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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.20 no.1 Porto jun. 2024  Epub 31-Jul-2024

https://doi.org/10.4000/120df 

Introdução ao dossier temático

“Por que trabalhamos? Olhares sobre a atividade”: apresentação do dossier

“¿Por qué trabajamos? miradas sobre la actividad”: presentación del dossier

"Pourquoi travaillons-nous ? Regards sur l'activité": présentation du dossier

“Why do we work? Perspectives on activity”: presentation of the dossier

Manuella Castelo Branco Pessoa1 
http://orcid.org/0000-0003-3523-8708

Thaís Augusta de O. Máximo2 
http://orcid.org/0000-0002-5062-1548

Tatiana de Lucena Torres3 
http://orcid.org/0000-0001-6274-1929

1 Universidade Federal da Paraíba (UFPB), CCHLA/UFPB, Universidade Federal da Paraíba Campus - Jardim Cidade Universitária, João Pessoa - PB, Brasil. manucastelobranco2@gmail.com

2Universidade Federal da Paraíba (UFPB), CCHLA/UFPB, Universidade Federal da Paraíba Campus - Jardim Cidade Universitária, João Pessoa - PB, Brasil. thaisaugusta@gmail.com

3 Universidade Federal da Paraíba (UFPB), CCHLA/UFPB, Universidade Federal da Paraíba Campus - Jardim Cidade Universitária, João Pessoa - PB, Brasil. tltorres2@gmail.com


1. OEncontro Internacional sobre o Trabalho - EITA

Este dossier tem como objetivo compartilhar e divulgar reflexões apresentadas por pesquisadoras e pesquisadores em conferências e mesas temáticas realizadas no Encontro Internacional sobre o Trabalho - EITA, evento científico internacional e pluridisciplinar, ocorrido em 2022 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) na cidade de João Pessoa-PB, Brasil. O evento foi promovido pelo Grupo de Pesquisas Subjetividade e Trabalho (GPST/ UFPB), com apoio dos seguintes parceiros: o Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos (LabTrab/UFMG); o Centre de Recherche sur le Travail et le Développement (CRTD/CNAM); o Laboratoire Interdisciplinaire de Sociologie Économique (LISE); a Association Internationale de Psychologie du Travail de Langue Française; a Association Française de Psychologie du Travail et des Organisations (AFPTO); a Société d’Ergonomie de Langue Française (SELF); e o Groupe d'Études Sur le Travail Et la Santé au travail (GESTES).

O EITA reuniu em sua edição de 2022 três eventos simultâneos: o 2° Simpósio Franco - América Latina “Subjetividade e Trabalho”; o 5° Simpósio Internacional TAS “Trabalho, Atividade e Subjetividade”; e o 3° Colóquio Internacional de Psicossociologia do Trabalho. E a proposta que os associou foi de explorar e colocar em discussão o trabalhar e suas dimensões históricas, sociais, econômicas, políticas, éticas e existenciais. Chamou-se atenção também para o trabalho real, a partir da contextualização e dos desafios que envolvem a sua realização.

É indispensável lembrar que este encontro de João Pessoa se inscreveu no seguimento do que decorreu em Havana, em 2018, e que foi também objeto de um dossier da Laboreal (Lhuilier & Lacomblez, 2019). Dando continuidade então aos debates de 2018, foi possível avançar na discussão das profundas transformações pelas quais os mundos do trabalho têm passado, promovendo diálogos instigantes sobre os sentidos do trabalho e seu papel na sociedade, diferenças culturais e socioeconômicas que o permeiam, o aprofundamento das desigualdades sociais decorrentes das relações de classe, gênero e raça/etnia, entre outras temáticas que atravessam essa discussão.

2. Diálogos estimulados pelo encontro de diferentes campos de saberes

Assumiu-se neste evento que o trabalho não se coloca como um processo de puras prescrições, execução de mera técnica, mas envolve escolhas e mobilizações que solicitam dos trabalhadores e trabalhadoras questionamentos e tomadas de decisões, tanto individual quanto coletivamente. Algumas abordagens nos campos da Ergonomia e da Psicologia do Trabalho partem dessa perspetiva, do abismo existente entre o prescrito e o real, entre o que está dado em termos de normativas e regras, e o que os trabalhadores de fato conseguem efetivar, partindo da gestão de si, dos meios e dos recursos de que dispõe, dos saberes coletivos e dos valores para desenvolver/realizar o seu trabalho (Clot, 2010; Dejours, 2022; Guérin et al., 2001; Schwartz & Durrive, 2016).

Assim, se por um lado, nos estudos apresentados no evento, foi chamada a atenção para os elementos de saúde e desenvolvimento nas relações entre as pessoas e o trabalho, por outro também se evidenciou relações de exploração e dominação, limitando frequentemente as ações de trabalhadores e trabalhadoras, provocando/produzindo sentimento de impotência e limitações à ação (Bernardo et al., 2015). Com essa abordagem, diferentes campos de saberes foram convocados ao longo do evento, dentre os quais: a psicologia, a sociologia, a ergonomia, a ergologia, as ciências sociais, as ciências da saúde, o direito, a história, a psicanálise, as ciências administrativas, a educação, a arte, a antropologia - tendo participado mais de 500 pessoas com submissão de 330 trabalhos, entre várias modalidades.

Este dossier da Laboreal, obviamente, não pretende nem pode dar conta do vasto número de contribuições e dos debates que animaram essas jornadas. Contudo, os artigos aqui apresentados revelam a riqueza e a diversidade das abordagens que aí se encontraram. Aliás, os textos agora editados sob o formato de artigo, integram as análises que os seus autores desenvolveram na sequência do evento, precisamente a partir da dinâmica do diálogo pluridisciplinar criado.

Este dossier expressa deste modo como as reflexões que advieram e se enriqueceram no EITA agora se expandem, ecoando e se configurando como um registro histórico e patrimônio intelectual que passará a constituir uma referência essencial no campo dos estudos sobre a atividade de trabalho - abrangendo as temáticas diversas que trouxeram pesquisadoras e pesquisadores, professoras e professores de referência do Brasil, da América Latina e da Europa: particularmente, como iremos constatar, questões relacionadas à saúde, ao sentido do trabalho, às novas formas de trabalho e às relações de solidariedade ante à precarização crescente do trabalho.

3. Uma diversidade em oito textos

Os oito textos que publicamos agora se repartem em quatro artigos e também quatro textos redigidos a partir das conferências.

3.1. Quatro artigos

Os artigos abrangem situações diversas, desde o processo formativo de trabalhadoras e trabalhadores no contexto do trabalho em saúde, até a atividades pré-capitalistas como a pesca, o trabalho informal e o trabalho invisível de cuidado. As perspetivas teóricas são igualmente distintas, embora compartilham da necessária abordagem do trabalho real, transformando e intervindo sobre contextos concretos de trabalho.

O artigo que abre o dossier, “Uma análise da atividade de formação no PET-Saúde: enriquecendo a experiência profissional em saúde a partir do debate sobre as emoções no trabalho”, de autoria de Cristiane Lisbôa da Conceição e Cláudia Osório da Silva, nos revela a importância da formação no processo de acesso ao ofício e a atividade de trabalho, utilizando como aporte teórico a Clínica da Atividade para proporcionar o desenvolvimento de um saber coletivo dos trabalhadores pelas trocas de aprendizagens.

No segundo artigo, “Análise sistémica da atividade e finalidades do trabalho nos sectores pesqueiro e agrícola”, Fabienne Goutille e seus colegas exploram as tensões sistêmicas históricas nos setores agrícola e da pesca, nos levando a refletir sobre como as transições ecológicas, as tensões entre a produção artesanal e industrial desafiam esses fazeres, exigindo uma reavaliação das relações de poder. E o quadro concetual da teoria histórico-cultural da atividade sustenta este estudo dos fenómenos sistémicos, cultural e historicamente situados, que pesam sobre as pessoas em atividade.

Quanto ao terceiro artigo, de autoria de Juliana Lopes da Silva e Leonardo Araújo Lima, “A Psicologia Social do Trabalho como perspetiva de pesquisa: focalizando vivências no trabalho informal”, este demonstra, a partir dos casos de carregadores de caminhão que atuam na cidade de Sorocaba (São Paulo, Brasil) e de domésticas-diaristas que vivem em Fortaleza (Ceará, Brasil), como a Psicologia Social do Trabalho (PST), pelas suas intersecções teóricas e metodológicas, sustenta uma prática social voltada para os trabalhadores e trabalhadoras.

Finalmente, o texto intitulado “O cuidar da mãe como um trabalho invisível: a atividade de mães de crianças com microcefalia sob a lupa da ergologia”, de Jéssika Sonaly Vasconcelos Barbosa-de-Melo, Fábio de Oliveira e Eduardo Breno Nascimento Bezerra, conclui esta rubrica dos artigos deste dossier. Aqui o objetivo central foi de melhor compreender as atividades de trabalho doméstico e de cuidado desenvolvidas por mulheres mães de crianças com a síndrome congênita de Zyca vírus, também conhecida como microcefalia. À luz da Ergologia, e tensionando a perspectiva do trabalho do cuidado e da divisão sexual do trabalho, os autores revelam a exaustiva carga de trabalho desempenhada por essas mulheres, exigindo um saber-fazer que se constitui a partir de práticas históricas individuais e coletivas.

3.2. Os textos que emergiram das quatro conferências

As conferências realizadas no EITA abriram momentos mobilizadores de reflexão para a problematização dos mundos do trabalho e suas transformações. Encontram-se aqui sistematizadas e retrabalhadas pelas suas autoras, dessa vez no formato de texto. E como forma de rememorar o EITA, optamos por seguir a ordem da sua programação, com estudiosas que representam a Europa e a América Latina, reproduzindo assim a essência do evento.

Dominique Lhuilier abriu o evento, convidando a atentar aos propósitos do trabalho, sua intensificação e seus impedimentos. Defende por isso aproximar-nos das experiências de vida e dos possíveis conflitos de propósitos que podem levar a uma reavaliação do significado da vida e do trabalho. Assim, se coloca como crucial ultrapassar a ideia de trabalho unicamente associado ao emprego, remetendo-o ao desenvolvimento pessoal, territorial, social e ambiental, bem como às questões éticas e políticas.

Marianne Lacomblez nos brinda em seguida com seu olhar cuidadoso sobre os usos da noção de subjetividade na análise da atividade de trabalho. A autora chama a atenção para o uso frequentemente indiscriminado da noção de subjetividade nas produções científicas que se ancoram na temática, relacionando a discussão de modelos teórico-metodológicos e de intervenção, e os encontros com os saberes experienciais.

Andrea Pujol nos convoca a pensar as dinâmicas coletivas em experiências de trabalho precário. Com esse texto embarcamos em dois exercícios analíticos, o primeiro referente ao conceito de informalidade na construção do pensamento social latino-americano, e o segundo, em uma reflexão sobre os múltiplos significados do coletivo nessas experiências, trazendo uma gama de estudos valiosos que têm sido realizados por seu grupo de pesquisa.

E, finalmente, a conferência de Leny Sato que evoluiu para um texto de autoria de Leny Sato, Cris Andrada, Egeu Esteves e Juliana Nóbrega, propõe uma reflexão acerca do cenário de desigualdade social no Brasil, e como este promove implicações à saúde e à subjetividade de trabalhadores e trabalhadoras. Ao analisar quatro investigações empíricas, à luz da Psicologia Social do Trabalho, nos fazem refletir sobre como as relações de trabalho são construídas, as formas de resistência à precarização do trabalho e da vida, lançando o argumento pela importância de regulamentar o trabalho associado como forma de garantir direitos trabalhistas.

4. Garantir o desafio dos debates

Da mesma forma que o EITA proporcionou, ainda em 2022, no cenário de pós pandemia de Covid-19, vários encontros, debates, inquietações e mobilizações entre os estudiosos e profissionais do trabalho que puderam estar connosco, esperamos que este dossier, lançado quase dois anos após a sua realização, contribua com o avanço da sistematização do conhecimento em torno do trabalho humano, dando espaço para a multiplicidade de olhares teórico-metodológicos que dialogam perante os vários e complexos modos de vida e de trabalho que se apresentam para nós na atualidade.

Por que trabalhamos? Essa é uma pergunta que seguimos em busca de responder. Mas para tal, não há uma única resposta. As respostas são múltiplas e representam os vários olhares, metodologias, perspetivas e vozes que constituem este universo. Uma única certeza temos, a de que o trabalho está sempre em processo de transformação, e que se constitui um grande desafio para nós pesquisadoras e pesquisadores, acompanharmos e estarmos atentas e atentos a esse movimento, bem como aos impactos que esses movimentos geram na vida em sociedade, nas relações, nos fazeres, nos saberes, na subjetividade e na saúde de trabalhadores e trabalhadoras. O desafio desse debate segue vivo, uma vez que o terceiro evento, no seguimento deste, terá lugar em Santiago, no Chile, em novembro de 2025.

Referências Bibliográficas

Bernardo, M., Souza, C., Pinzón, J., & de Souza, H. (2015). A práxis da psicologia social do trabalho: reflexões sobre possibilidades de intervenção. In M. Coutinho, O. Furtado, T. Raitz (Orgs.), Psicologia social e trabalho: perspectivas críticas (pp. 16-39). Edições do Bosque. [ Links ]

Clot, Y. (2010). Trabalho e poder de agir. Fabrefactum. [ Links ]

Dejours, C. (2022). Trabalho vivo II. Blucher. [ Links ]

Guérin, F., Laville, A., Daniellou, F., Duraffourg, J., & Kerguelen, A. (2001). Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. Edgard Blücher. [ Links ]

Lhuilier, D., & Lacomblez, M. (2019). Subjetividade e trabalho: entre mal-estar e bem-estar - apresentação do dossier.Laboreal, 15(2). https://doi.org/10.4000/laboreal.15294 [ Links ]

Schwartz, Y., & Durrive, L. (Orgs.) (2016). Trabalho e ergologia II: Diálogos sobre a atividade humana. Fabrefactum. [ Links ]

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