1. Introdução
Entende-se como Competência emocional (CE) a capacidade de cada sujeito mobilizar, integrar e aplicar na sua vida quotidiana e profissional os conhecimentos e capacidades que possui sobre emoções; aspetos estes que podem ser adquiridos através de intervenções psicoeducativas e formativas específicas, adaptadas a um determinado público-alvo (Karimi et al., 2020; Kasler et al., 2013; Teskereci et al., 2020).
A literatura científica sugere que uma elevada Inteligência emocional (IE) se reflete numa boa CE, interferindo significativamente na forma como as pessoas vivem e estabelecem relações interpessoais positivas e satisfatórias (Goleman, 2005). Devido ao impacte que a CE tem na vida das pessoas, vários investigadores têm-se dedicado a estudar a influência do trabalho no desenvolvimento das CE e da IE em aspetos relacionados com o bem-estar (Elias, 2013), a autoestima (Pérez-Fuentes et al., 2019) e no desempenho profissional (Alonazi, 2020; Bas-Sarmiento et al., 2020; Değerli & Odacı, 2020), de diferentes grupos profissionais.
A CE possui dimensões que se encontram positivamente associadas a fatores como a empatia, a resiliência, o suporte social, a satisfação laboral e o cuidar. Estes elementos podem ser diferenciadores no desempenho profissional, uma vez que possibilitam uma melhor capacidade de gerir emoções pessoais e as dos outros (Nightingale et al., 2018).
A situação pandémica causada pelo SARS-COV2 transformou-se num problema de saúde pública, onde os profissionais de saúde foram confrontados com uma experiência traumática que interferiu no seu desempenho profissional e na sua saúde mental (Soto-Rubio et al., 2020). Conscientes dos desafios profissionais e considerando os estudos que reforça a importância das CE no bom desempenho profissional, na satisfação do trabalho e no esgotamento causado pela pandemia (Alonazi, 2020), é essencial investir na educação/formação dos profissionais de saúde, contribuindo para um desenvolvimento eficaz da sua CE (Macedo, et al., 2019a).
Baseados neste conhecimento empírico sobre CE e na importância que a supervisão clínica assume na implementação de estratégias para o desenvolvimento de CE dos profissionais de saúde, nomeadamente: i) na partilha de experiências; ii) na existência de momentos de reflexão; iii) nas ações informativas no contexto de trabalho, promovidas pela organização, e iv) nas metodologias de trabalho, que valorizem as oportunidades de encontros de equipas multiprofissionais e estudantes no ensino clínico/estágio (Macedo, et al., 2019b); foi estruturada e desenvolvida uma intervenção promotora de CE junto de um grupo de enfermeiros(as) de uma Unidade de Cuidados Coronários.
2. Metodologia
Este estudo obedece aos pressupostos de uma metodologia mista, onde se procurou articular dados quantitativos e qualitativos. A realização de uma investigação com recurso aos métodos mistos possibilita complementar os dados de classificação dos participantes sobre as dimensões avaliadas, através de questionários (competências emocionais e bem-estar psicológico), com os testemunhos dos participantes sobre a experiência profissional e o papel das emoções no exercício profissional. Neste sentido a combinação de dados quantitativos e qualitativos representa um avanço metodológico para uma melhor compreensão da realidade que pretendemos intervir. De acordo com o amplo consenso sobre métodos mistos, que enfatiza o seu poder explicativo (Doyle et al., 2009; Wisdom et al., 2012), espera-se que a potencialidade desta combinação permita compreender de forma mais precisa o impacte das sessões de intervenção, desenvolvidas para estes profissionais, no âmbito da promoção e desenvolvimento de competências emocionais. No fundo, o recurso a esta metodologia de investigação reunirá, num mesmo estudo, dados quantitativos e qualitativos recolhidos pelo investigador de forma a colmatar as limitações de investigação inerentes a desenhos de investigação exclusivos de uma única abordagem (Caruth, 2013; Creswell, 2012).
Neste sentido, esta articulação de métodos permitirá responder à seguinte questão de investigação: Qual o impacte do programa de intervenção psicoeducativa e formativa na aquisição e desenvolvimento de competências emocionais dos profissionais de saúde?
2.1 Participantes
Participaram neste estudo seis (6) profissionais que exercem prática Clínica numa unidade de Cuidados Coronários (4 do sexo feminino e 2 do sexo masculino), com idades compreendias entre os 27 e os 45 anos (M = 34.5) e com uma experiência profissional que varia entre os 4 e os 23 anos (M = 12.7). Relativamente ao estado civil, 3 profissionais são casados, 2 solteiros e 1 divorciado. Todos são detentores de título de licenciatura e três possuem mestrado.
2.2 Intervenção Psicoeducativa e Formativa
Após a aprovação do estudo por parte da Subcomissão de Ética para as Ciências da Vida e da Saúde da Universidade do Minho e da Comissão de Proteção de dados no Hospital onde foi realizado o estudo, os profissionais interessados em participar no estudo, que exercem a prática clínica, foram informados relativamente aos objetivos e design do estudo, de forma a obter a sua colaboração livre, esclarecida e voluntária, disponibilizada em formato eletrónico. De forma a garantir o anonimato dos participantes e possibilitar ao investigador o emparelhamento dos dados foi criado um sistema de codificação que cada participante usou nos diferentes momentos de avaliação. Assim, a identificação nominal do participante não se verificou, sendo substituída pelo código previamente estabelecido. A informação recolhida foi única e exclusivamente utilizada para a concretização deste projeto, com a garantia da confidencialidade de forma a não causar qualquer tipo de transtorno, risco ou prejuízo aos participantes. As sessões foram gravadas com o devido consentimento dos participantes.
A intervenção constituiu-se por quatro (4) sessões, realizadas quinzenalmente através da plataforma zoom, com uma duração de 90 minutos. Estas foram delineadas considerando os aspetos teóricos relativos à IE e conjugados com atividades promotoras do desenvolvimento da CE.
As sessões foram estruturadas e implicaram a realização de algumas atividades que potenciaram a reflexão individual e a partilha entre profissionais. No final de cada sessão foi apresentado um desafio quinzenal que visava a consolidação dos conteúdos trabalhados durante a sessão.
2.3 Técnicas de Recolha de Dados
Tendo como linha orientadora os métodos mistos, foi necessário delinear um plano de recolha de dados que nos permitisse obter informação quantitativa e qualitativa.
A informação quantitativa recolhida através de questionários, preenchidos antes e depois da intervenção, permitiu medir algumas dimensões. Estes questionários procuraram recolher a informação sociodemográfica, e avaliar a competência emocional e o bem-estar psicológico. Para avaliar estas duas dimensões foram escolhidas a Escala veiga de competência emocional (ECAV, Veiga, 2010) e a Escala de bem-estar psicológico - versão reduzida (Ryffs & Keyes, versão portuguesa de Duarte-Silva & Peralta, 1997). A ECAV é uma escala constituída por 86 itens, estruturada em duas partes. A primeira parte destina-se à caracterização da população em estudo e a segunda reúne um conjunto de afirmações, que permite descodificar comportamento e atitudes relacionadas com as cinco habilidades de Competência Emocional. A Escala de bem-estar psicológica comporta 18 itens que permite avaliar seis domínios de bem-estar: Aceitação de Si, Crescimento Pessoal, Objetivos na Vida, Relações Positivas com os Outros, Domínio do Meio e Autonomia.
No pós-intervenção, o questionário incluiu questões de resposta aberta focadas na experiência de cada participante na intervenção e nas potencialidade e utilidade da intervenção para as boas práticas profissionais.
Para complementar esta informação realizou-se uma sessão de Focus Group. Esta metodologia de recolha de dados permitiu a discussão em grupo, o feedback mais aberto, e a possibilidade da expressão de ideias e sentimentos, sendo que obedeceu ao número recomendável de participantes (Wilkinson, 1998). Esta sessão permitiu um conhecimento mais profundo da realidade onde pretendemos intervir, funcionando como um estudo da população-alvo e das suas necessidades. Assim, a sessão de Focus Group organizou-se de modo a que os profissionais refletissem sobre a sua experiência profissional, o seu contexto de trabalho, as relações com os elementos da equipa e as emoções associadas às exigências diárias. Previamente foi delineado um conjunto de questões orientadoras para promover a recolha de dados. Esta sessão promoveu a recolha de narrativas que espelharam as perspetivas e os significados atribuídos pelos participantes às suas vivências no contexto de trabalho na Unidade de Cuidados Coronários.
2.4 Técnica de Análise de Informação
Finalizada a recolha de informação seguiu-se a sua análise, onde o investigador pode retirar as conclusões do estudo e analisar a eficácia da intervenção no desenvolvimento da competência emocional dos profissionais de saúde. No que respeita aos dados qualitativos, o processo de análise teve início com a transcrição da sessão de Focus Group, das sessões de intervenção e das respostas às perguntas abertas do questionário final. Seguiu-se a revisão da informação transcrita para verificar a possível existência de erros e se foram considerados todos os detalhes (Flick, 2005). Após a transcrição, os dados foram sujeitos a uma análise de conteúdo temática (Bardin, 2016) com recurso ao software WebQDA. O corpus de análise (Bardin, 2016) foi composto pela totalidade das transcrições da sessão de Focus Group, pelas sessões de intervenção e pelas respostas dadas às questões abertas do questionário. Assim, as narrativas dos participantes foram analisadas quanto ao seu conteúdo, de acordo com os pressupostos de Laurence Bardin (2016). Para esta autora, a análise de conteúdo consiste numa técnica de decomposição das comunicações, sistematização do seu conteúdo e da categorização dos dados examinados pelo investigador. Ou seja, de acordo com Bardin (2016), a análise de conteúdo organiza-se em diferentes fases: a pré-análise, a exploração do material e o seu tratamento, a inferência e a interpretação dos resultados. O primeiro sistema de categorias foi elaborado considerando os dados e a literatura, resultando num sistema de codificação que incluiu as categorias dedutivas e categorias indutivas (Brandão, 2010). Esse sistema de categorias foi analisado por um investigador externo (Bardin, 2010), de forma a observar a consistência da codificação, a garantir-se a qualidade do estudo e o rigor na análise de dados.
Os dados quantitativos foram analisados com recurso ao software IBMSPSS, recorrendo-se a técnicas de estatística descritiva e inferencial não paramétrica. A opção por testes não paramétricos justificou-se pelo reduzido tamanho da amostra.
Nesta fase da investigação, o recurso à estratégia de triangulação simultânea (Creswell, 2012), para comparar os resultados quantitativos (escalas e respetivas dimensões) e os resultados qualitativos (categorias), ainda não aconteceu. A triangulação desses mesmos dados trará contributos ao nível do investimento por parte dos profissionais que exercem prática clínica em contextos de trabalho complexos.
3. Resultados
Os resultados são, ainda, preliminares. No entanto da análise lato senso é possível destacar que do focus group emergiram conteúdos que para além de terem revelado a necessidade de frequentar ações formativas, para que as suas práticas sejam, cada vez mais, baseadas em evidência científica, revelaram também a necessidade em saber lidar com a complexidade do contexto de trabalho. As sessões constituíram momentos formativos valiosos onde os profissionais puderam discutir aspetos relativos à sua atividade profissional, tal como referem estes participantes:
“Sabe bem... falar, partilhar experiências” (689CE25).
“Acho que isso faz falta, estes momentos são importantes para se desenvolverem estas competências emocionas e que também vão ajudar depois também no desenvolvimento das competências também a nível profissional, não é? (…). E, portanto, estas dinâmicas, estes jogos, estas estratégias de desenvolvimento da equipa e de desenvolvimento destas competências comunicacionais, comportamentais, emocionais são importantes. E melhora bastante este... este desenvolvimento... o nosso trabalho do dia a dia” (941CE01).
“Quando queremos desenvolver competências seja ela de que ordem for, seja prática, seja emocional, seja... é importante termos formações e aprendermos com quem tem conhecimento demonstrado sobre tal” (689CE25).
Na avaliação pós-intervenção destaca-se a avaliação positiva que os profissionais fizeram às sessões de intervenção e da relevância das mesmas para a sua evolução pessoal e profissional. Estes resultados reforçam a importância de se desenvolverem ações de carácter formativo e psicoeducativo junto dos profissionais de saúde.
Os dados recolhidos no momento de pós-intervenção demonstram o interesse nas sessões desenvolvidas e na utilidade que as mesmas tiveram para a sua prática profissional. Os participantes foram destacando alguns aspetos que revelaram a sua satisfação com o conteúdo das sessões e a forma como elas foram desenvolvidas, são alguns exemplos:
“Poder refletir sobre o assunto. Enquanto profissionais que trabalhamos com outros (profissionais ou não) precisamos perceber que estas competências também podem ser trabalhadas e desenvolvidas. A introspeção. Parar para pensar no assunto e perceber de que forma podemos desenvolver algumas competências, permitindo uma gestão mais eficaz do nosso trabalho” (092CE07).
“A forma como somos incentivados a exprimir os sentimentos e a não ter vergonha/medo de os exprimir na vida” (592CE23).
4. Discussão
A opção por desenvolver a intervenção junto de profissionais de uma unidade de cuidados coronários justifica-se pela dimensão prioritária, e permanente de intervenção na área da saúde, que a doença crónica do foro cardíaco exige. As Doenças Cardiovasculares são as que apresentam maior taxa de morbilidade e mortalidade mundial. O elevado número de internamentos por Enfarte Agudo do Miocárdio, em muitos casos, pela baixa adesão dos doentes aos Programas de Reabilitação Cardíaca, faz com que estas unidades sejam consideradas complexas e exigentes para os profissionais que lá trabalham. Para além do domínio tecnológico que este contexto requer, coloca à prova as capacidades destes profissionais de se autorreconhecerem e de autocontrolarem as suas emoções.
Esta exigência acaba por se refletir na necessidade destes profissionais em ter momentos de partilha e de discussão sobre as pressões diárias que enfrentam, tal como é visível pelos relatos no focus group e na avaliação que eles fazem das sessões frequentadas.
5. Conclusões
A CE assume-se como uma característica pessoal que contribui significativamente para o bem-estar pessoal e para um melhor desempenho profissional (Alonazi, 2020; Bas-Sarmiento et al., 2020).
Atualmente, os profissionais de saúde veem-se confrontados com uma exigência adicional em consequência da crise pandémica. Os dias de trabalho tornam-se mais exigentes, obrigando-os a recorrer às competências que facilitem a comunicação com a pessoa do foro cardíaco, com os elementos de equipa de trabalho, exigindo-lhes o desenvolvimento de estratégias de controlo emocional que possibilitem uma melhor adaptação à imprevisibilidade dos dias.
Considerando estes aspetos tornou-se essencial oferecer aos profissionais momentos que lhes possibilitassem o desenvolvimento das suas CE, de forma a capacitá-los para as exigências quotidianas. Assim, este estudo pretendeu, através de uma intervenção estruturada, promover o desenvolvimento de CE num grupo de profissionais que trabalham numa Unidade de Cuidados Coronários.
Para melhor avaliar a eficácia da intervenção, optou-se por uma metodologia mista, conjugando análises de dados qualitativos e quantitativos. Se por um lado os dados qualitativos ofereceram-nos uma melhor compreensão do fenómeno, permitindo que os problemas fossem analisados de forma mais profunda e detalhada (Patton, 1990). Por outro, os dados quantitativos permitiram-nos medir áreas para as quais a intervenção foi desenhada. A continuidade do estudo, com a triangulação e sistematização mais profunda dos dados, deixará certamente, muitos caminhos para explorar e desenvolver no campo do desenvolvimento profissional.