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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.206 Lisboa jan. 2013

 

Relações sinuosas: Portugal e o mundo árabe, 1950-1973

Sinuous relations: Portugal and the Arab world, 1950-1973

 

Mário Artur Machaqueiro*

*CRIA-FCSH, Universidade Nova de Lisboa. E-mail: maarma@fcsh.unl.pt

 

RESUMO

Nas três últimas décadas do colonialismo português, as políticas destinadas às populações muçulmanas da Guiné e de Moçambique passaram da hostilidade mais ou menos aberta para uma estratégia de sedução, com vista a promover um “Islão português” e a usar certos setores muçulmanos no combate aos movimentos nacionalistas. Esta transição teve também uma componente transnacional, na medida em que se quis alargar a intervenção portuguesa a um espaço estratégico designado como “mundo islâmico”. O presente artigo procura analisar essa intervenção, debruçando-se sobre o pensamento geopolítico que a informou e as suas aplicações diplomáticas, em particular no relacionamento com os países árabes.

Palavras-chave: Islão; colonialismo português; países árabes; relações internacionais.

 

ABSTRACT

In the last decades of Portuguese colonialism, policies destined to Muslim populations of Guinea and Mozambique turned from hostility to a strategy of seduction, with the aim of promoting a “Portuguese Islam” and using some Islamic groups in the struggle against nationalist African movements. Such a transition included a transnational dimension, as some actors within the Portuguese administration wanted to intervene in a larger strategic space known as the “Islamic world”. This article tries to analyze that intervention, focusing on its geopolitical thought and its diplomatic fulfillment, particularly in what concerns the relations with the Arab countries.

Keywords: Islam; Portuguese colonialism; Arab countries; international relations.

 

As três últimas décadas do colonialismo português conheceram as transformações mais significativas nas políticas islâmicas do império. Os anos 50 e o início da década de 60 constituíram ainda um período genericamente hostil ao Islão que, na perceção das autoridades portuguesas, corporizava uma das vertentes do projeto global saído, em 1955, da Conferência de Bandung, a que em breve se juntaria a figura de Nasser como súmula de um alegado expansionismo árabe (Franco, 2006, p. 65). A eclosão das guerras coloniais acentuou a desconfiança daquelas autoridades em relação aos muçulmanos, particularmente no norte de Moçambique, onde muitos dos dignitários islâmicos, acusados de apoiar a FRELIMO, sofreram uma onda repressiva que passou pelo controlo apertado, pela prisão, e mesmo por execuções extra-judiciais (Alpers, 1999, p. 175; Cahen, 2000, p. 573; Bonate, 2007, pp. 230-231). Contudo, entre meados dos anos 60 e o desfecho das guerras, esta política de hostilidade veio a sofrer uma revisão profunda. Mercê de uma redistribuição das alianças preferenciais com os diferentes grupos étnicos e religiosos, tanto em Moçambique como na Guiné, o aparelho colonial português ensaiou uma aproximação às lideranças muçulmanas, com particular ênfase nas confrarias Sufi. Tentativa de cooptação que não deixou de ser marcada por contradições e por sentimentos de ambivalência que prolongavam desconfianças antigas, mas que, mesmo assim, logrou marcar alguns pontos na política de “conquista das populações” enquanto tática de “guerra anti-subversiva” (Machaqueiro, 2012a).

Neste quadro evolutivo, a transnacionalidade do Islão surgiu como um aspeto especialmente problemático e perturbador para o projeto colonial português (Machaqueiro, 2011a). Os receios motivados pelo pan-islamismo importaram representações ansiogénicas que haviam já circulado nos sistemas britânicos e franceses de governação colonial em territórios onde o Islão era a religião dominante (Robinson, 1999; Ferris, 2009; Harrison, 1988). No caso português, a imagem de um Islão transnacional acabaria, contudo, por sofrer os efeitos da mudança estratégica de meados dos anos 60. Na reta final do colonialismo, marcada pelo pragmatismo inerente ao conflito militar, o transnacionalismo islâmico passou a ser visto como oportunidade a explorar, embora com as precauções sempre ditadas pela imagem do seu “expansionismo”.

O presente artigo dedica-se, assim, a reconstituir uma parte desta trajetória do Estado colonial português face a um Islão inscrito no cenário das relações internacionais.

 

GEOPOLÍTICAS DO ISLÃO NA IDEOLOGIA COLONIAL PORTUGUESA

 

Antes do momento de Bandung, e da irrupção de uma possível aliança árabo-soviética, o receio predominante, nomeadamente dentro do aparelho colonial de Moçambique, era que a “contaminação” comunista dos nativos se fizesse não por via islâmica, mas através da África do Sul, cuja política de apartheid, propulsora do “ressentimento racial”, era vista como um estímulo potencial para a propaganda comunista e uma provável influência sobre os trabalhadores das minas de Rand, oriundos de Moçambique – isto apesar de, segundo as autoridades policiais portuguesas desta região, o nativo ser, em regra, “incapaz de compreender a propaganda comunista”1. A experiência histórica veio ­mostrar que, no caso específico de Moçambique, explicar o movimento nacionalista com base no impacto das lutas dos mineiros de Rand ou do Copper Belt, nas quais os migrantes moçambicanos se envolveram, era muito mais plausível do que invocar megaconspirações soviético-islâmicas (Newitt, 2009, pp. 520-521).

Em finais da década de 50, porém, deu-se uma mudança neste formato cognitivo. O vínculo entre Islão e comunismo tornou-se então evidente para muitos ideólogos. No ano de 1956, ele foi mesmo objeto de uma homilia do bispo da Beira, em Moçambique, proferida aos microfones da Rádio Vaticano, em que D. Sebastião Soares de Resende associou o “perigo” da penetração comunista em África aos “indígenas muçulmanos que poderiam facilmente ser utilizados em organizações secretas deste género” (ou seja: comunistas).2 Assim, dos meios católicos às Forças Armadas e à intelligence, a fixação numa possível aliança entre Islão e comunismo passou a ser um tópico frequente. Com respeito às Forças Armadas, o locus clássico dessa articulação encontra-se na teoria da guerra “revolucionária” ou “subversiva”, que o tenente-coronel Hermes de Oliveira foi formulando ao longo dos anos 60, segundo a qual o “pan-arabismo” seria uma das alavancas, a par do “pan-africanismo”, para a estratégia soviética de conquista de África (Oliveira, 1959, pp. 750-752). Houve mesmo análises, dentro do aparelho colonial português, que localizavam nas formas organizativas do Islão – “inexistência de uma unidade executiva maometana de carácter permanente e superestrutural” e “maleabilidade das estruturas islâmicas, em que a hierarquia não implica […] articulações funcionais e disciplinares”3 – a raiz possível para uma maior permeabilidade ao “progressismo” de inspiração comunista.

Sendo assim, revestem-se de especial interesse as abordagens que, ao inscreverem a articulação entre “progressismo” muçulmano e comunismo numa leitura mais global da geopolítica islâmica, tentaram perceber que possibilidades se ofereciam aí para uma estratégia de preservação do poder colonial. Iremos, em seguida, percorrer alguns exemplos desse género de abordagem.

A dualidade, quase identitária, na distinção “progressismo”/“tradicio­nalismo” comandava os argumentos das autoridades portuguesas. Uma Informação dos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de ­Moçambique (SCCIM), assinada pelo seu diretor, major Fernando da Costa Freire4, começava por identificar duas correntes rivais no Islão árabe: de um lado, o “progressismo islâmico” sustentado por Nasser e alimentado, em termos doutrinários, pela Universidade de al-Azhar no Cairo; do outro, o “tradicionalismo” do rei Faizal da Arábia Saudita, que desembocou na criação de uma “santa aliança” entre as monarquias saudita, iraniana e jordana com vista a combater a “acção dissolvente da República Árabe Unida sobre o status tradicional do Próximo Oriente”5. No entanto, uma análise mais fina das combinatórias políticas no mundo árabe vinha revelar que a fronteira entre “progressistas” e ­“tradicionalistas” era, afinal, muito mais porosa do que poderia parecer. Segundo os SCCIM, no Kuwait, tal como na Arábia Saudita, predominava a “corrente puritana e rigorista” do wahhabismo, para a qual “o Islão verdadeiro foi o da primeira geração de convertidos, condenando portanto todas as inovações e transigências posteriores”; e na Líbia imperava outra corrente “rigorista”, a do “sennusismo” ou “sanussismo”, chefiada pelo próprio rei Idriss I. Ainda de acordo com este documento, o “sennusismo”, por tentar “restabelecer a pureza integral do Islam”, era “a única corrente Sufita (ascético-mística) tolerada pelos militantes Wahabitas” – habitualmente opostos ao que consideravam ser o desvio intolerável que as confrarias Sufi teriam introduzido em relação à normatividade do Corão. Daí que os SCCIM vissem uma “entente religiosa” coligando o Kuwait e a Líbia. E daí também que, na perspetiva da Informação que estamos a citar, esses dois países considerados “tradicionalistas” pudessem alinhar, por razões históricas, com o Egito de Nasser e com o seu “progressismo”. Nesta leitura, o “anti-ocidentalismo” nasseriano aproveitava, pois, “o substrato altamente combativo do Sennusismo e do Wahabismo, utilizando-o como lhe convém”. Não obstante as suas divisões de caráter político-religioso, o documento reconhecia que “progressistas” e “tradicionalistas” se uniam numa “vincada posição anti-colonialista”, e tal era, porventura, o motivo de maior apreensão na perspetiva de um Estado colonial.

É muito provável que esta análise sofisticada tivesse a marca de ­Fernando Amaro Monteiro, então já considerado o islamólogo mais competente do aparelho colonial português.6 De facto, a interpretação que a citada Informação dos SCCIM fazia das tensões e das alianças no mundo islâmico ressurge, em grande medida, num parecer que Monteiro redigiu vários anos depois, em abril de 1973, sobre a 4.ª sessão da Conferência Islâmica efetuada em ­Benghazi, na Líbia.7 Aí o autor retomou a ideia de um antagonismo entre sauditas e cairotas na disputa pela liderança política do Islão, e repetiu outra noção presente naquele documento dos SCCIM: a de que o sanussismo líbio e o wahhabismo saudita, “doutrinariamente afins e conciliáveis”8, serviam os ­interesses do “­progressismo” egípcio pela forma como projetavam um discurso e uma prática anti-ocidentais. Por outras palavras, Amaro Monteiro pensava que, transpostas para África, estas correntes integristas ou “fundamentalistas” do Islão facilmente se combinariam, apesar da sua componente conservadora, com formas de “progressismo” anti-ocidental e anticolonial, convenientes ao pan-arabismo de Nasser e, por extensão, à estratégia soviética (Monteiro, 1993, p. 90).

Já antes, em julho de 1968, regressado dos seus estudos islâmicos na Universidade de Aix-en-Provence, Amaro Monteiro redigira um relatório igualmente marcado pela preocupação com o “progressismo” no “mundo islâmico”.9 O autor utilizava aí dois binómios – “África Árabe”/“África Negra” e “progres­sismo”/“tradicionalismo” – que só parcialmente se sobrepunham na sua análise, atendendo ao que se lhe afigurava ser a evolução política do referido mundo. Por um lado, a “África Árabe” surgia-lhe fortemente impregnada de tendências “progressistas”, com as “formulações socialistas concomitantes”: factos generalizados na Tunísia, na Argélia e na República Árabe Unida (RAU), aumentando cada vez mais em Marrocos, sendo que, em relação à Líbia, ­Monteiro parecia antecipar o que veio a ser a Revolução de 1969, que colocou Qadhafi no poder, ao prever convulsões na sequência de uma eventual morte do rei Idriss I, as quais levariam esse país “a alinhar inequivocamente com a RAU”10. A “África Negra”, por seu turno, apresentava-lhe um perfil diferente, mas em mudança. Nela, o islamismo ainda tinha um cunho essencialmente “tradicionalista”, o que, segundo Amaro Monteiro, se traduzia por uma simbiose entre Islão e “feiticismo”. Nisto o autor subscrevia a conceção, cara aos islamólogos franceses, de um Islão especificamente “africano” ou “negro”, cujo traço maior era a hibridação com as crenças tradicionais africanas, ditas “feiticistas” ou “animistas” (Dias, 2005; Bonate, 2007, pp. 9-12, e 2011, pp. 34-35). Ora, se este “tradicionalismo” islâmico se mantinha forte nos países francófonos, outros evoluíam rapidamente “para as coordenadas progressistas”, caso do Sudão, do Quénia e da Tanzânia. Monteiro rematava estas observações com uma advertência inquietante na óptica do poder colonial: “Tudo leva a prever que o fenómeno não deixará de atingir a Província de Moçambique, com as implicações concomitantes, se não houver contra-acção adequada e rápida”.

Não é fácil determinar com rigor o uso dos conceitos de “progressismo” e “tradicionalismo” nos documentos que estamos a abordar. Atravessam-nos diversas flutuações semânticas. Assim, se nalguns o “progressismo” podia designar o projeto anti-imperialista e anticolonial de Nasser, a par de uma captura possível do Islão pelo comunismo soviético, noutros podia significar a tendência reformadora do wahhabismo. Este, ao pugnar pelo retorno a um Islão “original”, supostamente corrompido por “inovações” e desvios das normas corânicas, representava, se não um “progresso” em relação ao “conservantismo negro-islâmico das Confrarias” (Monteiro, 1993, p. 90), pelo menos uma “heterodoxia” face às abordagens do Islão pelas formas predominantes, mas “pervertidas”, do sunismo. Tratava-se pois de uma dissidência religiosa que não teve dificuldade, por exemplo, em se articular com a luta anticolonial na África ocidental francesa (Amiji, 1984, p. 122). Por outro lado, o “tradicionalismo”, conforme vimos atrás, podia também ser atribuído à corrente wahhabita, empenhada em restaurar a tradição islâmica alegadamente “perdida”. Isso não impedia que essa mesma noção surgisse, por sua vez, associada ao referido “conservantismo negro-islâmico” das confrarias Sufi, apesar de se conhecer o conflito violento que as opunha ao wahhabismo. Uma tal oscilação conceptual refletia, talvez, a imbricação complexa no modo como todas estas realidades do Islão se perfilavam aos olhos de observadores externos.

Voltando ao relatório que Amaro Monteiro redigiu em 1968, ele expressava também preocupação com “os fenómenos de polarização das hierarquias islâmicas” locais, entendendo-se por “polarização” um cenário em que os fiéis se agregavam em redor de líderes influentes ou carismáticos. Considerava tais fenómenos “sintomaticamente ligados a todas as situações de tensão política e social sendo, onde quer que estas se verifiquem, sempre explorados com sucesso pelas forças subversivas”. Neste ponto, o problema maior prendia-se com as ligações das chefias muçulmanas locais a centros exteriores. Noutra importante Informação dos SCCIM, emitida em ­novembro de 1967, Costa Freire afirmara que o recrutamento de muçulmanos para atividades “subversivas” anticoloniais em Moçambique era, basicamente, efetuado por aqueles a quem se reconhecia uma dignidade especial devido aos seus conhecimentos em doutrina islâmica. Localizando na Tanzânia os centros em que os dignitários muçulmanos de Moçambique tinham recebido os seus ensinamentos, o diretor dos SCCIM concluiu que os laços formados durante o ensino religioso se prestavam a colocar os antigos discípulos debaixo da alçada dos seus mestres em todas as questões, tanto religiosas como políticas. Suspeitava-se, pois, que centros islâmicos tanzanianos viessem a captar ­dirigentes muçulmanos em Moçambique para atuarem contra o poder colonial português.11

Este tipo de inquietudes acompanhou os operacionais da intelligence portuguesa praticamente até ao colapso da ordem colonial. No relatório que emitiu, em junho de 1972, após a sua estadia na Guiné para observar o contexto local das comunidades muçulmanas, Amaro Monteiro constatou que também ali a “modernização” e o “progressismo” poderiam, a breve trecho, desestabilizar os equilíbrios islâmicos e que, a dar-se, tal ocorreria “a partir dos países vizinhos”, ou seja, de pólos externos de “comandamento” islâmico, aos quais os dignitários guineenses estavam ligados por laços de subordinação, nomeada­mente para efeitos de consulta em matéria doutrinária. Acreditava-se que a influência “subversiva” desses pólos seria tanto maior quanto a sua evolução os conduzisse “a maior drasticidade na pureza islâmica, em detrimento do sunismo popular e do substrato africano”12. No caso específico da Guiné, Monteiro temia que o processo de abertura ao “progressismo” fosse catalisado pela eventual queda da monarquia marroquina, dado o peso de Marrocos no panorama político-religioso da África do norte e da ocidental, previsão que ele reiterou no já citado parecer de 1973 sobre a 4.ª sessão da Conferência Islâmica.13 No caso de Moçambique, o receio português nascia do vazio deixado por dois acontecimentos de relevo: a morte, em setembro de 1963, do sheikh Said Abdallah Hassan bin Abdul Rahman, chefe da influente confraria ­Qadiriyya Sadat, imam na Ilha de Moçambique, reconhecido também como mufti para todo o território moçambicano14; e a deposição do sultão de Zanzibar Said Jamschid bin Abdullah, em resultado da insurreição armada de janeiro de 1964 (a chamada “revolução de Zanzibar”). Visto que a influên­cia desta última figura sobre o Islão do norte de Moçambique tinha sido estrutural, estendendo a sua soberania religiosa até aos distritos do Niassa, de Cabo Delgado, de Moçambique, e chegando mesmo à região da Zambézia15, as autoridades coloniais receavam que, na sua ausência, novos pólos de poder islâmico pudessem emergir, dentro e fora de Moçambique, com uma atitude hostil à presença portuguesa.

Para obviar a estes problemas e, concomitantemente, para responder às novas dificuldades entretanto colocadas pelo desencadear da guerra colonial, Amaro Monteiro desenhou, em meados dos anos 60 e em conjugação com alguns governadores-gerais e com altos responsáveis do Ministério do Ultramar, um programa de ação destinado às populações muçulmanas. No território de Moçambique, o seu objetivo estratégico maior consistiu em isolar o “Islão negro” face a influências islâmicas locais de matriz “asiática” ou “árabe”. Uma segregação que visou, como finalidade última, promover um Islão “português”, partindo do princípio de que o islamismo de expressão “africana”, pouco sofisticado, seria mais permeável à “portugalização” (Bonate, 2011, p. 37). Esta estratégia tinha ainda o propósito de cooptar a liderança muçulmana, com especial incidência nas regiões do norte da colónia, a fim de que as “massas” islamizadas fossem não só subtraídas à influência da FRELIMO, mas pudessem mesmo integrar os esforços de guerra dos portugueses, fortalecendo o seu músculo militar. Quanto à Guiné, Amaro Monteiro propôs, em 1972, o reforço do sunismo mais tradicionalista contra as correntes “progressistas” ou “arabistas” e o “bloqueamento de eventuais correntes cismáticas que, a desenvolverem-se perante a neutralidade da Administração, poderiam provocar a exploração subversiva de ressentimento no meio da massa”16 – uma proposta que chegou tardiamente e que, de resto, foi recebida com desaprovação pelo general Spínola, na sua qualidade de governador da Guiné.17

Para além de tudo isto, as autoridades portuguesas – ou, pelo menos, algumas figuras mais “ousadas” no seu seio – desenvolveram esforços para agir sobre os fatores islâmicos numa escala transnacional. Ao mesmo tempo que conferiam uma atenção particular às redes que articulavam comunidades locais com centros externos de influência, ponderaram ações de intervenção em contextos internacionais que pudessem representar uma mais-valia para a “causa” portuguesa. Como veremos, isto significou uma abertura a diversos países árabes, feita muitas vezes na discrição dos bastidores da diplomacia.

Exemplo dessas intervenções foi a tentativa de propagandear, junto de um universo alargado, o impacto das mensagens dos governadores-gerais de Moçambique dirigidas às populações muçulmanas. Tais mensagens, cuidadosamente redigidas por Amaro Monteiro, faziam parte do seu plano de atração dos muçulmanos. Inicialmente pensado em 1965, este teve a sua primeira concretização pública em 17 de dezembro de 1968, sob a forma de uma mensagem difundida pelo governador-geral de Moçambique, Baltazar Rebelo de Sousa, aos microfones do Rádio Clube de Moçambique e dos seus emissores regionais. Quando o último governador, Pimentel dos Santos, pronunciou, por sua vez, uma mensagem a 12 de março de 1972, havia uma consciência acrescida de quais deviam ser as zonas do mundo islâmico a privilegiar para uma exploração internacional desse discurso. O questionário de 1966 sobre o Islão local, igualmente concebido por Amaro Monteiro e aplicado de norte a sul de Moçambique, permitira localizar os principais centros islâmicos fora da colónia, aos quais os dignitários muçulmanos estavam ligados por vínculos de subordinação doutrinária, de certificação de títulos ou de aconselhamento em matéria jurídica. Pelo que, em 21 de abril de 1972, o governador-geral emitiu um despacho onde se identificava o Paquistão, a Arábia Saudita e as Ilhas Comores como centros islâmicos de relevância para os líderes muçulmanos de Moçambique.18 “Atendendo ao clima internacional relativo às nossas Províncias Ultramarinas”, ao facto de as autoridades portuguesas não estarem seguras de que a consulta dos referidos centros, feita por muçulmanos locais, se destinava apenas a “assuntos doutrinais”, e ao objetivo propagandístico de exibir uma “pluralidade confessional no espaço português”, o governador achou recomendável que a sua mensagem fosse disseminada nalguns territórios estrangeiros: antes de mais, transmitindo o seu conteúdo aos governos das três regiões acima referidas, e, em seguida, alargando a difusão aos governos de Marrocos, Omã e Dubai. Os argumentos usados para justificar esta extensão revelavam um conhecimento das conexões subtis entre as comunidades muçulmanas das duas colónias portuguesas islamizadas e o universo islâmico mais vasto. Direta ou indiretamente, as conceções de Amaro Monteiro devem ter influenciado esta recomendação. Assim, a aproximação a Marrocos foi defendida na medida em que esse país perfilhava a escola de direito islâmico maliquita, em sintonia com os muçulmanos da Guiné, cujas ligações àquele país se davam, indiretamente, através do relacionamento com líderes islâmicos do Senegal. Por sua vez, a aproximação a Omã e ao Dubai obteve a sua justificação da presença, nessas regiões, de milhares de refugiados zanzibaritas que haviam fugido após o derrube do sultanato em 1964, sendo Zanzibar, conforme referimos, um pólo tutelar para os muçulmanos do norte de ­Moçambique. No seguimento desta recomendação, acatada pelas instâncias decisórias do Ministério do Ultramar, a tradução da mensagem do governador-geral foi enviada, em junho de 1972, às embaixadas e consulados portugueses nas seguintes cidades: Beirute, Rabat, Teerão, Ancara, Islamabad, Cairo, Tunes, Colombo e Jacarta.19

Não sendo este o lugar para avaliar em pormenor a política “islâmica” planeada por Amaro Monteiro para Moçambique, assunto que tratámos noutro artigo (Machaqueiro, 2012b), é possível, ainda assim, adiantar que nem sempre as suas indicações e sugestões receberam tradução prática pelo aparelho de poder e algumas “perderam-se” nos interstícios das insuficiências e contradições internas que atravessavam este último. Como veremos, em outubro de 1969, João Pereira Bastos, representante de Portugal no Cairo, parecia desconhecer por completo as iniciativas do Governo-Geral de Moçambique dirigidas à população muçulmana, apesar da publicidade que lhes tinha sido dada, o que indicia a existência provável de bloqueios na comunicação entre o Ministério do Ultramar e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Só podemos especular sobre a natureza dos mesmos, mas algo terão que ver com as observações negativas sobre a administração portuguesa que Amaro Monteiro registou na sua longa entrevista recentemente publicada (Vakil, Monteiro e Machaqueiro, 2011, pp. 114-115, 241-242) e que, em parte, explicam a distância entre o que foi idealizado nos documentos oficiais, e o que foi efetivamente atingido na perspetiva do poder colonial.

 

JOGOS DE SOMBRAS: A CARTADA EGÍPCIA NUMA DIPLOMACIA DE BASTIDORES

 

Na lógica das conceções geopolíticas que citámos atrás, e com a guerra colonial a avolumar-se no horizonte, a diplomacia portuguesa começou a ensaiar uma curiosa aproximação aos países árabes na transição dos anos 60 para década de 70. Na verdade, ela remontava aos anos 50, o que pode parecer surpreendente se nos lembrarmos da desconfiança e dos receios relativos ao Islão que, nesse período, dominaram o imaginário da administração portuguesa. Não obstante esses sentimentos, o facto é que a real politik do Estado português não regateou a construção de alianças com países muçulmanos que lhe pudessem ­providenciar apoios, nomeadamente no diferendo que o opunha à União Indiana (Franco, 2006, p. 64).

Aí o Egito podia ser um suporte de peso, dada a sua centralidade simbólica e política no continente africano. À época em que o rei Faruk se encontrava ainda no poder, as potências ocidentais consideravam-no um aliado da ordem colonial. Para a diplomacia portuguesa, em particular, o rei contribuiu para “fazer cessar a campanha jornalística contra as soberanias europeias em África”, e, graças a isso, “os jornais árabes fazem agora elogio da política colonial portuguesa”. Tal levou o representante de Portugal no Cairo, António de Sèves, a sugerir a concessão, no prazo mais breve possível, de uma condecoração portuguesa para o rei.20 Entretanto, com o derrube de Faruk pelo movimento dos oficiais liderado por Nasser, em 1952, a inclinação pró-ocidental do poder egípcio foi posta em causa.

No dia 16 de agosto de 1952, Oliveira Salazar enviou um telegrama à Legação de Portugal no Cairo, pedindo um relatório sobre a situação política entretanto criada no Egito.21 É um documento interessante pelo que revela da visão que Salazar tinha do mundo árabe. Em primeiro lugar, achava “impossível uma república em país árabe”, o que lhe suscitava a hipótese de o Egito se encaminhar, em alternativa, para uma ditadura militar. Em seguida, ponderava as vantagens políticas que a Rússia poderia retirar da evolução política do Egito, na medida em que esta lhe permitiria jogar a “carta do nacionalismo contra potenciais imperialistas ocidentais ou simplesmente ocupantes territoriais alheios”, isto apesar de, no momento, o “silêncio soviético” aparentar um “desinteresse significativo”. Por fim, interrogava-se sobre “ligações ou afinidades do movimento egípcio com outros do norte de África e se estes são simplesmente denunciadores de aspirações à libertação do domínio económico ou político ou [se são] radicalmente anti-europeus no sentido de asiáticos ou anti-ocidentais”. Na cabeça de Salazar, as clivagens geopolíticas eram claras e tinham uma cesura identitária.

O tom, nos meses e anos seguintes, foi assim de uma crescente desconfiança que espelhava os arraigados medos em relação às intenções do “mundo islâmico”, à ameaça que colocava ao “Ocidente”, com o Egito à cabeça: “A política externa do Egito continua a utilizar os Estados árabes, aproveitando e seguindo sentimentos muçulmanos nas questões da minoria dos muçulmanos na Palestina, do Norte de África e da África inglesa”22. Estavam na ordem do dia os receios de uma reativação do “espírito muçulmano” e da possível convergência de comunistas e de muçulmanos em torno da ditadura que se estava a preparar no Egito23 – não obstante o facto de o novo regime se caracterizar, precisamente, pela marginalização e pela exclusão graduais tanto de comunistas como de “radicais” islâmicos (a Irmandade Muçulmana), depois de os ter utilizado para se consolidar. As suspeitas relativas aos usos do Islão estendiam-se a outros quadrantes geográficos. Em janeiro de 1954, um telegrama de António de Sèves mobilizava as referências ao Islão. Desta feita o foco não era o Egito mas a União Indiana, à volta da qual o autor tecia uma teoria da conspiração em matéria de política internacional, a propósito do apoio que esse país tinha manifestado à criação de um Estado independente no Sudão. Assim, em convergência com os comunistas, esse novo Estado seria um “ponto de partida de irradiação de sentimentos de independência dos povos da África Central, explorando o espírito islâmico, convergindo com o esforço dos comunistas e parecendo continuar a querer realizar o apoio da África muçulmana às ambições hindus”24.

Estas apreensões foram crescendo com o tempo. A 2 de março de 1954, Salazar recebeu o embaixador do Egito e, no relato confidencial que dirigiu ao ministro dos Negócios Estrangeiros, comunicou a “muito má impressão” que a conversa deixou nele.25 Os árabes não só se mostravam irredutíveis a respeito de Israel e predispostos para a guerra, como também se afirmavam defensores “da insurreição dos povos do Norte de África contra a França”, criticando a ação desta em Marrocos e na Argélia, e pugnando em termos veementes pela independência dessas regiões. Ligando todos estes pontos, o ditador português pressentiu, nas palavras do embaixador, a emergência “de um bloco ou comunidade islâmica, desde o Médio Oriente por todo o mediterrâneo sul até ao Atlântico, comunidade de que o Egipto pretende ser o Estado hegemónico”. Curiosamente, Salazar não estava preocupado com uma eventual ligação entre o Islão e o comunismo soviético, tema recorrentemente focado nos relatórios dos serviços de informação e da polícia política em finais da década de 50. O presidente do Conselho afastou essa hipótese com a convicção de que “o Egipto e os outros Estados árabes não pretendem lançar-se nos braços de ­Moscovo mas exploram a fundo o medo que o Ocidente tem dessa possibilidade”. O que parecia “essencial” a Salazar era a “formação de uma consciência islâmica viva”, interessada em fazer “recuar o Ocidente” e em dar origem a uma unidade territorial ampla, coesa e transnacional. Era um pan-islamismo reinventado que o inquietava. Esta sua nota para o ministro dos Negócios Estrangeiros encerrava com uma interrogação ansiosa: “Será suficiente a política de fazer esses novos Estados amigos do Ocidente?”

Após o breve regresso do presidente egípcio Naguib ao poder, derrubado que fora em 25 de fevereiro de 1954 na sequência das suas divergências com Nasser, também António de Sèves retornou à ideia, anteriormente insinuada pelo próprio Salazar, de uma incompatibilidade do “espírito islâmico” com a construção de nações, ou seja, a tese da natureza “desnacionalizadora” do Islão: “sem fundamento nacional, apenas com sentimento de solidariedade religiosa e de tribo, é muito mais destruidor que construtor politicamente”. Sendo assim, o melhor seria, no entender do diplomata português, “considerar os Estados árabes simples realizações geográficas, estratégicas e económicas para o efeito da defesa do Próximo Oriente”26, mas não nações no sentido de entidades político-identitárias dotadas de autonomia.

No entanto, os anos iniciais do poder de Nasser acabaram por se ­revelar gratificantes para Portugal. Ao longo de 1954, a Legação portuguesa ­conduziu uma batalha bem sucedida no sentido de manter o governo egípcio e os outros Estados árabes fora do alcance da propaganda da União Indiana ­contra ­Portugal: o Egito parecia até inclinado a favorecer Portugal na disputa em torno de Goa.27 Apesar das duas correntes divergentes no seio dos militares que tinham tomado o poder no Estado egípcio – uma mais identificada com o Ocidente, a outra mais próxima de uma perspetiva “asiática”28 –, os portugueses tinham conseguido, até esse momento, o suporte do lado pró-ocidental. Além disso, a imprensa no Cairo não exibia qualquer hostilidade em relação a ­Portugal, pese embora as diligências feitas pela Embaixada indiana para inverter essa disposição.29 Nenhum impedimento era colocado pelas autoridades egípcias aos navios portugueses que usavam o Canal do Suez para transportar tropas e equipamento militar destinados a Goa. E tudo isto acontecia apesar de o Egito ter vindo, desde há algum tempo, a declarar as suas inclinações anticoloniais.30

Em vésperas da Conferência Asiático-Africana de Bandung, em 1955, a diplomacia portuguesa esforçou-se por persuadir os delegados de países como o Egito, a Etiópia e o Líbano de se absterem perante uma resolução de autoria indiana que questionasse o direito a preservar Goa como território português.31 Os diplomatas receavam que o Egito fosse tentado a juntar-se ao anti-imperialismo “asiático” a fim de compensar as recentes derrotas no braço de ferro que mantinha com o Iraque e o Sudão.32 Isto sugere que alguma diplomacia ocidental, ou pelo menos portuguesa, ainda pensava que uma política anti-imperialista da parte do Egito não seria sincera, mas ditada apenas por oportunismos conjunturais. O facto é que, na Conferência de ­Bandung e de acordo com as palavras do ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros perante o encarregado de negócios português, o Egito “não se deixara conduzir pela Índia” e, “condenando todos os colonialismos”, “condenara apenas no quadro dos princípios da ONU as dominações impostas pela força como nos casos da Hungria e de Marrocos”33. Tal como o secretário-geral da Liga Árabe fez questão de frisar ao representante diplomático de Portugal no Cairo, o mesmo se poderia dizer de todos os delegados muçulmanos, os quais “nunca falaram de Goa, não obstante terem expressamente bases inglesas no Mar Vermelho e o Primeiro Ministro indiano ter referido Goa muito propositadamente”34.

Dois anos depois, a boa vontade egípcia para com Portugal parecia intacta. Em 1957, o ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros garantiu de novo ao representante da Legação portuguesa no Cairo que “o Egipto não poria qualquer obstáculo ou faria qualquer reparo à passagem de barcos transportando tropas portuguesas com destino a Goa, pois estava certo de que o Governo português não nutria desejos imperialistas”35 – afirmação singular, em contraste com o que viriam a ser, mais tarde, as posições públicas tomadas na Assembleia Geral da ONU. Ainda em 1957, o referido representante da Legação portuguesa no Cairo, José Weinholtz Brandeiro, encontrou-se no Líbano com o respetivo ministro dos Negócios Estrangeiros e transmitiu-lhe “como éramos contrários ao comunismo e como sempre havíamos feito uma política de simpatia para com os povos árabes sem pretendermos ir além de uma colaboração isenta de interesses preconcebidos”36. Era a síntese de toda uma estratégia política.

Este bom entendimento e as suas “afinidades eletivas” adquiriram contornos que, hoje, podem parecer surpreendentes. Em março de 1957, ao ser anunciada a criação da União Nacional Egípcia e a eleição de uma Assembleia Nacional, os meios políticos e certos jornais do Cairo puseram em relevo que o novo regime, sob a batuta de Nasser, “só tem semelhante em Portugal e que a estabilidade, como a continuidade governativa portuguesa, são exemplos para o mundo inteiro”37. Uma tal aproximação com a génese do Estado Novo ­nasceu não de uma insinuação propagandística da diplomacia portuguesa, mas dos próprios egípcios, como José Brandeiro sublinhou: “nalguns jornais faz-se a história da revolução do 28 de maio que afastou os partidos políticos, impôs a ordem e restabeleceu a tranquilidade em Portugal. Frisam que o Senhor Dr. Oliveira Salazar conseguiu fazer com a União Nacional a ligação das boas vontades vindas de vários setores ideológicos, dentro dum pensamento construtivo que criou uma organização civil capaz de servir de apoio a uma situação cuja obra serve de garantia para o sucesso do empreendimento semelhante que Nasser se propõe realizar”. Um dos jornais egípcios publicado em língua francesa, La bourse égyptienne, levou a onda de “salazarismo” local38 ao ponto de transcrever passagens de discursos e afirmações de Salazar.

Seria de esperar que o “progressismo”, posteriormente atribuído ao Egito nas análises da geopolítica islâmica, esfriasse, como de facto esfriou, tais entusiasmos “salazaristas”. Ao mesmo tempo que Nasser começou a empenhar-se no papel de herói anti-imperialista, tornava-se cada vez mais claro que o Estado português não estava disposto a abdicar das suas colónias africanas. Esta discrepância veio a resultar no corte de relações diplomáticas decidido pelo governo da RAU, em junho de 1963, que marcou o ponto mais baixo no relacionamento entre Portugal e o Egito.39 Pouco tempo depois, a polícia egípcia encetou um assédio aos portugueses residentes na RAU, entre os quais religiosas que trabalhavam num hospital e num colégio de Port Said, tendo uma delas sido ­informada por um agente policial de que o governo se preparava para proceder à expulsão de todos os cidadãos portugueses.40 Em 1964, foi a vez de os comerciantes egípcios serem proibidos de negociar diretamente com portugueses, uma decisão que obrigou os exportadores locais de algodão a usar firmas suíças e inglesas a fim de despacharem as derradeiras exportações para Portugal.41

Acontece, porém, que o texto manifesto do relacionamento de Portugal com os países árabes, exposto no palco da ONU, não coincidia necessariamente com o texto latente. Basta dizer que o próprio presidente egípcio nunca interditou a circulação de navios portugueses no Canal do Suez (Abadi, 2004, p. 92). Ao fim de alguns anos, sobretudo após o declínio político de Nasser, foi possível um clima relacional menos tenso entre Portugal e os Estados ­árabes, apesar de a década de 60 ter testemunhado a radicalização das críticas à política colonial portuguesa por parte dos governos do Norte de África e do Médio Oriente, acompanhadas por sucessivas ruturas nas relações diplomáticas (Abadi, 2004, p. 93). No entanto, dado que certas clivagens políticas se tornavam mais diluídas na atmosfera complexa da Guerra Fria, alguns diplomatas suspeitavam que a animosidade árabe contra Portugal podia ser mais encenada do que real. E estavam dispostos a explorar essa “nuance”.

Se nos reportarmos ao período de 70, são bastante esclarecedoras as movimentações desenvolvidas por João Pereira Bastos que, em 21 de julho de 1969, assumira a gerência da Missão diplomática de Portugal no Cairo.42 Por essa altura, e até ao desfecho da ditadura e da guerra colonial, Portugal e o Egito – ou a República Árabe Unida, como então era designado – estavam oficialmente de relações cortadas, embora ambos mantivessem representações com encarregados de negócios em cada um dos respetivos países. Portugal tinha então os seus interesses sob acolhimento da Embaixada de Espanha no Cairo. A reaproximação diplomática, ainda que oficiosa, entre Portugal e o Egito, partiu, curiosamente, do próprio governo egípcio e foi transmitida a Pereira Bastos pelo encarregado de interesses da RAU em Lisboa, Nosrat Naim. No verão de 1969, este sugeriu-lhe haver vantagem em que o representante diplomático português visitasse o diretor dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros da RAU, sugestão que, segundo Naim, veio desse mesmo organismo43. O encontro decorreu em meados de outubro, com Abdel Menem El Nagar, que exercia o referido cargo.

Nesse encontro, Pereira Bastos quis mostrar ao seu interlocutor todos os alegados esforços que o Estado português estava a dispender na ­promoção e na difusão da cultura árabe e islâmica, tanto na metrópole como nas ­colónias.44 E aproveitou a ocasião para oferecer ao diplomata egípcio, à laia de exemplo dessa difusão, um número de O Islão, órgão da Comunidade Islâmica de ­Lisboa (CIL) cujo envio o diplomata português solicitara ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o argumento de essa publicação ser “do maior interesse para certas aproximações a tentar aqui junto de determinadas entidades”45 – gesto que não deixa de ser muito curioso, se tivermos em conta as tensões existentes no relacionamento entre a CIL e as autoridades portuguesas, que já analisámos noutro lugar (Machaqueiro, 2011b). Pereira Bastos informou o embaixador egípcio sobre a política “islâmica” conduzida pelos portugueses nas colónias de Moçambique e da Guiné, salientando que “árabes negros da Guiné portuguesa lutam contra a agressão vinda de países vizinhos” com armas fornecidas pelo governo português. Mencionou ainda a existência de “dezenas de associações islâmicas em Lisboa, Bissau, Nampula, Vila Pery, Ilha de Moçambique”, etc., e referiu que “bispos católicos portugueses […] contribuíram para as subscrições destinadas à construção de novas mesquitas em todo o território nacional”. Citou também o facto de que “em Lisboa, a Câmara Municipal cederá o terreno para a construção de uma mesquita”, entre outros detalhes nos quais parece avultar a influência da CIL e, por conseguinte, do seu presidente Suleiman Valy Mamede. Nem uma palavra, porém, a respeito da primeira “Mensagem aos Maometanos de Moçambique”, atrás mencionada, que Amaro Monteiro concebeu e Baltazar Rebelo de Sousa proferiu. Este desconhecimento por parte de Pereira Bastos era, no mínimo, estranho vindo de quem se mostrava tão informado em relação às diligências feitas para a construção da mesquita de Lisboa e leva-nos a pensar que terão sido infrutíferas as recomendações de Amaro Monteiro e do próprio Rebelo de Sousa, feitas, respetivamente, em 28 de dezembro de 1968 e 16 de janeiro do ano seguinte, no sentido de o Ministério dos Negócios Estrangeiros envidar esforços para divulgar nos países árabes, mesmo naqueles com os quais Portugal não tinha relações diplomáticas formais, a tradução da Mensagem do governador-geral de Moçambique dirigida aos muçulmanos em 17 de dezembro de 1968.46 Estas recomendações foram, de facto, enviadas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, a 6 de fevereiro de 1969, pelo Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar47, mas não parece que tenham tido qualquer seguimento. Um sinal de que os planos delineados pelos atores mais voluntariosos podiam depois embater em bloqueios inerentes ao aparelho de poder. Seja como for, este episódio ilustra a continuidade entre as tentativas de aproximação do Estado português a certos países árabes e a nova política “islâmica” que estava a ser seguida nas colónias.

Outro aspeto interessante desta diplomacia empenhada em seduzir o mundo árabe é a posição persistentemente dúbia do Estado português em relação a Israel. Só em maio de 1977 o Portugal democrático decidiu reconhecer de jure esse país e com ele estabelecer relações diplomáticas a nível de embaixada (Franco, 2006, p. 75). Em contrapartida, desde meados da década de 50 que a diplomacia portuguesa, nos seus contactos com os países árabes, se esforçava por valorizar o facto de Portugal não ter reconhecido oficialmente o Estado de Israel. No ano de 1957, durante os encontros que José Brandeiro teve com os máximos dirigentes do Líbano e, em particular, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, o diplomata aproveitou para frisar que a posição portuguesa de não reconhecimento de Israel era, no fundo, fiel a “uma política de simpatia para com os povos árabes”.48 Sendo assim, no início dos anos 70, os diplomatas portuguesas puderam insinuar que Portugal e o Egito convergiam pelo menos num ponto: o ressentimento contra Israel. Nessa época ainda se assistia ao envolvimento de Telavive em África, encetado alguns anos antes, quando os israelitas tinham perdido interesse em estreitar relações com Portugal, optando antes por jogar a carta do apoio aos movimentos nacionalistas africanos, mudança de rumo interpretada pelas autoridades portuguesas como tentativa de criar uma “cintura negra amiga de Israel” que defendesse esse Estado do “cerco dos árabes”49. Esta ideia fora explicitada, em 1960, num ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros dirigido ao Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, onde se dizia que o “objectivo último” da estratégia israelita de aproximação e até de intervenção na política interna dos novos Estados africanos “consistiria em se opor à penetração árabe na África Central, e em ordem a atingi-la procuraria alcançar o máximo prestígio juntos dos chefes políticos indígenas, arvorando-se em defensor de todas as reivindicações nacionalistas”50. Interpretação que hoje só podemos considerar certeira à luz do que sabemos sobre a chamada “aliança da periferia”, uma estratégia de política externa concebida nos anos 50 pelos dirigentes da Mossad e que visava, justamente, impedir a expansão pan-arabista de Nasser mediante o estabelecimento de relações cordiais e de cooperação com as novas nações africanas (Polakow-Suransky, 2011, pp. 27-29).

Uma vez mais, a atuação de Pereira Bastos, tanto nas suas relações com o poder egípcio como nas que manteve, paralelamente, com os líbios, exemplifica bem a posição portuguesa suscitada pela reorientação da política ­israelita e a tentativa de capitalizar essa posição junto de alguns países árabes. O diplomata pediu para ser recebido pelo diretor-geral dos Negócios Políticos da RAU apenas depois de recolher dados sobre o apoio israelita aos “movimentos subversivos”. Durante esse encontro, em outubro de 1969, o embaixador português ofereceu diversos detalhes sobre o apoio fornecido por Israel “aos terroristas que atuam nas três frentes de subversão contra a soberania portuguesa”, argumento que veio a usar, insistentemente, nos contactos subsequentes com representantes daqueles países. A esta linha de argumentação, El Nagar respondeu, como depois dele outros diplomatas árabes confrontados por Pereira Bastos,51 com a tese de que, dada a posição da RAU na cena internacional em consequência do conflito israelo-árabe, era-lhe absolutamente necessário assegurar o apoio dos países africanos, o que passava por condenar publicamente a política colonial portuguesa e por cortar relações diplomáticas com Portugal.52 Pouco depois, já em 1970, numa reunião com Omar Hefny, outro diretor-geral dos Negócios Políticos do Ministério egípcio dos Negócios Estrangeiros, o embaixador português denunciou o apoio israelita aos movimentos anticoloniais nas possessões portuguesas em África, destacando o caso de Holden Roberto, que havia visitado recentemente o Cairo e que Pereira Bastos apontou como um recetor privilegiado, e sem escrúpulos, do auxílio de Israel.53 O embaixador concluía este ponto com a seguinte nota: “Seria por exemplo irónico se se viesse a descobrir ter sido à custa de ajudas de países árabes que foram sendo pagas as viagens de elementos da UPA, do MPLA e da FRELIMO para campos de Israel onde recebem treino de terrorismo”. O objetivo aqui era sempre o mesmo: levar os interlocutores egípcios a perceber que não tinham interesse estratégico em dar apoio a forças políticas que, em África, estavam a ser sustentadas pelo arqui-inimigo dos árabes.

Até 1973, continuou a haver, da parte desta diplomacia de bastidores, esforços tendentes a extrair vantagens, no relacionamento com os países árabes, da ambiguidade que caracterizava a postura portuguesa face a Israel e ao conflito israelo-árabe. Interessante é o facto de a argumentação portuguesa ter sempre o fundo colonial como referência. Assim, por exemplo, Pereira Bastos felicitou o Governo egípcio “pela justíssima reprovação contida no comunicado oficial da forma como Israel instigara durante anos a revolta no Sudão”, mas, ao mesmo tempo, lembrava “que, de parceria com alguns países árabes, Israel continua a ajudar igualmente a subversão contra a África portuguesa”54. Mais tarde, mesmo depois de países como a Síria, o Iraque e o Egito terem reconhecido a proclamação da independência da Guiné-Bissau pelo PAIGC, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português continuou a reiterar a posição de neutralidade de Portugal quanto ao conflito no Médio Oriente, esperando retirar daí vantagens argumentativas no relacionamento com os árabes55 – e procurando também minorar a indignação destes últimos em relação à cedência da base das Lages para os aviões norte-americanos que tinham transportado material militar destinado a Israel durante a guerra do Yom Kippur.

Nesta altura, estava-se ainda em vésperas da rutura que, um a um, os países da África subsaariana encetaram com o Estado de Israel como resposta ao aprofundamento do conflito no Médio Oriente, levando a uma aproximação daqueles com os países árabes, rutura e aproximação que só começaram a acentuar-se em finais de 1972 e que se generalizaram após a guerra do Yom Kippur em 1973 (Polakow-Suransky, 2011, p. 6). Em fevereiro do ano seguinte, semelhante evolução motivou um veredicto altamente negativo da parte do então diretor dos SCCIM:

 

Esta apregoada vitória da diplomacia árabe, conseguida com algum dinheiro (líbio e também saudita), com algumas pressões e com o apelo a uma solidariedade que não tinha razão de existir, não resulta em crédito para a África Negra. Esta provou não saber sobrepor os seus reais interesses (que eram melhor servidos com a cooperação israelita), à pressão psicológica de uma demagogia baseada em sentimentos racistas. Os Estados africanos mostraram também a sua pouco independência, ao seguir cegamente a orientação dos árabes e submetendo-se aos seus caprichos, abrindo caminho a novas exigências que lhes serão feitas na sequência desta primeira cedência.56

 

É de realçar como este tipo de juízo era, de certo modo, simétrico do argumento com que a diplomacia portuguesa tentara persuadir os seus interlocutores egípcios e líbios a abandonarem o apoio aos países africanos e a aproximarem-se da posição portuguesa. Um argumento segundo o qual não havia razão para que países árabes do norte de África considerassem “ter de manter solidariedade com países da África negra a que nada os ligava, nem histórica, nem culturalmente”, países esses que, para mais, “mantinham relações de grande intimidade e aproveitavam a ajuda de Israel, com o consequente apoio às posições daquele país contrárias aos interesses árabes”57. Na reta final do Estado Novo e do seu projeto colonial, tudo apontava, porém, para a incongruência deste argumento.

 

PEQUENO EPÍLOGO PÓS-COLONIAL

 

Suleiman Valy Mamede, fundador da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) e seu primeiro presidente, confrontado com o processo revolucionário de 1974-1975 e com a inevitabilidade da independência das colónias, sentiu, nessa altura, a urgência de reescrever o seu passado de colaborador próximo do regime, bem como o da Associação a que presidia (Machaqueiro, 2011b, pp. 225-226). Vale a pena citar longamente um excerto de um texto que, por essa ocasião, publicou no órgão oficial da CIL:

 

Portugal, durante o regime fascista, era indiscutivelmente o aliado espiritual do Sionismo, embora paradoxalmente não tivesse reconhecido o Estado de Israel.

O regime fascista servia o imperialismo por meio do Sionismo, não só através dos órgãos de informação, que orquestravam em uníssono as lições que recebiam, como também através de concessões que eram feitas da própria soberania nacional. Pois, como é do conhecimento geral, no último conflito israelo-árabe (conhecido por “guerra de Kipur”) de outubro de 1973, os antigos governantes portugueses colocaram deliberadamente a base das Lajes, nos Açores, à disposição da aviação norte-americana, que, na altura, organizara uma autêntica ponte aérea para Israel, país considerado como ponta de lança do imperialismo no Médio Oriente. Esta atitude de franca hostilidade do governo português fez com que Portugal fosse colocado na lista dos países que deveriam sofrer o embargo petrolífero decretado pelos árabes.

Os países árabes eram, por outro lado, considerados inimigos acérrimos do governo português, uma vez que apoiavam abertamente a luta de libertação das colónias portuguesas e acolhiam nos seus países os movimentos nacionalistas. […]

À solidariedade afro-árabe respondiam os governantes fascistas portugueses com a solidariedade luso-sionista” [Mamede, 1975, pp. 6-7].

 

Ao longo do nosso artigo, procurámos mostrar que a atuação político-diplomática do Estado colonial português foi, na verdade, bem mais complexa do que Valy Mamede quis dar a entender em 1975 – tendo ele próprio sido, aliás, protagonista dessa mesma complexidade. Sucede que, para os anos imediatamente anteriores ao desfecho das guerras de África, e mesmo antes, os bastidores da diplomacia contam uma história subtilmente distinta da que foi visível na Assembleia das Nações Unidas, onde os países árabes se juntaram às novas nações africanas na denúncia do colonialismo português. É um facto que o completo desajustamento da ordem colonial, dentro da evolução do sistema-mundo, levou a que os casos, aqui abordados, de aproximação ao universo islâmico, dentro e fora das colónias, tenham resultado quase sempre em fracassos ou em desenlaces aquém das expectativas dos que investiram em tais iniciativas. Como também é verdade que, do lado português, as hesitações, as ambivalências e as inércias tolheram, muitas vezes, um aparelho de poder burocratizado, pouco sensível a ações que extravasassem demasiado para além das rotinas. Os exemplos referidos não deixam, mesmo assim, de mostrar como alguns atores estiveram dispostos a atuar num quadro mais amplo e ambicioso. A sua história é a narrativa dos vários matizes de que foi feita a política colonial portuguesa de enquadramento do Islão e das populações muçulmanas, matizes também presentes na articulação dessa política com a diplomacia destinada aos países árabes. Uma narrativa que só agora começamos a conhecer em todas as suas ramificações.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ACRÓNIMOS DOS ARQUIVOS CONSULTADOS

 

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Recebido a 07-05-2012. Aceite para publicação a 31-10-2012.

 

NOTAS

1   Toda esta teoria se encontra expressa no despacho n.º 109, de 19-12-1949, do cônsul-geral britânico em Lourenço Marques, Edgar Vaughan, para o Foreign Office, dando conta de uma reunião secreta, ocorrida a 13-12-1949 no quartel da Polícia de Moçambique, entre C. A. G. Simkins, funcionário de Security Liaison para a África Central, e, do lado português, o chefe da Polícia local, o seu assistente e António Roquete, identificado como “section head” da PIDE (TNA, FO 371/80766). Nessa reunião fez-se o balanço da situação relativamente à vigilância e supressão do comunismo na África Oriental.

2   Ver o despacho n.º 118/AL de J. Chesneau, vice-cônsul gerindo o Consulado Geral de França em Lourenço Marques, de 27-03-1956 (ADC, Ministère des Affaires Étrangères, Afrique-Levant 1953-1959, Mozambique, Carton 6, Série MO, Sous-Série V, Dossier XI, Politique intérieure – Questions religieuses, Avril 1953-Novembre 1957).

3    Boletim de Difusão de Informações dos SCCIM, 21-12-1965 (ANTT, SCCIM n.º 412, fl. 941).

4   Para o que se segue, ver a Informação n.º 15/967 dos SCCIM, 31-05-1967, da qual são extraídas as próximas citações (ANTT, SCCIM n.º 413, fls. 263-264). Esta Informação prolonga a Informação n.º 5/967, 08-03-1967, de que existem, estranhamente, duas versões contendo recomendações finais diametralmente opostas entre si (ver ANTT, SCCIM n.º 413, fls. 268-273).

5    A República Árabe Unida resultou de uma união entre o Egito e a Síria que durou apenas de 1958 a 1961. Apesar da sua dissolução, a RAU manteve-se como designação oficial do Egito até 1971.

6  Nascido em Lisboa no ano de 1935, tendo passado a infância e adolescência em Angola, ­Fernando Amaro Monteiro trabalhou, entre 1965 e 1970, como adjunto dos SCCIM, onde chefiou o respetivo Gabinete de Estudos, mantendo ulteriormente, até ao final da guerra colonial, ­funções oficiosas de consultoria do Governo-Geral na qualidade de investigador da Univer­sidade de Lourenço Marques. O seu percurso biográfico e o papel que desempenhou no aparelho colonial encontram-se expostos, com detalhe, num livro recente (Vakil, Monteiro e ­Machaqueiro, 2011).

7  Parecer de 05-04-1973 (AHD/MU/GM/GNP/RNP/0456/07170).

8  Esta afinidade entre o wahhabismo saudita e o sanussismo líbio, pese embora a componente Sufi deste último, foi igualmente mencionada no estudo “Breve esquemática do pensamento muçulmano, com vista à inserção e caracterização do movimento Wahhabita”, elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Assuntos Islâmicos, presidido por Amaro Monteiro, e integrado na Informação (Secreta) da DGS, Delegação de Moçambique, Proc. P-57-A/SR-1, exemplar n.º 2437/72/DI/2/SC, 31-07-1972 (ANTT, PIDE-DGS, SC, Proc. 6037 CI (2), pt. 2, fl. 10).

9  “Relatório de serviço no estrangeiro”, 26-07-1968 (ANTT, SCCIM n.º 412, fl. 434-446).

10  Ibid., fl. 440. As citações que se seguem foram extraídas deste fólio.

11  Informação dos SCCIM n.º 24/67, 17-11-1967 (ANTT, SCCIM n.º 413, fls. 98-99).

12  “Relatório de serviço na província da Guiné”, 16-06-1972, p. 15 (AHD/MU/GM/GNP/RNP/ 0151/04140).

13  Parecer de 05-04-1973, p. 6 (AHD/MU/GM/GNP/RNP/0456/07170).

14  Sheikh é um termo árabe que pode designar um líder religioso em geral, mas que, no misticismo Sufi, é sobretudo usado para identificar o mestre espiritual e dirigente de uma confraria (tarika). O termo imam, que em árabe designa o “líder”, foi atribuído, nas origens da tradição muçulmana, àquele que conduzia o serviço religioso, qualidade reservada ao Profeta e aos que lhe sucederam na liderança da comunidade dos crentes; a palavra, porém, foi também alargada a diferentes tipos de autoridade religiosa como os imãs das mesquitas ou os fundadores das quatro escolas de direito corânico. Mufti é um reconhecido especialista em direito islâmico cujas decisões fazem jurisprudência ou, simplesmente, aquele que tem competência para emitir uma fatwa, opinião sobre um determinado ponto da lei islâmica.

15  Ver a Informação dos SCCIM n.º 60/66, 27-10-1966 (ANTT, SCCIM n.º 412, fls. 813-815), e a Informação n.º 24/67 (ANTT, SCCIM n.º 413, fl. 92).

16  “Relatório de serviço na província da Guiné”, p. 15.

17  O parecer de Spínola sobre o relatório de Amaro Monteiro encontra-se no seu ofício n.º 10, 03-08-1972, dirigido ao ministro do Ultramar (AHD/MU/GM/GNP/RNP/0151/04140). Sobre o relacionamento atribulado de Monteiro com Spínola, ver Vakil, Monteiro e Machaqueiro (2011, pp. 258-263).

18  Para o que se segue neste parágrafo, ver o ofício n.º 3411/E-5-15-30, 11-05-1972, do diretor­geral dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, citando o ofício n.º 312/5, 21-04-1972, do governador-geral de Moçambique (AHD, Proc. 945, Cota AB 1322 PAA). O original deste último ofício encontra-se em AHD/MU/GM/GNP/RNP/0456/07176.

19  Essas cartas podem ser lidas na mesma pasta do AHD: Proc. 945, Cota AB 1322 PAA.

20   Telegrama n.º 49, Legação de Portugal no Cairo, 05-04-1951 (AHD). Para facilitar a leitura, inseri nas citações dos textos dos telegramas partículas de ligação em falta (artigos, preposições e conjunções).

21 Telegrama n.º 17, 16-08-1952 (AHD).

22   Telegrama n.º 87, Legação de Portugal no Cairo, 19-12-1952 (AHD).

23   Ver, por exemplo, telegramas n.º 89, 29-12-1952, e n.º 3, 17-01-1953, Legação de Portugal no Cairo (AHD).

24  Telegrama n.º 1, Legação de Portugal no Cairo, 04-01-1954 (AHD).

25  “Política Externa e Interna dos Países Árabes. Conversa entre o presidente do Conselho e o ministro do Egito. Projeto de Organização de um Bloco Islâmico de que o Egito seria o Estado Hegemónico” (AHD, PAA/M 8, Processo n.º 950,43, 1956, 12-03-1956). Todas as citações que se seguem, no presente parágrafo, provêm deste documento e os sublinhados pertencem ao texto original.

26   Telegrama n.º 26, Legação de Portugal no Cairo, 05-03-1954 (AHD).

27  Ver telegrama n.º 48, Legação de Portugal no Cairo, 13-04-1954 (AHD).

28  Esta distinção encontra-se formulada no telegrama n.º 15, Legação de Portugal no Cairo, 04-04-1955 (AHD).

29   Ver telegrama n.º 92, Legação de Portugal no Cairo, 12-08-1954 (AHD).

30   Isto foi sublinhado por António de Sèves num telegrama enviado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em 07-08-1954.

31   Ver telegrama n.º 2, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 19-03-1955; telegramas n.º 8, 10 e 12, Legação de Portugal no Cairo, respetivamente em 23, 25 e 31-03-1955 (AHD).

32   Esta interpretação feita por António Sèves pode ser lida no telegrama n.º 16, Legação de Portugal no Cairo, 05-04-1955 (AHD).

33   Telegrama n.º 28, Legação de Portugal no Cairo, 31-05-1955 (AHD).

34  Telegrama n.º 21, Legação de Portugal no Cairo, 14-05-1955 (AHD).

35   Telegrama n.º 50, Legação de Portugal no Cairo, 02-04-1957 (AHD).

36  Telegrama n.º 61, Legação de Portugal no Cairo, 20-04-1957 (AHD).

37  Telegrama n.º 30, Legação de Portugal no Cairo, 11-03-1957 (AHD). As próximas citações foram retiradas deste documento.

38  Que não era nova, pois em 27-04-1953, por ocasião do aniversário de Oliveira Salazar e numa altura em que Nasser começava a afirmar o seu protagonismo dentro do regime saído do golpe que derrubara o rei Faruk, o representante de Portugal no Cairo, António de Sèves, informou que o “jornal de maior circulação publicou hoje artigo de fundo com grande retrato considerando universal génio Sua Excelência Presidente Conselho e sua obra lição a meditar e seguir por todo o mundo civilizado” (telegrama n.º 40, AHD).

39   Ver telegrama n.º 90, Embaixada de Portugal no Cairo, 30-06-1963 (AHD).

40   Ver ofício n.º 405, Embaixada de Portugal no Cairo, 28-11-1963 (AHD/PEA/M 161/Processo n.º 333,03, 1963-1967). A Embaixada contabilizou em catorze o número desses cidadãos.

41  Ver aerograma n.º A-25, Embaixada de Portugal no Cairo, 04-04-1964 (AHD).

42   Ver aerograma n.º A-40, Embaixada de Portugal no Cairo, 21-07-1969 (AHD).

43   Ver aerograma n.º A-62, Embaixada de Portugal no Cairo, 20-09-1969 (AHD).

44   Para o que se segue neste parágrafo, ver o aerograma n.º A-70, Embaixada de Portugal no Cairo, 16-10-1969 (AHD).

45   Aerograma n.º A-68, Embaixada de Portugal no Cairo, 09-10-1969 (AHD).

46  Ver Informação dos SCCIM n.º 26/968, de Fernando Amaro Monteiro (ANTT, SCCIM n.º 413, fls. 48-49), e, com a indicação do mesmo assunto, o ofício n.º 38/S, de Baltazar Rebelo de Sousa (ANTT, SCCIM n.º 413, fls. 45-46). O original deste último documento acha-se em PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0456/07176.

47   Ofício n.º 515/K-6-23, 06-02-1969, Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar (PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0456/07176).

48   Telegrama n.º 61, Legação de Portugal no Cairo, 20-04-1957 (AHD).

49   Telegrama n.º 214-219, assinado Ministro, Urgentíssimo, Secretíssimo, para Paris, 25-09-1967 (AHD), apud Franco (2006, p. 68).

50   Ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros, 30-06-1960.

51   Ver, por exemplo, a resposta de Khairi Mohammed Ben Amer, secretário-geral interino do Ministério dos Negócios Estrangeiros líbio, à insistência de João Pereira Bastos para que a Líbia deixasse de votar contra Portugal na ONU em troca da venda de napalm e de outro armamento militar por parte de Portugal à Líbia, negócio que esteve na iminência de se concretizar em 1970: Aerograma n.º A-102, Embaixada de Portugal no Cairo, 26-10-1970 (AHD).

52  Ver aerograma n.º A-70, Embaixada de Portugal no Cairo, 16-10-1969 (AHD).

53   Ver aerograma n.º A-4, Embaixada de Portugal no Cairo, 27-01-1970 (AHD). As autoridades portuguesas estavam informadas das ligações de Holden Roberto a Israel pelo menos desde 1962, quando o encarregado de negócios português em Cape Town informou o Ministério dos Negócios Estrangeiros de que o líder da UPA fora convidado oficialmente pelo Governo de Israel para visitar esse país, convite interpretado como “resposta às  acusações árabes e soviéticas de que Israel estava a fornecer armamento às tropas portuguesas que combatem em Angola” (AHD/AA/M 8/Processo n.º 950,435/1958-1963). Em 1967, o embaixador israelita em Kinshasa reafirmou que “Israel não fornece nem fornecerá armas a Portugal” e reiterou a vontade do governo israelita “em continuar a ajudar os movimentos de libertação angolano[s] como tem feito até aqui” (declarações transmitidas na Rádio Brazzaville, 14-04-1967, ANTT, SCCIM n.º 697, fls. 12-13). Tanto a imprensa egípcia como a Rádio Moscovo acusavam Israel de fazer um duplo jogo, fornecendo indiretamente armamento a Portugal por intermédio da Alemanha Federal (ver Relatório de Notícia dos SCCIM n.º 206/66, 20-06-1966, ANTT, SCCIM n.º 697, fl. 16).

54    Aerograma n.º 55, Embaixada de Portugal no Cairo, 09-03-1972 (AHD).

55  Ver aerograma n.º 98, Embaixada de Portugal no Cairo, 16-05-1972; telegrama n.º 69, 12-11-1973, e aerograma n.º C-27, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 17-10-1973 (AHD).

56   Boletim de Difusão de Informações dos SCCIM n.º 19/74, 02-02-1974 (ANTT, SCCIM n.º 696, fl. 12).

57   Aerograma n.º 3, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 16-01-1971 (AHD). Este documento aparece também citado no artigo de Manuela Franco (2006, pp. 68-69) sobre as relações Portugal-Israel.

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