Introdução
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) representa um componente crucial do sistema de saúde brasileiro, integrado à Rede de Urgência e Emergência (RUE), estabelecida pelo Ministério da Saúde. Tem como objetivo diminuir o número de óbitos, sequelas e o tempo de internação hospitalar, por meio do atendimento rápido e oportuno às vítimas de urgência e emergência (Brasil. Ministério da Saúde, 2013).
Como componente móvel da RUE no Brasil, o SAMU 192 também é responsável pelo atendimento nos casos de pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19. A pandemia COVID-19, desencadeada pelo coronavírus SARS-CoV-2, teve início em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan na China. Rapidamente se espalhou pelo mundo todo, sendo declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020 (Wang et al., 2020).
Ao longo de sua trajetória, a pandemia resultou em mais de 700 milhões de casos confirmados e mais de sete milhões de mortes em todo o mundo até o momento. Este evento de saúde pública sem precedentes impôs desafios significativos aos sistemas de saúde, à economia global e ao bem-estar social, demandando uma resposta coordenada e intensiva em escala internacional (Mathieu et al., 2020)
É evidente que a pandemia COVID-19 desencadeou uma série de desafios sem precedentes na área da saúde, afetando profundamente sistemas de saúde em todo o mundo. O vírus impôs uma carga significativa sobre os recursos médicos e de infraestrutura, exigindo adaptações rápidas e complexas para enfrentar o aumento repentino na demanda por serviços médicos, equipamentos de proteção individual e leitos hospitalares (Machado et al., 2023; Wang et al., 2020).
Além disso, a pressão adicional sobre os profissionais de saúde, que enfrentam riscos pessoais enquanto atuam contra a propagação do vírus e fornecem tratamento aos pacientes afetados, tem contribuído para uma crise de saúde mental entre esses trabalhadores (Dal Pai et al., 2021; Ornell et al., 2020; Phiri et al., 2021).
Diante dessa realidade, torna-se imperativo avaliar os níveis de depressão, ansiedade e estresse entre os profissionais do SAMU 192, considerando o potencial desencadeamento desses transtornos psicológicos nos trabalhadores de saúde que atuam em meio a este contexto global desafiador. A compreensão das alterações psicológicas enfrentadas pela equipe neste cenário é essencial para proporcionar uma assistência psicológica eficaz e promover o bem-estar desses profissionais, o que, por sua vez reflete diretamente na qualidade do serviço prestado à população.
Portanto, o presente estudo tem por objetivo analisar os níveis de depressão, ansiedade e estresse na equipe do SAMU 192, através da aplicação da Depression, Anxiety and Stress Scale ‐ 21 (DASS-21) (Martins et al., 2019). Este instrumento de avaliação psicológica permite uma análise precisa dos impactos emocionais decorrentes da atuação dos profissionais de saúde frente à pandemia COVID-19, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias de suporte psicossocial e para a promoção de um ambiente de trabalho saudável e resiliente.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, exploratório-descritivo, com abordagem quantitativa. Para a construção desta pesquisa utilizou-se o guia de redação para estudos observacionais Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).
O local escolhido para o desenvolvimento da pesquisa foi o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU 192, de um município do interior paulista. Este serviço possui uma Central de Regulação responsável pela recepção e triagem dos chamados de urgência e emergência, além de equipes intervencionistas encarregadas de fornecer atendimentos emergenciais por meio de ambulâncias.
A equipe da Central de Regulação é composta por médicos reguladores e técnicos auxiliares de regulação médica e rádio operadores (TARM/RO), enquanto as equipes intervencionistas se dividem em equipes de suporte básico de vida, constituída por condutores socorristas e técnicos de enfermagem e, equipes de suporte avançado de vida, composta por condutores socorristas, médicos e enfermeiros. Além disso, o serviço em questão também inclui profissionais responsáveis pela limpeza e higienização das ambulâncias.
Ao todo, o serviço conta com 69 profissionais sendo: 18 médicos, seis enfermeiros, 11 técnicos de enfermagem, 16 condutores socorristas, 13 TARM/RO e cinco profissionais da limpeza. Estes profissionais atuam de maneira integrada, respeitando as especificidades, competências e responsabilidades de cada membro da equipe.
A amostra foi não probabilística por adesão. O critério de inclusão foi ser profissional atuante no SAMU 192 durante a pandemia COVID-19. Foram considerados como critérios de exclusão os afastamentos por motivo de licença médica ou férias. Entretanto, nenhum profissional se enquadrou nos mesmos, já que a coleta de dados ocorreu em três meses consecutivos e oportunizou a inclusão de toda equipe.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto a outubro de 2020, por meio de um formulário eletrônico, enviado por e-mail e aplicativo de mensagens via celular. O instrumento contou com a coleta de variáveis sociodemográficas (sexo, idade, categoria profissional, turno de trabalho, tempo de atuação no SAMU 192 e se possui outro vínculo empregatício) e a Escala DASS-21 (Martins et al., 2019).
A Escala DASS-21 possui itens divididos em três dimensões: depressão, ansiedade e estresse. A escala de resposta dos itens é do tipo Likert de quatro pontos: 0 (não se aplicou de maneira alguma), 1 (aplicou-se a mim algumas vezes), 2 (aplicou-se a mim muitas vezes) e 3 (aplicou-se muito ou na maioria do tempo). Optou-se por utilizar a versão conciliada (Martins et al., 2019) por apresentar adaptações culturais e facilitar o entendimento dos trabalhadores que participaram da pesquisa.
Os dados coletados foram armazenados em planilha Excel®. Inicialmente realizou-se uma análise descritiva avaliando a pontuação obtida em cada item da escala. As respostas foram classificadas de acordo com as orientações do autor, permitindo a classificação em escores para cada dimensão.
As questões 3, 5, 10, 13, 16, 17 e 21, são referentes à avaliação de depressão. Os resultados permitem a classificação em normal (0-9), depressão leve (10-12), depressão moderada (13-20), depressão severa (21-27) e depressão extrema (28-42). As questões 2, 4, 7, 9, 15, 19, e 20, são referentes à avaliação de ansiedade. Os resultados permitem a classificação em normal (0-6), ansiedade leve (7-9), ansiedade moderada (10-14), ansiedade severa (15-19), e ansiedade extrema (20-42). As questões 1, 6, 8, 11, 12, 14, e 18 são referentes à avaliação de estresse. Os resultados permitem a classificação em normal (0-10), estresse leve (11-18), estresse moderado (19-26), estresse severo (27-34), e estresse extremo (35-42).
As análises estatísticas foram feitas pelo programa SAS for Windows®, s.9.4 e envolveu a análise de média, desvio padrão, mediana, porcentagem. Realizou-se o teste de Regressão de Poisson entre os domínios da escala, as categorias profissionais e variáveis, para calcular o risco de depressão, ansiedade e estresse nesta população. Para cada classificação dos domínios, também foram comparadas as proporções obtidas nas categorias profissionais utilizando o teste de diferença de proporções. Em todos os testes foi fixado o nível de significância de 5% ou o p-valor correspondente.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp, sob o parecer nº 4.164.909. Os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e concordaram em participar da pesquisa. Todas as diretrizes éticas e normas regulamentadoras aplicáveis a pesquisas com seres humanos foram seguidas.
Resultados
Dos 69 profissionais atuantes no serviço, 54 aceitaram participar da pesquisa, correspondendo a 78,8% da equipe total. A média de idade da amostra foi de 37,41 anos (desvio padrão ± 9,33), com uma mediana de 36,5 anos, e predominância do sexo feminino. Quanto à experiência profissional, a maioria dos participantes relatou ter menos de oito anos de atuação no serviço. Adicionalmente, constatou-se que mais da metade dos profissionais mantém outro vínculo empregatício, e a maioria desempenha suas atividades durante o período diurno (Tabela 1).
Variáveis | n (%) | |
---|---|---|
Categoria profissional | ||
Condutor | 16 (29,63%) | |
TARM | 10 (18,52%) | |
Técnico de Enfermagem | 10 (18,52%) | |
Médico | 09 (16,67%) | |
Enfermeiro | 06 (11,11%) | |
Lavador de ambulâncias | 03 (5,56%) | |
Sexo | ||
Feminino | 31(57,41%) | |
Masculino | 23(42,59%) | |
Tempo de atuação | ||
Menos de 2 anos | 18 (33,33%) | |
Mais de 8 anos | 11 (20,37%) | |
6 a 8 anos | 10 (18,52%) | |
4 a 6 anos | 08 (14,82%) | |
2 a 4 anos | 07 (12,97%) | |
Outro vínculo empregatício | ||
Sim | 29 (53,70%) | |
Não | 25 (46,30%) | |
Turno | ||
Diurno | 30 (55,56%) | |
Noturno | 17 (31,48%) | |
Folguista | 07 (12,96%) |
n = número absoluto | % = percentagem
A análise dos resultados obtidos através da aplicação da escala indicou que as respostas fornecidas pelos profissionais tendem a ser associadas a pontuações mais baixas, sugerindo uma incidência reduzida dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Este padrão foi observado tanto para a dimensão da depressão quanto para a ansiedade e o estresse, conforme evidenciado na Tabela 2.
Itens | Pontuação | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
0 | 1 | 2 | 3 | |||
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |||
Depressão | ||||||
3 | Parecia não conseguir ter nenhum sentimento positivo | 37 (68,52%) | 12(22,22%) | 4 (7,41%) | 1 (1,85%) | |
5 | Tive dificuldade em tomar iniciativa para fazer as coisas | 30 (55,60%) | 15(27,80%) | 6 (11,10%) | 3 (5,50%) | |
10 | Senti que não tinha nada a esperar do futuro. | 45 (83,33%) | 5 (9,20%) | 1 (1,85%) | 3 (5,56%) | |
13 | Senti-me desanimado e deprimido | 24 (44,40%) | 22 (40,70%) | 7 (13,05%) | 1 (1,85%) | |
16 | Não consegui me entusiasmar com nada | 37 (68,50%) | 15 (27,8%) | - | 2 (3,70%) | |
17 | Senti que não tinha muito valor como pessoa | 38 (70,40%) | 10 18,50%) | 5 (9,25%) | 1 (1,85%) | |
21 | Senti que a vida estava sem sentido | 39 (72,20%) | 13 (24,10%) | - | 2 (3,70%) | |
Ansiedade | ||||||
2 | Estava consciente de que minha boca estava seca | 39 (72,20%) | 13(24,10%) | 2 (3,70%) | - | |
4 | Senti dificuldade em respirar | 40 (74,10%) | 10 (18,5%) | 2 (3,7%) | 2 (3,7%) | |
7 | Senti tremores | 41 (75,90%) | 12 (22,25%) | - | 1 (1,85%) | |
9 | Preocupei-me com situações em que eu pudesse entrar em pânico e parecesse ridículo (a). | 42 (77,80%) | 9 (16,65%) | 2 (3,70%) | 1 (1,85%) | |
15 | Senti que ia entrar em pânico | 43 (79,65%) | 10 (18,50%) | 1 (1,85%) | - | |
19 | Eu estava consciente do funcionamento/batimento do meu coração na ausência de esforço físico | 34 (63,00%) | 19 (35,15%) | 1 (1,85%) | - | |
20 | Senti-me assustado sem ter uma boa razão | 35 (64,80%) | 17 (35,50%) | 1 (1,85%) | 1 (1,85%) | |
Estresse | ||||||
1 | Tive dificuldade em acalmar-me | 25 (46,30%) | 26 (48,20%) | 3 (5,50%) | - | |
6 | Tive a tendência de reagir de forma exagerada a situações | 25 (46,30%) | 26 (48,15%) | 2 (3,70%) | 1 (1,85%) | |
8 | Senti que estava geralmente muito nervoso. | 25 (46,30%) | 24 (44,40%) | 3 (5,50%) | 2 (3,70%) | |
11 | Senti que estava agitado | 20 (37,0%) | 27 (50,00%) | 6 (11,15%) | 1 (1,85%) | |
12 | Tive dificuldade em relaxar | 19 (35,20%) | 27 (50,00%) | 7 (13,00%) | 1 (1,85%) | |
14 | Fui intolerante com as coisas que me impediam de continuar o que eu estava fazendo | 37 (68,50%) | 17 (31,50%) | - | - | |
18 | Senti que estava sensível | 20 (37,00%) | 27 (50,00%) | 5 (9,26%) | 2 (3,70%) |
n = número absoluto | % = percentagem
Em relação aos níveis de depressão, ansiedade e estresse identificados, a maioria dos profissionais não exibiu quaisquer alterações significativas. Os casos de alterações nos níveis de depressão, ansiedade e estresse representaram, respectivamente, 27,77%, 24,08% e 18,51% do total de participantes. Uma análise segmentada por categoria profissional revela que, nos profissionais com alterações, predominaram as categorias de alterações classificadas como leves a moderadas, com incidências menos frequentes de casos severos ou extremamente severos, conforme ilustrado na Figura 1.
As mulheres demonstraram uma prevalência significativamente maior de alterações nos níveis de ansiedade e depressão, registrando-se frequências de 69,23% e 73,33%, respectivamente. No que tange ao estresse, constatou-se a ocorrência de alterações de forma equitativa entre ambos os sexos.
Embora não tenha sido identificada uma associação estatisticamente significativa entre os níveis de depressão, ansiedade e estresse e as diferentes categorias profissionais, é digno de nota que 75% dos profissionais com resultados indicativos de alterações pertencem à equipe assistencial, enquanto 25% não mantêm contato direto com os pacientes.
Adicionalmente, foi observado um maior risco de estresse entre os profissionais que realizam plantões noturnos. Por outro lado, em relação à ansiedade, constatou-se uma incidência mais elevada entre os técnicos de enfermagem e os profissionais que trabalham no período diurno ou como folguistas. Quanto à depressão, evidenciou-se um maior risco entre os técnicos de enfermagem, conforme detalhado na Tabela 3.
Variável | Estimativa | Erro padrão | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Estresse | ||||
Intercept | 1,8609 | 0,1995 | 0<,0001 | |
Sexo | Feminino | 0,0672 | 0,1628 | 0,6798 |
Masculino | 0 | 0 | ||
Categoria profissional | Condutor | -0,2564 | 0,1682 | 0,1273 |
Enfermeiro | -0,0818 | 0,174 | 0,638 | |
Lavador de ambulâncias | -0,4495 | 0,2333 | 0,054 | |
Médico | -0,178 | 0,1695 | 0,2937 | |
TARM | 0,0411 | 0,1526 | 0,7876 | |
Téc. enfermagem | 0 | 0 | ||
Turno de trabalho | Diurno | 0,2031 | 0,1143 | 0,0756 |
Folguista | 0,894 | 0,1531 | <0.0001 | |
Noturno | 0 | 0 | ||
Tempo de atuação | 0,0118 | 0,0166 | 0,479 | |
Outro vínculo empregatício | Não | 0,1971 | 0,1197 | 0,0995 |
Sim | 0 | 0 | ||
Ansiedade | ||||
Intercept | 1,4845 | 0,2956 | <.0001 | |
Sexo | Feminino | -0,109 | 0,2455 | 0,6572 |
Masculino | 0 | 0 | ||
Categoria profissional | Condutor | -0,2211 | 0,2303 | 0,3371 |
Enfermeiro | -0,6523 | 0,2427 | 0,0072 | |
Lavador de ambulâncias | -1,1118 | 0,3562 | 0,0018 | |
Médico | -1,1496 | 0,2581 | <.0001 | |
TARM | -0,3219 | 0,2043 | 0,1152 | |
Téc. enfermagem | 0 | 0 | ||
Turno de trabalho | Diurno | 0,6723 | 0,1755 | 0,0001 |
Folguista | 1,6774 | 0,2262 | <0,0001 | |
Noturno | 0 | 0 | ||
Tempo de atuação | -0,048 | 0,0233 | 0,0396 | |
Outro vínculo empregatício | Não | 0,0595 | 0,1631 | 0,7153 |
Sim | 0 | 0 | ||
Depressão | ||||
Intercept | 1,237 | 0,2401 | <0.0001 | |
Sexo | Feminino | 0,2182 | 0,189 | 0,2483 |
Masculino | 0 | 0 | ||
Categoria profissional | Condutor | -0,0392 | 0,1895 | 0,8361 |
Enfermeiro | -0,2699 | 0,2147 | 0,2087 | |
Lavador de ambulâncias | -1,3239 | 0,3552 | 0,0002 | |
Médico | -0,2043 | 0,1989 | 0,3045 | |
TARM | -0,0581 | 0,1825 | 0,7501 | |
Téc. enfermagem | 0 | 0 | ||
Turno de trabalho | Diurno | 0,0396 | 0,1313 | 0,7628 |
Folguista | 1,1305 | 0,1739 | <0.0001 | |
Noturno | 0 | 0 | ||
Tempo de atuação | 0,0674 | 0,0208 | 0,0012 | |
Outro vínculo empregatício | Não | 0,1583 | 0,143 | 0,2685 |
Sim | 0 | 0 |
Discussão
Neste estudo, a Depression, Anxiety and Stress Scale ‐ 21 (DASS-21) (Martins et al., 2019) foi aplicada nos profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) durante o contexto da pandemia COVID-19 visando identificar os níveis de estresse, ansiedade e depressão neste momento histórico e desafiador. Os resultados obtidos divergem das expectativas iniciais dos autores, indicando que os níveis de estresse, ansiedade e depressão predominantemente variaram entre normal, leve e moderado.
A saúde mental dos profissionais da saúde emergiu como uma questão de destaque durante a pandemia COVID-19, dadas às circunstâncias singulares em que se encontravam. O estresse prolongado, a carga de trabalho intensa e o medo constante de contaminação contribuíram para altos níveis de ansiedade e exaustão emocional de muitos trabalhadores da área da saúde, o que tornou este estudo relevante.
No que diz respeito aos níveis de depressão, constatou-se que a maioria dos profissionais com resultados indicativos de alterações pertence à equipe assistencial, enquanto menos da metade deles não mantém contato direto com os pacientes. Esses resultados sugerem a possibilidade de que o contato direto com pacientes suspeitos ou confirmados COVID-19 possa estar associado ao desenvolvimento de sintomas depressivos.
Algumas conjecturas incluem o temor de contaminação e o subsequente receio de transmitir a infecção a indivíduos de seu convívio, o que, por sua vez, pode intensificar o impacto do isolamento social. Um estudo conduzido em um SAMU 192 na região sul do Brasil demonstrou que a insegurança, o medo relacionado à doença e a extensão do isolamento social foram fatores que exerceram um efeito adverso sobre a saúde mental dos membros da equipe, potencialmente precipitando sentimentos depressivos (Dal Pai et al., 2021).
O presente estudo também identificou que as alterações relacionadas à depressão foram predominantemente identificadas em profissionais do sexo feminino, o que corrobora com outras pesquisas realizadas durante a pandemia, em que se observa que a maioria dos profissionais afetados por quadros de depressão são mulheres (De Paula et al., 2021; Horta et al., 2021; Ornell et al., 2020; Phiri et al., 2021; Xiao et al., 2020). Essa constatação pode ser influenciada pelo fato de que uma parcela significativa da força de trabalho na área da saúde é composta por mulheres, uma realidade que também se aplica à equipe do SAMU 192 (Cabral et al., 2020).
Em relação à ansiedade, os resultados revelam uma incidência reduzida entre os membros da equipe. As poucas alterações classificadas como moderadas a extremamente severas foram identificadas em profissionais de nível médio, especialmente aqueles sem formação na área da saúde, como telefonistas e condutores de ambulância. Este achado suscita reflexões sobre a preparação desses profissionais para desempenharem suas funções em um ambiente tão complexo quanto o SAMU 192.
A ansiedade parece não ser necessariamente desencadeada pelo contato direto com pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19, mas possivelmente pelas alterações na rotina do serviço decorrentes da pandemia. Apesar de existirem estudos (De Paula et al., 2021; Horta et al., 2021; Ornell et al., 2020; Portoghese et al., 2021) que constatam que a ansiedade é uma condição recorrente entre os profissionais que prestam assistência direta a pacientes afetados pela COVID-19, a presente pesquisa traz resultados contrários.
Já em relação ao estresse, a atual pesquisa mostrou que esta condição emergiu como a variável com o maior número de profissionais sem qualquer alteração significativa. Contudo, apesar de ser menos prevalente, nota-se que, diferente da ansiedade, os profissionais das equipes assistenciais apresentaram níveis mais alterados de estresse em relação aos outros membros da equipe, predominantemente caracterizados por alterações leves.
Esse fenômeno pode ser atribuído à natureza grave e complexa dos atendimentos realizados por esses profissionais. Por exemplo, médicos e enfermeiros que atuam em Unidades de Suporte Avançado (USA) frequentemente se deparam com casos de alta complexidade, e durante a pandemia COVID-19, essa situação foi exacerbada, pois o atendimento a pacientes graves tornou-se uma ocorrência comum em todos os serviços de urgência e emergência devido à insuficiência respiratória induzida pela doença. Em muitos casos, isso exigiu procedimentos de alto risco, como a intubação endotraqueal e ventilação mecânica, que apresentam um elevado potencial de contaminação pelo vírus e requerem uma grande habilidade técnica.
É importante observar que a maioria dos estudos citados (Coelho et al., 2022; Horta et al., 2021; Machado et al., 2023; Medeiros Neto et al., 2020; Ornell et al., 2020; Phiri et al., 2021; Vega et al., 2021), os quais demonstraram impactos significativos na saúde mental da população estudada, foi realizada em unidades de internação destinadas ao tratamento de pacientes com COVID-19.
Em contrapartida, os atendimentos realizados pelo SAMU 192 têm um perfil voltado para a estabilização e encaminhamento dos pacientes, o que difere substancialmente do contexto assistencial encontrado nas unidades de internação. Essa discrepância na abordagem de assistência pode explicar as divergências observadas entre os estudos publicados e a atual pesquisa (Dal Pai et al., 2021).
Na área de emergência, diversos fatores podem atuar como elementos protetores contra o estresse ocupacional. A maioria dos profissionais valoriza a dinamicidade inerente ao lidar com situações imprevistas, considerando tal aspecto como um fator protetor contra o estresse. A percepção do sentido do trabalho emerge como um elemento significativo na proteção contra o sofrimento e o estresse ocupacional. Adicionalmente, a satisfação no trabalho e o senso de propósito, decorrentes da sensação de estar contribuindo para o bem-estar dos pacientes, são identificados como elementos que podem fortalecer a resiliência dos profissionais (Bezerra et al., 2012; Martins & Gonçalves, 2019).
Esses fatores protetores assumem um papel relevante na promoção do bem-estar psicológico e na mitigação do impacto adverso do estresse ocupacional na equipe de urgência e emergência. O SAMU 192 constitui-se como um serviço diferenciado em que o propósito e o processo de trabalho do serviço propiciam a presença dos fatores citados anteriormente.
Ao analisar, por exemplo, o estresse entre os profissionais de saúde, evidências apontam que os profissionais de enfermagem são os mais afetados por essas alterações, em virtude do contato mais prolongado com o paciente (Teixeira et al., 2020). No entanto, o tempo de interação com o paciente no contexto do SAMU-192 é substancialmente reduzido em comparação com unidades de internação, devido ao perfil dinâmico do atendimento prestado pelo serviço, o que atenua consideravelmente o fator estressor.
Outro aspecto que pode mitigar o impacto do estresse decorrente da pandemia nas equipes do SAMU 192 é a diversidade dos casos atendidos, que abrangem uma variedade de emergências, incluindo casos clínicos, traumas, queixas psiquiátricas e eventos ginecológico-obstétricos (de Almeida et al., 2016; Ornell et al., 2020).
Esta pesquisa apresentou como limitação a impossibilidade de comparar os dados obtidos com um período pré-pandêmico, o que impossibilitou determinar se os índices de depressão, ansiedade e estresse encontrados entre os profissionais estavam relacionados à pandemia ou se já estavam presentes anteriormente. No entanto, os resultados fornecem uma base para futuras investigações que visem compreender os aspectos que contribuem para os baixos níveis de depressão, ansiedade e estresse na equipe do SAMU 192. Esses estudos adicionais podem informar o desenvolvimento de estratégias e políticas voltadas para o bem-estar dos profissionais de saúde.
Conclusão
Este estudo revelou que a maioria dos profissionais do SAMU 192 não apresenta níveis significativos de depressão, ansiedade e estresse, conforme avaliado pela Escala DASS-21. Entre os profissionais que exibiram alterações, estas foram predominantemente classificadas como leves ou moderadas. Esses resultados contrastam com as expectativas, considerando que numerosos estudos têm evidenciado impactos significativos na saúde mental dos profissionais da área da saúde durante a pandemia.
Portanto, reconhecer e valorizar os fatores de proteção contra estresse, ansiedade e depressão é fundamental para promover o bem-estar e a saúde mental dos profissionais que atuam na urgência e emergência.
Implicações para a prática
Com base nos resultados apresentados, há diversas implicações importantes para a prática profissional da equipe de enfermagem. Em resumo, esses resultados sugerem que a prática profissional da equipe de enfermagem é influenciada por fatores como o tipo de turno, categoria profissional e gênero, indicando áreas prioritárias para intervenções e suporte psicológico para a equipe a fim de promover um ambiente de trabalho saudável e seguro.
Estratégias personalizadas de suporte e intervenção são necessárias para promover a saúde mental e o bem-estar desses profissionais, garantindo assim a qualidade e segurança do cuidado prestado aos pacientes.