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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.spe4 Porto out. 2016
https://doi.org/10.19131/rpesm.0137
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Competências específicas do enfermeiro de saúde mental enfatizadas no ensino de graduação em enfermagem
Specific skills of mental health nurses in undergraduate nursing teaching
Competencias específicas de los enfermeros de salud mental en el grado de enfermería
Cláudia Mara de Melo Tavares*, Linda Nice Gama**, Marilei de Melo Tavares e Souza***, Lais Mariano de Paiva****, Pâmela Gioza da Silveira*****, & Mónica Montuano Gonçalves Ramos Mattos******
*Enfermeira; Pós-Doutora em Educação; Professora Titular na Universidade Federal Fluminense, Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Enfermagem Psiquiátrica, Rua Dr. Celestino, 74, 24020-091 Niterói/Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: claudiamarauff@gmail.com
**Enfermeira; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Universidade Federal Fluminense; Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense, Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, 24020-091 Niterói/Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: nicegama@predial.cruiser.com.br
***Psicóloga; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Biociências na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 22290-240 Rio de Janeiro - RJ, Brasil. E-mail: marileimts@hotmail.com
****Graduanda em Enfermagem na Universidade Federal Fluminense, 24020-091 Niterói/Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: laismpaiva@gmail.com
*****Membro do Núcleo de Pesquisa: Ensino, Criatividade e Cuidado em Saúde e Enfermagem; Graduanda em Enfermagem na Universidade Federal Fluminense, Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, 24020-091 Niterói/Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: pamelagioza@hotmail.com
******Enfermeira; Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional Ensino na Saúde da Universidade Federal Fluminense, 24020-091 Niterói/Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: mmontuanog@ig.com.br
******Enfermeira; Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional Ensino na Saúde da Universidade Federal Fluminense, 24020-091 Niterói/Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: mmontuanog@ig.com.br
RESUMO
CONTEXTO: O docente de enfermagem psiquiátrica e saúde mental, ao organizar e desenvolver seu planejamento para o ensino acredita que está formando enfermeiros competentes para a prática assistencial em saúde mental, conforme os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. No Brasil, não há consenso e nem regulamentação acerca das competências específicas do enfermeiro especialista em saúde mental.
OBJETIVOS: Descrever o perfil sociodemográfico dos docentes da área de enfermagem de saúde mental das instituições públicas de ensino superior do Rio de Janeiro; Discutir as competências específicas do enfermeiro de saúde mental enfatizadas pelos docentes no curso de graduação em enfermagem.
METODOLOGIA: Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, desenvolvido por meio de entrevista dirigida a 14 docentes que atuam em instituições públicas de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro. Adotou-se a técnica de análise temática de conteúdo.
RESULTADOS: Os docentes descrevem como competências específicas do enfermeiro de saúde mental: clínica do sujeito; escuta sensível; comunicação terapêutica; trabalho em equipe; autoconhecimento; reforma psiquiátrica; atenção à família; sistematização da assistência de enfermagem; inovação; saber lidar com a diferença e estigmas; desenvolver a própria personalidade. Contudo, indicam que o ensino não está orientado por competências.
CONCLUSÃO: O ensino de saúde mental nas instituições de ensino investigadas não está orientado por competências. Há consensos parciais relacionados à formação na perspetiva da clínica do sujeito e da Reforma Psiquiátrica.
Palavras-Chave: Enfermagem psiquiátrica; Competência profissional; Ensino em enfermagem
ABSTRACT
BACKGROUND: In the organisation and development of his/her teaching syllabus, the psychiatry and mental health nursing teacher believes hat he is training competent nurses for care provision in the mental health area in accordance with the principles of the Brazilian psychiatric reform. No consensus was reached and no regulations are to be found in Brazil about the mental health nurse specialist skills.
AIM: To describe the sociodemographic profile of teachers in the area of mental health nursing in public higher education institutions in Rio de Janeiro; to discuss the specific skills of the mental health nurse emphasized by teachers in undergraduate courses in nursing.
METHODS: This was a qualitative, descriptive, and exploratory study developed by means of direct interviews with 14 teachers who work in public higher education institutions in the State of Rio de Janeiro. We adopted the thematic content analysis technique to analyse and interpret the results.
RESULTS: The teachers referred the following specific skills in the mental health nurse: subjects clinic; active listening; therapeutic communication; team work; self-knowledge; psychiatric reform; family attention; systematization of nursing care; innovation; capacity of managing difference and stigmas and development of own personality. However, teachers make clear that education is not skill-oriented.
CONCLUSION:Mental health education in the educational institutions where the research took place is not skill oriented. There is partial consensus regarding training in behalf of the subject clinic and the psychiatric reform.
Keywords: Psychiatric nursing; Professional competence; Nursing education
RESUMEN
CONTEXTO: En la organización y desarrollo de la planificación de enseñanza de enfermería psiquiátrica y salud mental los docentes creen que se está formando enfermeras competentes para la práctica de los cuidados de salud mental, de acuerdo con los principios de la Reforma Psiquiátrica Brasileña. En Brasil no hay ni consensoni y reglamientos len lo que concierene las habilidades específicas de la enfermera en la salud mental.
OBJETIVO: Describir el perfil sociodemográfico de los profesores de área de enfermería de salud mental de las instituciones públicas de educación superior en Río de Janeiro; Discutir las habilidades específicas de enfermera de salud mental enfatizados por los profesores de la licenciatura en enfermería.
METODOLOGÍA: Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, desarrollado mediante entrevista directa a 14 maestros que trabajan en las instituciones públicas de educación superior del Estado de Río de Janeiro. Se adoptó la técnica de análisis de contenido temático.
RESULTADOS: Los maestros describen las funciones específicas de la enfermera de salud mental: la clínica del sujeto; escucha sensible; la comunicación terapéutica; trabajo en equipo; conocimiento de sí mismo; La reforma psiquiátrica; atención a la familia; sistematización de la asistencia de enfermería; la innovación; cómo hacer frente a la diferencia y el estigma; desarrollar su propia personalidad. Sin embargo, indican que la educación no está orientado habilidades.
CONCLUSIÓN: La educación para la salud mental en las instituciones educativas investigados no están orientados habilidades. Existe un consenso parcial afecta a la formación en vista de la clínica del sujeto y la reforma psiquiátrica.
Palabras Clave:Enfermería psiquiátrica; La competencia profesional; Escuela de enfermería
Introdução
O enfermeiro de saúde mental é um cuidador de afetos. Seu papel fundamental é aumentar o bem-estar, equilíbrio e autoconhecimento das pessoas. Ele tem a autorização social para tocar a pessoa em toda sua complexidade interior, social e cósmica - mas para isso precisa desenvolver competências profissionais e fruir formas de existência humana, abrangendo sua potência e mistério. Compreendemos que o preparo de profissionais para o exercício da enfermagem de saúde mental requer o desenvolvimento de competências pessoais, profissionais e sociais, engendradas por afetos que visam potencializar a essência da pessoa, que jamais adoece, compreendendo o sentido do sintoma apresentado pelo ser cuidado, escutando sua dor sem repressão e repreensão, resgatando sua inteireza (Tavares, 2001). Assim sendo, consideramos que na enfermagem de saúde mental haja necessidade de se desenvolver competências não só específicas, mas, sobretudo, ampliadas daquelas definidas para o campo profissional da saúde, passando a incluir a competência poética. Conforme nos falou Pignatari (2004), a poesia cria modelos novos para a sensibilidade. Os enfermeiros por meio da competência poética podem mobilizar conhecimento original para lidar de forma vigorosa com a existência singular das pessoas em situação de saúde/doença que demandam orientação/cuidados em saúde.
Mas como estão sendo formados os enfermeiros de saúde mental no Brasil? Para além de ser uma especialidade, a enfermagem de saúde mental é também um conhecimento do qual o enfermeiro generalista não pode prescindir. Conforme Formozo, Oliveira, Costa & Gomes (2012), entre as competências sociais necessárias para a efetivação do cuidado em saúde estão às habilidades de comunicação e empatia, conhecimentos próprios do campo da enfermagem de saúde mental.
As diretrizes curriculares nacionais orientam-se pela pedagogia das competências, como forma de superar o enfoque descontextualizado e disciplinar do ensino. Existe uma pluralidade de abordagens sobre o que vem a ser competências e algumas delas defendem a inexistência de um conceito de competências por falta de materialidade histórica, considerando-a como uma noção (Ferreira, 2011). Na enfermagem, embora este termo tenha sido muito discutido nos últimos anos, ele mantém-se polissêmico e desconhecido de muitos docentes.
Neste estudo, nos referimos a competência como domínios práticos das situações cotidianas que necessariamente passam pela compreensão da ação empreendida e do uso a que essa ação se destina. Elas só podem ser alcançadas se forem desenvolvidas em conjunto com as habilidades dos alunos, o que só se pode realizar a partir da compreensão do conteúdo que explica aquele domínio (Perrenoud, 1999). Em face dessa perspetiva de competência, destacamos a ideia de que as competências não se desenvolvem apenas nas escolas, mas também, a partir das relações sociais e das nossas condições de existência.
No Brasil, não há consenso e nem regulamentação acerca das competências específicas do enfermeiro especialista em saúde mental, o que poderia orientar os Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação, conforme ocorre em outros países, como por exemplo, Portugal, que possui competências específicas do enfermeiro especialista de saúde mental regulamentadas pela Ordem dos Enfermeiros (Ordem dos Enfermeiros, 2011).
Há, contudo, certa concordância nacional dos docentes de enfermagem em saúde mental que o ensino deva ser orientado pelos princípios da Reforma Psiquiátrica (RP). Nessa perspetiva, esses docentes acreditam que ao organizarem e desenvolverem o planejamento do ensino estão formando enfermeiros competentes para a prática assistencial em saúde mental.
Conforme as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Enfermagem, o currículo de formação do enfermeiro deve ser organizado em conteúdos curriculares, competências e habilidades, conferindo-lhe terminalidade e capacidade acadêmica e/ou profissional para atuar frente às necessidades de atenção a saúde da população, promovendo no aluno e no enfermeiro a capacidade de desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente (Brasil, 2001). Destaca-se que estas DCN não definem as competências em saúde mental. Essa tarefa fica a cargo dos Projetos Políticos Pedagógicos das Escolas, que raramente delimitam competências específicas em saúde mental, o que dificulta um alinhamento das competências desenvolvidas na própria prática profissional de enfermagem. Esse problema parece estar relacionado à perspetiva generalista de formação, uma vez que também ocorre em outras disciplinas (Regis & Batista, 2015).
Estudo realizado por Lucchese (2005) no estado de São Paulo revelou que o ensino de enfermagem psiquiátrica e de saúde mental não vem formando para as competências, e que há insatisfação com o modelo pedagógico aplicado à formação do enfermeiro, estando os docentes e profissionais da área, em busca de outros modelos, já que ainda não conseguiram superar o paradigma tradicional de formação e cuidado em saúde mental.
Segundo Neves, Lucchese, & Munari (2010), para o ensino de saúde mental operar as transformações apontadas pela RP é necessário realizar ruturas com o modelo hegemônico em saúde, desenvolvendo competências para atuar no modelo de promoção em saúde, em sinergia com o modelo psicossocial, sendo o cotidiano da atenção básica o cenário ideal para constituição de novas competências.
Partindo do princípio que a competência para sentir é inata, mas ela pode ser atrofiada ou desenvolvida de acordo com as relações que se estabelece com o mundo, com o outro, com quem se constrói identidade socialmente partilhada e que é o gosto pela sensação, que nasce da capacidade de ser humano, que nos leva inicialmente a nos tornarmos enfermeiros de saúde mental. Que competências específicas são necessárias mobilizar no ensino de enfermagem para formar enfermeiros de saúde mental?
Os objetivos do presente artigo foram descrever o perfil sociodemográfico dos docentes da área de enfermagem de saúde mental das instituições públicas de ensino superior (IPES) do Estado do Rio de Janeiro; e discutir as competências específicas do enfermeiro de saúde mental enfatizadas pelos docentes nos cursos de graduação em enfermagem.
Metodologia
Estudo qualitativo, descritivo e exploratório desenvolvido por meio de entrevista dirigida a 14 docentes (correspondendo há 82,3% do total) que atuam em quatro IPES do Estado do Rio de Janeiro. Enfatizou-se a compreensão da experiência humana como é vivida, coletando e analisando materiais narrativos e subjetivos com base na perceção dos docentes que atuam na área de enfermagem de saúde mental/ psiquiátrica. Os critérios utilizados para exclusão da participação dos sujeitos no estudo foram: a indisponibilidade de tempo para a entrevista e ser professor substituto.
Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas na própria instituição de origem do docente, em ambiente reservado. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para, posteriormente, dar início à leitura e interpretação das falas à luz da literatura.
Para dar conta da análise e interpretação das conceções que envolvem sujeitos pró-ativos e suas experiências, utilizamos a multireferencialidade teórica a partir da análise temática de conteúdo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o nº 21027.
Resultados
Num primeiro momento apresentam-se os resultados descritivos relacionados ao perfil sociodemográfico e as características dos participantes, seguindo-se os resultados decorrentes da investigação sobre o ensino das competências de enfermagem de saúde mental.
Perfil do Docente
Pode ser observado na Tabela1 que há predominância do sexo feminino (78,6%) em relação ao sexo masculino (21,4%), tendência esta presente no exercício da docência em enfermagem. Em 78,6% dos docentes estão acima de trinta e cinco anos de idade, 64,3% possuem título de doutor e 57,1% trabalham há menos de cinco anos na instituição. Os dados sugerem que não há correlação entre faixa etária e tempo de serviço na instituição, já que a maioria tem entre 35 e 55 anos de idade e trabalham no local há, aproximadamente, cinco anos, podendo indicar que a docência de enfermagem psiquiátrica e saúde mental é exercida por profissionais mais maduros e que têm o título de doutor. Ainda quanto ao tempo de atuação na instituição, vale destacar que há duas faixas distintas a constituída por profissionais com até cinco anos de docência (57,1%), seguida daqueles com mais de 16 anos (28,6%), reforçando a tendência de exercício da docência por profissionais de menor experiência infere-se que, por isso, estejam menos atrelados ao modelo tradicional de ensino.
Competências de Enfermagem de Saúde Mental Enfatizadas no Ensino de Graduação. Os dados obtidos neste estudo sugerem que o ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental nas IPES do Rio de Janeiro não é orientado pela pedagogia das competências. Com base no Quadro1, que representa a síntese categorial obtida após a análise dos dados, podemos observar 11 temas que foram apontados pelos docentes como uma aproximação com as competências específicas de saúde mental e que são desenvolvidas por eles no ensino de enfermagem de saúde mental e psiquiátrica. Entre os temas apontados figuram: clínica do sujeito; escuta sensível; comunicação terapêutica; trabalho em equipe; autoconhecimento; RP; atenção à família; sistematização da assistência de enfermagem; inovação; saber lidar com a diferença e estigmas; desenvolver a própria personalidade. As competências mais enfatizadas foram as relacionadas com a clínica do sujeito e a escuta sensível, seguida da comunicação terapêutica.
Discussão
A perspetiva pedagógica da competência auxilia o docente a demonstrar os conhecimentos necessários, dentro de situações concretas de domínio de saberes e de habilidades apreendidos e aprendidos, valorizando a capacidade de inovar e a autonomia dos profissionais na tomada de decisão (Perrenoud,1999). Nesse sentido, o ensino passa a exigir uma maior aproximação com a prática profissional desenvolvida nos serviços de saúde, o que vai ao encontro das DCN (Ministério da Educação, 2001) e se contrapõe ao modelo tradicional de ensino.
Os cuidados de saúde também são influenciados por um modelo tradicional centrado na doença, na positividade da razão e no ato médico, ainda que haja avanços consideráveis nas práticas em saúde em decorrência das discussões suscitadas pela Reforma Sanitária e RP. Segundo Almeida (2009), a abordagem tradicional de atenção em saúde mental se dá através de uma escuta racionalizante que considera o doente consciente das razões de seu sofrimento, e as intervenções são pré-estabelecidas baseadas em informações que precedem a escuta do sujeito e visa mudanças de comportamentos inadequados, com a finalidade na cura.
Observamos que a competência para atuar mediado pela clínica do sujeito foi identificada pelos participantes do estudo como aquela que produz cuidado centrado nas necessidades dos sujeitos, independente do diagnóstico médico, que respeita a decisão do paciente, prevendo um projeto terapêutico singular na perspetiva da clínica ampliada.
A clínica do sujeito alinha-se com a Política Nacional de Humanização (PNH), criada como estratégias e métodos de articulação de ações, saberes, práticas e sujeitos, com a responsabilidade de tornar a humanização um movimento capaz de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) como política pública de saúde. Fundamentada em princípios da inseparabilidade entre gestão e atenção, transversalidade e o protagonismo dos sujeitos, a PNH opera na tríplice inclusão, ou seja, a inclusão dos sujeitos (trabalhadores, usuários e gestores), analisadores sociais (conflitos e perturbações oriundas da inclusão de diferentes sujeitos e subjetividades) e a inclusão dos movimentos sociais (coletivos organizados de produção da vida), valorizando deste modo, os diferentes sujeitos implicados no processo e o estabelecimento de vínculos solidários, com a construção de redes de cooperação e a participação coletiva no processo de gestão (Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde & Política Nacional de Humanização, 2010).
A proposta de clínica ampliada é ser um instrumento para que os trabalhadores e gestores de saúde possam enxergar e atuar na clínica para além dos pedaços fragmentados de doenças, sem deixar de reconhecer e utilizar o potencial desses saberes. Nessa clínica, a escuta sensível é a base para ação profissional, relaciona-se e acompanha o sujeito na descoberta daquilo que constitui seu sintoma. Essa escuta exigente não se propõe apenas a aprender e saber o que se acha oculto na mente do paciente, mas a reconhecer como tais questões afetam o próprio profissional e a relação que estabelece com o paciente (Almeida, 2009).
Como os próprios participantes da pesquisa apontaram, a comunicação eficaz e terapêutica é uma das competências fundamentais do enfermeiro de saúde mental, ela relaciona-se com a clínica do sujeito, abrindo caminhos para o adequado acolhimento nos cuidados de saúde, com base na escuta atenta e no vínculo empático entre o paciente e a equipe de profissionais, constituindo fator de humanização nos cuidados.
O desafio da comunicação terapêutica consiste em encontrar mediações técnicas como a habilidade de relacionamento interpessoal. Nessa perspetiva, o profissional é capaz de identificar na narrativa do paciente suas dimensões cognitivo-afetivas, emocionais e culturais, sua história, seus valores, sentimentos, suas expressões de realidade e de seus recursos internos mobilizados que precisam ser sutilmente percebidos e trabalhados pela equipe de saúde: um reforço à atenção singular, bem como do entrelaçamento e interdependência fundamentadas na combinação de direitos e responsabilidades, em que a ética do cuidado assume uma posição essencial.
A comunicação terapêutica com seu acolhimento, escuta atenta e vínculo empático, é orientada para um objetivo específico, tem uma intencionalidade e é permanentemente atualizada por contextos específicos, onde muitas vezes, nas narrativas do sujeito, critérios de normalidade nosográfica são colocados em suspensão, transformando a mensagem do outro num enigma a ser desvendado (Sequeira, 2014).
O autoconhecimento também é apontado como uma competência essencial no estabelecimento da relação terapêutica. Segundo Gomes et al (2013), o autoconhecimento ajuda a ultrapassar o paradigma da objetividade e do biologicismo, sobrelevando que no atendimento ao usuário, o cuidado do enfermeiro deve ultrapassar o tecnicismo valorizado pelo Modelo Flexneriano
Provocar interações e relações dos alunos consigo mesmos, com seus semelhantes, numa teia de inter-relações colabora para a compreensão da existência de conexões que ajudam a compreender o significado da influência do contexto no processo de cuidar em enfermagem. Daí ser necessário criar oportunidades para que as questões voltadas ao autoconhecimento, comunicação, relacionamento intra e interpessoal sejam discutidas na formação do enfermeiro.
O trabalho em equipe é outra competência apontada pelos docentes e também está associada à política de humanização. Trabalhar em equipe significa criar um esforço coletivo, um conjunto de pessoas com objetivos comuns que interagem e compartilham técnicas, procedimentos e responsabilidades para atingir objetivos comuns. O trabalho em equipe só terá expressão real, quando os membros desenvolverem sua competência interpessoal (Carvalho, 2009).
Neste sentido, o desafio no trabalho em saúde mental consiste na organização do trabalho que contemple a alta complexidade de saberes, a responsabilidade coletiva das ações e a efetiva interação das pessoas envolvidas, pois, segundo Vasconcellos (2010), trabalhar em equipe interdisciplinar traz atravessamentos complexos. A dificuldade no estabelecimento de um solo epistemológico comum pode ocasionar diferenças conceituais e metodológicas no cuidado prestado, daí a necessidade que emerge de superar as atuações fragmentadas que promovem o isolamento e as relações de poder entre os profissionais que inviabilizam o trabalho em equipe.
Diante desta complexidade, o efetivo trabalho em equipe interdisciplinar possibilita um cuidado plural, a caminho da integralidade, afastando-se de práticas reducionistas que remetem ao pensamento hermético de uma hierarquia verticalizada e impositiva, dificultando os ideais preconizados tanto pelo SUS como também pela RP.
Segundo os docentes há conhecimentos demandados pela RP que podem constituir-se num bloco básico de competências. Tavares (2006) identificou três eixos que devem sedimentar teoricamente e orientar a formulação da proposta de educação em saúde mental na perspetiva da RP: a) a organização do trabalho em saúde, com ênfase no processo de trabalho dos trabalhadores da área de enfermagem em saúde mental, tendo como perspetiva sua transformação através da construção de práticas renovadas, ante os desafios suscitados em virtude da necessidade de implementar, efetivamente, os princípios do SUS; b) a integralidade da atenção como princípio (re)orientador das práticas sanitárias e (re)organizador dos serviços de saúde; c) as bases para a construção de uma práxis pedagógica crítica, que possa promover a formação de um novo profissional preparado para enfrentar as demandas impostas pela necessidade de transformação da política de saúde, como uma forma e potência de explicitar toda a complexidade do processo de trabalho em saúde, assim como possibilitar a apreensão de novas habilidades necessárias à construção de uma prática mais qualificada em saúde mental.
Com as mudanças de paradigmas na saúde mental, altera-se também a implicação da família com o portador de transtorno mental, e, neste processo, o reconhecimento da família como potente meio de cuidado. O impacto causado pelo transtorno mental na família revela o despreparo e a fragilidade perante o problema, sendo fundamentais para a equipe, dentro da proposta da clínica ampliada, os dados de avaliação de riscos não apenas epidemiológicos, mas sociais e subjetivos.
As ações de cuidado de enfermagem em saúde mental estão inseridas num contexto dinâmico e complexo que demandam do profissional, além dos aspetos teóricos da competência, a mobilização dos aspetos pertinentes à relação com o paciente, à equipe e à família. Dessa maneira, a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) é um recurso para aprofundar o conhecimento das condições de saúde física e emocional do paciente em busca de Reabilitação Psicossocial, ampliando e fortalecendo a própria prática de enfermagem. Ser competente para desenvolver cuidados de enfermagem com base na conceção da Sistematização da Assistência de Enfermagem foi um aspeto considerado relevante pelos participantes do estudo.
Desenvolver competências para inovar a própria prática foi outro especto apresentado pelos docentes. A capacidade para realizar inovação é fundamental para gerar solução visando o enfrentamento das situações-problemas relacionadas aos serviços de saúde mental no âmbito do SUS. Por meio dela é possível perceber oportunidades, planejar e aplicar estratégias para solucionar problemas e experimentar mudanças.
A criatividade e a inovação constituem elementos-chave para o aprimoramento organizacional em saúde e para que, especificamente, a Enfermagem encontre alternativas para solucionar problemas no âmbito profissional. A educação para o pensamento criativo é primeiro passo para a melhoria do nível da inovação nas organizações.
A competência para lidar com a diferença e combate ao estigma também foi enunciada pelos docentes. O estigma está relacionado a conhecimentos insuficientes ou estereotipados que levam a preconceitos, à discriminação e ao distanciamento social da pessoa com doença mental. As pessoas em geral apresentam grande desconhecimento sobre as doenças mentais e uma reação negativa à convivência com o doente mental, considerando-os inclusive perigosos. Assim, as estratégias fundamentais para mudar atitudes estigmatizantes envolvem educação. O primeiro contato com a disciplina de saúde mental é o ponto de partida para abordar as questões da diferença associada aos problemas de saúde mental, que originam comportamentos discriminatórios e reforçam o estigma.
O combate ao estigma na doença mental é um dos principais desafios apontados pela RP, já que o estigma relacionado às doenças mentais associa-se à negação de direitos humanos dos próprios doentes mentais trazendo mais sofrimento.
Finalmente, as competências pessoais como bom humor e solidariedade foram indicadas pelos docentes como importantes de serem valorizadas no ensino de saúde mental. A perceção e gestão dos próprios sentimentos são tidas por Goleman (2007), como componentes da inteligência emocional. Segundo ele, todas as pessoas podem desenvolver a sua própria Inteligência Emocional, tendo para isso de aprender e treinar as aptidões e competências pessoais.
Conclusão
Conclui-se que o ensino de saúde mental não está orientado por competências. Há consensos relacionados à formação na perspetiva da clínica do sujeito e da RP. A importância das competências e da reflexão no processo de ensino de enfermagem psiquiátrica e de saúde mental são desafios para o docente numa sociedade que se transforma aceleradamente, mas que também é marcada por projetos políticos e educacionais em disputa. E, nesta complexidade da ação pedagógica em saúde mental, o profissional assume a responsabilidade de educar-se ao longo da vida, daí a necessidade de conhecer métodos de aprendizagem que possam favorecer esse processo.
Compreendemos que a pedagogia das competências não se adequa a qualquer situação, para sua adoção deve-se considerar a historicidade do fenômeno educativo e a singularidade dos projetos pedagógicos institucionais. Contudo, destacamos a importância de se obter consensos mínimos relacionados aos conhecimentos que abarcam o campo da enfermagem psiquiátrica e de saúde mental e a sua apropriação crítica-reflexiva e criativa por parte dos atores envolvidos nesse processo em favor da qualidade dos cuidados em saúde e a promoção da saúde mental e da vida humana com qualidade.
Implicações para a Prática Clínica
As competências específicas do enfermeiro de saúde mental nem sempre são claras e não há consenso nacional sobre quais competências deveriam ser mobilizadas no curso de graduação em enfermagem. O consenso em torno de um rol de competências poderá contribuir com o alinhamento dos projetos pedagógicos dos cursos de enfermagem e com o exercício da prática profissional de enfermagem orientada para solucionar os problemas presentes na prática clínica de maneira crítica e criativa.
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Recebido a 19 de Outubro de 2015
Aceite para publicação a 20 de Fevereiro de 2016