1. Introdução
O primeiro caso de COVID-19 foi relatado em 26 de dezembro de 2019 na província de Wuhan, na China, e daquele momento até o entendimento da gravidade da doença, já havia se instalado uma epidemia na China (Wu et al., 2020). Nesse sentido, um vírus de fácil contágio em um mundo extremamente globalizado, não demoraria muito a se difundir aceleradamente. Nessa perspectiva, o vírus logo tomou proporções mundiais, e em 11 de março de 2020, menos de 3 meses do primeiro caso, foi considerado pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2020). Nesse contexto, logo no primeiro semestre de 2020, foram providenciadas medidas para conter o avanço do vírus, sendo uma das mais importantes, a adoção do isolamento social nas cidades. As providências para contenção do vírus foram diversas, desde o uso de máscaras em ambientes públicos, até a restrição de funcionamento de estabelecimentos, o que ocasionou uma queda na curva de contágio nos locais onde as medidas eram realmente efetivadas (Antunes et al., 2020). Somado às medidas de distanciamento, os esforços dos/as cientistas para desenvolverem vacinas contra a COVID-19 e controlar a pandemia se tornaram diários. Em julho de 2020, 23 vacinas estavam sendo testadas.
O Brasil estava envolvido nos ensaios clínicos de duas destas, a do Instituto Butantan em associação com a empresa chinesa Sinovac e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz) com a AstraZeneca (Guimarães, 2020). Com o avanço dos estudos, quatro vacinas foram aprovadas no Brasil pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e estão sendo administradas, apresentando eficácia na proteção para casos graves, moderados e leves: CoronaVac, AstraZeneca, Pfizer e Jassen. Alguns efeitos colaterais foram relatados, indicando dores leves no local da aplicação, fadiga, dor de cabeça, dores musculares e febre (Bee et al., 2022). O Ministério da Saúde aderiu ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas COVID-19 - Covax Facility, um plano de iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), para facilitar a promoção e a distribuição global de vacinas contra a COVID-19 (Domingues, 2021). Assim, o Sistema Único de Saúde (SUS) por meio do Programa Nacional de Imunização do SUS se constituiu como o responsável pela vacinação da população brasileira (Ministério da Saúde, 2021). Em contraste aos esforços a favor das vacinas, é crescente um movimento ideológico antivacina que vem impactando negativamente na adesão ao imunizante contra a COVID-19 (Guimarães, 2020). Nesse cenário, devido a necessidade de agenciar uma maior aceitação da população a essa medida de proteção contra a COVID-19, conhecer as dimensões que interferem nessa adesão se coloca como fundamental. Uma teoria psicológica utilizada em diversos cenários para prever e explicar a tomada de decisão é a Teoria da Ação Planejada (TAP) (Ajzen & Fishbein, 2000).
A TAP propõe a combinação de três variáveis na intenção de realizar uma ação: (1) atitude, constituída pelas “crenças comportamentais”, que representa a avaliação positiva ou negativa sobre a ação; (2) norma subjetiva, constituída pelas “crenças normativas”, refere-se à pressão social sobre a realização da ação; e (3) percepção de controle, composto pelas “crenças de controle” que representam o nível de facilidade/dificuldade que a pessoa percebe em realizar a ação (Ajzen & Fishbein, 2000; Moutinho & Roazzi, 2010; Fernandes et al., 2019b; Caputo, 2020). Em Gana, uma pesquisa com o objetivo de prever o comportamento social a respeito da intenção das pessoas do país em tomar a vacina contra a COVID-19, utilizou um questionário online com o público em geral elegível para tomar a vacina. Com base na TAP e no modelo de crenças em saúde, a pesquisa concluiu que 83% dos entrevistados estavam suscetíveis a tomar a vacina, e que os principais preditores da intenção foram as normas sociais e a facilidade ou dificuldade em tomar a vacina.
O construto intenção sofreu variação significativa em pessoas de diferentes religiões (católica, muçulmana, outras religiões) e não apresentou variações signficativas quanto ao sexo e a idade ( Twum; Ofori; Agyapong; & Yalley, 2021). No Brasil, os discursos ideológicos antivacina se expandiram no início do século XX, com o movimento denominado Revolta da Vacina, o qual ganhou força diante da obrigatoriedade da vacina e desinformação da população sobre a sua importância, abrindo espaço para a propagação de notícias falsas (Passos & Moraes Filho, 2020). No contexto da pandemia de COVID-19, o movimento se desdobra novamente em torno das vacinas produzidas para o combate do vírus diante do grande número de informações que se dividem entre notícias verdadeiras e falsas (Fernandes & Cortez, 2021).
Nesse sentido, a relevância deste estudo reside na capacidade de analisar por meio do software IRAMUTEQ as crenças sobre a adesão às vacinas contra a COVID-19 à luz da Teoria da Ação Planejada (TAP). A TAP possui um valioso modelo teórico que vem sendo bastante eficiente para a explicação de comportamentos diversos em saúde, amparando as investigações tanto no que se refere ao suporte teórico-metodológico, quanto na implementação de intervenções (Fishbein & Ajzen, 2010).
2.Método
2.1 Instrumentos, procedimentos e caracterização da amostra
A coleta de dados foi realizada através de um questionário online contendo 28 questões, 13 relacionadas aos aspectos sociodemográficos (sexo, idade, cor/raça, estado civil, filhos/as, quantidade de filhos/as, religião, profissão, escolaridade) e questões relacionadas às condições e área da atividade laboral, identificação de co-habitação com pessoas pertencentes aos grupos de risco e grau parentesco. As demais questões foram construídas com base na Teoria da Ação Planejada (TAP) e solicitavam aos participantes que indicassem suas opiniões sobre facilidades, dificuldades, vantagens, desvantagens e demais crenças sobre aderir à vacinação. O instrumento foi criado por meio da plataforma digital Google Forms, foi divulgado e disponibilizado pelo aplicativo WhatsApp por meio de redes de contato, sendo o público-alvo indivíduos que se encontravam fora da faixa etária convocada para campanha vacinal no período da coleta de dados. A pesquisa ficou disponível durante 12 dias entre os meses de maio e junho de 2021, contando com a participação de 36 respondentes.
80,60% dos/as participantes eram universitários, com idade entre 19 e 29 anos (M=21,66 e DP=2,41), sendo a maioria do sexo feminino (58,34%), brancos (58,33% ) e solteiros (97,22%). No que concerne a religião, 41,67% declararam-se sem religião, 22,23% agnósticos/as, 13,90% católicos/as, 11,1% cristãos e cristãs, 8,34% ateus e ateias, e 2,76% protestantes.
Em relação a residir com pessoas pertencentes aos grupos de risco para a COVID-19, 63,90% afirmaram morar com pessoas pertencentes aos grupos de risco, sendo 44,50% pai/mãe, 33,40% avós e 22,10% outros graus de parentesco. Foram considerados pertencentes aos grupos de risco pessoas portadoras de comorbidades (hipertensão, transtorno do espectro autista, asma, Síndrome de Down, diabetes e cardiopatias) e/ou maiores de 60 anos (Domingues, 2021).
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de Alagoas com o número 46651221.8.0000.5013 no Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) e a participação ocorreu de forma voluntária após aceitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
2.2 Organização e análise de dados
Após a coleta de dados, foram transferidas as respostas das questões abertas relativas às crenças para o OpenOffice Writer, com a intenção de organizá-las em corpus textuais a serem analisados por meio do software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Optou-se por utilizar o software Iramuteq pelo mesmo proporcionar análises textuais básicas e multivariadas, como a nuvem de palavras e a árvore de similitude usadas nesse estudo (Camargo & Justo, 2013). Com as informações devidamente organizadas, os corpus textuais foram transferidos para o bloco de notas do Windows e salvos na codificação UTF-8, a fim de serem compatíveis com o software utilizado.
Foram organizados dois corpus textuais, o primeiro referente à opinião mais global dos/as participantes sobre a adesão à vacina contra a COVID-19, e o segundo composto por questões mais específicas sobre as vantagens e desvantagens de ser vacinado/a, a influência das pessoas próximas sobre a adesão à vacinação, sobre os grupos que aprovam ou desaprovam a vacinação e sobre os fatores que podem facilitar ou dificultar a adesão às vacinas.
Para a análise do primeiro corpus textual, foi utilizada a técnica de nuvem de palavras. Esse método de análise fornece uma imagem bastante evidente que destaca as palavras mais frequentes do corpus, por meio de uma análise lexical simples (Camargo & Justo, 2013).
Para o segundo corpus textual foi realizada a análise de similitude. Trata-se de uma estratégia que visa representar a ligação entre palavras através de um grafo, como a árvore de co-ocorrência, que permite a compreensão da estrutura textual em relação aos temas relevantes no contexto das respostas. Nessa estratégia, as especificidades se distinguem das partes comuns do texto, possibilitando a visualização dessas diferenças conforme os parâmetros determinados entre os vocábulos agrupados e suas ramificações (Salviati, 2019). Assim, o tamanho das palavras vão indicar sua prevalência no texto e a espessura das linhas que conectam os vocábulos indicam o nível de associação entre eles (Camargo & Justo, 2016).
3.Resultados e discussão
O corpus 1 apresentou 10824 palavras (número de ocorrências), 352 segmentos de texto e 144 formas diferentes que foram analisadas por meio da frequência relativa. Foram destacadas as palavras ou expressões mais frequentes listadas pelas pessoas ao serem solicitadas a pensar sobre a adesão às vacinas contra a COVID-19 (Figura 1).
Os resultados convergem para a favorabilidade à vacinação contra a COVID-19, sendo apreendida como uma estratégia necessária para a promoção da saúde. A palavra em destaque na nuvem de palavras “Esperança” é a palavra mais frequente (n=396), seguida das palavras “necessário” e “sonho” (n=176), “maravilhoso” e “proteção” (n=132), e “saúde” e “direito” (n=88).
Na TAP, as crenças salientes apontam a base de informações sobre um determinado objeto e atuam sobre a formação das atitudes (Moutinho & Roazzi, 2010). Nesse viés, a amostra revelou que mesmo diante do negacionismo e de teses conspiratórias circulantes em relação às vacinas no Brasil (Castro, 2021), as pessoas demonstraram crenças favoráveis à vacinação contra a COVID-19, justificadas por gerarem um sentimento de esperança de um futuro melhor e expectativa de proteção dos direito da população, conforme pode ser evidenciado nos recortes dos segmentos de texto: “Esperança de tempos melhores, alguma garantia de proteção, possibilidade de retorno para as atividades presenciais, início da superação de uma crise”, “É necessária e um direito de todos que o governo deve nos proporcionar o mais rápido possível”.
Os dados do corpus 2 foram organizados por meio da análise de similitude, que representa a ligação entre as palavras do corpus textual e evidencia os eixos de destaque dos discursos mais proeminentes. A árvore de similitude apresentou uma distribuição de 9 agrupamentos, evidenciados pelas palavras: “vacina”, “realidade”, “vacinação”, “fator”, “único”, “vírus”, “morte”, “ciência” e “informação”.
A conexão entre os termos apresenta a necessidade e importância da vacina contra a COVID-19, destacando-se a palavra “vacina” como núcleo central das ramificações dos grupos de palavras. A Figura 2 também revela crenças positivas em aderir à vacina, apontando o acesso a informações científicas como um fator essencial, como pode ser ilustrado pelas ligações entre os vocábulos e as descrições a seguir.
O eixo “vacina” se articula diretamente às palavras “eficácia”, “imunização”, “risco”, “estudo”, “governo”, representando as dificuldades quanto ao acesso a informações consistentes. A ausência de segurança e confiança nas fontes informacionais se coloca como um empecilho à tomada de decisão em aderir às vacinas, como expresso nos segmentos de texto analisados: “Muitos têm receio em relação à eficácia e riscos”, “Descrentes em relação a eficácia das mesmas, grupos que desconfiam da CoronaVac por ser chinesa, e alguns idosos que não confiam em quaisquer vacinas”.
Por outro lado, no discurso dos participantes do estudo, simultaneamente, emergem conteúdos ligados à credibilidade na ciência e comprovação da eficácia das doses da vacina da COVID-19. Foi possível perceber que essas informações consistem em fatores facilitadores para a vacinação. Os trechos seguintes ilustram essa compreensão: “Vejo que houveram estudos e análise científicas no processo de produção da vacina, sendo verificada a sua eficácia”, “... os estudos já se demonstraram seguros e a vacina eficaz”.
No eixo “realidade”, destaca-se o vocábulo “país” em que é expressa a necessidade da população de analisar os fatos que ocorrem no país e não acreditar em discursos negacionistas acerca do vírus, pandemia e da importância da vacina, como expresso em: “Não se fechar completamente para a realidade pavorosa do Brasil” e “...pouco reflete e se questiona sobre a sua realidade, sendo passivo nesse processo, acaba se deixando levar por esses discursos.”
Como aspectos que podem facilitar ou dificultar a adesão às vacinas, pode-se inferir que tais crenças sejam produzidas dentro do que os autores definem como crenças de controle e que apresentam associação direta com as crenças comportamentais (Moutinho e Roazzi, 2010).
Tais crenças referem posicionamentos de favorabilidade à adesão às vacinas e de percepção de controle sobre a tomada de decisão em apresentar uma postura mais crítica e ativa em prol da busca de informações legítimas.
O eixo “vacinação” se articula com os vocábulos “presidente” e representa a interferência direta do governo federal sobre o estímulo à vacinação da sociedade brasileira, como explanado nas respostas sobre quais grupos desaprovam a vacinação contra a Covid-19: “Pessoas que não acreditam na ciência, na eficácia da vacina, que não acreditam na pandemia e muitas que são eleitoras do atual presidente do Brasil” e “Apoiadores do presidente”. Pode-se dizer que as crenças normativas parecem estar evidenciadas nesse eixo, pois há a relação entre a execução de um comportamento em virtude da influência de outras pessoas sobre ele (Ajzen, 1991). Desde o surgimento da pandemia, o presidente do Brasil tomou um posicionamento de minimizar a gravidade da pandemia, bem como desestimular medidas de distanciamento social e propagar desinformação sobre a vacina, tanto por meio de seus discursos, quanto por seus comportamentos em público, o que levou um grande contingente de oposição à vacinação (Souza & Reis, 2021).
O eixo “fator” está ligado ao vocábulo “idade”, remetendo o discurso dos participantes ao plano de vacinação que tomou como critério, além das comorbidades, a faixa etária, como visto nas respostas sobre quais os fatores facilitadores para tomar a vacina: “Extensão da faixa etária para que chegue a minha idade”, “Agilização no processo apenas, tendo em vista que não faço parte de nenhum grupo prioritário”, e “Atingir a minha idade”. Esse conteúdo pode ser relacionado às crenças de controle da TAP (Moutinho & Roazzi, 2010), visto que foram mencionados fatores que favorecem o comportamento de tomar a vacina ou impedem que o comportamento aconteça.
No eixo ilustrado pelo vocábulo “único”, a palavra “vida” aparece como a mais próxima. Esse eixo configura a vacina como a única forma de combate ao vírus e de prevenir o agravamento dos sintomas e consequentemente a diminuição do número de mortes em decorrência do mesmo: “...veem nela a esperança de serem salvas da contaminação com o vírus e voltar à normalidade”, “A vacina pode nos trazer de volta a nossa vida, normal, sem máscaras ou restrições” e “Porque é o único meio de acabar com a pandemia”. Neste eixo, é também possível observar as crenças comportamentais e relacionadas ao controle (Moutinho & Roazzi, 2010), na medida em que o discurso positivo sobre a credibilidade nas vacinas indica uma propensão a se vacinar para se proteger. Dessa forma, esses núcleos apontam que os/as participantes da pesquisa possuem informações suficientes e favoráveis sobre a vacina, sendo assim, apresentam atitudes otimistas quanto à vacina contra o novo vírus. Outros estudos apontam para a mesma direção (Freitas et al., 2021; Viswanath et al., 2021).
No eixo “vírus”, as ramificações compostas pelas palavras “proteção”, “grave”, “diminuição” e “imunidade” indicam que as pessoas enfatizam a gravidade da COVID-19 e a importância da vacina para adquirir imunidade ao vírus. No mesmo sentido em que o eixo “morte” está relacionado às palavras: “população”, “normal”, “segurança”, “necessidade”, “saúde” e dúvida”, indicando que as crenças comportamentais, ou seja, as atitudes em relação às vacinas (Fishbein & Ajzen, 2011), são reflexos das consequências percebidas na eventual ação em aderir à vacina contra COVID-19 ou não. É possível observar essa perspectiva nos seguintes trechos: “Por entender que ela é uma grande aliada no combate à pandemia, reduzindo número de mortes, internações e, futuramente, podermos voltar ao normal”.
O eixo “ciência”, por sua vez, apontou os vocábulos “pandemia”, “sensato”, “consciente”, “momento”, “mínimo” e “grupo” como articulados. Este eixo aborda o medo das pessoas em desconsiderar as restrições sanitárias e a higienização como forma de evitar a disseminação do vírus após serem vacinadas, e o medo de outras, decorrente da circulação de fake news sobre os imunizantes, de modo a não aceitarem a vacina.
Os segmentos de texto explicitam essa dimensão: “... acreditar na ciência é uma questão de saúde pública, corroborada pelo método científico, única solução sensata no momento”, “Não acreditam na ciência por não entenderem sua importância para o atual momento que vivemos”, “Pessoas que não acreditam na ciência, na eficácia da vacina, que não acreditam na pandemia”.
É reforçada uma grande preocupação dos/as participantes em relação às pessoas que por motivos políticos e desinformação podem vir a ser desfavoráveis à vacina contra a COVID-19.
O negacionismo presente nos discursos políticos, ideológicos e não-científicos, é visto também como um fator crucial que influencia as pessoas a se posicionarem como contrárias às medidas de prevenção à COVID-19, que incluem, além da higienização e restrições sociais, a vacina. As discussões acerca dos imunizantes escaparam do âmbito científico e deram novo fôlego ao negacionismo pandêmico (Guerreiro & Almeida, 2021).
No contexto pandêmico foram observados não só problemas no campo da saúde pública, mas também um cenário de desordem informacional, marcado por disputas ideológicas e informações falsas sobre a vacina (Massarani et al., 2021). Essas informações podem facilitar ou dificultar a intenção em se vacinar contra COVID-19, na medida em que impactam os sentimentos e concepções das pessoas acerca do tema vacina (Fernandes et al., 2021).
Nesse viés, o núcleo “informação” se encontra atrelado às palavras “grupo”, “influência”, “medo”, “desinformação”, que fazem referência predominantemente aos sentimentos desfavoráveis em relação à vacina. Nesse sentido, é possível notar que apesar das intenções favoráveis à vacina encontradas nas análises diante dos avanços da ciência, ainda restam aspectos que podem induzir ao comportamento de recusa da imunização contra a COVID-19.
A variável “medo” também foi indicada nesse contexto, isto é, o medo dos efeitos colaterais da vacina. Como visto também nos resultados iniciais da nuvem de palavras. Nesta vertente, o medo não foi apontado como uma dificuldade pessoal em se vacinar, mas pontuaram ser uma desvantagem, contudo, outras pessoas poderiam considerar uma dificuldade, e dessa maneira, se apresentando desfavoráveis. O seguinte trecho corrobora a discussão: “Por serem vacinas feitas em caráter emergencial criam-se várias desconfianças em torno de sua efetividade, efeitos colaterais desagradáveis”.
O cenário social se apresenta como fator crucial que interfere nos repertórios sobre as escolhas comportamentais, tendo em vista que a fala dos/as participantes frisa como, além do medo e da desinformação, os discursos negacionistas disseminados nas mídias sociais por grupos que podem influenciar a tomada de decisão das pessoas, como abordado em: “Pessoas que não tem acesso a informação sobre a vacinação, pessoas que acreditam em fake news de grupos de whatsapp”, “São influenciadas por informações falsas, por grupos antivacinação, por ideologias políticas que sempre atacam o governo, entre outras estupidez e fake news”.
Diante das respostas dos/as participantes, também foram apontados alguns motivos para a reprovação da vacina contra a COVID-19, como: desinformação, medo, religião, discurso político, negacionismo, ter comorbidade, reação do imunizante, entre outros. Como é possível observar nos trechos: “Medo de morrer, às vezes por desinformação, mas no cenário atual acredito que desaprovam principalmente pela influência do discurso político, negacionista”, "Não ter a vacina, muitos casos de reações fortes ou até complicações em pessoas com comorbidade, feito diabéticos, e também gestantes, diminuição da quantidade de vacina disponíveis, governo demorando essa entrega, os entraves na produção das vacinas, a falta de insumos”.
Considerando o caráter influenciador das crenças normativas, compreende-se porque esse fator pode se sobrepor à quantidade de informações positivas que vêm sendo disseminadas a respeito da vacina. Por mais que as campanhas científicas reforcem a importância e necessidade da vacina, os estudos afirmam que o aumento do conhecimento acerca do tema não contribui muito para a mudança do comportamento, ao passo que as melhores alternativas para que uma campanha exerça maior influência sobre as pessoas, devem estar pautadas em mudar as próprias intenções, prestando atenção entre outros fatores, às normas subjetivas (Moutinho & Roazzi, 2010). Com isso, é possível entender porque os esforços das campanhas favoráveis à vacina ainda encontram desafios em relação aos discursos negacionistas.
Alguns estudos sobre a prevenção por meio da higienização das mãos, máscara facial e distanciamento social e uso de álcool (Souza et al., 2021; Lira et al., 2021; Lamenha et al., 2021; Adhikari, 2020) apontaram as dificuldades relacionadas às condições socioeconômicas da população. Muitos/as brasileiros/as não possuem sabão, água encanada e saneamento básico em seus domicílios (Souza et al., 2021; Fernandes et al., 2021).
O distanciamento social requer o fechamento de restaurantes, bares, academias e demais estabelecimentos, levando empresários/as e comerciantes brasileiros/as a apresentaram resistência e levantarem a campanha “Brasil não pode parar”, com a justificativa do desdobramento de uma crise econômica no país (Lira et al., 2021, p.43), comportamento que segundo Lamenha et al (2021), está ligado à carência de informações educativas, em especial adolescentes e jovens que apresentaram menor adesão à medida do distanciamento social (Dowd et al., 2020). Todas as dificuldades em aderir a outras medidas protetivas podem ter servido como incentivadoras em aderir a vacina.
4.Considerações Finais
No presente estudo, buscou-se analisar as crenças sobre a adesão à vacinação contra a COVID-19 em um grupo de jovens brasileiros/as. Foi possível observar que os/as participantes destacaram a prevalência de crenças positivas relativas à adesão à vacina, reforçando este método como a única forma de combate à pandemia. A vacina foi representada como uma medida preventiva importante para os/as jovens, mas também foi revelado um certo receio quanto a sua eficácia e efeitos colaterais, embora em menor destaque. Outros estudos apresentaram essa preocupação como relevante entre os/as jovens, mas enfatizaram a importância da vacina para a prevenção e menor agravamento dos sintomas da doença como uma crença superior ao medo das reações (Freitas et al., 2021; Viswanath et al., 2021).
Outro achado pertinente se refere à dificuldade de acesso às informações de qualidade concernentes à vacina indicada pelos/as participantes como um problema. As principais dúvidas sobre como tomar a vacina, sob quais protocolos, e sobre sua eficácia acabam por interferir na decisão das pessoas a respeito da intenção de se vacinar, o que se apresenta como uma adversidade severa, considerando que essa insegurança pode se tornar um entrave generalizado para a prevenção à COVID-19 da população. É importante destacar que ao se salientar os obstáculos que impedem que ações profícuas sejam realizadas, como é o caso da adesão às vacinas, torna-se possível se refletir sobre a implementação de intervenções para que o comportamento alvo seja atingido, logo, atentar para um controle seguro de comunicação entre as instâncias de saúde e a população parece ser um dos caminhos mais eficientes para assegurar a ampliação da imunização das pessoas. E a TAP, bem como a utilização de softwares de análises qualitativas de dados (como o Iramuteq), possibilitam a construção de modelos explicativos de crenças e comportamentos diversos que podem auxiliar na elaboração de protocolos interventivos e políticas públicas de potencial impacto para a sociedade.
Tendo concluído os objetivos da investigação proposta neste artigo, é fundamental considerar algumas limitações que não puderam ser respondidas para que estudos futuros as considerem em suas agendas de pesquisa. Ao passo que foram descritas as perspectivas de um grupo de jovens do Brasil sobre a adesão às vacinas contra a COVID-19, não foi possível refletir sobre em que medida esses/as jovens se sentem vulneráveis ao contágio, se há uma relação com o gênero, classe social ou faixa etária, tanto em se tratando da favorabilidade em relação à vacinação, quanto do receio dos efeitos colaterais. Portanto, sugere-se uma ampliação da faixa etária e a articulação de demais informações que possam ser relevantes para se compreender mais especificidades das crenças sobre as vacinas e sobre a imunização contra a COVID-19.
A partir do conjunto de informações aqui apresentadas, pode-se concluir que é essencial ponderar a importância de avançar em estudos de natureza qualitativa para se conhecer e explicar objetos de estudo que se desdobram por meio das interações sociais. O estudo qualitativo privilegia uma análise de microprocessos que necessitam ser examinados e representados por meio da relação entre conteúdo, contexto e processo. Neste sentido, ferramentas metodológicas como as utilizadas nesta pesquisa, para aprofundar a análise das crenças são bastante oportunas.
NOTA: Colaboram na recolha de dados para este trabalho os autores Renata Veras e Uyllana Albuquerque.