardíacas, cerca de 90% localizam-se nos átrios, com relação átrio esquerdo/átrio direito de 4:1 (1,2,4,5). A maioria dos mixomas surgem na borda da fossa oval do septo interatrial, mas ainda podem surgir, em ordem decrescente de freqüência, na parede atrial posterior e parede atrial anterior (1). Originam-se do endocárdio e são considerados derivados das células mesenquimais multipotenciais subendocárdicas sendo essas células capazes de se diferenciarem para células endoteliais, células musculares, e fibroblastos (1,6).

As manifestações clínicas podem ser variadas de acordo com a topografia tumoral e o acometimento cardíaco. Diversos estudos sugerem que a apresentação clínica correlaciona-se com as características anatomo-patológicas tumoral. Considerando tais bases teóricas, procuramos investigar a associação entre estas características anatomo-patológicas e os sintomas de apresentação de uma série de seis casos de mixomas cardíacos em um hospital universitário.

 

METODOLOGIA

Realizou-se um estudo observacional, longitudinal e retrospectivo do tipo série de casos com aprovação do Comite de Ética em Pesquisa do Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUC-Campinas (HMCP), por meio de dados dos pacientes com diagnóstico ecocardiográfico de mixoma cardíaco e operados no HMCP entre 2007 e outubro de 2008.

Foram analisadas as variáveis gênero, idade, sinais e sintomas de apresentação, localização tumoral de acordo com a descrição cirúrgica, dimensões tumorais após fixação em formalina 10%, volume tumoral, aspecto tumoral macroscópico e a presença de hemorragias intraparenquimatosas. Para a análise por microscopia óptica comum, as amostras foram incluídas em parafina e coradas por técnica convencional de hematoxina-eosina (HE).

 

RESULTADOS

Os prontuários dos 6 pacientes que foram estudados constituiram a amostra objeto desta pesquisa. Todos os pacientes possuiam diagnóstico ecocardiográfico de mixoma cardíaco.

Em uma análise geral dos dados, as características vistas na nossa série estavam em consonância com a literatura, realçando-se predomínio do gênero feminino (83%), a faixa etária de 30 – 60 anos (83%), e localização em átrio esquerdo (100%).

Em relação às manifestações clínicas (4,5,8,9), verificou-se que na maioria das vezes ocorreu a presença de um ou mais eventos da tríade clássica: manifestações não específicas, como febre e mal-estar (66%); manifestações relacionadas à obstrução ao enchimento ventricular esquerdo (50%) e manifestações relacionadas à embolização para vasos cerebrais (50%). A tabela 1 sumariza os dados de apresentação clínica e características tumorais.

 

Tabela 1 - Dados de apresentação clínica e características tumorais.

 

Ao analisarmos as características anatomo-patológicas e os sintomas de apresentação, foi possível estabelecer que as manifestações clínicas correlacionam-se com o aspecto tumoral. Os pacientes com tumores de aspecto globoso apresentaram-se com sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, enquanto que aqueles com tumores papilares manifestaram-se clinicamente como síndrome de tromboembolia cerebral. A manifestação de sintomas inespecíficos não correlacionou-se com nenhuma das características tumorais analisadas. A figura 1 ilustra os achados macroscópicos.

 

Fig. 1 - Macroscopia tumoral. (a) - espécime com características papilares; (b) - aspecto tumoral globoso.

 

Histologicamente observou-se, em todas as amostras, células em forma de estrela ou globosas, entremeadas com células endoteliais, mergulhadas em uma abundante matriz de mucopolissacarídeo. A figura 2 ilustra os achados microscópicos.

 

Fig. 2 -Microscopia tumoral. (a) -estroma mixoide com proliferação de células e vasos; (b) -áreas com abundante matrix de mucopolissacarídeos; (c) - área de maior densidade celular e fibrose; (d) - células globosas entremeadas com células endoteliais em meio a estroma mixoide.

 

DISCUSSÃO

As manifestações clínicas dos mixomas cardíacos podem ser variadas de acordo com a topografia tumoral e o acometimento cardíaco. Na última década diversos estudos sugeriram que a apresentação clínica correlaciona-se com as características anatomo-patológicas tumoral. Considerando tais bases teóricas, conseguimos descrever a associação entre algumas características anatomo-patológicas e os sintomas de apresentação de uma série de seis casos de mixomas cardíacos em um hospital universitário.

Demonstrou-se neste trabalho que o sexo feminino foi mais acometido, afirmando os dados citados por Yoon (11). Neste trabalho, a idade dos pacientes variou de 19 a 69 anos, com média de 45 anos, coincidente com a literatura (1-3).

A sintomatologia esteve presente em todos os pacientes, corroborando a descrição clássica da tríade do mixoma cardíaco. Na maioria das vezes pode ocorrer a presença de um ou mais eventos da tríade embolização, obstrução intracardíaca e síndrome de sintomas contitucionais, como febre e mal-estar (1-8). Os sintomas inespecíficos como febre, perda de peso, anorexia, artralgia e mal-estar (2,7,8), encontrados em 66% de nossa amostra, associam-se à produção da citocina interleucina-6 – importante mediador da resposta da fase aguda da reação inflamatória sistêmica (2) – por alguns mixomas.

Em um estudo a Mayo Clinic classificou os mixomas em dois tipos anatômicos (globoso e papilar) 9, e segundo Shimono et al.(10), a apresentação clínica correlaciona-se com o aspecto tumoral. Os tumores globosos apresentam-se mais comumente com sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, enquanto que os tumores papilares tendem a embolizar para vasos cerebrais e periféricos (10).

Uma vez que a grande maioria dos mixomas localizam-se no átrio esquerdo, a fragmentação tumoral ou de microtrombos com embolização sistêmica chamounos a atenção para estas lesões, as quais acometem principalmente as artérias cerebrais e retinianas, com subseqüente acidente vascular encefálico isquêmico e alterações visuais (1,7,8). A associação encontrada em nosso estudo entre os tumores com aspecto papilar e a apresentação clínica como síndrome de tromboembolia cerebral, baseia-se na superfície tumoral irregular. A superfície irregular dos tumores papilares determinam algum grau de turbilhonamento do fluxo sanguíneo pela cavidade com subsequente lesão do endocárdio e periferização de plaquetas, que imediatamente aderem à parede e iniciam a formação do trombo; o aspecto tumoral também contribui para a redução da velocidade sanguínea o faz com que as plaquetas, circulantes no meio do fluxo sanguíneo, passem para a periferia, facilitando seu contato com a parede e, conseqüentemente, sua adesão. Por conseguinte, a grande variabilidade de apresentação clínica desta síndrome cerebral, principalmente em termos de duração, localização e gravidade da isquemia, e coexistência de doenças sistêmicas, levanta a necessidade de adicionarmos os mixomas cardíacos à tradicional história epidemiológica, particularmente quando assistirmos a um paciente do sexo feminino, na faixa etária de 30 a 60 anos, que apresenta um déficit neurológico focal de início súbito e duração variável.

Não obstante, dependendo de seu tamanho e mobilidade, os mixomas cardíacos podem manifestar-se clinicamente através de sinais e sintomas de obstrução ao enchimento ventricular esquerdo ou direito com subsequente dispnéia, tosse seca, edema pulmonar, e falência ventricular direita (1,2,4,7,8). A associação encontrada em nosso estudo entre os tumores com aspecto globoso e a apresentação clínica como síndrome de insuficiência cardíaca, baseia-se na obstrução mecânica ao enchimento ventricular. No entanto, quando o débito cardíaco cai em decorrência da obstrução mecânica ao enchimento ventricular, mecanismos neuro-hormonais são ativados com o objetivo de preservar a homeostase circulatória. Embora originalmente seja vista como uma resposta compensatória benéfica, a liberação endógena de neuro-hormônios vasoconstritores (ex.angiotensina II) parece exercer papel deletério no desenvolvimento da insuficiência cardíaca, pelo aumento da sobrecarga de volume. Isso leva à progressão da insuficiência cardíaca já existente. Ainda, esses mecanismos neuro-hormonais podem exacerbar as anormalidades metabólicas já existentes, ocasionando o aparecimento de arritmias cardíacas.

Neste estudo, os dados referentes à distribuição anatômica dos tumores coincidem com a literatura (1,2,4,5), sendo a localização preferencial os átrios, com predomínio sob o átrio esquerdo. A descrição do volume e aspecto tumoral neste estudo foi semelhante à citada por Shimono et al. (10). Observou-se que são raros os trabalhos que fazem levantamento desse dado, apesar de sua importância na associação com a apresentação clínica do paciente.

 

CONCLUSÕES

Embora os mixomas cardíacos sejam histologicamente benignos, eles podem serletais devido à sua repercussão hemodinâmica e impacto sobre a capacidade funcional dos pacientes. A maior incidência do mixoma cardíaco ocorre no sexo feminino, tendo como sítio principal o átrio esquerdo, achados coincidentes com os da literatura pesquisada. A predileção pelo gênero feminino mantêmse sem explicação e aventa a necessidade de maiores estudos sobre esta relação.

Suas manifestações clínicas variadas podem imitar não só as doenças cardíacas, mas também infecciosas, imunológicas e processos malígnos. Em todos os casos estudados, houve a presença de um ou mais eventos da tríade embolização, obstrução intracardíaca e síndrome de sintomas contitucionais. Ainda, os sintomas apresentados pelos pacientes correlacionam-se com o aspecto, tamanho, mobilidade elocalização do tumor. Em especial, o aspecto tumoralpapilífero correlaciona-se com apresentação clínica sob a forma de síndrome de tromboembolia cerebral enquanto que o aspecto globoso apresenta-se como síndrome de insuficiência cardíaca.

Não obstante, sua morbimortalidade e crescente incidência faz necessário incluir esta entidade nosológica no diagnóstico diferencial de doenças que apresentemse como as síndromes de tromboembolia cerebral e insuficiência cardíaca.

 

REFERÊNCIAS

1 -Reynen K. Cardiac myxomas. N Engl J Med 1995;333:1610-7.         [ Links ]

2 -Coard KC. Primary tumors of the heart: experience at the University Hospital of the West Indies. Cardiovasc Pathol 2007;16:98-103.

3 -McAllister HA Jr, Fenoglio JJ Jr. Tumours of the cardiovascular system. Atlas of tumor pathology. 2nd series. Fascicle 15. Washington, D.C.: Armed Forces Institute of Pathology, 1978:1-20.

4 -Swartz MF, Lutz CJ, Chandan VS, Landas S, Fink GW.Atrial myxomas: pathologic types, tumorlocation, and presenting symptoms. J Card Surg 2006;21:435-40.

5 -Rhim HY, Youn HJ, Hong SJ, Choi KB. Cardiac myxoma: clinical experiences with twenty-five patients in Korea. Int J Cardiol 2001;78:101-2.

6 -Suvarna SK, Royds JA. The nature of the cardiac myxoma. Int J Cardiol 1999;57:211-6.

7 -Goswami KC, Shrivastava S, Bahl VK, Saxena A, Man-chanda SC, Wasir HS. Cardiac myxomas: clinical and echocardiographic profile. Int J Cardiol 1998;63:251-9.

8 -BurkeA, Jeudy J Jr, VirmaniR. Cardiac tumours: an update: Cardiac tumours. Heart 2008;94:117-23.

9 -St. John Sutton MG, Mercier LA, Giuliani ER, Lie JT. Atrial myxomas: A review of clinical experience in 40 patients. Mayo Clin Pro 1980;55:371-376.

10 -Shimono T, Makino S, Kanamori Y, Kinoshita T, Yada I. Left atrial myxomas: Using gross anatomic tumor types to determine clinical features and coronary angiographic findings. Chest 1995;107:674-679.

11 -Yoon DH, Roberts W. Sex distribution in cardiac myxomas. Am J Cardiol 2002;90:563-5.

12 -Fyke III FE, Seward JB, Edwards WD, et al. Primary cardiac tumors: Experience with 30 consecutive patients since the introduction of two-dimensional echocardiography. J Am Coll Cardiol 1985;5:1465–73.

13 -Xie S. Cardiac tumors Clinical and echocardiographic diagnosis of 65 cases. Chun-Hua-Hsin-Hsueh-Kuan-Ping-Tsa-Chih 1990;18:17-19, 61.

14 -Barlis P, Lim EJ, Gow PJ, Seevanayagam S, Calafiore P, Chan RK. Giant cardiac myxoma.Heart Lung Circ 2007; 16:389-91.

 

Correspondência:

Dr. Henrique Pott Junior

Faculdade de Medicina

Centro Ciências da Vida

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Av. John Boyd Dunlop, s/n

CEP: 13059-900 Campinas, SP

Brasil

e-mail: henriquepott@gmail.com

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