Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Gestão Costeira Integrada
versão On-line ISSN 1646-8872
RGCI vol.15 no.2 Lisboa jun. 2015
https://doi.org/10.5894/rgci543
ARTIGO / ARTICLE
Dinâmica de uso da terra e alterações na linha de costa lagunar: estudo em uma Colônia de Pescadores de Pelotas, RS, Brasil*
Land use and lacustrine shoreline changes: the case of a Fishing Village in Pelotas, RS, Brazil
Tatiane Oliveira Delamare1; Adriano Luís Heck Simon@,1; Simone Emiko Sato2
@Corresponding author, to whom correspondence should be addressed.
1Universidade Federal de Pelotas, Instituto de Ciências Humanas (ICH/UFPel), Laboratório de Estudos Aplicados em Geografia Física (LEAGEF), Rua Alberto Rosa, 154, sala 105, Centro, Pelotas, RS, 96010-770 Brasil. e-mails: Delamare <tatianesvp@hotmail.com>; Simon <adriano.simon@ufpel.edu.br>
2Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI), - FURG, Avenida Itália, km 8, Carreiros, 96201-900, Rio Grande, RS, Brasil. e-mail: <s.e.sato@furg.br>
RESUMO
As zonas costeiras marítimas e lagunares estão submetidas a um intenso processo de ocupação espacial que precisa ser compreendido e monitorado para subsidiar planos de gestão costeira. Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de analisar as alterações na linha de costa lagunar da Colônia de Pescadores Z3 – Município de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, decorrentes da dinâmica da cobertura e uso da terra ao longo de um período de 57 anos (1953 e 2010). Para a operacionalização do trabalho foram elaborados mapas da cobertura e uso da terra e morfohidrográficos dos cenários de 1953 e 2010 e um mapa comparativo da linha de costa. Trabalhos de campo foram realizados a fim de compreender as alterações verificadas nos mapeamentos. A partir da análise e interpretação dos resultados pode-se concluir que as alterações ocorridas no segmento da Laguna dos Patos, onde está inserida a Colônia Z3, estão diretamente relacionadas ao processo de urbanização e à atividade econômica da pesca, abrangendo: (1) a retilinização e transposição de cursos de água; (2) o aterramento de segmentos da laguna para a construção de estradas e a destinação de lotes para habitações e (3) a criação de atracadouros para os barcos de pesca. Estas intervenções alteraram significativamente as características da linha de costa da Colônia Z3 e tiveram reflexos em sua morfodinâmica. Tal situação está em desacordo com a Constituição Federal Brasileira, que estabelece que a Zona Costeira é um patrimônio nacional, e sua utilização deverá ocorrer na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Palavras-chave: Sistemas costeiros; Ocupação espacial; Alterações ambientais.
ABSTRACT
The formation of these lagoon bodies started in the Tertiary period, with the first cycles of sea advances and retreats resulting from glaciations, which rework on the sediments of the continental shelf leading to the formation of sandy barriers which isolated the flooded continental area, forming a new coastline with the predominance of fluvio-lacustrine morphodynamics. The lagoon coastal zones, as well as the sea ones, are submitted to an intense process of spatial occupation and the environmental changes complied to land use dynamics need to be understood and monitored to subsidize plans of coastal management. Taking this into consideration, this work was developed with the purpose of analyzing the changes in lacustrine shoreline of Z3 Fishing Village Z3 – City of Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, deriving from land use/cover dynamics during a period of 57 years, between the years of 1953 and 2010. The concept of land cover and land use adopted in this research is based on the definitions used by IBGE (2006; 2013b) which defines land cover as the elements of the nature: vegetation, water, ice, bare rocks, sand and similar surfaces, while land use is related to the group of social-economic activities. For the implementation of the work, land use/cover and morphohydrographic maps were elaborated for the scenarios of 1953 and 2010 and a comparative map of the lacustrine shoreline, starting from the data of the two scenarios was developed. The cartographic documents of the scenario of 1953 were organized based on the interpretation of tridimensional digital anagliphs obtained from panchromatic aerial photographs with approximate scale of 1:40.000. The 2010 scenario maps were elaborated based on the screen interpretation of a satellite image from the sensor AVNIR-2 (ALOS system) with 10 meters of spatial resolution. The geo-referencing, interpretation and vectorization of the angliphs information and the satellite image were carried out in the software ArcGis 10.0 environment, where the lacustrine shoreline comparative map was also elaborated, from the overlapping of the lagoon coastlines in the two analyzed periods. Finally, field works were carried out in order to enable the understanding of the changes found in the mappings. The lacustrine environment where the Z3 Fishing Village is located presents peculiar characteristics resulting from a process of spatial occupation, among which stand out the straightness of the watercourses, the grounding of lagoon segments for the construction of roads and lots for housing, besides the implementation of small ports for fishing boats. These interventions changed the Z3 Village shoreline characteristics significantly, modifying its morphodynamics. The data obtained through land use/cover maps from 1953 and 2010 corroborated for the understanding of such changes in the coastline, highlighting as positive the maintenance of forest areas which act as barrier to contain erosion in coastal environments as well as it keeps the pedogenetic characteristics. Another highlight is the growth or the urban area which occurred in an unbalanced way on the components of the physical-environmental system. The changes that took place in the hydrography of the Fishing Village were also intense, as the straightness and the grounding of drainage canals changed the characteristics of water drain in the area, increasing the the swamp areas, which ended overlapping other land covers thus changing the area vegetal composition. From the analysis and interpretation of the results, it can be concluded that the changes which occurred in the Patos Lagoon segment, where the Z3 Village is located, were intense and directly related to the process of urbanization and the fishing economic activity. As most sea or lagoon coastal environments, there was no adequate planning for the spatial occupation in the Z3 Village. Such situation is in disagreement with the Brazilian Federal Constitution which establishes that the Coastal Zone is a national heritage and its usage should occur according to the Law, under the conditions which assure the preservation of the environment including the usage of natural resources.
Key words: Lacustrine coastal zones; Spatial occupation; Environmental changes.
1. Introdução
As zonas costeiras constituem a interface entre continente, atmosfera e oceano, sendo consideradas como áreas com uma dinâmica peculiar entre os elementos naturais e socioeconômicos. Essas zonas foram as primeiras a receber núcleos de povoamento durante a colonização e descoberta do Novo Mundo, por proporcionarem um melhor fluxo de mercadorias via transporte marítimo, garantirem a proteção do território, além de possibilitar a obtenção de alimentos por meio da pesca (Tessler & Mahiques, 2000).
De acordo com Moraes (2007: 21), “cerca de dois terços da humanidade habitam as zonas costeiras, localizando-se a beira-mar a maior parte das metrópoles contemporâneas”. O litoral transformou-se em palco das inter-relações entre a sociedade e a natureza, sendo que ambos atuam diretamente ou indiretamente na dinâmica espacial desses sistemas (Sato & Cunha, 2013). Estas interações complexas e nem sempre harmônicas originam alterações ambientais onde muitas vezes os elementos naturais não conseguem reverter os processos de degradação de diferentes magnitudes desencadeados pela ação antrópica (Amorin & Oliveira, 2009).
Estes danos podem ser caracterizados pela retirada de material do perfil praial, dragagens, construção de residências em áreas de dunas, alteração nos canais fluviais, terraplanagem de morros e remoção da cobertura vegetal, que terminam por alterar significativamente as características naturais de determinada linha de costa (Marino & Freire, 2013; Conway & Nordstroma, 2003).
O Brasil possui um litoral com aproximadamente 8.000 km de extensão, sendo banhado pelo Oceano Atlântico e por corpos lagunares com dimensões significativas. As diferentes condições climáticas, geomorfológicas e biogeográficas contribuem para a organização de uma zona costeira que se alterna entre praias, mangues, recifes, baias e estuários (Cunha & Guerra, 2010).
O Rio Grande do Sul é o estado mais meridional do território brasileiro e possui um litoral com aproximadamente 630 km de extensão, localizado entre a Barra do Chuí (33° 44' S; 53° 22’ W), ao sul, e a desembocadura do Rio Mampituba (29° 19' S; 49° 42' W), ao norte. Conforme Rambo (1994), o litoral do Rio Grande do Sul possui o aspecto de uma linha uniforme, inarticulada e pouco sinuosa. Neste litoral se encontram os maiores lagos do país, com destaque para a Lagoa Mirim e a Laguna dos Patos.
As zonas costeiras lagunares representam 13% do litoral mundial, dos trópicos até os pólos. No Brasil não é diferente: essas áreas representam a menor porção do litoral brasileiro e são pouco estudadas no que tange a morfodinâmica e as condições de impacto ambiental decorrentes do processo de ocupação espacial.
Os processos de organização do espaço que ocorrem nas regiões costeiras lagunares constituem um assunto de grande interesse aos geógrafos, pois a compreensão da interação do homem com os sistemas naturais é necessária para entender as relações de dinâmica e alteração das paisagens, visto que as intervenções humanas implicam e modificam as dinâmicas naturais. As zonas costeiras marítimas e lagunares sofreram intenso processo de urbanização, entretanto ainda são escassos os estudos voltados para compreensão da ocupação humana em ambientes lagunares. Assim, as alterações ambientais vinculadas à dinâmica da ocupação e uso da terra e suas relações com a alteração da linha de costa precisam ser compreendidas e monitoradas para subsidiar planos de gestão voltados à preservação e manutenção dos ambientes costeiros (Bird, 1985).
Diante destas considerações iniciais, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de analisar as alterações na linha de costa lagunar da Colônia de Pescadores Z3 – Município de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, decorrentes da dinâmica da cobertura e uso da terra ao longo de um período de 57 anos, entre os cenários de 1953 e 2010. O conceito de cobertura e uso da terra adotado nesta pesquisa tem por base as definições utilizadas pelo IBGE (2013b), que compreende a cobertura da terra como os elementos da natureza: vegetação, água, gelo, rocha nua, areia e superfícies similares, enquanto que o uso da terra está relacionado ao conjunto de atividades socioeconômicas.
1.1. Área de estudo
A Colônia de Pescadores Z3 se localiza às margens da Laguna dos Patos, no 2º distrito do município de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil (Figura 1). A Colônia Z3 foi fundada em 29 de junho de 1921 e possui uma população de 3.166 habitantes, que vivem principalmente da pesca e da agricultura (IBGE, 2013a).
O processo de formação da Colônia de Pescadores Z3 se iniciou com a vinda de famílias oriundas de cidades como Piratini, Rio Grande e Tapes (todas localizadas na porção sul do Estado do Rio Grande do Sul). Grande parte dessas famílias se deslocou para essa área buscando uma melhor condição de vida através da pesca e da agricultura.
Após esta fase, iniciou-se um segundo período de migração com a vinda de famílias do Estado de Santa Catarina, visando também à pesca. Nesse mesmo período teve início a migração de habitantes da Ilha da Feitoria (próxima da Colônia Z3) e por fim, com o enfraquecimento da economia de Pelotas, devido ao desemprego causado pelo fechamento das indústrias de conserva de doces a partir de 1990, muitas famílias das zonas periféricas da cidade migraram para a Colônia Z3 numa tentativa de melhoria de vida e de sustento através da pesca. Atualmente, famílias ainda deixam bairros de Pelotas para habitar a Colônia.
O segmento da Planície Costeira onde se localiza a Colônia de Pescadores Z3 está inserido na Unidade Geomorfológica da Planície Lagunar, onde predominam processos fluviais e, sobretudo, lacustres (IBGE, 1986). A formação dos corpos lagunares presentes no litoral do Rio Grande do Sul teve início no final do período Terciário, com os primeiros ciclos de transgressão e regressão marinha ocasionados pelas glaciações. Ocorreram quatro ciclos deposicionais denominados de Sistema Laguna-Barreira, os quais, durante os processos de transgressão e regressão, retrabalharam os sedimentos da plataforma continental ocasionando a formação de barreiras arenosas que desencadearam o isolamento da área continental inundada, formando uma nova linha de costa com predomínio da morfodinâmica flúvio-lacustre (Villwock & Tomazelli, 2007).
Em relação à geologia, a área de estudo está assentada sobre a Formação Chuí, pertencente ao Grupo Patos, composta por areias quartzosas, amarelo-avermelhadas e semi-consolidadas (IBGE, 1986).
A área em estudo era originalmente coberta por uma vegetação constituída de espécies adaptadas à ambientes encharcados e úmidos. Apesar das alterações desencadeadas pela dinâmica de uso da terra, ainda existem exemplares desta cobertura original, como o Juncus effusus, Eichhornia crassipes e Ficus guaranitica. Além disso, também ocorrem paleo-campos de dunas recobertos por gramíneas (IBGE, 1986).
O clima de Pelotas, onde está localizada a Colônia de Pescadores Z3, é classificado como Subtropical. A média total anual das precipitações é de 1.366 mm, sendo os meses mais chuvosos fevereiro (153,3mm) e julho (146mm), e os menos chuvosos março (97,4mm) e novembro (99,5mm). A temperatura média anual é de 17,8°C, sendo o mês de janeiro o mais quente, apresentando média de 23,2°C. Por outro lado, o mês de julho se apresenta como o mais frio, com média de 12,3°C. As médias mais elevadas de umidade relativa do ar ocorrem nos meses de junho (84%) e julho (84,9%), convergindo com os meses de elevada precipitação e de menores temperaturas (EAP, 2014).
2. Materiais e Métodos
Os procedimentos metodológicos utilizados para atingir o objetivo proposto abrangem a elaboração de mapas da cobertura e uso da terra e morfohidrográficos dos anos de 1953 e 2010, bem como a realização de trabalhos de campo. Cabe destacar que o artigo vem acompanhado do Material de Suporte, para acesso dos leitores a fim de facilitar a compreensão dos resultados obtidos e a eficácia da metodologia aplicada. Este Material de Suporte abrange: (a) três fotografias aéreas pancromáticas, em escala de 1:40.000, do ano de 1953 (informação de suporte); (b) fragmento da imagem de satélite do sensor AVNIR-2 do ano de 2010 (informação de suporte) e (c) chave de classificação de uso e cobertura da terra (IBGE, 2013b). A seguir são descritos os procedimentos metodológicos.
2.1. Mapas da cobertura e uso da terra dos anos de 1953 e 2010
Para a elaboração do mapa da cobertura e uso da terra do ano de 1953 foram utilizadas fotografias áreas pancromáticas em escala aproximada de 1:40.000. As aerofotografias foram digitalizadas e exportadas para o ambiente do software StereoPhotoMaker para a geração de anaglifos tridimensionais, de acordo com as orientações de Souza & Oliveira (2012).
Os anaglifos tridimensionais permitem a análise das informações espaciais em meio digital com o auxílio dos óculos 3D, possibilitando, sempre que necessário, recorrer às técnicas de estereoscopia analógica. Os anaglifos correspondentes à área em estudo foram georreferenciados no ambiente do software ArcGis10.0 (licença de uso do Laboratório de Estudos Aplicados em Geografia Física/UFPel), junto à base cartográfica vetorial contínua do Estado do Rio Grande do Sul em escala 1:50.000.
A elaboração do mapa da cobertura e uso da terra do ano de 2010 ocorreu a partir da utilização de uma imagem do Sensor AVNIR-2 (Advanced Visible and Near Infrared Radiometer type 2), componente do sistema ALOS (Advanced Land Observing Satellite), georreferenciada de acordo com os mesmos procedimentos utilizados no registro dos anaglifos tridimensionais do ano de 1953. O sensor AVNIR-2 é um radiômetro que opera nas regiões do visível e infravermelho e foi desenvolvido para mapeamentos temáticos em escalas de até 1:50.000, com ênfase em uso e cobertura das terras em zonas terrestres e costeiras.
Cabe destacar que o residual de erros ou erro médio quadrático obtido durante o georreferenciamento dos anaglifos tridimensionais resultantes das fotografias aéreas de 1953 (EMQ ou RMS) manteve-se em até 4,00 (considerado satisfatório para mapeamentos em escala de 1:50.000 e diante das características inerentes ao material aerofotogramétrico, que apresenta distorções nas bordas e diferenças de elevação do vôo na tomada da fotografia). Foram demarcados, no mínimo, quatro pontos de controle por fotografia/imagem, objetivando dar mais precisão quanto ao georreferenciamento das imagens.
Finalizada a digitalização e o georreferenciamento das fotografias aéreas e da imagem de satélite, teve início a identificação das classes da cobertura e uso da terra, que foram mapeadas de acordo com os princípios de fotointerpretação de Ceron & Diniz (1966). Para os autores a geometria das parcelas, a cor, a textura, a altura e a forma da área representam as diversas atividades antrópicas e tipos de coberturas existentes. Também foram seguidas as orientações do Manual Técnico de Uso da Terra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013b) (informação de suporte).
As classes da cobertura e uso da terra empregadas nesta pesquisa estão divididas em três níveis: Áreas antrópicas não agrícolas; Áreas de vegetação natural e coberturas da terra regionais e Água. Inseridas no nível das Áreas antrópicas não agrícolas estão as Áreas Urbanizadas e as Áreas de Transição. Como Áreas de vegetação natural e coberturas da terra regionais foram reconhecidas e mapeadas as Áreas Florestais, as Formações Campestres, as Formações sob Influência Flúvio-Lacustre (FIFL) e a Faixa Praial (areia). Por fim, os corpos de água continentais se referem às lâminas de água naturais ou antrópicas verificadas na área em estudo e não abrangem a Laguna dos Patos.
2.2. Mapas morfohidrográficos dos anos de 1953 e 2010
A morfohidrografia refere-se às intrínsecas relações entre os atributos do relevo e da rede de drenagem que se ajustam às mudanças ambientais de ordem natural e/ou antropogênica, afetando diretamente ou indiretamente o equilíbrio da morfodinâmica. Os mapas morfohidrográficos foram elaborados com o objetivo de representar as características da rede de drenagem e, sobretudo, da linha de costa da Colônia Z3 em dois momentos distintos: ano de 1953 e ano de 2010. Para a elaboração dos mapas morfohidrográficos foram utilizados os mesmos produtos de sensoriamento remoto, as mesmas técnicas de georreferenciamento e a mesma base cartográfica empregada na elaboração dos mapas da cobertura e uso da terra, sendo que os dados da morfohidrografia são apresentados em associação com os dados da cobertura e uso da terra.
A sobreposição dos mapas morfohidrográficos dos cenários de 1953 e 2010 possibilitou a organização do Mapa Comparativo da Linha de Costa, com o intuito de identificar e analisar o comportamento espaço-temporal da faixa praial no que se refere à perda de área (ocorrência de processos erosivos) e ganho de área (ocorrência de processos de sedimentação).
2.3. Trabalhos de Campo
Foram realizados dois trabalhos de campo. O primeiro consistiu em um reconhecimento da área de estudo, sobretudo para entender as modificações ocorridas na Colônia de Pescadores Z3, mais especificamente sobre a linha de costa. Este reconhecimento proporcionou também um diálogo com os moradores do local, buscando com isso entender algumas alterações ocorridas, e que ficaram evidentes em uma primeira comparação entre as fotografias aéreas e a imagem de satélite, ainda em gabinete. O segundo trabalho de campo foi realizado após a elaboração dos mapas de cobertura e uso da terra e morfohidrográficos (1953 e 2010). Este trabalho de campo enfatizou a reambulação dos dados mais atuais dos mapeamentos e também possibilitou a constatação das áreas onde ocorreram as principais alterações na linha de costa.
3. Análise dos resultados
O ambiente lagunar onde está localizada a Colônia de Pescadores Z3 apresenta características peculiares de¬correntes do processo de ocupação, dentre os quais se destacam a retilinização e transposição de cursos de água, o aterramento de segmentos da Laguna dos Patos para a construção de estradas e destinação de lotes para habitações, além da criação de atracadouros para os barcos de pesca.
A organização dos mapas da cobertura e uso da terra e morfohidrográficos de recortes temporais distintos, permitiu a identificação e análise das principais alterações desencadeadas sobre a linha de costa e sobre os poucos canais de drenagem existentes no segmento da Laguna dos Patos correspondentes à Colônia Z3 (Figura 2).
3.1. Dinâmica da cobertura e uso da terra na Colônia de Pescadores Z3
Com base na figura 3 é possível fazer uma análise da dinâmica da cobertura e uso da terra na Colônia Z3, uma vez que apresenta a área ocupada por cada uma das classes identificadas nos cenários de 1953 e 2010. A seguir serão analisadas as classes da cobertura e uso da terra, com o intuito de compreender suas características, peculiaridades e sua relação com as alterações desencadeadas sobre a linha de costa e a rede de drenagem.
O processo de urbanização ocorrido na Colônia Z3, bem como na maior parte das áreas costeiras, transcorreu sem nenhum planejamento ou preocupação com os aspectos físico-ambientais. Os dados da cobertura e uso da terra evidenciam que no ano de 1953 a Área Urbana possuía 0,02 km2 de extensão, ao passo que no ano de 2010 esta área aumentou para 0,34 km2, contabilizando uma ampliação de 1.600%, fato que tem relação diretacom a alteração e degradação dos elementos do sistema físico-ambiental desse segmento, principalmente a morfohidrografia.
Apesar do aumento na extensão da área urbanizada, os dados obtidos a partir dos Censos Demográficos de 2000 (IBGE, 2001) e 2010 (IBGE, 2013a) demonstram que a população entre esses anos diminuiu, sendo que em 2000 a população era de 3.321 habitantes e em 2010 esse número foi 3.166 habitantes. O comparativo entre esses dois censos revela outro dado importante: o percentual de domicílios ocupados também diminuiu, sendo 87,51% ocupados em 2000 e 84,21% em 2010. Esses dados justificam-se possivelmente pelo perfil sazonal de parte da população no período de permissão para pesca, sobretudo durante a safra do camarão. As informações sobre a cobertura e uso da terra da Figura 2 mostram que a estrutura urbana se concentrou próxima a Laguna dos Patos, tendo vínculo direto com a organização da atividade econômica da pesca.
Em decorrência do crescimento da área urbana ocorreram modificações tanto em cursos de água como na linha de costa, sendo destacadas: a retilinização do canal Reasilva e a construção da estrada de acesso à Colônia (Figura 4) e a construção dos dois atracadouros para os barcos: Divinéia I e Divinéia II (Figura 1).
No mapeamento de 1953 foram identificadas Áreas de Transição referentes aos espaços que se encontravam em processo de transformação entre cobertura e uso ou entre diferentes usos da terra. As áreas de transição foram verificadas somente no cenário de 1953, com uma extensão relativamente pequena, de 0,03 km2. Nas áreas de transição surgiram lotes, arruamentos e moradias vinculados à área urbana, conforme evidencia o mapa da cobertura e uso da terra de 2010.
As áreas que estão próximas à Laguna dos Patos estão sob influência direta da dinâmica fluvial e lacustre em seu processo de formação e consolidação, pois são periodicamente inundadas e devido às condições de solo mal drenado tendem a permanecer alagadas, caracterizando-se, portanto, como zonas de banhado, compreendidas neste trabalho como Formações sob Influência Flúvio-Lacustre (FIFL).
Os dados de cobertura e uso da terra evidenciam que em 1953 as áreas de FIFL ocupavam área de 2,22 km2. Em 2010 houve uma evolução espacial destas áreas, que passaram a ocupar 3,76 km2. Essa evolução das áreas de FIFL ocorreu de forma gradativa no decorrer do processo de ocupação antrópica devido às modificações ocorridas na linha de costa, como a construção dos atracadouros de barcos que alteraram a circulação da água da laguna, fazendo com que alguns setores da linha de costa passassem a concentrar um aporte maior de água durante um período maior de tempo, ocasionando a expansão das áreas de FIFL (Figura 5).
As áreas campestres são comuns em regiões litorâneas, recebendo por vezes a denominação de campos litorâneos. Desenvolvem-se sob diferentes condições de umidade e apresentam fisionomias distintas. Segundo Schäfer (2009) essa formação é composta por pastagens naturais com gramíneas e leguminosas, sendo que as condições de drenagem do solo determinam dois tipos distintos de campos, os secos e os úmidos. No segmento que corresponde à área de pesquisa são encontrados campos úmidos, que se desenvolvem em áreas mais deprimidas e úmidas, não ultrapassando 60 cm de altura. As gramíneas são características dessa formação.
As áreas campestres se diferenciam de áreas de FIFL pelo fato de as primeiras sofrerem inundações de forma periódica, reduzindo seu tamanho principalmente no inverno devido à formação de filetes de água em superfície. Já as áreas de FIFL permanecem alagadas, independentemente dos períodos de significativa precipitação ou estiagem, formando com isso áreas reconhecidas pela denominação regional de “banhado”, onde predomina vegetação hidrófila, total ou parcialmente coberta por água.
Os dados da cobertura e uso da terra evidenciam que em 1953 as Áreas Campestres correspondiam a 1,57 km2. Em 2010 essas áreas praticamente desapareceram, restando somente uma área de 0,02 km2 (diminuição de 98,72%). No mapa de cobertura e uso da terra do ano de 1953 é possível verificar que as Áreas Campestres localizavam-se na porção norte da área em estudo. Em 2010 restaram somente pequenas porções das mesmas, que se encontram afastadas da Laguna dos Patos, distantes das áreas de inundação.
Praticamente toda a extensão de Áreas Campestres verificadas em 1953 evoluiu para áreas de FIFL, de acordo com o mapeamento da cobertura e uso da terra do ano de 2010. Para compreender essa alteração foram avaliadas as datas de obtenção das aerofotografias e da imagem de satélite. As aerofotografias foram obtidas no mês de fevereiro (período de verão), já a imagem de satélite corresponde ao mês de julho (período de inverno). Conforme Schäfer (2009), no inverno as formações campestres tendem a sofrer uma redução espacial significativa devido à influência da Laguna dos Patos, já que nessa época do ano o nível de água da laguna aumenta, inundando essas áreas próximas e ampliando as áreas de FIFL (Formações sob Influência Flúvio-Lacustre).
Porém, entende-se que apesar de sazonal, esta alteração também é resultado das ações antrópicas, como no caso do aterramento de canais que permitiam o escoamento da água acumulada nas áreas de FIFL para a laguna. O aterramento destes canais, atrelado às más condições de drenagem dos solos da área, fez com que o tempo de permanência da água do escoamento pluvial sobre as Áreas Campestres se tornasse maior, dificultando o escoamento em direção à laguna. Muitas vezes a água acumula-se de forma permanente, possibilitando a compreensão sobre a conversão das áreas campestres para áreas de FIFL.
As Áreas Florestais naturais encontradas na Colônia Z3 foram preservadas ao longo do período analisado. Essas coberturas estão localizadas próximas à faixa praial e das zonas de FIFL, servindo, dessa forma, como uma barreira protetora para esses ambientes.
Nos mapeamentos da cobertura e uso da terra verificou-se que em 1953 as Áreas Florestais ocupavam uma área de 1,50 km2, já em 2010 houve uma expansão para 1,77 km2, cerca de 18%. Esse aumento demonstra que as Áreas Florestais foram preservadas durante o processo de ocupação antrópica, mesmo estando próximas à aglomeração urbana. Pode-se destacar como positivo esse resultado, pois a preservação da vegetação pioneira tende a conservar o ambiente ecologicamente equilibrado, além de manter o solo estável e com nutrientes.
Os dados da cobertura e uso da terra evidenciam que em 1953 os Corpos de Água Continentais ocupavam somente 0,54 km2 da área estudo e em 2010 desapareceram por completo da paisagem da área, sendo ocupados por áreas de FIFL. Entende-se que a evolução das áreas de FIFL sobre os corpos de água continentais ocorreu gradativamente, como forma de adaptação deste tipo de cobertura às superfícies que deixaram de permanecer submersas e se transformaram em áreas bastante encharcadas.
No mapeamento de 1953 (Figura 2) identificou-se um canal fluvial que desaguava diretamente no corpo de água continental mais representativo da área, localizado na porção nordeste, e que se conectava com a Laguna dos Patos. Em torno deste corpo de água já predominavam Áreas Campestres e áreas de FIFL. No mapeamento de 2010 (Figura 2) o canal fluvial citado desapareceu, muito possivelmente em função da ação antrópica, a partir de práticas agrícolas desenvolvidas ao norte, já fora da área de abrangência desta pesquisa. A diminuição da vazão de água que desaguava neste corpo de água possibilitou sua gradual conversão em superfícies extremamente encharcadas, sobre as quais evoluíram áreas de FIFL.
A Faixa Praial definida nesse estudo tomou por base o Artigo 10º, parágrafo 3º da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, o qual descreve: Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
A dinâmica da cobertura e uso da terra que ocorreu ao longo de 57 anos modificou a linha de costa da área de estudo com reflexos sobre a Faixa Praial. Entretanto, dados sobre a extensão dessas alterações apontam que não ocorreram modificações expressivas no tamanho das áreas (recuo e/ou avanço). No ano de 1953 a Faixa Praial possuía 0,43 km2, e manteve o mesmo tamanho em 2010.
Esse fato se tornou curioso, pois mesmo com tantas mudanças na linha de costa, que acabaram ocasionando erosão em alguns pontos e sedimentação em outros, o tamanho da Faixa Praial permaneceu igual. Esta situação, entretanto, pode ser mais bem analisada a partir da sobreposição das linhas de costa oriundas dos mapeamentos morfohidrográficos dos cenários de 1953 e 2010, fato que possibilita compreender melhor a dinâmica de recuo e ampliação da Faixa Praial na Colônia Z3.
3.2. Mapeamento Morfohidrográfico da Colônia de Pescadores Z3
O mapeamento morfohidrográfico realizado nesta pesquisa é apresentado em associação com o mapeamento da cobertura e uso da terra (Figura 2). A comparação entre os cenários evidencia a retilinização, transposição e aterramento de canais fluviais com consequente alteração da morfodinâmica fluvio-lacustre desse ambiente.
Durante a realização dos trabalhos de campo constatou-se que áreas com bom escoamento superficial acabaram por permanecer mais tempo alagadas, acarretando em modificações na composição vegetal de determinados segmentos, conforme o já mencionado aumento nas áreas de FIFL. O canal Reasilva passou por intensas modificações no seu curso, sendo desviado e retilinizado para a construção do primeiro atracadouro de barcos de pesca “Divinéia I”, e para a ampliação do aglomerado urbano da Colônia de Pescadores. A supressão, retilinização e transposição dos canais fluviais na área certamente tiveram uma relação também com o aporte de sedimentos junto à linha de costa, pois contribuíram para mudanças na localização espacial da desembocadura do Canal Reasilva, mudando o local de emissão final dos sedimentos transportados até a Laguna dos Patos. Estas alterações também encerraram os processos de deposição desencadeados pelo canal que se conectava ao maior corpo de água verificado no cenário de 1953, e que se conectava diretamente com a Laguna dos Patos, contribuindo para o recuo da linha de costa naquele segmento.
Com o intuito de compreender as alterações espaciais ocorridas ao longo da linha de costa da Colônia foi elaborado um mapa comparativo, a partir da sobreposição dos traçados da linha de costa nos dois períodos em que foram realizados os mapeamentos (Figura 6). Foram reconhecidos 14 segmentos de linha de costa onde se intercalam trechos de aporte de sedimentos, de erosão praial, bem como trechos onde não foram identificadas alterações espaciais (Figura 6). Cada segmento foi analisado a fim de possibilitar uma análise mais detalhada das alterações e suas relações com a dinâmica da cobertura e uso da terra.
3.3. Áreas de erosão praial e recuo da linha de costa lagunar
Os segmentos onde predomina o recuo da linha de costa lagunar foram identificados com os números 2, 7, 9, 11, e 13 (áreas em verde na Figura 6). Os segmentos número 2 e 7 se referem às áreas em contato direto com a área urbana, onde significativas alterações ocorreram em uma antiga reentrância existente na linha de costa e identificada no cenário de 1953 (Figura 2 e Figura 6). A descaracterização desta reentrância também abrangeu a transposição do curso final e da foz do canal Reasilva, alterando o aporte de sedimentos que chegavam até a Laguna dos Patos.
Os segmentos 9, 11 e 13 (Figura 6) se encontram mais afastados da Colônia de Pescadores Z3. Entretanto, mesmo distantes dos locais onde ocorreram as alterações antrópicas diretas vinculadas à urbanização, como retirada de material da linha de costa, aterramento da enseada, transposição e retilinização de cursos de água, ocorreram modificações na morfodinâmica que se refletiram nesses segmentos.Estes processos podem ser resultado indireto da ação antrópica, sobretudo se observada a grande dinâmica da cobertura e uso da terra ocorrida nas adjacências desses trechos e que refletem a mudança dos Corpos de Água Continentais para áreas de FIFL, fato que pode significar um menor aporte de sedimentos que chega até a Laguna dos Patos e deixa de atuar na manutenção da Faixa Praial. O menor aporte de sedimentos explicaria a ampliação destas áreas de erosão, mas deixaria em aberto questões sobre como, entre estas áreas de erosão caracterizadas pelos segmentos 9, 11 e 13, se intercalam áreas de deposição, como no caso dos trechos 10, 12 e 14. No cenário de 1953 estes trechos apresentavam reentrâncias na linha de costa da Colônia Z3 sendo que no cenário de 2010 foram redefinidos por sedimentos que ampliaram a faixa de praia.
Acredita-se que a morfodinâmica natural da Laguna dos Patos seja a principal responsável pela configuração verificada, pois, os trabalhos de Fischer & Calliari (2011) constataram a incidência oblíqua das ondas, com ventos soprando nas direções NE e SE no setor do Saco do Laranjal, onde se localiza a Colônia de Pescadores Z3. Assim, em áreas distantes do processo de ocupação mais intenso, a morfodinâmica da Laguna dos Patos estaria atuando no sentido de uniformizar a linha de costa e esta situação é perceptível na comparação dos cenários de 1953 e 2010.
3.4. Áreas de sedimentação e avanço da linha de costa
O avanço da linha de costa lagunar foi identificado nos segmentos 1, 3, 4, 5, 8, 10, 12 e 14 (áreas em vermelho na Figura 6). No segmento 1 o avanço da linha de costa esteve atrelado às obras de construção da estrada de acesso à Colônia Z3. O material antropogênico utilizado para a consolidação e manutenção dos aterros que mantém a estrada em um nível superior acabou por contribuir para a gradual expansão da linha de costa em direção à Laguna dos Patos.
Já nos segmentos 4, 5, 6, 7 e 8 o avanço da linha de costa foi desencadeado, sobretudo, pelo sistema de aterramentos antropogênicos organizados para a expansão do aglomerado urbano da Colônia Z3 (Figura 7). As mudanças foram significativas e transformaram as características espaciais da linha de costa, onde no cenário de 1953 ocorria uma reentrância. No cenário de 2010 a reentrância foi descaracterizada para a construção de um atracadouro de barcos, com criação de uma ilha artificial no centro para ampliar a área de ancoragem das embarcações (Figura 8). Aliados aos aterramentos, molhes foram construídos com blocos de granito, contribuindo para a alteração na circulação de água e sedimentos ao longo da linha de costa lagunar, com consequente ampliação das áreas de sedimentação verificadas no segmento 8 (Figura 6). Em campo, os moradores da área afirmaram que dragagens periódicas são realizadas nos canais que desembocam na laguna via molhes, em função do grande acúmulo de sedimentos.
Os dois últimos segmentos onde foi verificado o avanço da linha de costa (segmentos 12 e 14 – Figura 6) se encontram afastados da área urbanizada. Entende-se que a expansão da linha de costa nessas áreas ocorreu de forma natural, vinculados à morfodinâmica da Laguna dos Patos já apontada anteriormente, porém podem ter sido intensificados pelas alterações na cobertura e no uso da terra que ocorreram nos demais segmentos analisados.
3.5. Áreas de manutenção da linha de costa
Somente um segmento se manteve sem alteração nas características espaciais da linha de costa (segmento 6 – Figura 6). Nessa área se localizava o pontal sudoeste da reentrância verificada no cenário de 1953, que foi conectado aos aterramentos antropogênicos que evoluíram a partir do pontal nordeste verificado na linha de costa do cenário de 1953. Entende-se que mesmo sem perdas ou ganhos de área este segmento passou por forte interferência antrópica, pois houve grande descaracterização da linha de costa, com comprometimento da circulação de água e materiais oriundos dos canais de drenagem que foram aterrados e transpostos, bem como da própria Laguna dos Patos. Este comprometimento na circulação de água se deve, conforme constatado em trabalho de campo, à mínima conexão do fluxo de água da Laguna dos Patos com a reentrância antropogênica formada após a construção de atracadouro de barcos Divinéia I e à transposição do Canal Reasilva, que alterou a foz deste curso para oeste, ocasionando a interrupção do fluxo de água e sedimentos transportados para esta reentrância.
4. Considerações finais
As alterações ocorridas no segmento da Laguna dos Patos, onde está localizada a Colônia de Pescadores Z3, foram intensas e diretamente relacionadas ao processo de urbanização e à atividade econômica da pesca.
Assim como a grande maioria dos ambientes costeiros, na Colônia Z3 também não houve um planejamento da ocupação espacial. Conforme ocorriam os fluxos migratórios, tiveram cabo os processos de alteração vinculados à ocupação da área.
Os dados obtidos a partir dos mapeamentos da cobertura e uso da terra de 1953 e 2010 corroboraram para o entendimento da gênese das alterações na linha de costa lagunar, sendo possível destacar algumas conclusões:
- Considera-se positiva a evolução das áreas de floresta, que em ambientes costeiros atuam como barreira de contenção para os processos erosivos e mantém as propriedades pedológicas, sendo esta questão de fundamental importância em solos com pedogênese recente.
- A área urbanizada, ao longo do período analisado e na atualidade, vem crescendo de forma incorreta, assentada sobre aterramentos estruturalmente desiguais que não respeitam as características físico-ambientais da área, colocando em risco as populações que habitam estes locais. Esta situação merece maior atenção dos órgãos públicos.
- Mesmo nos segmentos onde não ocorreu uma intervenção antrópica direta também foram verificadas mudanças na linha de costa lagunar, indicando que processos naturais, em consonância com o uso da terra ou potencializados indiretamente pela ação antrópica, também competem para as alterações na morfodinâmica.
- A fragilidade das coberturas vegetais pioneiras constatadas na área em estudo evidencia que alterações na morfohidrografia, em especial sobre a rede de drenagem, podem atuar na drástica modificação das coberturas da terra, com reflexos na dinâmica da linha de costa lagunar.
- A pesquisa realizada possibilita compreender o Homem como agente geomorfológico, que atua na criação e alteração das formas do relevo e da rede de drenagem de regiões costeiras lagunares. A alteração das formas irá consequentemente, conduzir a mudanças na morfodinâmica, tendo reflexos na organização da cobertura vegetal.
Por fim, a Colônia de Pescadores Z3 não recebeu a devida atenção dos órgãos gestores competentes para avaliar as possíveis modificações no sistema físico-ambiental, resultantes do processo de ocupação. Essa desatenção com o ambiente costeiro lagunar está em desacordo com a Constituição Federal Brasileira que estabelece no Artigo 225, parágrafo 4°, que a Zona Costeira é um “patrimônio nacional, e sua utilização deverá ocorrer na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
References
Amorim, R.R.; Oliveira, R.C. (2009) – O Estudo das unidades de relevo em municípios da faixa costeira brasileira: O exemplo do município de São Vicente – SP. Revista Caminhos de Geografia (ISSN: 1678-6343), 10(30):163-183, Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. Disponível on-line em http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/15974/9009
Bird, E.C.F. (1985) – Coastline Changes: A Global Review. 232p., John Wiley & Sons, Chinchester, U.K. ISBN: 978-0471906469.
Ceron, A.O.; Diniz, J.A.F. (1966) - O uso das fotografias aéreas na identificação agrícola da terra. Revista Brasileira de Geografia (ISSN: 03757536), 28(2):161-173, IBGE – Conselho Nacional de Geografia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Disponível on-line em http://disciplinas.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=62897
Conway, T.M.; Nordstrom, K.F. (2003) – Characteristics of Topography and Vegetation at Boundaries between the Beach and Dune on Residential Shorefront Lost in Two Municipalities in New Jersey, USA. Ocean & Coastal Management, 46(6-7):635-648, Oxford, UK. DOI: 10.1016/S0964-5691(03)00039-5
Cunha, S.B.; Guerra, A.J.T. (2010) – Geomorfologia do Brasil. 388p., Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ISBN: 978-8528606706.
Fischer, A.; Calliari, L.J. (2011) - Variações morfodinâmicas das praias do "Saco do Laranjal", costa noroeste do estuário da Laguna dos Patos. Pesquisas em Geociências (ISSN: 1518-2398), 38(3): 283-296, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Dispo-nível on-line em http://www.ufrgs.br/igeo/pesquisas/3803/6-3803.pdf [ Links ]
IBGE (1986) – Folha SH. 22 Porto Alegre e parte das folhas SH. 21 Uruguaiana e SI. 22 Lagoa Mirim: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação, uso potencial da terra. In: Instituto Brasileiro de Geografia (org.), Levantamento de Recursos Naturais, v.22 pp.791, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ISBN: 85-240-0253-0. Disponível on-line em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv19048.pdf
IBGE (2001) – Sinopse Preliminar do Censo Demográfico 2000. 415p., Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ISBN: 85-240-08504. Disponível on-line em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/sinopse_preliminar/Censo2000sinopse.pdf
IBGE (2013a) – Atlas do Censo Demográfico 2010. 156p., Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ISBN: 978-8524042812. Disponível on-line em http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=264529
IBGE (2013b) – Manual Técnico de Uso da Terra. 171p., Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manuais Técnicos em Geociências, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. ISBN: 978-85-240-4307-9. Disponível on-line em ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturais/manuais_tecnicos/manual_uso_da_terra.pdf
Marino, M.T.R.D.; Freire, G.S.S. (2013) – Análise da evolução da linha de costa entre as Praias do Futuro e Porto das Dunas, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), estado do Ceará, Brasil. Revista da Gestão Costeira Integrada, 13(1):113-129. DOI: 10.5894/rgci373.
Moraes, A.C.R. (2007) – Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil: elementos para uma geografia do litoral brasileiro. 232p., Annablume, São Paulo, SP, Brasil. ISBN 978-85-7419-677-0. Disponível on-line em http://goo.gl/hAaQvc
Rambo, B. (1994) – A fisionomia do Rio Grande do Sul: ensaio de monografia natural. 473p., Editora UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil. ISBN: 978-8585580117.
Sato, S.E.; Cunha, C.M.L. (2013) – Carta de unidades geoambientais do município de Itanhaém, São Paulo, Brasil, Revista da Gestão Costeira Integrada,13(3):329-342. DOI: 10.5894/rgci409
Schäfer, A.E. (2009) – Atlas socioambiental: municípios de Mostardas, Tavares, São José do Norte e Santa Vitória do Palmar. 372p., Editora Educs, Caxias do Sul, RS, Brasil. ISBN: 978-85-7061-517-6. Disponível on-line em https://docs.google.com/file/d/0Byw_g7Puk0zzeDBrMEs1Z04tRWM/edit?pli=1
Souza, T.A.; Oliveira, R.C. (2012) - Avaliação da potencialidade de imagens tridimensionais em meio digital para o mapeamento geomorfológico. Revista Geonorte (ISSN: 2237-1419), 2(4):1348 – 1355, Departamento de Geografia, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil. Disponível on-line em http://www.revistageonorte.ufam.edu.br/attachments/009_(AVALIAÇÃO DA POTENCIALIDADE DE IMAGENS TRIDIMENSIONAIS EM MEIO DIGITAL PARA O MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO).pdf
Tessler, M.G., Mahiques, M.M. (2000) – Processos oceânicos e a fisiografia dos fundos marinhos. In: Wilson Teixeira, M. Cristina Motta de Toledo, Thomas Rich Fairchild & Fabio Taioli (coord.), Decifrando a Terra, pp.262-284, Editora Oficina de Textos, São Paulo, SP, Brasil. ISBN: 978-8586238147
Villwock, J.A., Tomazelli, L.J. (2007) - Planície Costeira do Rio Grande do Sul: gênese e paisagem natural. In: Fernando Gertum Becker, Ricardo Aranha Ramos & Luciano de Azevedo Moura (org.), Biodiversidade Regiões da Lagoa do Casamento e dos Butiazais de Tapes, Planície Costeira do Rio Grande do Sul, pp.20-33, Editora SCAN, Brasília, DF, Brasil. ISBN 85-7738-037-8. Disponível on-line em http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_arquivos/cap_1_lagoa_casamento.pdf [ Links ]
Legislação
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicado no DOU (Diário Oficial da União) de 5 OUT 1988, Brasília, DF, Brasil. Disponível on-line em http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf
Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC de 1988. Publicado no DOU (Diário Oficial da União) de 18 MAI 1988, Brasília, DF, Brasil. Disponível on-line em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7661.htm
Web pages
EAP (2014) - Normais Climatológicas. Web Page da Estação Agro-climatológica de Pelotas (EAP), Embrapa Clima Temperado / Universidade Federal de Pelotas / Instituto Nacional de Meteorologia http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf
*Submission: 8 AGO 2014; Peer review: 11 SEP 2014; Revised: 13 OCT 2014; Accepted: 13 FEB 2015; Available on-line: 16 FEB 2015
Notes:
This article contains supporting information online at http://www.aprh.pt/rgci/pdf/rgci-543_Delamare_SupInf.pdf