INTRODUÇÃO
A enfermagem moderna remonta há menos de 3 séculos, originada no período Nightingaleano, em plena guerra da Crimeia, que resultou em milhares de soldados feridos e com sequelas destes ferimentos. Das guerras de outrora, como das de hoje, resultam mortos e feridos que frequentemente se tornam pessoas com deficiência. Há que registarmos duas questões dessa origem: é recente (não temos ainda 300 anos de profissão moderna), e seu início deu-se predominantemente no cuidado de pessoas feridas e com sequelas destes ferimentos.
Se a enfermagem moderna é recente, desnecessário mencionar a enfermagem de reabilitação, dirigida às pessoas com sequelas de ferimentos/lesões ou doenças crónico-degenerativas que, devido a isso, têm dificuldades em realizar tarefas consideradas comuns da vida cotidiana, necessitando reaprender como fazê-las. Autores 1 atestam que a enfermagem de reabilitação tem sua origem histórica nas duas grandes guerras mundiais, devido à necessidade de se colocar os soldados feridos e deficientes de volta às batalhas ou às suas casas e tinha como foco central a deficiência física e perdas funcionais.
Enfermagem de reabilitação significa
“uma filosofia de cuidados de enfermagem baseada em princípios reabilitativos e restaurativos. Os objetivos da enfermagem de reabilitação são maximizar as habilidades funcionais, ótima saúde e adaptação às alterações no estilo de vida. Enfermagem de reabilitação é a prestação de cuidados de enfermagem aos indivíduos e suas famílias, que estão passando por situações de saúde temporárias, progressivas ou permanentes, que alteram a vida, como doença crônica, deficiência, fragilidade e envelhecimento(2;1).”
Também pode ser compreendida como
“um corpo de conhecimentos e procedimentos específicos que tem por foco de atenção a manutenção e promoção do bem-estar e a qualidade de vida restaurando a funcionalidade quando possível, promovendo o autocuidado, prevenindo complicações e maximizando capacidades. (…) Os cuidados de reabilitação dirigem-se à Pessoa em todas as fases do ciclo vital (…)” (3;6).
Estes dois olhares evidenciam que a enfermagem de reabilitação não se situa numa única área de cuidados em saúde, sendo uma especialidade que atua em todos os ciclos vitais (do nascimento à velhice) e processos de saúde-doença (do saudável à morte). É direcionada à pessoa, sua família, ambiente e coletividades, com os objetivos de promover mudanças no estilo de vida, a fim de tornar as pessoas com déficits de funcionalidade e suas famílias, cidadãos com capacidade de contribuir socialmente, interagir e bem viver.
Este artigo, propõe-se a traçar um breve panorama atual sobre a enfermagem de reabilitação, focando: quais são os países que têm esta especialidade, as organizações e legislação pertinentes, assim como as semelhanças e diferenças entre os diversos locais. Espera-se, com isso, contribuir para a reflexão sobre esta área de assistência, pesquisa e conhecimento, e dar-lhe maior visibilidade.
METODOLOGIA
É um estudo descritivo e retrospetivo, com pesquisa em bases de dados de sites oficiais, realizada a partir da rede eduroam, por possibilitar acesso a diversas bases de dados reconhecidas. A riqueza das informações disponíveis é inquestionável, o que torna necessário a utilização de novas metodologias, a fim de se investigar o avanço do conhecimento nas diversas áreas. A revisão bibliográfica, desde que elaborada a partir de critérios científicos de reprodutibilidade, é uma ferramenta recente que auxilia os pesquisadores a conhecer e analisar as tendências do conhecimento 4.
Os dados foram coletados de 02 de fevereiro a 31 de março de 2018. Foram pesquisadas as entidades associadas ao conselho internacional de enfermagem - ICN. O ICN data de 1899, tem sede em Genebra, Suíça, e é considerado o órgão mundial de representação da enfermagem. Tem como objetivos defender os enfermeiros, fazer avançar a profissão e influenciar nas políticas de saúde e formação5.
A partir deste site, todos os países (134) associados ao Conselho Internacional foram investigados nos seus sites do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Legislação sobre enfermagem, Universidades com pós-graduação em enfermagem, associações e organizações profissionais (Conselhos ou Ordens), além do site indicado no ICN.
Este apresenta 134 países cujas entidades representativas de enfermagem estão a ele articuladas. A partir disto foram pesquisadas as seguintes palavras relacionadas a cada país: “enfermagem”, “legislação em enfermagem”, “enfermagem de reabilitação”, nas línguas português, inglês e espanhol. Os países que não continham informações nestas línguas foram excluídos. Os dados foram organizados por pastas com o nome de cada país e todo material (legislações, políticas públicas voltadas à área, entidades associativas e competências e fiscalização da área) foram classificados. O fluxograma abaixo demonstra a busca dos dados:
Fonte: os autores
* Foram considerados os países com legislação reconhecendo a especialidade, independente de haver, ou não, o trabalho em centros de reabilitação ou formação de pós-graduação.
** Respetivamente: França, Holanda, Rússia, Seychelles e Suíça. A França apresentou alguns documentos em espanhol e/ou inglês, o que possibilitou sua análise.
Após, em cada país foram investigadas as ordens profissionais, associações de enfermagem de reabilitação, congressos e encontros da área e políticas voltadas à formação dos enfermeiros e às pessoas com deficiência.
RESULTADOS
Foram pesquisados os 124 países nos locais já descritos anteriormente, e, destes, 111 não têm enfermagem de reabilitação como profissão legalmente reconhecida, conforme mapa abaixo.
Fonte: os autores
* Só foram apreciados países com legislação comprovada nas línguas citadas. Os autores consideram a possibilidade de haver outros países cuja legislação não esteja disponível.
Os países com enfermagem de reabilitação encontrados foram: Austrália, Canadá, Estados Unidos da América, França, Guatemala, Inglaterra, México, Holanda, Nova Zelândia, Portugal, Rússia, Seychelles e Suíça. Rússia e Seychelles foram retiradas posteriormente por não atender, nos documentos oficiais, o critério da língua. A França apresentou farto material relacionado aos encontros da especialidade, motivo pelo qual foi citada posteriormente.
Os dados foram lidos exaustivamente, num primeiro momento de cada país individualmente, e, num segundo momento, resultante deste primeiro, divididos nas seguintes temáticas na enfermagem de reabilitação: legislação e políticas de governo, entidades associativas, competências profissionais.
País6 | Continente | IDH | Esperança de vida ao nascer/anos | Década de criação de Enf. Reab. |
---|---|---|---|---|
Austrália | Oceânia | 0,939 | 82 | 1990 |
Canadá | A Norte | 0,920 | 82 | 2000 |
Estados Unidos da América | A Norte | 0,920 | 80 | 1970 |
Guatemala | A Central | 0,640 | 73 | 2000 |
França | Europa | 82 | Desconhecido | |
Inglaterra | Europa | 0,910 | 81 | 1950 |
México | A Norte | 0,762 | 76 | 2000 |
Holanda | Europa | 0,924 | 81 | Desconhecido |
Nova Zelândia | Oceânia | 0,915 | 81 | 1990 |
Portugal | Europa | 0,843 | 79 | 1970 |
Rússia | Asia/Europa | 0,804 | 71 | Desconhecido |
Seychelles | África | 0,782 | 75 | Desconhecido |
Suíça | Europa | 0,939 | 83 | Desconhecido |
Fonte: os autores
Dos 13 países encontrados, 5 foram excluídos por não se enquadrar no critério da língua. Ainda assim, os dados de IDH e Esperança de Vida foram considerados para a análise posterior.
Os países investigados têm entidades representativas da especialidade e realizam encontros com temáticas específicas, conforme demonstrado no quadro 2.
ANO | RESPONSÁVEL | TEMÁTICA CENTRAL |
---|---|---|
2017 | Portugal - APER - Associação Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação | • Acessibilidade em Saúde: garantir qualidade de vida |
Brasil - III SIAER/ Seminário Internacional de Atualidades em Enfermagem de Reabilitação - Brasil | • Autonomia, tecnologia e participação | |
França - AIRR - Associação de enfermeiros em re-educação e reabilitação | • Politraumatismo: da rutura à… | |
Estados Unidos da América - ARN - Associação de Enfermagem de Reabilitação | • Reabilitação Cognitiva no Novo Milenio: ensinar a pessoa a pescar Co-apresentada pela seção Minnesota da Associação de Enfermagem de Reabilitação. | |
Austrália - ARNA - Associação Australiana de Enfermagem de Reabilitação | • A mudança de panorama para a enfermagem de reabilitação: "transição, transformação, visões futuras" | |
2016 | ESENFC - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra - Portugal | • A Pessoa, Função E Autonomia: Reabilitar nos Processos de Transição No Ciclo De Vida |
Portugal/Brasil - APER/II SIAER | • Acrescentar Qualidade de Vida: A reabilitação e a cronicidade | |
Canadá - OARN - Associação de Enfermeiros de Reabilitação de Ontário | • Parcerias com pacientes e famílias - Liderando o caminho na reabilitação de enfermagem | |
França - AIRR | • Mais valia do enfermeiro em medicina física e reabilitação | |
Estados Unidos da América - ARN - Philadelphia | • Competency Assessment: Standdize, Individualize and Build Accountability | |
Austrália - ARNA | • Mãos, corações E Minds: capturando a essência da reabilitação | |
2015 | Brasil - I SIAER | • Autonomia, independência, cuidado |
Portugal - APER | • O desenvolvimento profissional e pessoal | |
Canadá - CARN - Canadian Association Rehabilitation Nurses Conference | • Iluminando o futuro! | |
França - AIRR | • Os traumatismos cranianos | |
Estados Unidos da América - ARN - seção Minnesota | • 13 seminário anual de enfermagem de reagilitação: construindo a excelência da reabilitação | |
Austrália - ARNA | • Recebendo todos a bordo | |
2014 | Portugal - ESENFC | • A pessoa, função e autonomia - reabilitar nos processos de transição |
Portugal - APER | • Cérebro, Plasticidade Cerebral e Reabilitação Global | |
Canadá - OARN | • Equipe Canadá nos Jogos Paraolímpicos de Inverno de Sochi 2014 | |
França - AIRR | • Idéias e Crenças sobre deficiência | |
Estados Unidos da América - ARN - Seção Minnesota | • Uma revisão abrangente de enfermagem de reabilitação 12 seminário anual de enfermagem de reabilitação: passado, presente e futuro | |
Austrália - ARNA | • A Cultura da Reabilitação | |
2013 | Portugal - APER | • AUTOCUIDADO. A Essência da Enfermagem de Reabilitação |
Canadá - CARN - Conferência Bienal | • Poder de um... Poder de todos Parcerias - perseverança - positividade | |
França - AIRR | • AVC: da reeducação à readaptação | |
Estados Unidos da América - ARN - 39 Conferência Nacional de Educação | • O continuum de cuidados: navegando na estrada para a recuperação | |
2012 | Portugal - APER | • Por um Envelhecimento Ativo |
Estados Unidos da América - ARN | • Enfermagem de reabilitação e a Compaixão de cuidar: notas para o sucesso | |
2011 | Portugal - APER | • Acrescentar Qualidade de Vida |
Canadá - CARN | • Cronicidade e complexidade: as melhores práticas para enfrentar os desafios na enfermagem de reabilitação | |
OARN - Annual General Meeting | • International Rehabilitation Nursing Experiences in Haiti & Qatar | |
França - AIRR | • Sofrimento e Dor | |
Estados Unidos da América - ARN - 37 Conferência Nacional de educação | • Enfermagem de Reabilitação e Melhores práticas: uma combinação vitoriosa | |
2010 | Canadá - OARN | • Reabilitação e Enfermagem: parceria integrada |
2010 | Toronto - Canadá Rehab | • 4ª Conferência Nacional de lesão medular |
2010 | Estados Unidos da América - ARN 36 ª conferência educacional anual | • A arte, ciência e magia da reabilitação de enfermagem |
2010 | Canadá - OARN - Dia da educação | • Enfermeiros contribuindo para o sucesso de reabilitação do paciente |
2010 | França - AIRR | • Deficiência e Sexualidade |
Fonte: Os autores
* Apesar de muitos encontros anteriores, foram considerados somente os ocorridos após 2010.
Não foram encontrados eventos específicos do México, Guatemala, Holanda, Reino Unido, Seychelles e Suíça. Existem inúmeros encontros, a nível mundial, voltados à reabilitação - com o título de “medicina física e reabilitação” ou de fisioterapia. Porém, o quadro acima evidencia quais foram específicos da especialidade enfermagem de reabilitação. Naqueles países com a especialidade e sem entidades representativas de enfermagem de reabilitação não foram encontrados eventos específicos.
O Reino Unido possui um Conselho de Reabilitação, formado por interessados na área (desde associações profissionais até os usuários) criado em 2008 e com o apoio financeiro do Departamento de Trabalho e Pensões e do Centro Escocês para Vidas de Trabalho Saudáveis. Sua finalidade é garantir acesso à reabilitação de qualidade. As entidades de Enfermagem do Reino Unido são parte integrante deste Conselho7.
Há também uma entidade internacional de enfermeiras especialistas em lesão medular, intitulada International Spinal Cord Society (ISCoS), uma rede de enfermagem em lesão medular, cujo objetivo é "vincular os enfermeiros globalmente, trabalhando na especialidade de enfermagem de lesão medular, [através a] melhoria do cuidado holístico prestado a homens, mulheres, meninos e meninas, seus cuidadoress e famílias, com lesão da medula espinhal8". Nos quatro encontros internacionais mencionados, foram discutidos temas específicos de lesão medular, entre os quais, bexiga e intestino neurogénicos, cuidados com a pele e sexualidade. A ISCoS não tem como objetivo a reabilitação, só o cuidado específico.
DISCUSSÃO
Grande parte dos países estabelece que o exercício profissional de enfermagem se propõe a “promover a saúde, prevenir a enfermidade, intervir no tratamento, reabilitação e recuperação da saúde (9;62).” Apesar disso, poucos são aqueles nos quais a palavra reabilitação se concretiza como área de conhecimento e atuação profissional. E, menos ainda os que têm alguma legislação acerca dos objetivos, formação e atuação da Enfermagem de Reabilitação. Isso que a enfermagem de reabilitação se refere ao cuidado de enfermagem voltado à reabilitação das pessoas, portanto, um cuidado voltado a uma finalidade terapêutica para além do próprio cuidado.
“No contexto da reabilitação, o conceito de cuidado é onipresente na abordagem do enfermeiro ao paciente. Este ambiente é propício para indivíduos cuidados, e uma abordagem humanista para fornecer este cuidado contribui para a promoção e preservação da dignidade humana (1;9).”
Breve análise dos países com a especialidade enfermagem de reabilitação, evidencia que não é o envelhecimento populacional que determina sua existência, nem o desenvolvimento social (aqui verificado pelo IDH), ou ainda o tempo de criação da profissão. São outras razões, às quais alguns artigos destacam parcialmente, mas que, a nível mundial carece de maior aprofundamento e evidencia uma lacuna no conhecimento da história da profissão de enfermagem.
Segundo diversos autores 1,10-12 a enfermagem de reabilitação está intimamente articulada com as Guerras Mundiais, quando o objetivo era restaurativo para que os soldados feridos se tornassem aptos a, ou voltarem para a batalha, ou para casa. Esta afirmação é comum em diversos estudos, de inúmeros países. Inclusive a origem da própria enfermagem moderna deu-se no cuidado a soldados feridos em guerra, na Crimeia, em meados de 1820. Inicialmente, a enfermagem de reabilitação foi direcionada ao cuidado de pessoas jovens e ainda produtivas, com lesões e sequelas devidas a traumas.
O mesmo não aconteceu em Portugal, cuja razão para o despertar da necessidade de enfermagem de reabilitação decorreu de dois acontecimentos: um, foi o caso do chofer de Salazar (O primeiro ministro), cujo tratamento foi realizado na Alemanha, e, outro, os soldados com sequelas da guerra do Ultramar (Guiné, Angola, Moçambique, Timor, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde). Após isto, o Governo Português abriu o primeiro Centro de Reabilitação de Portugal em Lisboa, e as enfermeiras responsáveis foram aprender a especialidade nos Estados Unidos. Duas enfermeiras cursaram lá a especialidade e, quando retornaram, implementaram em Portugal um curso de especialização na área, nos moldes de conteúdos teóricos, teórico-práticos e estágios, tal como vigente até os dias atuais. Já, na época a intenção do curso era cobrir “todos os grupos etários com deficiência e impunha ação iniciada na fase aguda e continuada em tratamento ambulatório na comunidade(13;13).”
Os dados evidenciam que a origem da enfermagem de reabilitação pode ser da Inglaterra e Estados Unidos, o que pode ser verificado no Mapa de distribuição da especialidade. Apesar desta origem em comum, percebe-se também algumas diferenças entre os países, o que tratar-se-á em seguida.
A Inglaterra tem como nome disability nursing, ao invés de nursing rehabilitation, fato que não pode passar desapercebido, mesmo que não seja aprofundado. Os países da Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia têm eixo bem importante centrado em cuidados de enfermagem para pessoas com deficiência intelectual/cognitiva, o que é um pouco diferente em Portugal, Estados Unidos e Canadá. No Canadá e Estados Unidos, há muitas empresas de enfermagem de reabilitação voltadas ao cuidado domiciliar de longa duração. Há que se investigar estas diferenças e semelhanças.
Há um consenso de que a enfermagem de reabilitação agrega ao cuidado à intenção de maximizar a independência e funcionalidade. Neste sentido, a enfermagem de reabilitação presta um cuidado voltado para o outro inserindo-o no seu cotidiano, que fica fora do próprio local onde o cuidado é realizado. Isto fica evidente nos temas dos encontros profissionais, que versam sobre a identidade deste cuidado e da relação que deve se estabelecer entre profissional e pessoa para que ele seja realizado. Tal relação é essencialmente educativa, pois o profissional compartilha com o sujeito cuidado, formas deste poder viver no cotidiano com maior independência.
Gradativamente, vem emergindo nos encontros a temática da cronicidade e do envelhecimento, fato justificado pela mudança do perfil epidemiológico e demográfico. Isto também determinará mudanças na prática profissional, que deverá adequar-se a esta demanda.
De um modo geral, os encontros refletem sobre a filosofia, os princípios, as finalidades e as técnicas de enfermagem de reabilitação, além de quem é o sujeito a ser cuidado pelo enfermeiro de reabilitação e sua participação neste processo. O Canadá associa a reabilitação ao paradesporto, o que não foi evidenciado nos outros países. Também foi constatada duas tendências a nível mundial: a discussão incipiente do termo autonomia, como empoderamento da pessoa a ser reabilitada, e a atuação do enfermeiro nas doenças crônicas e envelhecimento. Ambas, ainda com forte demarcação pela funcionalidade corporal, o que é contrassenso à finalidade do cuidado integral.
Em relação às entidades representativas, Estados Unidos e Canadá apresentam entidades similares, com uma organização a nível nacional e seções em cada estado. Já, a relação da Associação Portuguesa de Reabilitação tem história de muita proximidade com a Ordem dos Enfermeiros.
O código de ética da enfermagem da Austrália afirma que “O papel do enfermeiro inclui promoção e manutenção da saúde e prevenção de doença para indivíduos com doença física ou mental, necessidades de incapacidade e / ou reabilitação, bem como o alívio de dor e sofrimento no final da vida(14:1).” Reitera-se que na Austrália a especialidade é intitulada de disability nursing.
Nos países pesquisados é competência do enfermeiro cuidar na promoção, proteção, recuperação e reabilitação. Nos que não possuem a especialidade enfermagem de reabilitação são realizadas ações de cuidado de enfermagem parciais nos centros de reabilitação, especialmente reeducação vésico-intestinal para as pessoas com lesão medular e curativo do coto para aquelas amputadas, além dos cuidados gerais com a pele em ambos. Não foi evidenciado ações de cuidado de enfermagem diferenciadas em outras pessoas com deficiência (física ou intelectual/cognitiva). Sempre são ações de cuidado, sem a intencionalidade de reabilitar.
Nos Estados Unidos “A preparação para a prática avançada em enfermagem de reabilitação requer uma pós-graduação em enfermagem, de preferência com uma concentração nos conceitos de enfermagem de reabilitação (15;2).“ O mesmo acontece em todos os países que possuem a especialidade. Em todos é requerida formação adicional para o exercício profissional.
Os países que têm a especialidade trabalham com o princípio de que enfermagem de reabilitação é uma filosofia de cuidado, e não uma área específica onde este deverá ser realizado. Nesta filosofia de cuidado, há a abordagem de aspectos diferentes, mas não excludentes, nos diversos países, nos quais: Portugal estabelece como uma das competências do Enfermeiro de Reabilitação “Promove a mobilidade, a acessibilidade e a participação social3”, cuja atuação é fortemente influenciada, com a atuação de enfermeiros de reabilitação junto a órgãos governamentais para a acessibilidade arquitetónica e atitudinal. Os Estados Unidos estabelecem as competências em quatro eixos: cuidados aos acamados, trabalho interprofissional, promoção da vida com sucesso e liderança16.
Há ainda que salientar que a origem da enfermagem de reabilitação, ao que se constata das leituras é inglesa (da Inglaterra), especialmente nos países por eles colonizados e norte americana (Estados Unidos da América), nos países vizinhos geograficamente. Há ainda que se aprofundar esta afirmação e investigar por quais caminhos e, se, realmente isso aconteceu.
CONCLUSÃO
Este artigo objetivou mostrar um breve panorama mundial da especialidade em enfermagem de reabilitação. Percebeu-se que, apesar de recente, a especialidade já está consolidada em alguns países, com a realização de encontros sistemáticos entre os pares para a reflexão sobre a prática, o objeto de estudo, escopo e objetivos. Há o consenso de lacunas no campo do conhecimento, que, gradativamente, são preenchidas com as pesquisas e as inovações da prática.
Ainda assim, são poucos os países com esta especialidade. A enfermagem de reabilitação apresenta competências específicas, voltadas ao cuidado de enfermagem com a intencionalidade de que o sujeito cuidado consiga construir alternativas para viver com independência e autonomia. Tem interface com o trabalho de diversos profissionais da área, inclusive com ações e competências comuns.
O desafio que se coloca é de, coletivamente, unificar os diversos movimentos, entidades representativas e práticas, a fim de se refletir sobre qual o âmbito, a finalidade do trabalho do enfermeiro de reabilitação e os princípios e ações necessárias, a fim de se construir e consolidar coletivamente a especialidade (a nível dos países que já têm e os que ainda não tem). Isso inserido nas demandas recentes de reabilitação associadas às doenças crónicas e degenerativas e doenças transmissíveis, além dos traumas.
A APER, como entidade representativa e fortalecida da especialidade tem papel essencial nesta articulação.
Este estudo abriu muitas lacunas no conhecimento da história da especialidade, conseguindo responder a poucas questões propostas. Teve como limitações o material existente ser escasso, o que dificultou o conhecimento de países cuja língua os autores desconhecem. Por outro lado, evidenciou que o campo enfermagem de reabilitação é um campo com especificidade de atuação e de construção do conhecimento.