Introdução
A utilização de plantas medicinais e dos seus derivados aumentou consideravelmente, sendo que aproximadamente um terço (1/3) de todos os medicamentos fitoterápicos tradicionais são destinados ao tratamento de feridas. Os produtos naturais utilizados nestes tratamentos incluem óleos vegetais ricos em ácidos gordos essenciais, que têm propriedades benéficas à cicatrização (Lania et al., 2019).
O tratamento tópico das feridas pode ajudar na reparação dos tecidos estimulando os eventos envolvidos no processo de cicatrização, uma vez que alguns óleos vegetais apresentam atividades: antimicrobiana, anti-inflamatória, antioxidante, promovendo a proliferação celular, aumentando a síntese de colagénio no decorrer do processo de cicatrização. Além disso, estimulam a reconstrução dérmica e reparação da função de barreira lipídica da pele (Poljšak et al., 2020). Entre os óleos vegetais, há o óleo de girassol OG; Helianthus annuus L.) que é amplamente utilizado no tratamento de feridas em vários cenários de cuidados de saúde.
Nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento existem alguns argumentos a favor dos óleos vegetais, como por exemplo, fácil acesso, baixo custo e simplicidade da aplicação na ferida (Das et al., 2017). Embora o OG seja amplamente utilizado por profissionais de saúde e faça parte de protocolos de cuidados, as evidências científicas para apoiar a sua indicação são bastante escassas. Por isso, descobrir o potencial dos medicamentos à base de plantas é uma responsabilidade urgente, desafiante e essencial para o desenvolvimento de novas tecnologias para o tratamento de feridas (Das et al., 2017).
Esta é uma questão complexa devido à diversidade de fatores que interferem com o processo de cicatrização. Portanto, é importante conhecer a ação do OG na proliferação de fibroblastos e a sua atividade contra bactérias, geralmente encontradas em feridas crónicas, uma vez que estas atividades estão diretamente envolvidas no processo de cura. Assim, o objetivo deste estudo é caracterizar o OG e avaliar os efeitos in vitro na proliferação celular e na atividade antimicrobiana.
Enquadramento
A reparação dos tecidos é um processo fisiológico necessário para manter a função protetora da pele após uma rutura na sua integridade. É complexo, altamente regulado e indispensável para a recuperação e manutenção da função de barreira cutânea (Han & Ceilley, 2017). O conhecimento atual do processo de reparação dos tecidos inclui a coagulação, inflamação, proliferação, deposição de colagénio, epitelialização, contração da ferida com formação de tecido de granulação, remodelação e maturação (Cañedo-Dorantes & Cañedo-Ayala, 2019). O processo é iniciado imediatamente após a formação da ferida, com a fase inflamatória. Na fase proliferativa os queratinócitos, fibroblastos e células endoteliais migram para o tecido lesado resultando em epitelialização e formação de tecido de granulação. Na fase de maturação, o colagénio excessivo é degradado por enzimas proteolíticas (Han & Ceilley, 2017).
As feridas agudas são lesões que cicatrizam dentro de um período esperado, enquanto as feridas crónicas são aquelas que passam pelo processo de reparação dos tecidos de forma inadequada por uma série de razões, incluindo condições subjacentes, tais como distúrbios metabólicos e fisiológicos (diabetes, insuficiência vascular, hipertensão, doença renal crónica); além de fatores socioeconómicos e psicossociais (Sen, 2021). O que estas feridas têm em comum é o facto de não progredirem perfeitamente pelas fases da cicatrização, e persistirem na fase inflamatória, mantendo-se incuráveis, apesar do tratamento adequado (Han & Ceilley, 2017). O tempo prolongado de cura faz com que infeções microbianas se tornem recorrentes. Entre as espécies bacterianas geralmente encontradas nestas feridas estão: Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis e Klebsiella pneumoniae (Dydak et al., 2021; Garcia et al., 2021).
No Brasil, produtos farmacêuticos à base de ácidos gordos essenciais, derivados de óleos vegetais, estão amplamente disponíveis, sendo que os principais responsáveis pelo seu efeito terapêutico são os ácidos oleico, linoleico e linolênico, necessários para a manutenção da integridade epidérmica e da barreira hídrica da pele (Lania, et al., 2019; Poljšak et al., 2020). Especialmente o ácido linoleico tem mostrado bons resultados quando aplicado em feridas devido á sua ação na regulação de eventos bioquímicos. Assim, estimula alguns fatores de crescimento celular e, consequentemente, melhora a formação de tecidos de granulação e epitelial. Além disso, os ácidos gordos livres podem romper a barreira lipídica da pele e agir como potenciadores da permeabilidade para outros compostos presentes neles (Poljšak et al., 2020).
O óleo de semente de girassol, composto em grande parte por ácidos linoleico e linolénico, têm sido usados como alternativa para o tratamento de feridas. O OG tem ação na proliferação celular com aumento da síntese de colagénio (Lania et al., 2019), na preservação da integridade do estrato córneo e prevenção da perda de água transepidérmica (Poljšak et al., 2020) além de atividade antimicrobiana (Lin et al., 2017), o que provavelmente explica a dedução sobre a possibilidade de reduzir o tempo de cura das feridas.
É importante mencionar que a qualidade do OG depende principalmente, do método de extração do óleo, das condições de processamento e armazenamento (Rabonato et al., 2017; Castro et al., 2021). Portanto, a composição dos OG presentes no mercado pode variar de acordo com o fabricante.
As duas formas mais utilizadas de extração do óleo são a artesanal e a industrializada. Na artesanal, a produção é feita em pequena escala e o óleo é obtido por prensagem a frio dos grãos, de forma contínua, em seguida é feita a filtração ou decantação com o propósito de separar resíduos. Este processo não requer a utilização de solventes, refino ou altas temperaturas (Rabonato et al., 2017). O método industrial utiliza grãos inteiros que são prensados e depois passam por um processo de extração com utilização de solventes; (Alves et al., 2019). Deste modo, é possível encontrar diferenças significativas na composição de OG disponíveis no mercado, que podem dever-se ao processo de extração, fracionamento ou armazenamento do produto. Estes dois processos de extração visam cumprir normas específicas da indústria alimentar, pelo que não existe qualquer preocupação com as características de qualidade e composição do produto prevista para um insumo medicamentoso.
Questão de Investigação
Quais são os efeitos do OG na proliferação celular e na atividade antimicrobiana in vitro visando o tratamento de feridas?
Metodologia
Trata-se de estudo pré-clínico, in vitro, envolveu etapas de preparação das amostras, caracterização do OG, realização de testes in vitro de proliferação celular e de sensibilidade antimicrobiana.
O OG prensado a frio foi adquirido no mercado brasileiro. Foram preparadas diluições seriadas a partir de uma amostra pura do produto para desenvolver os experimentos de proliferação celular e atividade antimicrobiana.
Os componentes voláteis do OG puro foram identificados por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas, no equipamento HP7820A (Agilent), equipado com detetor por ionização de chamas. Programa de aquisição de dados EZChrom Elite Compact (Agilent). A coluna usada foi a SUPELCOWAX 30m x 0,25mm x 0,25μm (Supelco). Esta análise foi realizada pela Central Analítica do Departamento de Química/Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais.
As condições cromatográficas foram: gradiente de temperatura 120ºC (2 min), 2,5ºC/min até 240ºC; injetor (split de 1/10) a 240ºC e detector a 260ºC. Hidrogênio como gás de arraste (4.0ml/min) e volume de injeção de 2μl. A identificação dos picos foi feita por comparação com padrões de ácidos gordos metilados FAME C14-C22 (Supelco cat no 18917) e com uma mistura de estéres metílicos, contendo dodecanoato de metila, estearato de metila e linoleato de metila. Os resultados foram expressos em percentagem (%) da área dos compostos com relação a área total da amostra.
Foi utilizada uma linhagem de fibroblastos embrionários de ratos (Mouse Embryonic Fibroblasts - MEF) cultivada em meio Dulbecco’s Modified Eagle’s Medium, (Gibco, Califórnia, USA), complementado com Soro Fetal Bovino 10% e 1mg/ml de penicilina/estreptomicina 10% (Gibco, Califórnia, USA). Para o teste de proliferação, 0,85 x 105 células foram cultivadas em placa de 96 poços em DMEM a 37°C, 5% CO2 durante 24 horas. Em seguida as células foram tratadas com 100µg/ml e 10µg/ml de OG, sendo o Soro Fetal Bovino (SFB) 20% utilizado como controlo positivo e o dimetilsulfóxido (DMSO) 50% como controlo negativo. Após 48 horas de incubação a viabilidade celular foi determinada por método colorimétrico de brometo de 3-4,5-dimetil-tiazol-2-il-2,5-difeniltetrazólio (MTT). As culturas foram incubadas com 10μl de MTT por 3h. Após incubação, 100μl de DMSO foram adicionados em todos os poços até a solubilização completa do precipitado. A absorbância foi medida em espectrofotômetro a 570nm. Foram realizadas duas rodadas independentes de experimentos, com 8 repetições técnicas para cada tratamento em cada placa (n = 32) e controlos. O resultado do teste foi dado em densidade ótica (D. O.) e calculada a percentagem de células viáveis em relação ao controlo negativo. Foram apresentados como média + EP (erro padrão da média), submetidos à análise estatística de variância (ANOVA) de uma via, seguido de teste de Tukey. Valores de p < 0,001 foram considerados significativamente diferentes em relação ao controlo negativo. As análises foram realizadas no programa GraphPad Prism 9.0.
As atividades antimicrobianas do OG foram testadas contra cinco estirpes de bactérias frequentemente presentes em infeções de feridas crónicas (Dydak et al., 202; Garcia et al., 2021). Sendo as estirpes padrão gram-negativas: Escherichia coli (ATCC 25723) e Pseudomonas aeruginosa (ATCC 25853) e gram-positivas: Enterococcus faecalis (ATCC 19433), Staphylococcus aureus (ATCC 29213). Estas estirpes foram cedidas pelo Laboratório de Ecologia Fisiologia de Microrganismos do Instituto de Ciências Biológicas. Também foi utilizada a Klebsiella pneumoniae (selvagem/multissensível), cedida pelo Laboratório de Microbiologia do Hospital das Clínicas, ambos da Universidade Federal de Minas Gerias.
Os patógenos foram ativados em ágar BHI (Acumedia®) e incubados por 24h a 37 ± 2ºC. Suspensões bacterianas foram preparadas de forma a corresponderem ao padrão McFarland 0,5 (1x108UFC/ml). A avaliação da atividade antimicrobiana envolveu o teste de disco-difusão e o teste de diluição em caldo.
O teste de disco-difusão em ágar foi realizado conforme Clinical and Laboratory Standards Institute ([CLSI], 2020). Como controlo positivo foram utilizados discos dos antibióticos tetraciclina (Laborclin®; Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Enterococcus faecalis) ou amicacina (Klebsiella pneumoniae) e solução salina 0,85% (S.S.) como controlo negativo. As amostras padronizadas foram espalhadas na superfície do ágar Mueller Hinton, onde foram depositados os discos de papel filtro estéreis de 6mm, impregnados com 10µL de cada amostra. As placas foram incubadas a 37°C durante 24-48h. O diâmetro dos halos de inibição (milímetros) formados ao redor dos discos foram medidos com auxílio de um paquímetro digital e os resultados expressos pela média seguida do desvio padrão.
No teste de diluição em caldo, em placas de 96 poços foram adicionados 100uL de caldo BHI + Tween80 1%, acrescentadas 100uL do OG puro, inóculo bacteriano de 2%, e em seguida incubação a 37°C por 24h. A inibição do crescimento bacteriano foi avaliada por método colorimétrico, descrito por Araújo e Longo (2016). Após 24h de incubação, acrescentou-se 20μL de solução de resazurina (R) sódica 0,01% a cada poço, seguido de incubação a 37°C por 1h. A inatividade bacteriana é verificada pela coloração azul e a atividade é demonstrada pela coloração vermelha. Para confirmar a ação bactericida, ao final do período de incubação uma alçada de cada poço foi estriada em ágar BHI e as placas foram incubadas em condições de crescimento microbiano, de acordo com o CLSI (2020). Como controlo de crescimento foi utilizado caldo BHI+Tween80+inóculo bacteriano; como controlo negativo utilizou-se caldo BHI+Tween80 e como controlo positivo de inibição de crescimento, caldo BHI+Tween80 +inóculo bacteriano+ tetraciclina (Laborclin®) 30μg/mL. Os dois testes foram realizados em amostras triplas.
Resultados
A caracterização do OG foi demonstrada pelo resultado da análise cromatográfica (CG/EM; Tabela 1). A composição da amostra de OG apresentou maioritariamente ácidos gordos insaturados (82,2%), tendo como principais lípidos os ácidos: linoleico (47,8%), oleico (28,7) e linolênico (3,9%); seguidos pelos ácidos saturados (12,70%), palmítico (8,8%) e esteárico (3,6%).
O teste in vitro de proliferação celular mostrou um aumento na proliferação dos fibroblastos tratados com OG nos dois tratamentos em relação ao controlo negativo (DMSO), considerado 100%. A amostra OG 10µg/ml, aparentemente foi mais efetiva que a amostra OG 100µg/ml, entretanto, esta diferença não foi estatisticamente significativa (p > 0,001). Os resultados foram descritos como média da densidade ótica observada ± o erro padrão da média, seguida pela percentagem de células viáveis nos poços de tratamento, sendo a amostra OG 10µg/ml = 0,836 ± 0,045 (87,86 ± 4,71%) e OG 100µg/ml = 0,767 ± 0,027 (72,36 ± 2,55%), em relação ao controlo negativo D.O.= 0,445 ± 0,013. Controlo positivo apresentou D.O.= 1,576 ± 0,155; (Figura 1; p < 0,001).
As experiências relacionadas com a atividade antimicrobiana, realizadas através da técnica de disco-difusão em ágar (Tabela 2) revelaram que o tratamento com OG não foi eficiente para inibir o crescimento das bactérias testadas. Resultados similares foram observados no tratamento com o controlo negativo. O antibiótico utilizado como controlo positivo inibiu o crescimento bacteriano, como era esperado.
Nota: C+ = Controlo positivo (tetraciclina para E. coli, S. aureus, P. aeruginosa, E. faecalis e amicacina para K. pneumoniae); C- = Controlo negativo (solução salina 0,85%); OG = óleo de girassol; n/a = não aparente, DP = Desvio-padrão.
O teste de sensibilidade antimicrobiana utilizando a técnica de diluição em caldo reforçou o resultado anterior obtido pela técnica de disco-difusão. Os poços, contendo amostras de OG, apresentaram coloração vermelha, indicando que não houve inibição do crescimento das bactérias Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Enterococcus faecalis, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae. A Figura 2 apresenta a confirmação deste resultado representado pelo crescimento de colónias de todas as bactérias testadas na placa de BHI.
Discussão
As plantas medicinais em geral têm ocupado posição de destaque dentre as opções para tratar feridas, pois apresentam baixo custo, são facilmente encontradas e poucos eventos adversos (Das et al., 2017; Lordani et al., 2018). Atualmente, o mercado farmacêutico oferece uma multiplicidade de produtos para esta finalidade, no entanto menos de 3% estão presentes nas farmacopeias ocidentais como agente de cura. Pelo menos um terço destes insumos são obtidos a partir de plantas (Lordani et al., 2018). Entre eles, o óleo de girassol tem sido descrito como cicatrizante de feridas, sendo amplamente utilizado na prática clínica dos serviços de saúde no Brasil (Lania et al., 2019). No entanto, os seus efeitos ainda não estão bem estabelecidos pela falta de estudos robustos de forte evidência.
O óleo de girassol usado na alimentação apresenta alto teor de ácidos gordos monoinsaturados e poli-insaturados, especialmente os ácidos linoleico e oleico Castro et al., 2021; Rabonato et al., 2017). No presente estudo esta maior composição percentual também foi verificada. A análise cromatográfica do óleo permitiu identificar a presença de graxos insaturados (82,20%), maioritariamente os ácidos linoleico (47,8%), oleico (28,70) e linolênico (3,9%); seguidos pelos saturados (12,70%) ácidos palmítico (8,8%) e esteárico (3,6%). Estes resultados mostraram-se aproximados com os de outros estudos, assim como os resultados obtidos na pesquisa realizada com óleos comestíveis em Bangladesh, que analisou amostras de óleo de girassol (n = 5), soja (n = 3), palma (n = 3), mostarda (n = 5) e coco (n = 6). A cromatografia também foi a técnica utilizada para a avaliação e mostrou que o óleo de girassol continha a maior percentagem de ácidos gordos mono e poliinsaturados de cadeia longa (91,49 ± 1,91 %) comparado com os demais óleos (Chowdhury et al., 2007).
Um estudo recente analisou as composições de ácidos gordos de 21 óleos vegetais comerciais adquiridos no mercado local, incluindo o óleo de girassol e comparou-os com um produto comercial de referência para o tratamento de feridas no Brasil (Dersani®). Por meio da CG/EM identificou-se que, em ácidos gordos mais abundantes encontrados nos óleos vegetais foram: caprílico (10,45% ± 0,07%), cáprico (5,8% ± 0,75%), láurico (45,63% ± 0,93%), mirístico (16,33% ± 2,23%), o linoleico (ómega 6; 57,09% ± 8,47%) e oleico (ómega 9; 52,94% ± 12,54%). Os autores concluíram que o perfil foi semelhante ao do produto de referência que apresentava os ácidos: cáprico (18,8% ± 0,8%), caprílico (17,4% ± 0,4%), palmítico (3,8% ± 0,0%), esteárico (2,7% ± 0,0%), linoleico (ómega 6; 28,1% ± 0,5%) e oleico (ómega 9; 27,5% ± 0,5%) (Alves et al., 2019). Entretanto, quando é analisado especificamente o ácido linoleico (ómega 6), observa-se que no OG puro (64,1 ± 7,2) a percentagem da composição total foi bastante diferente do produto referência, assim como o neste estudo em que se destacou o linoleico (ómega 6; 47,8%).
Os autores relacionam a composição dos óleos vegetais com as suas propriedades relacionadas à cicatrização de feridas. No OG os ácidos gordos mais abundantes responsáveis pelo seu efeito terapêutico são os ácidos oleico, linoleico e linolênico (Lin et al., 2017). Assim, optou-se neste estudo pela realização do teste de proliferação celular, cujos resultados evidenciaram que o OG10µg/ml (87,86%) e o OG 100µg/ml (72,36%) induziram mais a proliferação dos fibroblastos em relação ao controlo negativo (DMSO). Especialmente com a amostra OG10µg/ml foi obtida uma maior percentagem de células viáveis. Por conseguinte, foi confirmado o benefício do OG para o tratamento de feridas nas concentrações testadas. No entanto, é preciso considerar que na prática clínica não existe uma padronização da composição do OG, que pode comprometer o resultado no tratamento de feridas in situ.
Foi realizado estudo em animais com feridas cutâneas de 6mm, produzidas no dorso de 30 ratos e tratadas topicamente com OG (ácidos gordos essenciais), óleo mineral ou solução salina. Constatou-se que OG induz a produção local de citocinas, como IGF-1, leptina, IL-6 e IFN-(, entretanto, apresentou resultado de cicatrização de feridas mais lento. Foram necessários 7,2 dias para atingir 25% da área cicatrizada e cerca de 10 dias para atingir 50% da área total cicatrizada. Não houve diferença na densidade de colagénio entre os animais tratados com óleo mineral e OG. Os autores afirmam que outros estudos são necessários para avaliar a segurança do tratamento e possíveis efeitos indesejáveis, considerando que o óleo é amplamente utilizado para diminuir o tempo de cicatrização das úlceras (Lania et al., 2019).
É possível afirmar que a análise dos resultados positivos da proliferação de fibroblastos, comparados com o controlo negativo obtidos no estudo, em conjunto com os resultados da cicatrização de feridas do estudo em modelo animal é fonte de conhecimento para reflexão. Considerando que os enfermeiros devem adotar condutas baseadas em ética e evidências científicas, tendo em conta os resultados, questiona-se a fragilidade do respaldo científico à utilização do OG no tratamento das feridas crónicas dos pacientes atendidos nos serviços de saúde pelos profissionais da prática clínica.
Os testes de atividade antimicrobiana realizados no estudo não demonstraram a inibição do crescimento das bactérias sob o efeito do OG, ao contrário de alguns estudos citados na literatura. Um destes estudos verificou que 0,2 mg/ml de OG era a concentração inibitória mínima contra Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus, 3,2 mg/ml inibiam o crescimento da Saccharomyces cerevisiae e 6,4 mg/ml impediam o crescimento da Escherichia coli e Candida albicans. Os dados mostram a atividade antibacteriana e antifúngica do OG (Liu et al., 2020). De maneira similar, em outro estudo realizado na Índia, as sementes secas do girassol foram moídas até o estado semi-pulverizado e cerca de 250g do pó foram extraídos pelo método com solvente. A atividade antimicrobiana máxima do óleo foi confirmada contra bactéria Escherichia. coli e fungos Trichophyton rubrum e Cândida albicans com valores de concentração inibitória mínima variando de 0,62 a 40 mg/ml (Tabassum & Vidyasagar, 2014).
Além destes estudos, Silva et al. (2021) avaliaram a atividade antimicrobiana do OG. Foi utilizado o método de disco difusão, e os resultados do teste mostraram medidas dos halos de inibição de 9mm para a bactéria Staphylococcus aureus, 11mm para Enterococus faecalis e 12mm para Klebsiella pneumoniae, o que mostra uma ação antimicrobiana pelo OG. Tal estudo sugere que o OG pode ser promissor na prevenção de infeções e restauração da pele (Silva et al., 2021). No entanto, estes resultados não foram unânimes entre os estudos. Estes achados podem estar relacionados com a composição química das amostras analisadas neste estudo, já que alguns dos seus constituintes tiveram proporções diferentes dos óleos apresentados nas outras pesquisas. Este facto reforça a necessidade de que na prática clínica haja padronização da composição química dos OG usados para tratar feridas.
Os resultados deste estudo podem estar relacionados com a composição do produto ou ao tipo de girassol do qual o óleo é derivado. O OG pode ser obtido por processos produtivos distintos a partir de sementes parcialmente descascadas (Liu et al., 2020). A qualidade e a estabilidade do óleo são os principais fatores considerados no momento da produção, aceitação e comercialização. Esses processos são influenciados pela presença de alguns componentes, como ácidos gordos livres, tocoferóis, fosfolípidos, traços de metais e ceras, que possuem propriedades pró ou antioxidantes (Rhazi et al., 2022). Alguns óleos vegetais podem apresentar alterações químicas se armazenado por muito tempo. Este facto foi confirmado pelo estudo que avaliou a qualidade do OG, comercial e extraído a frio. As análises químicas do OG foram feitas utilizando as variáveis: índices de iodo, de peróxido, de acidez e percentagem de ácidos gordos livres. Este estudo mostrou que o processo de extração, o processamento industrial e as condições do armazenamento podem comprometer a qualidade dos produtos (Castro et al., 2021).
Por ser um estudo pré-clínico, no modelo in vitro, a pesquisa apresenta algumas limitações. No tratamento de feridas crónicas exige-se dos enfermeiros o raciocínio clínico na tomada de decisão, considerando que os estudos clínicos com OG ainda são limitados. Este é um tema bastante complexo devido à multiplicidade de fatores envolvidos na cicatrização de feridas. Por isto mesmo, devem ser considerados estudos que forneçam informações e contribuam para o esclarecimento de novas possibilidades de tratamento.
A busca pelo conhecimento deve levar à criação de alguns ensaios clínicos para comparar a efetividade do OG com outros agentes antimicrobianos utilizados na prática clínica. Além de aprofundar as análises sobre o efeito do OG na redução da carga bacteriana e no processo de cicatrização. Em conjunto, os resultados demonstram a necessidade de novos estudos que investiguem a ação dos OG disponíveis no mercado, inclusive aqueles considerados como produto para a saúde tidos como referência para tratamento de feridas.
Conclusão
A composição do OG apresentou alta concentração de ácidos gordos insaturados, teve efeito na proliferação celular, considerando o controlo negativo, e ausência de atividade antimicrobiana. As conclusões podem estar relacionadas com a composição química e o seu efeito, conforme a formulação utilizada. A colonização bacteriana apresenta um desafio contínuo no tratamento e na cicatrização de feridas cutâneas. A translação dos resultados para respaldar a utilização do OG no tratamento de feridas na prática clínica deve ser realizada de forma cautelosa. Por isso, novos estudos são necessários para amparar o uso do óleo no tratamento de feridas em humanos.