1 Introdução
A atual pandemia provocada pela circulação do vírus SARS-CoV-2 coloca a população em geral, e os idosos em particular, em situação de grande vulnerabilidade, com um risco elevado de morbilidade e mortalidade.
A pandemia de COVID-19 apresenta-se como uma emergência de saúde pública de importância mundial, com alto grau de mortalidade entre os idosos, pela progressão muito rápida da infeção neste grupo de pessoas (Wang W, 2019). Este problema de saúde pública, requer intervenções adequadas às diferentes fases de propagação da infeção, desde a preparação, vigilância, controle e mitigação. Os recursos humanos devem ser preparados para disponibilizarem cuidados específicos, seguros e de qualidade, baseados na melhor evidencia disponível, em cada fase da pandemia. Só deste modo os profissionais se poderão proteger a si e aos outros dos riscos que enfrentam.
A progressiva utilização de Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), decorrente do aumento da esperança média de vida, do surgimento de pessoas com dependência e/ou situações crónicas, mais acentuadas nos últimos anos de vida, exige recursos humanos preparados, para dar resposta a problemáticas não apenas da área social, mas também da área da saúde. Esta é uma situação evidente, crescente nos últimos anos, que se agravou com a pandemia, sendo necessário ações concertadas para mitigar o impacto da COVID-19, aumentando as medidas de prevenção e controle da infeção nas ERPI.
Nestas organizações, uma boa parte dos recursos humanos, as Ajudantes de Ação Direta (AAD), têm necessidade de desenvolver competências que lhes permitam garantir ações seguras e de qualidade em contexto de cuidados a pessoas idosas com necessidades de saúde (Fallon, Dukelow, Kennelly & O’Neill, 2020; McGilton et al., 2020).
A educação tem-se mostrado uma estratégia importante para efetuar mudanças no desempenho e promover a translação do conhecimento para a prática (Davis & Davis, 2010). Nas ERPI, em particular as intervenções educativas breves, demonstararam modificar práticas com vista à melhoria da qualidade dos cuidados e da capacidade funcional dos residentes (Bauer et al., 2018; Di Giulio et al., 2019).
No que respeita à implementação de medidas de controlo de infeção, o treino e a monitorização da competência dos recursos humanos são aspetos essenciais. Contudo, há uma escassez de dados sobre o conteúdo e/ou tipo de intervenções educativas a implementar (Barratt &Gilbert, 2020; Barratt, Shaban &Gilbert, 2020 ).
Importa, portanto, identificar e descrever intervenções educativas para AAD, em ERPI, que promovam a incorporação da melhor evidência nas práticas de prevenção e controlo de infeção por COVID-19.
O objetivo desta revisão integrativa foi descrever as intervenções educativas para AAD de ERPI durante a pandemia por COVID-19. Este estudo integra um projeto mais amplo, Know4Care: Mobile application for an integrated response to Covid-19 and beyond in nursing homes.
2 Metodologia
Nesta revisão integrativa começamos por definir a questão de partida, seguindo-se a determinação dos critérios de inclusão e exclusão, a definição da informação a extrair dos estudos, a avaliação da qualidade dos estudos, a interpretação dos resultados e, por fim, a síntese do conhecimento (Whittemore & Knafl, 2005).
Partimos da identificação do problema, formulando a seguinte questão: Quais as características das intervenções educativas para AAD de ERPI durante a pandemia por COVID-19, promotoras da incorporação da melhor evidência nas práticas de prevenção e controlo de infeção?
Esta foi desenhada de acordo com a estratégia PICOT (População, Intervenção, Comparador, Outcome, Tempo) (Stern, Jordan & McArthur, 2014), sendo P - AAD de ERPI, I - Intervenções educativas, O - Prevenção e controlo de infeção, T - Durante a pandemia por COVID-19.
Em março de 2021 conduzimos a pesquisa nas bases de dados Academic Search Complete, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Psychology and Behavioral Sciences Collection, US National Library of Medicine (Pubmed), SCOPUS e Web of Science. Foram considerados os artigos publicados entre 2019 e 2021, não tendo sido feita quaisquer restrições à língua utilizada no artigo. Considerou-se todos os artigos que apresentassem intervenções educativas dirigidas AAD de ERPI durante o período de pandemia por COVID-19 (Tabela 1).
Foram utlizados descritores Medical Subject Headings (Mesh) e/ou palavras-chave, associadas a cada dimensão da questão de partida. Para a população recorremos aos termos relacionadas com a designação AAD, como staff, worker, Health Care Professionals, HCP, Health Personnel, Health Care Provider, Healthcare Providers, Healthcare Provider, Healthcare Workers, Healthcare Worker, Health Care Professional, Nursing Assistants, Nursing Assistant, Nurses' Aides, Nurse Aides, Nurse's Aides, Nurses Aides, Nurses' Aide, Nursing Auxiliaries, Nursing Auxiliary, support worker, Allied Health Personnel, Healthcare Assistants, Healthcare Assistant, Assistant, Healthcare Support Workers, Healthcare Support Worker. A estas juntámos expressões que se relacionavam com ERPI, como Residential Facilities, Assisted Living Facilities, Homes for the Aged, Nursing Homes, Long-Term Care, residential aged care, Long-Term Care Facilities.
Para a dimensão intervenção, utilizámos os termos que se relacionavam com uma intervenção educativa, como Educational Program, Teaching, training program, Educat*, Continuing Education, Traing*, learning, educational intervention.
Para a dimensão Outcome, utilizámos os termos Infection Control, Containment strategy, Containment of Biohazards, Disease Transmission, Disease Transmission Infectious, Infectious Disease Transmission Professional-to-Patient, Infectious Disease Transmission Patient-to-Professional, Disease Transmission Patient-to-Professional, Disease Transmission Professional-to- Patient, Risk Factors, Risk reduction behaviour, Harm reduction. E, por fim, para a dimensão tempo, utilizámos os termos COVID-19, 2019-nCoV, SARS-Cov-2.
A identificação e seleção dos estudos foi realizada por dois investigadores, combinando os termos acima apresentados com os operadores boleanos OR ou AND. Identificámos 349 artigos, 9 na Academic Search Complete, 12 na CINAHL, 11 na MEDLINE, 1 na Psychology and Behavioral Sciences Collection, 13 na Pubmed, 299 na SCOPUS e 4 na Web of Science. Após removidos os duplicados, procedeu-se à análise do título e do resumo de 316 artigos. Destes selecionámos 21 para análise do texto integral. A nossa amostra final foi composta por 4 artigos.
Estes foram sujeitos à avaliação da qualidade, com avaliações independentes entre dois dos investigadores, de acordo com a Joanna Briggs International (Lockwood et al, 2015), tendo-se verificado que todos os artigos integrados na amostra afinal cumprem critérios de qualidade.
A pesquisa e seleção de artigos seguiu o fluxograma PRISMA recomendado pela Preferred Reporting Items for Transparent Reporting of Systematic Reviews and Meta- Analyses (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, 2009) (Figura 1).
3 Resultados
No período temporal estabelecido - durante a pandemia por COVID-19 - identificámos quatro estudos publicados em 2020. Estes abordam intervenções educativas dirigidas ao pessoal das ERPI, onde se incluem as AAD. Não se encontraram estudos dirigidos exclusivamente a AAD. Todos os estudos são oriundos do continente americano, com um desenho de estudo de corte longitudinal (1), relato de caso (2) e quase-experimental
(1) (Tabela 2).
Os programas educativos dirigidos aos profissionais das ERPI, onde se incluem as AAD, apresentam uma grande variabilidade em termos de intervenção, público-alvo, conteúdos, duração, forma como é disponibilizado e área disciplinar dos formadores. Parece existir uma associação entre a educação disponibilizada e a redução da transmissão do vírus.
4 Discussão
Os estudos em análise descrevem intervenções educativas dirigidas aos profissionais das ERPI. Pese embora nenhum seja específico para as AAD, na sua estrutura, a conceção e organização das intervenções educativas pressupõem conteúdos formativos cujo core recaí em noções básicas de controle de infeção: colocação e remoção segura de EPI (Kim et al., 2020; Lipsitz et al., 2020; Archbald-Pannone et al., 2020; Vijh et al.,2020); identificação de sinais e sintomas de COVID-19 (Kim et al, 2020), medidas de isolamento (Lipsitz et al., 2020; Vijh et al., 2020) e dinamização de consulta de telemedicina (Archbald-Pannone et al., 2020). Acresce a estes conteúdos as questões relacionadas com a coordenação de cuidados de saúde (Archbald-Pannone et al., 2020), liderança e responsabilização das equipas de saúde (Lipsitz et al., 2020). Estes resultados são consistentes com as principais orientações internacionais, que recomendam que a dinamização de intervenções educativas deve promover o treino dos profissionais nas medidas de controlo de infeção, colocação e remoção de EPI, minimizando o risco da disseminação nos contextos de trabalho e comunidade (WHO, 2020a; WHO, 2020b). São também alinhadas com as recomendações que apontam para a necessidade da existência de um líder, que possa coordenar a preparação dos profissionais, garantindo a correta implementação das medidas de controle de infeção (ECDC, 2020).
Nos estudos da nossa amostra, todos os formadores são da área da saúde (medicina, enfermagem e saúde publica) (Kim et al., 2020; Lipsitz et al., 2020; Archbald-Pannone et al., 2020; Vijh et al., 2020). Os profissionais de saúde podem, neste campo, constituir-se como agente ativo de formação (Davis & Davis, 2010), contribuindo para a implementação de medidas de prevenção e controlo da infeção.
Os quatro estudos em análise são pouco pormenorizados quanto à metodologia e estratégias pedagógicas utilizadas. Podemos apurar que dois deles utilizaram um método de ensino presencial (Archbald-Pannone et al., 2020; Vijh et al., 2020), enquanto os restantes utilizaram a videoconferência como ferramenta de comunicação (Kim et al., 2020; Lipsitz et al., 2020).
Apesar dos constrangimentos impostos pela pandemia de COVID-19, verificou-se a reformulação das metodologias tradicionais de formação de adultos. A crise sanitária vigente proporcionou, ao nível do ensino, o desenvolvimento de inovações e ferramentas pedagógicas, iniciando um novo capítulo no acesso à formação e ao desenvolvimento profissional (Bruyneel et al., 2020; Seymour-Walsh, Weber, & Bell, 2020; Seymour-Walsh, Weber, Bell, & Smith, 2020). Nos estudos da amostra verificou- se que formação profissional continuou a ser profícua, sendo observado nos outcomes, a clara diminuição das taxas de infeção, e por inerência a diminuição da taxa de mortalidade, nas instituições que desenvolveram a capacitação dos seus profissionais (Kim et al., 2020; Lipsitz et al., 2020; Archbald-Pannone et al., 2020; Vijh et al., 2020).
Apesar do ensino à distância não permitir o contacto físico entre os seus atores, esta modalidade de ensino pode constituir-se num recurso para a preservação do relacionamento entre os formandos e os formadores, evitando o isolamento social (Prata et al., 2020; Bruyneel et al., 2020). É, contudo, importante salientar que se devem criar mecanismos para a interação direta e feedback entre formandos e formadores (Grzych & Schraen-Maschke, 2020). O diálogo e a estrutura pedagógica são essenciais para uma aprendizagem eficaz e bem-sucedida, podendo desprezar-se o contributo negativo do distanciamento físico (Rhim & Han, 2020).
A SARS-CoV-2 é responsável por uma doença com características particulares que se materializou num grande problema de saúde pública. Este fenómeno exigiu medidas musculadas de combate à infeção em todo o mundo, sendo a formação dos profissionais, em contacto com populações vulneráveis, um dos aspetos mais relevantes destas medidas.
5 Conclusões
São muitos os desafios que a atual pandemia de COVID-19 coloca à sociedade em geral e aos administradores e grupos profissionais que cuidam de pessoas idosas institucionalizadas. De modo a garantir a proteção contra a infeção por SARS-Cov-2 nesta população particularmente vulnerável, as ERPI levaram a cabo intervenções educativas dirigidas ao seu pessoal, com a preocupação de considerar não apenas as AAD, mas toda a equipa multidisciplinar.
A investigação sobre as metodologias e estratégias de aprendizagem aplicadas aos profissionais das ERPI (e, por consequência, dirigida às AAD) é, contudo, ainda muito parca, o que é demonstrado pela composição de apenas quatro estudos na amostra final desta revisão integrativa.
Os resultados permitem concluir que houve preocupação em desenvolver planos de resposta à pandemia, consistentes e sistematizados, que fornecessem intervenções educativas sobre práticas de prevenção e controle de infeção para os profissionais das ERPI. Os profissionais de saúde que dinamizaram estes programas formativos centraram-se na necessidade de implementar medidas de isolamento e utilização de equipamentos de proteção individual, nomeadamente, o uso adequado de equipamentos de proteção individual, obtendo resultados significativos no declínio das taxas de infeção e mortalidade nestas instituições. Recorreu-se ao ensino à distância ou ao ensino presencial, como estratégias pedagógicas de disponibilização dos conteúdos planeados.
Esta revisão integrativa vem apontar para a importância das intervenções educativas junto das AAD como forma de prevenir a transmissão do SARS-Cov-2 em ERPI e reduzir as taxas de morbilidade e mortalidade. O ensino à distância revela-se uma oportunidade de educação para as pessoas em locais remotos, com dificuldades no acesso presencial. A formação presencial mostrou-se também como essencial na demonstração e treino de práticas de cuidados seguros. Recomenda-se a realização de investigação no futuro para obter uma maior consistência nas conclusões.