Introdução
Empatia é considerada uma competência clínica importante para a formação de profissionais de saúde. A literatura aponta que altos índices de empatia melhoram os resultados das intervenções em saúde, tais como: a satisfação dos pacientes, o controle dos sintomas, a aceitação da condição clínica pelo paciente, maior eficácia das anamneses e exames físicos e a adesão aos planos de tratamento (Lee, Yu, Hsieh, Li, & Chao, 2018)
No contexto da enfermagem, a literatura afirma que a empatia e o cuidado sempre foram considerados valores fundamentais para estes profissionais. No documento elaborado pela American Association of Colleges of Nursing (AACN) aponta para a importância do vínculo, do cuidado compassivo e centrado no paciente, sendo a empatia um componente-chave e fundamental para a educação em enfermagem (Low & LaScala, 2015).
Estudos têm classificado a empatia de diferentes formas, no entanto, constitui um fenômeno que contém elementos afetivos, cognitivos e de tomada de decisão apresentando assim três dimensões: afetiva, cognitiva e comportamental (Lee et al., 2018).
De maneira geral, dentro do ensino em saúde considera-se importante que se tenha clareza de qual dimensão da empatia (afetiva, cognitiva e/ou comportamental) se pretende trabalhar na sala de aula, para definição dos métodos de ensino, da avaliação e dos resultados esperados (Preusche & Lamm, 2016). No entanto, ressalta-se que a interação intrínseca entre processos cognitivos e afetivos, conjuntamente, moldam uma resposta empática completa, traduzindo em comportamentos, embora existam trabalhos que defendam o desenvolvimento da dimensão cognitiva por ser um componente que pode ser medido de maneira mais objetiva (Preusche & Lamm, 2016).
Assim, o presente trabalho teve o objetivo de identificar os métodos de ensino para o desenvolvimento de empatia na graduação em enfermagem.
Métodos
Foi realizada uma rapid review com objetivo de responder à seguinte pergunta de pesquisa utilizando a estratégia PICO (acrônimo para patient, intervention, comparison, outcomes):
Quais são os métodos encontrados na literatura para o desenvolvimento da empatia no ensino em enfermagem?
Nela, o primeiro elemento da estratégia (P) é o ensino em enfermagem; o segundo (I) são os métodos; e o quarto elemento (O) é o desenvolvimento da empatia. Nesta revisão o terceiro elemento, a comparação, não foi utilizado.
Critério de elegibilidade
Foram considerados como critérios de inclusão: 1) artigos publicados em revistas especializadas em ensino em enfermagem; 2) estudos experimentais, observacionais e qualitativos que tivessem o objetivo de desenvolver a empatia; 3) público-alvo, estudantes de enfermagem; 4) artigos publicados de 2009 até 2019.
Os estudos foram excluídos em 2 fases. Na fase 1 foi realizada uma triagem com os títulos e resumos. Nesta fase, foi considerada como critérios de exclusão os estudos que não tivessem como objetivo o ensino de empatia; os estudos que tivessem como foco o desenvolvimento de empatia em pacientes e não estudantes de enfermagem; comentários; cartas; resumos de conferência; editoriais e revisões.
Na fase 2 que foi realizada a partir do acesso ao texto completo. Nesta fase foi aplicado um critério de exclusão adicional, os estudos que não especificaram nenhum método de desenvolvimento de empatia.
Fontes de informação
Considerando que o presente estudo constitui uma rapid review, a otimização, do processo de revisão, foi realizada com a limitação das fontes de informação.Assim, foi consultado o fator de impacto no Journal Citation Reports do ano de 2018 e foram identificados as revistas Nurse Education Today, Nurse Educator, Nurse Education in Practice. A revista Nurse Education Today apresentou alto fator de impacto em 2018, 2.442; o Nurse Education in Practice foi de 1.665; e o Nurse Educator de 1.262. Estas revistas foram consultadas por meio da base SCOPUS.
Estratégia de pesquisa
A estratégia foi definida por meio de combinações utilizando conjugação booleana (AND, OR). Foi utilizada a base de dados SCOPUS utilizando como filtro as revistas selecionadas.
Os termos e combinações utilizados foram: (method* OR procedure*) AND empath* AND ("training technique*" OR pedagog* OR "teaching method*" OR "academic training", OR "training activities*” OR "education* techniqu*” OR learning OR teach* OR training).
Todas as referências foram organizadas pelo software gerenciador de referência Mendeley. Não houve necessidade de remoção de referências que se apresentavam em duplicadas visto que a revisão foi realizada em 3 revistas distintas.
Seleção dos estudos
Realizou-se a seleção dos trabalhos em duas etapas. Na primeira etapa, dois investigadores acessaram os artigos verificando títulos e resumos, independentemente. Após essa primeira análise, os dois investigadores verificaram as concordâncias e os artigos que não atenderam aos critérios de elegibilidade foram excluídos.
Na segunda etapa, os examinadores realizaram o download dos artigos realizando a avaliação de cada um deles de maneira mais detalhada e de forma independente, verificando se ainda estariam dentro dos critérios de elegibilidade. Nesta segunda etapa, os artigos restantes que ainda não atendessem aos critérios de elegibilidade foram excluídos. A seleção final foi baseada no texto completo da publicação.
Avaliação da qualidade metodológica
Para avaliar qualidade das pesquisas clínicas foram criados e validados vários instrumentos. Mas, quando a pesquisa que trata de ferramentas, estratégias e métodos de ensino poucos instrumentos foram desenvolvidos para esta avaliação (Cook & Reed, 2015).
Dois instrumentos têm sido utilizados com maior frequência para avaliar a qualidade metodológica dos estudos voltados para o ensino nas áreas de saúde, a saber, o Instrumento de Qualidade dos Estudos de Pesquisa em Educação Médica (MERSQI) e a Escala de Educação Newcastle-Ottawa (NOS-E). Ambos voltados para estudos quantitativos, sendo o MERSQI com uma abrangência maior incluindo estudos experimentais, quase-experimentais e observacionais (Ratelle, Sawatsky, & Beckman, 2019).
Assim, considerando que a presente revisão não restringiu o método de estudo utilizado nos artigos, optou-se por utilizar o MERSQI por ser mais abrangente. O MERSQI possui seis domínios somando um total de 10 itens que avalia o desenho do estudo, a amostra, o tipo de dados, validade, análise dos dados e resultados. O score máximo total é de 18 (Cook & Reed, 2015).
Os artigos com desenho quantitativo e mistos foram avaliados por dois investigadores, de maneira independente, com o MERSQI. Os artigos qualitativos não foram submetidos à esta avaliação pois os instrumentos de avaliação de qualidade de estudos de ensino nas áreas de saúde, mais frequentemente utilizados, segundo Ratelle e colaboradores (2019), não se aplicam para este desenho de estudo.
Extração de dados e codificação
Um investigador organizou as informações necessárias dos artigos selecionados. Um segundo investigador realizou a verificação e confirmou a sua precisão. Qualquer discordância foi resolvida por meio de mútuo acordo entre os dois investigadores. Os dados foram organizados em tabela no software Microsoft Excel. Os artigos foram organizados observando as seguintes informações: autor, ano de publicação, país, periódico, tamanho da amostra, metodologia de ensino, instrumento de avaliação da intervenção, resultados do estudo e conclusão principal.
Resultados
Foram identificados 190 artigos na primeira etapa. E, destes foram excluídos os artigos de revisão, editoriais e cartas, restando 160 artigos elegíveis para análise dos resumos.
Após uma avaliação abrangente dos resumos, 79 artigos foram considerados potencialmente relevantes e foram selecionados para a avaliação da etapa 2. Após a leitura, 21 artigos foram retidos para análise final. Um fluxograma do processo de identificação, inclusão e exclusão de estudos é mostrado na Figura 1.
Características dos estudos
Os 21 estudos que foram retidos para responder à questão da pesquisa apresentaram as seguintes metodologias: simulação e role play (Bas-Sarmiento, Fernández-Gutiérrez, Baena-Baños, & Romero-Sánchez, 2017; Brown & Bright, 2017; Chan, 2014, 2016; Chen, Kiersma, Yehle & Plake, 2015; Choi, Hwang, Kim, Ko, Kim & Kim, 2016; Hunter, Rawlings-Anderson, Lindsay, Bowden & Aitken, 2018; Lee et al., 2018; Levett-Jones et al., 2017; Mennenga, Bassett & Pasquariello, 2016; Strekalova, Krieger, Kleinheksel & Kotranza, et al., 2017; Turk & Colbert, 2018; Ward, Cody, Schaal & Hojat, 2012; Yang, Woomer, Agbemenu, & Williams, 2014), vídeos (Heidke, Howie, & Ferdous, 2018; Hogan, Rossiter, & Catling, 2018; Lobchuk, et al., 2016); poesia (Chan, 2014, 2016; Jack, 2015), música (Chan, 2014, 2016); diário de percepções (Brown & Bright, 2017); cinema (Fieschi, Burlon, & De Marinis, 2015); e storytelling (Fieschi et al., 2015; Stone & Levett-Jones, 2014).
O tamanho da amostra variou amplamente de 9 a 390 indivíduos. Em todos os estudos selecionados, a amostra consistia em estudantes matriculados nas disciplinas ou cursos, sendo todos selecionados por conveniência.
A empatia foi trabalhada em vários contextos e temas clínicos como obesidade, cancro da mama, doenças crónicas, geriatria, comunicação, pediatria, saúde mental, deficiência, obstetrícia. Um resumo das características descritivas, bem como o MERSQI dos artigos podem ser visualizados na Tabela 1.
Discussão
O presente estudo teve o objetivo de identificar métodos para o desenvolvimento de empatia no ensino em enfermagem.
A simulação e role play foram os métodos mais utilizados entre os estudos encontrados (Bas-Sarmiento et al., 2017; Brown & Bright, 2017; Chan, 2014, 2016; Chen et al., 2016; Choi et al., 2016; Hunter et al., 2018; Lee et al., 2018; Levett-Jones et al, 2017; Mennenga et al., 2016; Strekalova et al., 2017; Turk & Colbert, 2018; Ward et al., 2012; Yang et al., 2014) e, em todos os artigos houve um aumento dos scores de empatia antes e depois da intervenção.
Os estudos afirmam que a simulação constitui uma abordagem educacional que se aproxima da aprendizagem experiencial, fazendo com que os estudantes vivenciem um contexto mais próximo da realidade, porém em ambiente seguro (Bland & Tobbell, 2016). O role play constitui uma prática de simulação em que uma pessoa assume o papel de outro, realizando uma dramatização, também possibilita uma vivência mais próxima do real, numa aprendizagem coletiva. Estas estratégias de ensino auxiliam na redução da ansiedade, desenvolvem a confiança, sem comprometer a segurança dos estudantes e do paciente (Cogo et al., 2016).
A utilização das artes como poesia, música e storytelling também foram recursos utilizados (Chan, 2014, 2016; Jack, 2015; Stone & Levett-Jones, 2014). A literatura aponta que o uso da poesia favorece que o estudante veja o mundo de uma maneira diferente, com uso da imaginação(Jack, 2015). Assim, o estudante pode lembrar que o cuidado vai além do processo tecnológico inserindo aspectos relacionais que compreendem a condição humana e se aproxima do sentir do outro. O uso de poemas faz com que os estudantes utilizem a criatividade e a imaginação, o que não é possível nos métodos de ensino tradicionais (Jack, 2015).
No mesmo sentido da imaginação e observar outras perspetivas têm-se as narrativas ou o storytelling que tem o poder de convidar as pessoas a conhecer outras realidades, “habitar” outros contextos e provocar reflexão sobre a própria condição (Stone & Levett-Jones, 2014). Desta maneira, se aproxima o cinema, utilizado no estudo de Fieschi e colaboradores (2015) que evocam emoções, simulam realidades de forma a que o estudante se envolva indiretamente com situações que estimulem a reflexão profissional (Fieschi et al., 2015).
Assim, o uso das artes proporciona uma aprendizagem na imaginação e pode efetivamente aprimorar o ensino em saúde e em enfermagem pois, vai além dos seus conhecimentos técnicos e profissionais do ambiente clínico. Além disso, aprimora emoções positivas e amplia a compreensão do sofrimento dos pacientes e de suas famílias (Chan, 2016).
A aprendizagem imaginativa ajuda no desenvolvimento de competências criativas e de inovação, auxilia na construção de uma interpretação alternativa das experiências de vida, favorecendo a promoção do bem-estar físico e mental do profissional. Além disso, a imaginação pode favorecer a compreensão os vários contextos socioculturais pelos estudantes dos quais os pacientes e seus familiares pertencem, com o olhar voltado para as necessidades do outro (Chan, 2016). Constitui uma abordagem educacional muito importante a ser inserida no currículo, uma vez que a enfermagem é uma profissão intimamente relacionada à dimensão humana e deve desenvolver competências relacionais, entre elas a empatia (Chan, 2014).
A imaginação constitui uma capacidade fundamental de conectar uma experiência, sugerir e reconstruir significados, explorar oportunidades e possibilidades para o futuro a partir de limitações contextuais e, construir novos conhecimentos (Chan, 2016). Assim, explorar os recursos que envolvem o poder da imaginação para o desenvolvimento da empatia é crucial para o ensino em enfermagem (Chan, 2016).
É importante ressaltar que a empatia envolve não apenas a compreensão da situação e dos sentimentos do paciente, mas a comunicação desse entendimento. Há assim, uma intrínseca relação entre empatia e comunicação como foi demonstrado nos trabalhos de Bas-Sarmiento e colaboradores (2017); Strekalova e colaboradores (2017) e de Fieschi e colaboradores (2015). Desta maneira, as habilidades de comunicação empática devem ser desenvolvidas nos currículos, abordando os pontos comportamentais da empatia. No entanto, mesmo que as faculdades de enfermagem tenham em seus currículos componentes que abordem tal tema, a literatura afirma que ainda pode haver lacunas entre o que é ensinado sobre as habilidades de comunicação e como isso é transferido para o contexto clínico (Kim, 2018).
Importante ressaltar que constitui um desafio para os professores desenvolver a empatia pois, depende de uma experiência vivida, como por exemplo, compreensão de como é ter uma visão prejudicada, ser uma pessoa em situação de sem-teto ou imigrante de outro país. Assim, é difícil para um professor legitimar tais situações na transformação do conhecimento, necessitando que os estudantes sejam expostos aos vários grupos da população ou, aproveitando melhor os métodos e proporcionar que eles ouçam as histórias e experiências vividas das pessoas com recursos de vídeos (Hogan et al., 2018; Lobchuk, et al., 2016) ou diários (Brown & Bright, 2017).
Vivenciar, em ambientes seguros, situações próximas do contexto real, favorecem a transformação dos estudantes, e o desenvolvimento de uma postura empática (Heidke et al., 2018)
O ensino tradicional apesar de favorecer o conhecimento técnico e domínio cognitivo constitui-se inadequado para o desenvolvimento de habilidades no campo comportamental para situações complexas de relação interpessoal, ou negociações que requerem aprendizagem experiencial e reflexiva (Bauchat, Seropian, & Jeffries, 2016). Pesquisadores afirmam que os estudantes dos cursos de graduação em saúde vão reduzindo a empatia à medida que avançam nos cursos e defendem a importância de desenvolver a empatia dos estudantes por meio do ensino (Kim, 2018).
Implicações para o ensino de enfermagem em saúde mental
A literatura aponta que o desenvolvimento da capacidade empática do profissional de saúde, favorece a melhoria dos resultados terapêuticos, especialmente na saúde mental em que a construção de vínculo entre o profissional de saúde e o paciente é muito valorizado (Patel et al, 2019).
Assim, o ensino tem sido considerado importante para o desenvolvimento de habilidades empáticas favorecendo com que os profissionais possam identificar a emoção do paciente, separando-a de sua própria emoção, evitando, assim, o esgotamento profissional e atendendo melhor as necessidades do paciente (Moudatsou, Stavropoulou, Philalithis & Koukouli, 2020; Patel, et al., 2019).
O ensino deve então priorizar a interação e a criatividade com uma abordagem que favorece o trabalho de regulação das emoções, não devendo basear-se exclusivamente no ensino tradicional (Moudatsou et al., 2020).
Pesquisas apontam a necessidade de que os currículos e/ou as disciplinas para o desenvolvimento da empatia sejam baseados em evidências e, que sejam identificadas não apenas as habilidades a serem ensinadas, mas também as estratégias e métodos de ensino mais adequados (Patel et al., 2019).
Conclusões
O presente estudo teve o objetivo de identificar métodos para o desenvolvimento de empatia no ensino em enfermagem.
Foi verificado que a maioria dos estudos abordam a simulação como estratégia principal, pois a mesma proporciona ao estudante a possibilidade de vivenciar em contexto seguro, experiências mais próximas da realidade. Outras estratégias que também se destacam é o uso de recursos de artes como poema, storytelling e músicas que proporcionam uma nova visão da realidade.
Os estudantes de enfermagem, por lidar com a dimensão humana vulnerável, necessitam de métodos que perpetuem a empatia no decorrer do curso, para melhoria do cuidado. Assim, os professores devem-se munir de ferramentas que possam facilitar o desenvolvimento desta competência para que os futuros profissionais possam atuar de maneira mais efetiva e humanizada.
Entre as limitações do presente estudo, pode-se apontar que não foi possível avaliar a qualidade dos estudos qualitativos pois, os instrumentos de avaliação de estudos de ensino nas áreas de saúde, mais frequentemente utilizados, não se aplicam para este desenho de estudo. Os cenários educacionais dos artigos, bem como as medidas de avaliação e a amostra foram muito heterogéneas. Também não foi realizada uma meta-análise quantitativa.
Recomenda-se para futuras investigações sobre o tema, que a síntese possa ser ampliada para uma revisão sistemática.