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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.27 no.2 Lisboa jun. 2019
CASO CLÍNICO
Tacícula invertida após redução de epifisiólise do rádio proximal - Caso clínico
Susana ÂngeloI; João CabralI; Pedro Sá CardosoI; Vítor PinheiroI; Oliana TarquiniI
I. Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - CHUC, EPE, Coimbra. Coimbra.
RESUMO
As lesões Jeffery tipo2 correspondem a epifisiólises do rádio proximal com angulação superior a 90º relativamente à metáfise radial. O tratamento deste tipo de epifisiólise deve ser a redução aberta.
Os autores descrevem um caso clinico de tacicula radial invertida após redução fechada de uma epifisiólise do rádio proximal e fazem uma breve revisão da literatura.
Palavras chave: Lesão Jeffery tipo2, tacicula radial invertida, epifisiólise, crianças.
ABSTRACT
Jeffery type 2 lesions correspond to an epiphysiolysis of the proximal radius with angulations greater than 90° in relation to the radial metaphysis. The treatment of these epiphysiolysis should be open reduction.
The authors describe a case of reversed radial head after closed reduction of a proximal radius epiphysiolysis and make the literature review about this issue.
Key words: Jeffery type 2, reversed radial head, epiphysiolysis, children.
INTRODUÇÃO
As fracturas da tacícula radial com desvio são relativamente incomuns nas crianças1,2. Estas fracturas correspondem a epifisiólises do rádio proximal e angulações superiores a 90º em relação à diáfise do rádio, lesão tipo 2 de Jeffery, descrita pela primeira vez em 1950, representam um importante factor de risco para o insucesso da redução fechada. A redução fechada nestes casos pode levar à imperceptível reversão de 180º da tacícula radial, com consequências severas na funcionalidade do membro superior1,3.
A abordagem destas lesões permanece controversa com a incidência de resultados insatisfatórios entre os 15 e os 33%3; mas a maioria dos autores defende a redução aberta da epifisiólise do rádio proximal como o Gold Standard3,4,5,6,8,9,10.
Os autores descrevem um caso clínico de tacícula invertida após redução fechada de uma epifisiólise do rádio proximal e fazem uma revisão da literatura.
CASO CLÍNICO
Descreve-se o caso de um menino, de 12 anos de idade, admitido pela urgência com dor e impotência funcional no cotovelo direito, após queda da própria altura sobre a mão em extensão, durante um jogo de futebol. Apresentava recusa à mobilização e derrame articular. Sem défices vasculares ou neurológicos. Observou-se fratura-epifisiólise da tacícula radial na radiografia, com descoaptação completa e angulação de 90° lesão tipo 2 de Jeffery (Figura 1). Sob anestesia geral e com controlo fluroscópico, procedeu-se a redução fechada com manobra de Patterson. Obteve-se alinhamento da tacícula radial e congruência radiocapitelar com estabilidade da redução. Por suspeita de inversão da tacícula radial numa das imagens de fluoroscopia, decidiu-se realizar TC ao cotovelo. Foi realizada imobilização braquipalmar provisória. A TAC confirmou redução invertida da tacícula radial (Figura 2).
Decorridas 24 horas após redução fechada, foi realizada redução aberta por abordagem de Kocher e fixação interna com encavilhamento elástico retrógrado (extremidade da cavilha afilada) e dois fios de kirschner percutâneos (Figura 3). Imobilizou-se com gesso braquipalmar. Teve alta após 24 horas orientado para a consulta externa onde retirou a imobilização e os fios de kirschner às 4 semanas, tendo iniciado mobilização ativa progressiva do cotovelo.
Aos 3 meses pos-operatório, sem limitação para as atividades de vida diárias, sem dor. Mantendo evicção desportiva.
Após 6 meses da cirurgia, mantinha-se sem queixas clínicas e sem limitações.
Radiograficamente já apresentava sinais de esclerose e irregularidade da fise do radio proximal, mantendo alinhamento da tacícula. Clinicamente sem dor ou limitação das mobilidades articulares do cotovelo e antebraço, sem dor a palpação da tacícula radial ou região radial do punho distal mas com ligeiro atrito no cotovelo à pronossupinação do antebraço. E teve indicação para iniciar a prática desportiva de forma progressiva (Figura 4).
Aos 11 meses pós-operatório foi realizada extração da cavilha elástica, sem intercorrências. Mantendo-se assintomático e a praticar desporto (guarda-redes de futebol de 11) (Figura 5).
DISCUSSÃO
Jeffery, em 1950, classificou as fracturas da tacícula radial em dois tipos: tipo 1 - lesões com inclinação lateral da tacícula radial; tipo 2 - lesões com desvio do tacícula de 90º em relação à diáfise. Num estudo retrospectivo de 450 fracturas da tacícula radial em crianças, identificou 2 casos de epifisiólise da tacícula com desvio do fragmento proximal de 90º, lesões de Jeffery tipo 2. As lesões de Jeffery tipo 1 resultam de queda sobre a mão em extensão com consequente valgização forçada do cotovelo, em que o capitelum é empurrado contra a tacícula radial; o tratamento consiste na redução fechada da tacícula (manobra de Patterson)1,3,4.
As lesões de Jeffery tipo 2 resultam de queda sobre a mão com luxação posterior do cotovelo e redução espontânea; durante a redução a tacícula radial é decapitada pela interposição do capitelum "bottle opener effect"1.
O Quadro 1, resume os casos clínicos de lesões tipo 2 de Jeffery descritos na literatura, a abordagem inicial, o tratamento e os resultados obtidos.
Todos os casos descritos na literatura de lesão Tipo 2 de Jeffery necessitaram de redução aberta; a redução fechada destas lesões levou em todos os casos à inversão de 180? da tacícula radial, complicação descrita pela primeira vez também por Jeffery em 19501, podendo esta má redução passar despercebida e atrasar a redução anatómica da tacícula (Quadro 1).
A redução fechada ao levar à completa inversão da tacícula condiciona lesão da cartilagem, disrupção da vascularização restante e destruição das inserções ligamentares da tacícula radial1,2. Após redução aberta da tacícula e de acordo com a estabilidade intra-operatório poderá ser necessário fixar ou não a epífise, os métodos de fixação descritos na literatura são: suturas reabsorvíveis ou encavilhamento retrógrado do rádio pela técnica de Metaizeau5,6,7.
Quando a epífise proximal é completamente desviada da diáfise do rádio, alguma perda de mobilidade é expectável mesmo que seja realizada uma redução anatómica imediata, a pronossupinação é a mais afectada. Outras complicações frequentes são: encerramento precoce da fise do rádio proximal e necrose avascular da epifise com perda do contorno arredondado da tacícula radial.
Em relação ao caso clínico apresentado, optou-se como abordagem inicial a redução fechada sob anestesia geral. Após esta manobra e analisando as imagens radiográficas os cirurgiões tiveram dúvidas se a cabeça radial estava anatomicamente reduzida. Como tal, a fim de não proceder a uma redução aberta sem ter certeza de que a epífise estaria invertida ou não, optaram pela realização prévia de uma TC. A epífise invertida foi confirmada, o que vai de encontro com a literatura limitada sobre o assunto - a probabilidade de redução invertida após redução fechada é muito alta. Assim, procedeu-se à redução aberta e fixação interna da tacícula radial.
CONCLUSÃO
As lesões tipo 2 de Jeffery são lesões raras, e quando o tratamento escolhido é a redução fechada o risco de reversão de 180º da tacícula radial é muito elevado. Estas lesões devem ser tratadas por redução aberta, e mesmo com a redução anatómica precoce complicações como encerramento precoce da fise do rádio proximal e necrose avascular da tacícula radial são frequentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conflito de interesse:
Nada a declarar.
João Cabral
Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - CHUC, EPE
Avenida Afonso Romão
3000-600 COIMBRA
Telefone: 91 843 66 94
pinheiro.vhugo@gmail.com
Data de Submissão: 2018-11-24
Data de Revisão: 2019-01-10
Data de Aceitação: 2019-01-10