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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.53 Lisboa mar. 2017

https://doi.org/10.23906/ri2017.53r01 

RECENSÃO

O processo de tomada de decisão em política externa e de defesa na EU

O papel do sistema de comités da pesc/pcsd

 

Antonino Castaldo

NICOLA CHELOTTI. The Formulation of EU Foreign Policy: Socialization, Negotiations and Disaggregation of the State. Londres, Routledge/UACES, Contemporary European Studies, 2016, 201 páginas.

 

O livro de Nicola Chelotti representa uma contribuição importante para a literatura sobre a política externa da União Europeia (UE). A fim de possibilitar uma melhor compreensão do processo interno de tomada de decisão em sede de Política Externa e de Segurança Comum e Política Comum de Segurança e Defesa (PESC/PCSD) da UE, o autor foca a sua atenção no sistema de comités da PESC/PCSD, amplamente reconhecido como o ponto fulcral do processo decisório do Conselho da União Europeia em matéria de relações externas. Em particular, Chelotti debruça‑se, ainda que não exclusivamente, sobre as opiniões e perceções dos diplomatas da PESC/PCSD.

Algumas das questões mais relevantes levantadas pela literatura são abordadas e discutidas de forma convincente pelo livro de Nicola Chelotti, como, por exemplo:

«a) Quais as identidades dos diplomatas nacionais que participam nas negociações? Estes diplomatas são defensores do seu interesse nacional ou desenvolvem identidades supranacionais?

  1. b) Quais as práticas e estilos de negociação na pesc/pcsd? As questões são definidas em conjunto ou partem de posições definidas previamente?
  2. c) Quem define a posição nacional? Serão os Estados‑Membros responsáveis pela definição e os negociadores em Bruxelas meros agente(s)?» (p. 3).

A principal fonte de dados empíricos foi um questionário enviado a todos os representantes nacionais que participam em comités da PESC/PCSD: foram preenchidos 138 questionários, o que representa uma taxa de resposta de 36 por cento. Além disso, foram realizadas 37 entrevistas com representantes nacionais.

O livro é composto por uma introdução, em que são apresentados tanto o tema principal como as questões de pesquisa; seis capítulos – os dois primeiros debruçando‑se sobre teoria e os restantes empíricos – e a conclusão. O capítulo 1 descreve a estrutura da PESC/PCSD, centrando‑se no seu processo formal de tomada de decisão, bem como nos resultados dos seus mecanismos decisórios. São ainda apresentados os atores principais e os seus poderes relativos: Comissão, Parlamento, Tribunal de Justiça, Conselho Europeu, Conselho da União Europeia, alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e o Serviço Europeu para a Ação Externa. Segue‑se uma análise mais profunda do Conselho da União Europeia (em particular no que diz respeito a relações externas) em que é discutida a sua estrutura. Finalmente, o capítulo explica por que razão os comités e grupos da PESC/PCSD constituem, em conjunto, o órgão de decisão mais importante da PESC/PCSD.

O capítulo 2 explora as duas principais abordagens teóricas que são normalmente utilizadas para analisar o processo de tomada de decisão da PESC/PCSD: uma abordagem intergovernamental e outra institucional, muitas vezes referidas como intergovernamentalismo supranacional ou deliberativo. A ênfase é colocada nos vários mecanismos subjacentes à lógica destas duas abordagens. A última parte do capítulo fornece o quadro conceptual para os quatro capítulos empíricos subsequentes.

No capítulo 3, o autor passa para a análise empírica, apresentando dados sobre os diplomatas nacionais que participam nos comités da PESC/PCSD. Explora os seus métodos de trabalho, os seus perfis, a formação que lhes foi ministrada pelos estados‑membros e as suas experiências de trabalho anteriores, debruçando-se em particular sobre onde desenvolveram a sua carreira (no estrangeiro ou em contextos nacionais). O capítulo olha em seguida para as estratégias que os estados‑membros adotam na nomeação de representantes nacionais para os grupos e comités do Conselho: se selecionam diplomatas com uma experiência ampla em assuntos europeus e/ou internacionais, ou se nomeiam técnicos com um currículo doméstico substancial e um conhecimento profundo das prioridades nacionais.

O capítulo 4 explora as ligações entre os representantes que participam dos comités do Conselho e as capitais nacionais, analisando como e por quem a posição nacional é preparada e negociada. O capítulo discute o papel que os representantes nacionais desempenham em relação aos governos nacionais, mostrando quão complexa é a formulação de uma posição nacional. Uma das conclusões mais interessantes do capítulo é que os representantes que participam na elaboração das políticas do Conselho não só representam as políticas nacionais ditadas pelas suas capitais, como contribuem também em grande medida para determinar a posição nacional. «O Estado foi desagregado duas vezes: do executivo político para a administração burocrática e das capitais para as representações permanentes em Bruxelas» (p. 173). A análise revela igualmente que existe uma variação substancial no que diz respeito ao controlo por parte das capitais sobre os seus negociadores em comités do Conselho, utilizando regressões Probit, juntamente com entrevistas aprofundadas, para explicar essa variação. As variáveis são encontradas e testadas a nível individual (anos em serviço, experiência no Conselho) e do Estado (federalismo, europeísmo, poderio militar), sendo que o número de anos em serviço surge como o fator mais relevante para explicar a liberdade dos representantes nacionais nos comités do Conselho.

O capítulo 5 analisa a forma como os representantes nacionais interpretam o seu papel nos comités do Conselho. De modo a medir a orientação do papel supranacional frequentemente assumido pelos representantes nacionais, são empregues tanto a estatística descritiva como a análise fatorial. Porém, ainda que muitos funcionários nacionais revelem uma orientação europeia, os dados mostram que a perspetiva nacional é também frequente entre os diplomatas que trabalham nos comités PESC/PCSD. O resto do capítulo procura explicar a variação na adoção de ambas as conceções deste papel. Regressões lineares múltiplas são empregues para testar hipóteses extraídas da teoria da socialização, do institucionalismo e do intergovernamentalismo. A principal conclusão é a forte correlação entre a atitude supranacional dos representantes nacionais e o tempo de serviço nos comités do Conselho.

O capítulo 6 analisa o ponto de vista dos diplomatas no que diz respeito aos estilos e práticas de negociação no processo decisório da PESC/PCSD. A análise mostra que, em muitas questões, regista‑se uma convergência permanente de posições na política externa da UE, permitindo que os estados‑membros definam, com frequência, posições comuns. Métodos de estatística descritiva e informações recolhidas através de entrevistas qualitativas mostram que mudanças de posição são uma característica relativamente frequente na política externa e de defesa da UE. O que acontece quando os pontos de vista dos estados-membros entram em conflito? O capítulo mostra como são resolvidas as disputas, por que razão e através de que táticas e práticas de negociação. Quais são os resultados das negociações? O resultado mais provável é que vença a vontade de um dos estados mais poderosos, ou que se decida pelo menor denominador comum entre os interesses dos estados‑membros. Finalmente, a fim de explicar os fatores por detrás da variação de estilos e práticas de tomada de decisão, o capítulo especula sobre a importância de variáveis explanatórias a nível contextual (tipo de comité), estatal (poder, europeísmo, modelo democrático) e individual (margem de manobra, identidade).

A conclusão do volume resume sucintamente os principais resultados do estudo, discutindo‑os à luz de diferentes debates na ciência política e nos estudos europeus. Em termos gerais, quais são os pontos fortes e fracos deste livro? No que diz respeito aos primeiros, as suas contribuições teóricas e empíricas são muito valiosas. A contribuição teórica assenta em dois aspetos principais. Em primeiro lugar, o livro reconstrói de forma explícita nas suas várias secções teóricas, e testa em seguida, o processo de tomada de decisão da PESC/PCSD. Como é feita a política externa e de defesa da UE? A fim de responder a esta pergunta crucial, ainda que abstrata, dois tipos‑ideais são identificados e discutidos em todos os seus passos lógicos: o intergovernamentalismo puro e o intergovernamentalismo supranacional. Em segundo lugar, o livro também contribui para refinar os elementos teóricos e identificar os limites do intergovernamentalismo supranacional. Esta abordagem tem permanecido um pouco vaga, e os mecanismos teóricos por detrás da sua interpretação do processo de tomada de decisão da PESC/PCSD nem sempre foram especificados de forma cabal pela literatura. No que se refere à contribuição empírica do livro, destacam‑se três aspetos. Em primeiro lugar, o uso de métodos quantitativos é inovador para a análise da política externa da UE, e pouco comum também no estudo das negociações internacionais em geral. Em segundo lugar, isto permite também uma visão mais sistemática e abrangente das atividades do sistema de comités da PESC/PCSD, com provas mais precisas e representativas do seu processo de tomada de decisão. Em terceiro lugar, o livro fornece dados originais e inovadores para a literatura sobre a PESC/PCSD relativos a várias questões: por exemplo, mostra que muitos diplomatas têm identidades pró-europeias enquanto que um número igualmente alto mantém uma identidade nacional, e explora diversas variáveis para explicar esta variação; apresenta dados sobre a frequência, detalhe e clareza do mandato nacional (para os diplomatas em Bruxelas) e defende que a margem de manobra dos delegados nacionais não depende necessariamente das características do Estado, mas sim de fatores individuais.

Se, como mencionei acima, o uso de métodos quantitativos representa uma clara inovação neste campo de pesquisa, ele pode ao mesmo tempo ser visto como uma desvantagem. Na verdade, a dependência face a questionários quantitativos parece ser um pouco excessiva. Embora as 37 entrevistas qualitativas atenuem parcialmente este problema, a inclusão de alguns estudos de caso teria contribuído de forma decisiva para demonstrar os mecanismos causais e as dinâmicas fundamentais no processo de tomada de decisão. Além disso, e com o mesmo objetivo, poderiam ter sido incluídos exemplos políticos mais específicos para ilustrar certas dinâmicas na política externa, juntamente com mais algumas entrevistas, em especial com representantes nas capitais nacionais. Finalmente, o papel de outros atores envolvidos na definição da política externa, como, por exemplo, a Comissão ou o Serviço Europeu para a Ação Externa, deveria ter sido explorado de forma mais aprofundada.

No cômputo geral, The Formulation of EU Foreign Policy: Socialization, Negotiations and Disaggregation of the Stateé um contributo importante para a literatura sobre as relações externas da UE. Empiricamente rica, com uma abundância de argumentos perspicazes e convincentes, é uma leitura recomendada para qualquer estudioso da política externa da UE.

 

TRADUÇÃO: JOÃO REIS NUNES

 

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