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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.2 Lisboa jun. 2018

 

ARTIGO ORIGINAL

Síndrome de nutcracker: uma patologia rara e subdiagnosticada? A nossa experiência, revisão da literatura e proposta de uma nova classificação anatómica da síndrome de nutcracker

Nutcracker syndrome: a rare and underdiagnosed pathology? Our experience, review of the literature and proposal of a new anatomical classification of nutcracker syndrome

Miguel Machado1, Rui Machado1,2, Daniel Mendes2, Rui Almeida1,2

 

1Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar— Universidade do Porto

2Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário do Porto

 

Autor para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: Avaliar a nossa experiência no tratamento da síndrome de Nutcracker, rever a literatura e propor uma nova classificação anatómica para o síndrome.

Introdução: A síndrome de Nutcracker (SNC) pode resultar da compressão da veia renal esquerda (VRE) pela pinça forma­da pela artéria mesentérica superior e a aorta, denominada síndrome de Nutcracker anterior (SNCA) ou mais raramente resultar da compressão da VRE ,entre a aorta e a coluna lombar, quando esta tem um trajecto retro-aórtico, denominada síndrome de Nutcracker posterior (SNCP). A associação das duas anomalias pode ocorrer quando existe uma drenagem venosa circunaórtica (SNCM). A prevalência da SNC é desconhecida, mas parece ser rara e estar sub diagnosticada.

Material e Métodos: Uma analise retrospectiva descritiva caso a caso foi realizada baseada nos registos clínicos e imagiológi­cos relacionados com sete doentes diagnosticados com a síndrome de Nutcracker no período entre Janeiro-2011 e Março-2017 no Centro Hospitalar do Porto. O diagnóstico foi efectuado baseado na suspeita clínica, depois da exclusão de etiologias mais comuns da sintomatologia apresentada e pela observação imagiológica de uma estenose hemodinamicamente significativa da drenagem venosa renal na tomografia computorizada. Foram estudados sete doentes 57,1% (4 doentes ) do sexo feminino ,com uma idade media de 21,7 anos e 85,7% na segunda ou terceira década de vida . O SNCP foi diagnosticado em 42,9% (3 doentes ), o SNCA em 28,6% (2 doentes ), o NCSM em 14,3% (1 doente ), e a compressão de uma veia cava inferior esquerda , na pinça forma­da pela artéria mesenterica superior e pela aorta quando ela cruza para a direita em 14,3% (1 doente ).O sintoma mais comum foi a hematúria macroscópica (71,4%), seguida pela dor no flanco desencadeado pelo exercício físico (28,6%) e a síndrome de congestão venosa pélvica em 14,3%. Três doentes foram submetidos a cirurgia, tendo dois realizado um auto-transplante renal na fossa ilíaca esquerda e um doente realizou uma angioplastia com stenting ílio-cava esquerdo. Um dos doentes que realizou auto-transplante renal foi submetido a uma nefrectomia por trombose da veia renal. Os restantes quatro doentes foram subme­tidos a tratamento conservador e vigilância clínica. Após um follow-up médio de 2,7 anos, cinco doentes estão completamente assintomáticos, um teve um episodio isolado auto-limitado de hematúria e um tem uma proteinúria assintomática.

Discussão /Conclusão: O diagnóstico da SNC pode ser efectuado em qualquer idade mas particularmente na segunda e terceira décadas de vida e é referido ser mais frequente no sexo feminino. Na nossa experiencia observamos uma rela­ção sexo feminino/masculino de 1.3, com uma elevada proporção de SNCP (42,9%). Este revelou-se o tipo mais comum, contrariando a literatura publicada que refere ser o SNCA o mais frequente, estando apenas descritos 19 casos de SNCP até ao ano de2017. Observamos também um quarto tipo anatómico de SNC (compressão da VCI pela pinça aorto-mesenté­rica causando hipertensão venosa renal), a que chamamos outro tipo anatómico de SNC, propondo uma nova classificação anatómica para a síndrome. Uma abordagem clínica conservadora de wait and see diminuiu a necessidade de intervenção cirúrgica para 42,9% dos doentes. A escolha do auto-transplante como terapêutica de eleição, deveu-se à nossa longa e boa experiencia em transplantação renal com mais de 2500 transplantes realizados. A nefrectomia realizou-se por via laparoscópica para reduzir a agressividade cirúrgica e melhorar o conforto pós operatório. No transplante tivemos em atenção a tensão na veia renal, que não deve existir, já que esta pode condicionar a sua trombose ao provocar uma este­nose anastomótica. Apesar dos bons resultados publicados com o stenting da veia renal, nós mantemos alguma reserva e não a consideramos como primeira escolha.

Palavras-chave: Síndrome de Nutcracker, Fenómeno de Nutcracker, transplante renal, auto transplante renal.

 

ABSTRACT

Objective: Evaluate our experience with treated patients with the diagnosis of Nutcracker Syndrome, literature review and proposal of a new classification for the Nutcracker Syndrome

Introduction: The Nutcracker syndrome (NCS) can result from the left renal vein (LRV) compression between the supe­rior mesenteric artery and the aorta (Anterior NCS), or more rarely by compression of the LRV between the aorta and the lumbar vertebra when the vein passes behind the aorta, (posterior NCS). The association of the two anomalies can occur when a circunaortic renal vein exists. The prevalence of NCS is unknown, but it appears to be rare and under diagnosed.

Methods and Materials: A retrospective descriptive analysis case by case, based on the clinical and imagiological records related to seven patients diagnosed with Nutcracker Syndrome, in the period between January-2011 and March-2017, in our center . The diagnosis was made by clinical suspicion, after exclusion of other more common etiologies, and the observation of a significant hemodynamic stenosis of the venous kidney drainage by computed tomography. We observed 7 patients, 57,1% (4 patientes) females, with a mean age of 21,7 years with 85,7% in their second or third decade of life. Posterior NCS were observed in 42,9% (3 patients), anterior NCS in 28,6% (2 patients), antero-posterior NCS in 14,3% (1 patient), and compression of a left side vena cava by the aorta when it crosses to right side in 14,3% (1 patient). The most common symptom was macroscopic hematúria (71,4%), followed by flank pain exacerbated by exer­cise (28,6%) and congestion pelvic syndrome in 14,3%. Tree patients were submitted to surgery, two were treated with a renal auto transplant and one a left ilio-caval stenting. One patient submitted to an auto transplant necessitated a nephrectomy secondary to a renal venous thrombosis. The other four patients followed a conservative management and surveillance. After a mean follow-up of 2,7 years, five patients were asymptomatic, one had a self-limited haematuria episode, and another kept asymptomatic proteinuria.

Discussion/Conclusion: The diagnosis of NCS can be made at any age, particularly in the second and third decade of life and is reported to be more frequent in females. In our experience we observed a female/male ratio of 1,3, and a high proportion of posterior NCS (42,9%). The posterior NCS type was the most common type of NCS, going against the litera­ture that reports only 19 cases since 2017. We describe a fourth type of Nutcracker Syndrome, that we call other anatomic type of NCS and we propose a new anatomical classification of NCS. A policy of wait and see, decreased the necessity of surgery to near one half of the patients (42,9%). The choice of renal auto transplant was due to our long and good expe­rience in kidney transplantation, with more than 2500 cases done. The nephrectomy was done by laparoscopy to reduce the invasiveness, and we should pay attention to the tension of the renal vein, as it can result in thromboses as was one of our cases. Despite the recent reports of good results with stenting of the renal vein, we keep concern about the durability of the stents in this young population and it isn't our first choice.

Keywords: Nutcracker Syndrome, Nutcracker Phenomenon, Kidney transplant, Kidney auto transplant

 

INTRODUÇÃO

O Fenómeno de Nutcracker (FNC), também conhecido como entrapment da veia renal esquerda (VRE), resulta da sua compressão na forquilha formada pela AMS e a aorta, ou pela compressão entre a aorta e a coluna vertebral, quando a VRE tem um trajeto retro aórtico. Esta compres­são condiciona o desenvolvimento de uma hipertensão venosa a nível renal e ou pélvico que poderá condicionar, em face da sua gravidade, manifestações clínicas. Shin JI et al (1) enfatizam que este efeito compressivo nem sempre está associado a sintomas clínicos, e que esta anatomia poderá ser uma variante do normal.

Quando este fenómeno anatómico condiciona o aparecimen­to de sintomas, deve adquirir o nome de Síndrome de Nutcrac­ker (SNC). Não existe consenso sobre que tipo de sintomas são suficientemente severos para merecerem a designação de síndrome ou se as diferentes observações representam fases evolutivas do mesmo processo. A existência de outros entrapment venosos associados, nomeadamente a nível ilíaco, poderá agravar a sintomatologia Machado M et al.(2)

A compressão da VRE entre a aorta e AMS foi descrita, pela primeira vez, em 1950 por El Sadr e Mina,(3) tendo sido atribuí­do a De Schepper,(4) em 1972, o termo Nutcracker, embora ele tenha sido utilizado primeiramente, em 1971, por Chait et al.(5)

Na literatura publicada observa-se uma subdivisão da SNC em três tipos:

1- a variante anterior refere-se à compressão da veia renal, pela pinça formada pela aorta e artéria mesentérica supe­rior, sendo o tipo mais comum. Menos frequentemente, a terceira porção do duodeno, que se situa em frente à VRE, poderá também ser comprimida, originando uma síndrome conhecida como Síndrome de Wilkie.(6)(7)(8)(9)(10)(11)

2- a variante posterior refere-se à compressão da VRE anormalmente localizada entre a aorta e a coluna lombar. A localização retro aórtica da veia renal é rara, 1% a 3,4% (12) na população e, até 2011, apenas haviam sido descritos 11 casos de SNC posterior.(13)(14)(15)(16)

3- a variante mista refere-se à coexistência de um sistema venoso circunaórtico, anterior e posterior ,tendo este uma frequência na população, entre 6 a 8,7%.(12) Nesta síndro­me existe, em simultâneo, uma compressão da VRE ante­rior, pela pinça aorto-mesentérica, e da VRE posterior, pela aorta e corpo vertebral.

As teorias que tentam justificar o SNC incluem uma ptose renal posterior, uma posição da VRE alta ou uma origem distal da AMS.(17)(18)(19)(20) A compressão da VRE também pode ocorrer por neoplasia pancreática, linfadenopatias para­-pórticos, tumores retroperitoneais, tecido fibrolinfático ou volumosos aneurismas da aorta para-renal.(10)(21)(22)(23)

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo observacional, envolvendo 7 doentes diagnosticados com a SNC, no perío­do de Janeiro-2011 a Março-2017, no Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital de Santo António − Centro Hospitalar do Porto.

Os dados foram analisados através da estatística de frequências, procedendo-se a uma análise descritiva apli­cada caso a caso, dada a reduzida dimensão da amostra.

 

RESULTADOS

As tabelas 1 e 2 reportam as características clínicas, imagiológicas, tratamentos e resultados obtidos nos doentes com SNC.

 

 

 

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A prevalência exata da SNC é desconhecida, sendo consi­derada uma entidade clínica rara, contudo, recentemente, um número crescente de casos tem sido publicado.

A síndrome pode ser diagnosticada em qualquer idade, mas parece ser mais frequente na segunda e terceira década de vida, já que na puberdade, dá-se um rápido crescimento e maturação dos corpos vertebrais, com uma possível dimi­nuição do ângulo entre a aorta e a AMS. Um segundo pico de prevalência na mulher de meia-idade é descrito.(24) por causas não explicáveis.

A história natural do FNC e da SNC é desconhecida, pare­cendo estar ambos sub-diagnosticados. O seu diagnóstico baseia-se, em primeiro lugar, no conhecimento da síndro­me, num alto grau de suspeição clínica, e na avaliação imagiológica do doente. Destaca-se a importância da reali­zação de uma história clínica e exame físico rigorosos(24) que alertam para os sintomas mais comuns, a sua evolução, o grau de compromisso funcional e possível compensa­ção com o tempo. Para excluir condições mais comuns, a realização de um hemograma, exame urinário com cultu­ra microbiológica e exame citológico, ureterocistoscopia, urografia e, por vezes, biópsia renal, são exames frequen­temente realizados.

A manifestação clínica mais comum da SNC é a hematúria, que resulta da rotura da fina parede septal que separa as pequenas veias do sistema colector no fórnix renal.(25)

Os trabalhos histológicos realizados por MacMahon e Latorraca,(26) Pytel(27) e Low e Matz(28) demonstraram a existência de canais diretos que comunicavam o lúmen dilatado dos sinusóides venosos e os cálices renais, sendo estes canais revestidos, em parte, por endotélio e em parte por epitélio de transição. A hematúria pode variar de micro a macro-hematúria dependendo da gravidade da hipertensão venosa, ocasionalmente provocando anemia e necessidade de transfusão sanguínea. No passado, esta síndrome era considerada uma causa rara de hematúria mas há estudos que revelam que pode ser responsável por 33,3% das hematúrias isoladas da criança.(29)

A segunda manifestação mais comum é a dor, localizada no flanco ou no abdómen, por vezes com irradiação para a face medial da coxa ou região nadegueira, sendo esta exacer­bada pela marcha, posição sentada ou ortostática.

Uma outra manifestação clínica é a proteinúria. Embora o seu mecanismo etiológico não esteja completamente definido, a hipertensão venosa associada a uma agressão imune discreta tem sido sugerida.(30)

A congestão venosa pélvica na mulher é outra das mani­festações clínicas, estando associada a sintomas como dismenorreia, dispaneuria, disúria, dor pélvica e varizes vulvares, e no homem ao varicocelo esquerdo , tendo sido reportada em 5,5% dos doentes e estando relacionada com o desenvolvimento da circulação colateral compensa­tória(31) A VRE poderá estar comprimida entre 50 a 100% de todos os doentes com varicocelo.(5)(32)

A história natural do FNC e da SNC é desconhecida, pare­cendo estar ambos sub-diagnosticados. O seu diagnóstico baseia-se, em primeiro lugar, no conhecimento da síndro­me, num alto grau de suspeição clínica, e na avaliação imagiológica do doente.

O ecodoppler é o exame de eleição na avaliação inicial, referindo-se uma sensibilidade e especificidade entre 78 a 100% .(33)

A tomografia computorizada (TC) e a ressonância magné­ tica nuclear (RMN) demonstram claramente a compressão da VRE mas não definem padrões hemodinâmicos, como a velocidade e a direção do fluxo. Permitem, contudo, definir o ângulo entre a aorta e a AMS que é normalmente próxi­mo dos 90º (figura 1) e no SNC normalmente inferior a 35º, avaliar o espaço envolvente da veia renal esquerda e a sua compressão permitindo definir LRV ratio (Hilar diame­ter to aorto mesenteric diametrer) que se for superior a 4,9 tem uma especificidade de 100% e a observação na região aorto-mesentérica da compressão e o “beak sign” que apresenta a maior acuidade diagnostica no SNC, ou a compressão da VRE na posição retro aórtica (figura 2)(34)

 

 

 

 

A flebografia permite a demonstração da estenose e a determinação do gradiente de pressão entre a VRE e a VCI. O gradiente de pressão normal é inferior a 1mmHg e vai depender da eficácia da circulação colateral, sendo que Nishimura refere um gradiente >= 3 mmHg(35) como anómalo. Contudo, não há um claro acordo sobre o valor a partir do qual a SNC deva ser diagnosticada,(17)(36)(37) tendo Beinart et al(38) demonstrado que o gradiente reno-cava, em pessoas saudáveis, variava entre 0 e 1mmHg.

O tratamento da SNC é controverso, variando entre o trata­mento conservador e a nefrectomia, dependendo este da sintomatologia do doente e da experiência do Cirurgião e da Instituição Hospitalar na realização de cirurgia conven­cional, endoscópica, robótica ou endovascular.

Alguns autores referem uma taxa de remissão sintoma­tológica espontânea até 75%, em doentes com menos de 18 anos de idade e com um follow-up de 2 anos. No caso de manutenção sintomatológica, ao fim de dois anos, a terapêu­tica cirúrgica deve ser considerada nos indivíduos com menos de 18 anos de idade e, ao fim de seis meses nos adultos.

A cirurgia mais realizada foi a transposição da VRE, realiza­da pela primeira vez por Stewart et al,(36) e que envolve a secção da VRE junto à sua inserção na VCI e a sua reanas­tomose a um nível mais distal. Alguns doentes, apesar do sucesso desta cirurgia, mantêm hematúria, atribuída à persistência de conexões entre os sinusoides venosos dilatados e os cálices renais e, consequentemente, neces­sitam de efetuar tratamento cirúrgico complementar .(40)

O autotransplante renal é uma técnica mais invasiva, mas, com a realização da nefrectomia por via laparoscópica, e se existir grande experiência em cirurgia de transplante renal especialmente de dador vivo, é uma técnica apelativa com bons resultados publicados, sendo esta a técnica de elei­ção no nosso Serviço.(41)

A cirurgia endoscópica representa um avanço no caminho da cirurgia minimamente invasiva, havendo casos descri­tos de transposição da VRE(42) e de pontagem espleno-re­nal(43) realizados com esta técnica, contudo esta é comple­xa e exige muita experiência. A laparoscopia assistida por robot no tratamento da SNC tem sido limitada a relatos de casos clínicos, sendo necessários mais estudos para avaliar os seus resultados e a relação custo-eficácia.

A cirurgia endovascular tem vindo a substituir progressi­vamente a cirurgia convencional no tratamento da doen­ça vascular, nomeadamente no sector venoso. O primeiro caso de um stenting numa SNCA foi efetuado, em 1995, por Neste MG et al.(44) Chen S et al(45) referem a resolução sinto­mática, em 59 de 61 doentes tratados com stenting, refe­rindo uma melhoria dos padrões hemodinâmicos, uma taxa de complicações baixa e ausência de trombose . O stent ideal deve ter uma força radial elevada, boa conformabili­dade e pouca retração em comprimento para permitir uma colocação precisa. Os stents mais usados são os auto-ex­pansíveis e devem ser colocados desde a primeira bifurca­ção venosa distal para minimizar o risco da sua migração. O SNCP tem sido referido como uma contraindicação para stenting. A trombose da VRE após stenting pode ocorrer mas é rara , devido ao alto fluxo existente nesta veia e à produção endógena renal de uroquinase.

O tratamento do SNC posterior coloca problemas adicio­nais, nomeadamente pela falta de segurança na colocação de um stent num espaço exíguo, entre a coluna vertebral e a aorta, o que poderá levar à erosão da parede aórtica e criar uma fístula artério-venosa de alto débito.(46)

Na nossa experiência a SNC é uma entidade clínica rara corro­borando o trabalho de Rudloff et al,(24) que numa revisão da lite­ratura, em 2006, encontrou apenas quatro publicações com mais de oito casos clínicos. Contudo, têm sido publicadas recen­temente séries com um número elevado de doentes tratados com stenting da veia renal, nomeadamente na China.(45)

Na nossa série, observamos que 57,1% dos doentes eram do sexo feminino, a idade média foi de 22 anos, tendo 85,7% menos de 30 anos, com um IMC médio de 23,2. Em relação à etiologia, observamos um predomínio da SNCpos­terior (42,9%), contrariando o publicado na literatura, em que a SNCanterior é a mais frequente. Ananthan K et al(47) referem que, em 2017, apenas haviam sido descritos 19 casos de SNCposterior na literatura. Observamos um novo tipo anatómico de SNC, em que uma VCI esquerda recebe a VRE, sendo a VCI comprimida entre a AMS e a aorta, a que apeli­damos de outras formas anatómicas. Assim, propusemos uma nova classificação do SNC: SNC anterior, SNC posterior, SNC misto e SNC de outras formas anatómicas (tabela III).

 

 

O tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnósti­co foi de 1,4 anos, sendo as manifestações clínicas mais comuns a hematúria macroscópica (71,4%), seguida pela hematúria macroscópica associada a dor lombar induzida pelo esforço (28,6%). Todos os doentes realizaram angio­-TC abdomino-pélvico que confirmou a compressão venosa.

A terapêutica médica expectante com vigilância clínica permitiu a redução da terapêutica cirúrgica para 42,9% dos casos, sendo dois doentes submetidos a auto trans­plante renal e um a stenting ílio-cava. O auto transplante renal foi a terapêutica de eleição preconizada para esta síndrome, estando de acordo com o defendido por outros autores, como Ali-El-Dein B. et al,(14) Shokeir AA et al(20) e Chuang CK et al,(48) embora com um pequeno número de doentes tratados (figura 3).

 

 

A idade jovem dos doentes, a ausência de conhecimen­tos sobre a durabilidade e comportamento deste tipo de stenting a longo prazo associado à excelente experiência no auto transplante, levaram à sua não realização, neste grupo de doentes jovens, contrariando a tendência recen­temente publicada na literatura.

Com um follow-up médio de 2,7 anos, 71,4% (5 doentes) dos doentes mantiveram-se completamente assintomáti­cos, 14,3% (1 doente) teve um episódio único de hematú­ria macroscópica que regrediu espontaneamente, e 14,3% (1 doente) manteve uma proteinúria assintomática.

Estes resultados validam a atitude terapêutica realizada (tratamento sintomático associado a vigilância clínica), reservando a intervenção cirúrgica para as situações que não resolvem espontaneamente.

 

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*Autor para correspondência

Correio eletrónico: miguelvbmachado@gmail.com (M. Machado).

 

Recebido a 13 de janeiro de 2018

Aceite a 07 de junho de 2018

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