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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.248 Lisboa set. 2023  Epub 30-Set-2023

https://doi.org/10.31447/as00032573.2023248.08 

Artigo

A antropologia no nosso fim do mundo: condições de possibilidade da prática disciplinar

Anthropology and the end of the world: conditions of possibility of contemporary anthropology

1. Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal. pina.cabral@ics.ulisboa.pt


Resumo

Todas as formas de vida implicam um engajamento em ficar vivo - uma intencionalidade. No caso dos seres humanos, porém, essa “pré-ocupação” com a vida assume aspetos transcendentais: as pessoas humanas imaginam a possibilidade de “um fim do mundo”. Enquanto atividade humana, a prática científica também não é isenta desse afastar do apocalipse. O presente ensaio investiga as condições de possibilidade da antropologia contemporânea, radicando-as no gesto etnográfico. A antropologia possível é a antropologia de quem encontra em si mesmo os instrumentos para, passo a passo, ir subindo a níveis mais e mais abrangentes de pré-ocupação - quer dizer, de desetnocentrificação.

Palavras-chave: antropologia; etnografia; fim do mundo; apocalipse; reflexividade; condição humana; ecumenismo

Abstract

All forms of life imply a commitment to staying alive - an intentionality. In the case of human beings, however, this ‘pre-occupation’ with life takes on transcendental aspects: human beings contemplate the possibility of ‘the end of the world’. As a human activity, scientific practice is not exempt from this concern to keep the apocalypse at bay. This essay investigates the conditions of possibility of contemporary anthropology, rooting them in the ethnographic gesture. The anthropology that is possible today is the anthropology of those who find within themselves the means to, step by step, raise themselves to ever broader levels of pre-occupation, thus carrying out the process of de-ethnocentrification.

Keywords: Anthropology; ethnography; end of the world; apocalypse; reflexivity; human condition; ecumenism

Todas as formas de vida implicam um engajamento em ficar vivo - uma intencionalidade. No caso dos seres humanos, porém, essa “pré-ocupação” com a vida (aquilo que William James chamava “futuridade” (v. Bromhall 2018, p. 61; Pina-Cabral, 2020) assume aspetos transcendentais: as pessoas humanas imaginam a possibilidade de “um fim do mundo”. Enquanto atividade humana, a prática científica também não é isenta desse afastar do apocalipse (v. de Martino 2016), que encontra a sua força motora na relação entre a pessoa orgânica, o mundo e as inscrições no mundo (as objetificações) que a história humana nos legou.

O presente ensaio investiga as condições de possibilidade da antropologia contemporânea radicando-as no gesto etnográfico - esse gesto metódico de ir “lá fora” procurar um mundo que, sendo também meu, é hipoteticamente tratado como sendo “outro”. Acreditando eu que há um futuro para a antropologia (e que há um futuro para ela em Portugal),1 o que quero debater nas linhas que se seguem pode até parecer estranho. Em suma, a pergunta a que me proponho responder é: qual é a antropologia possível perante este nosso fim do mundo?

O fim do mundo

Num certo sentido, o fim do mundo é humanamente irrelevante, pois só poderíamos saber que o mundo tinha acabado se houvesse alguém que continuasse a existir depois de o mundo acabar. Mas uma condição para ser pessoa é ter mundo. Por isso, o apocalipse que nos concerne enquanto pessoas humanas estará sempre no futuro, nunca no passado. A razão para tal é que continuar vivo é estar pré-ocupado com a continuação da vida. Em suma, o que torna o mundo possível é o próprio protelar do fim do mundo.

Isso aplica-se, claro está, a todas as formas de vida. Contudo, para os humanos que, no decorrer da sua infância, se tornaram pessoa, o fim do mundo tem um significado distinto daquele que assume para as restantes criaturas vivas, que se esforçam diariamente, tal como nós, por continuar vivos. Ser pessoa não é o mesmo que ser humano. Para ser pessoa e falar o que os linguistas chamam uma “língua natural”, os seres humanos têm de poder distanciar-se do momento da vida através da imaginação; têm de poder olhar para si mesmos como se estivessem fora da vida, como se fosse possível o mundo inteiro acabar, não só cada um de nós. Através da imaginação, portanto, as pessoas adquirem a capacidade para olhar para o mundo como se fosse possível assistir ao seu fim.

Por isso, o apocalipse só ocorre a humanos. Só as pessoas distinguem os momentos da vida do fluxo da vida. Ao contrário dos outros viventes, que lutam pela vida pari passu, as pessoas pré-ocupam-se com a vida para além delas próprias - em geral, no abstrato. Isso acompanha o uso da linguagem: para poder pronunciar a primeira pessoa do plural tivemos de nos imaginar como distanciados da nossa condição presente; tivemos de transcender a vida. O apocalipse que interessa à antropologia, portanto, é o adiar do fim do mundo de seres vivos que, possuindo pensamento reflexivo, transcendem a perspetiva imediata da sua condição organísmica. Essa reflexividade de quem sabe de si mesmo que existe é a fonte da transcendência humana.

A entrada na condição de pessoa é uma vitória pessoal para cada um de nós; um feito notável; algo que cada um de nós realizou em criança, quando, com cerca de nove meses de idade, olhando à nossa volta nas casas onde habitamos, fomos conseguindo distanciar-nos de quem cuidava de nós. Construímos uma arena-interior-de-presença-e-ação que, por muito que seja um espaço-tempo ficcional (imaginado, transcendental), se torna o ponto focal da nossa presença como agentes sociais humanos (Pina-Cabral, 2017).

Paradoxalmente, contudo, se o acesso à transcendência é pessoal, já a instigação para realizar esse percurso é coletiva (na medida em que depende de toda uma bagagem histórica de inscrições de origem humana no mundo, das quais a nossa língua materna faz parte). O suporte (o andaime, scaffold) que as pessoas usam para se guindarem para além da sua imersão imediata no mundo da vida e construir essa arena interior (o seu self) são as objetificações que se vão acumulando nos contextos de interação humana e que nos rodeiam a todos nas nossas vidas como pessoas - aquilo a que Marcel Mauss chamava o habitus (Lecordier, 2012).

Em suma, na pessoalidade, o singular e o plural nunca se afastam muito, como Husserl já há muito nos ensinou.2 Por isso, apesar da força motora que lança a vida das pessoas em sociedade ser a relação entre a pessoa orgânica e o mundo, a dependência das objetificações que a história humana nos legou para poder emergir como pessoa significa que essa futuridade é sempre contabilizada, ao mesmo tempo, a vários níveis de associação.3 Nunca ninguém pertence apenas a uma relação única com outrem. Em suma, a própria pessoalidade é metafisicamente plural - não há «indivíduos».

Não sou de forma alguma o primeiro, nem serei o último a fazer a observação de que a fonte de toda a transcendência está na pessoalidade. Vejam como - há muito tempo e com intenções teóricas radicalmente distintas das nossas de hoje - Erving Goffman apresenta a questão, num desses fascinantes momentos de clarividência oracular que geralmente lhe chegavam nas frases finais dos seus textos:

Muitos deuses foram sendo eliminados, mas o próprio indivíduo permanece teimosamente como uma divindade de enorme importância. Caminha com dignidade e é o destinatário de muitas pequenas oferendas. É cioso do culto que lhe é devido. Contudo, quando abordado com a atitude correta, está pronto a perdoar àqueles que o possam ter ofendido. Devido ao estatuto que eles têm por relação ao seu, algumas pessoas vão achar que ele as contamina, enquanto outras vão achar que o contaminam a ele. Seja como for, acabam todos por descobrir que o têm de tratar com cuidados rituais. Talvez o indivíduo seja tão viável enquanto deus porque pode realmente compreender o significado cerimonial da forma como é tratado; e pode, portanto, responder dramaticamente, nos seus próprios termos, ao que lhe é oferecido. Nos encontros entre tais divindades não são necessários intermediários; cada um destes deuses é capaz de funcionar como o seu próprio sacerdote. [Goffman, 1956, p. 499]

Na minha leitura, Goffman está a dizer que as pessoas olham para si mesmas como existindo num mundo que é algo que elas podem manipular usando o habitus que lhes foi legado pela vida coletiva das outras pessoas. Para o conseguir fazer, porém, as pessoas tiveram de ser “contaminadas” por outras pessoas que existiam antes e/ou ao lado delas. Ora, isso envolve um distanciamento do real imediato, uma capacidade para transcender a condição momentânea. Assim, como ele insiste, a pessoa é já ela uma divindade (uma metapessoa) sem necessitar de intermediários entre o aqui e o além.

O uso que Goffman faz da expressão “contaminar” lembra-nos a forma como Lévy-Bruhl usava o conceito de “participar” (Pina-Cabral, 2018). Quer dizer, Goffman aproxima-se aqui visionariamente do que mais recentemente tem sido chamado uma visão “enativa”4 - isto é, um posicionamento analítico que “questiona o axioma tradicional de que os outros não são transparentes para nós” (De Jaegher and Di Paolo 2007, pp. 19-20). Pelo contrário, “nós não experienciamos o outro-em-interação nem como totalmente obscuro e inacessível nem como plenamente transparente (quer dizer, como um objeto plenamente constituído pela minha capacidade para fazer sentido), mas como algo de distinto: como um padrão proteico com superfícies conhecíveis e superfícies não conhecíveis e ângulos de familiaridade que se transfiguram no decorrer da interação” (idem). Em suma, a indeterminação é parte de toda a relação.

Segundo a perspetiva individualista (atomística, dito de forma mais genérica) que dominou as ciências sociais nos últimos dois séculos, o advir da modernidade trouxe consigo um empolar da autoconsciência da pessoa, que teria implicado um desengajamento progressivo da existência coletiva. Para os modernistas, a imersão plena na coletividade era a condição dos “animais” e dos “primitivos”; enquanto os “indivíduos” modernos eram concebidos como entidades atómicas e egoístas que podiam romper com a sua herança coletiva.5 A conceção enativista que aqui vos proponho é radicalmente contrária a essa. Ela assume que a própria emergência da pessoa envolve sempre, em todos os contextos humanos, uma imersão redobrada na existência coletiva. Os seres humanos só podem colocar-se na posição dos outros porque assumiram as objetivações (as inscrições no mundo) que os outros anteriormente deixaram. Isso implica um redobrar da responsabilidade para com a necessidade de suster a vida - uma maior pré-ocupação.

Assim, estar atento ao mundo, trabalhar para adiar o fim do mundo é uma preocupação. Heidegger chamava-lhe, quem sabe com excessivo dramatismo, angst (ansiedade - ver 1987, §40); eu prefiro dizer “estar interessado”, no sentido de me sentir implicado, de estar sempre pré-ocupado. Aliás, o filósofo alemão é bem claro em separar “medo” - algo que tem um objeto em vista - de “ansiedade”, que é para ele algo de muito mais geral à vida, sobre o qual ele explica: “a ansiedade ‘não conhece’ o que é que é isso face ao que está ansiosa”( Heidegger, 1987, p. 231). Aliás, o caminho que todos percorremos de nos irmos tornando nós mesmos (isto é, o processo reflexivo da ontogénese pessoal) não é simples, não é destituído de dor e de emoção e nunca chega bem a acabar. Devir pessoa é sempre vagamente doloroso porque, como nos explicou Freud, existe uma solidão original no descobrir que somos diferentes dos outros; no descobrir que, na medida em que existimos em separado, também os outros existem separadamente (Winnicott, 1971). Por isso é importante entender que a “empatia” que me liga ao outro não implica necessariamente nem “bondade” nem “carinho” (Bubandt and Willerslev, 2015).

Há uma humildade implícita na perspetiva que vos proponho, porque quem quiser transcender a vida tem sempre de ter estado já dentro dela. Para fazer parte da socialidade, eu já tenho de ter sido parte dela. Não o faço por mim mesmo; porque, para ser eu próprio, eu tive já de ter sido “contaminado” pelos outros, como dizia Goffman. No caso dos humanos, essa preocupação desdobra-se, porque ela aplica-se tanto à minha condição como organismo (como um animal que se esforça por prolongar a sua vida) como à minha condição como pessoa que, para transcender a sua imersão imediata no mundo, depende das objetificações que a história da socialidade humana disponibiliza. Tal não significa que eu seja um prisioneiro de uma “cultura” fechada sobre si mesma e autorreferenciada, como os culturalistas propunham. Nada disso. Tal como insiste Derrida, “o que caracteriza uma cultura é não ser idêntica consigo mesma” (1991, p. 16). Como pessoa, eu encontro dentro de mim mesmo os meios para abraçar os outros, com outras histórias, outras visões e, por conseguinte, para abraçar mundos divergentes dos que eu já trazia comigo. Por eu ser “contaminado” pelas pessoas com quem entro em companhia, os nossos mundos vão-se abrindo uns aos outros mutuamente em toda a sua inesgotável pluralidade.

Assumindo, pois, que o gesto etnográfico - a hipótese metódica de “ir lá” e “voltar” - é a base de todo o pensamento antropológico, concluo que a antropologia possível é a antropologia de quem encontra em si mesmo os instrumentos para, passo a passo, honesta e corajosamente, ir subindo a níveis mais e mais abrangentes, mais e mais transcendentes, mais e mais ecuménicos de pré-ocupação - quer dizer, de levar por diante esse processo de alargamento de perspetivas que Julian Pitt-Rivers (1992) chamava desetnocentrificação e que considerava ser a marca central de toda a boa antropologia.

Na nossa qualidade de antropólogos, nós recorremos à capacidade para transcender (que nos é legada pela nossa condição de pessoa) para poder levar a cabo processos de abarcamento ecuménico de mundos. Ora, como explicava Goffman, esses passos não são feitos por cada um de nós individualmente, por meio de um qualquer engenho que um qualquer criador externo nos tenha oferecido - como antes se dizia dos grandes génios. Não: nós somos os nossos próprios deuses; cada um de nós é a sua própria fonte de transcendência. Essa luta contra o fim do mundo humano está radicada no habitus, o legado cultural que a história dos nossos semelhantes nos deixou. Por isso é necessário haver bibliotecas, universidades, escolas, instituições de saber, associações científicas. Todos esses são o resultado de uma emergência que, sendo coletiva, assenta necessariamente sobre a emergência de cada um de nós enquanto divindade, para recorrer à metáfora do Goffman.

De um ponto de vista enativista, portanto, a antropologia só é possível se aceitarmos que estamos imersos numa história que é sempre particular, específica e coletiva e que é, repito, “um padrão proteico com superfícies conhecíveis e superfícies não conhecíveis e ângulos de familiaridade que se transfiguram no decorrer da interação” (De Jaegher and Di Paolo 2007, pp. 19-20). É só porque não vemos tudo, que vemos o que conseguimos ver.

Antropologia hoje

Já nos anos 60, Ernesto de Martino sugeria que todo o trabalho intelectual sobre a condição humana será sempre, por um lado, etnocêntrico, no sentido de marcado pelo nosso engajamento numa conjuntura histórica e coletiva particular da qual não há fuga e, por outro lado, ecuménico, no sentido de conducente a um reflexivismo crescentemente abrangente no interior dessa história. Na verdade, essa abrangência não se fica pelos limites da humanidade, mas acaba por integrar a perspetiva da vida como um todo. Assim, se a frase “etnocentrismo ecuménico” parece ser contraditória; é porque, de facto, o é. Ela assume e abraça a condição contraditória da reflexividade humana, que está fora e dentro da história, que nunca saindo da história da vida, sabe olhar para ela como existindo, como sendo um mundo possível. E isso chama a nossa atenção para o facto de que ultrapassámos hoje as condições de possibilidade do utopismo ocidentalista que marcou a antropologia dos últimos dois séculos.

Seguindo nas pisadas de Hegel, temos de rejeitar a ideia cartesiana de que, no mundo, não há contradições, só há más perspetivas: essa ideia de que todas as contradições são resolúveis, de que a natureza existe “lá fora” e tem limites claros, de que o vago é um erro de julgamento (Pina-Cabral, 2020). Temos de saber pôr de lado esse cartesianismo implícito, porque, se não o fizermos, vamos ficar presos dentro de uma conceção dicotómica de ciência, que ou aceita que há factos externos (lá fora) ou desiste de confiar na evidência (cá dentro). Nenhuma das duas soluções é satisfatória. A própria dicotomia que ela cria prende-nos no vórtice abissal do ontologismo que tanto fascinou a geração daqueles que cresceram na década de 1990 acreditando em mundos virtuais, em semióticas desligadas da vida, em avatares com inteligências artificiais. Pelo contrário, para ser possível, a nossa antropologia de hoje tem de passar para lá dessa luta irresolúvel entre positivismo e relativismo. Assim, o nosso realismo, para ser antropológico, será sempre minimalista. Há que passar pela porta do meio: nem factos incontornáveis, nem sonhos intocáveis; nem asceses, nem deboches; nem determinismos crus, nem passes místicos (Pina-Cabral, 2010).

Na verdade, não há que ter medo da contradição, porque como Lévy-Bruhl descobriu no fim da sua longa vida, as leis da contradição que subjazem à logica formal não são mais do que um instrumento; uma ferramenta que os humanos descobriram para controlar melhor o mundo em termos técnicos e para o adaptar melhor aos seus interesses. As leis da lógica não constituem um modelo fiel das formas como as pessoas pensam, não são uma boa descrição das formas de cognição humana. Assim, não eram os primitivos que estavam errados ao adotar o que Lévy-Bruhl chamou “as leis da não-contradição”; era Aristóteles que tinha achado erradamente que era possível ser humano e estar subjugado às “leis da contradição” (Pina-Cabral, 2018). Quando Lévy-Bruhl finalmente descobriu isso em 1938, já Kurt Gödel nos tinha ensinado que há limites inultrapassáveis para todas as formalizações e que esses limites resultam de nunca ser possível abdicar da posição do conhecedor. Isto é, para saber é preciso primeiro termo-nos tornado uma pessoa - e isso envolve necessariamente o que Goffman chamava “contaminação” como vimos acima (Pina-Cabral, 2020).

Por isso, a antropologia possível hoje é a antropologia que sabe que é necessário engajar o mundo para que ele continue; que não há como evitar a pré-ocupação com a vida. Sabe que pode haver um fim para o mundo e, portanto, assume a necessidade de evitar o fim do mundo. Acontece que o mundo atual é altamente complexo de um ponto de vista técnico. Para que possa funcionar minimamente, ele depende de uma estrutura crescentemente complexa de andaimes técnicos e administrativos. Ora essa estrutura, no mundo em que vivemos, assume como pano de fundo implícito uma teoria utópica que não contempla o fim do mundo - a saber, a teoria da modernidade como processo em constante expansão. Trata-se de uma conceção de fundo bélico que herdámos do Renascimento e que vê o bem-estar como um processo de conquista. Desde sempre que os pensadores orientais de raiz histórica budista nos têm alertado para os perigos desse preconceito. Mas ele está tão implicitamente assumido pelos processos imperialistas do mundo que herdámos, que é muito difícil fugir dele - mesmo para os orientais de hoje.

Apesar de todas as crises a que temos assistido recentemente, os pressupostos ocidentalistas continuam perversamente inscritos nos meios de comunicação que constituem o pano de fundo cosmológico da nossa existência quotidiana. Não há discurso nenhum de qualquer governante - desde um qualquer ministro das finanças ao presidente do Banco Mundial - que não tenha inscrito em si secretamente a implicação de que o “crescimento” e o “desenvolvimento” não só continuam a ser possíveis como são desejáveis. Trata-se de uma teoria ocidentalista, que assume que ainda há mais mundos a conquistar a Ocidente, que ainda há terra devoluta, que ainda há mais oceanos não explorados, que ainda há mais florestas a desbastar e mais gente a transformar em mão-de-obra barata, que é possível aumentar sempre o número dos consumidores, que temos todos que ter mais criancinhas, que abortar é mau, que todos têm direito a ter tantos filhos quantos quiserem, que, para cada velho, são precisos dois jovens a olhar por ele, etc. Essa espécie de utopismo ocidentalista está tão profundamente inscrito no nosso mundo, que nós reagimos às ilações que produz como fazendo sentido, sem sequer entendermos que estamos a comprar mentiras.

Ao limite, é isso que sustenta essa indústria peculiarmente perversa da exploração astronómica, levando multibilionários como Elon Musk e Jeff Bezos a contemplar moverem-se para Marte ou trazerem para os seus bunkers, quando os outros seres humanos já não tiverem mais água para beber, água pura vinda da parte escura da Lua. Recentemente, o conhecido futurista Douglas Rushkoff foi convidado por um grupo dos principais multibilionários de Silicon Valley para discutir com eles a melhor maneira de construir (e de proteger com exércitos de mercenários) os bunkers que eles estão a escavar no deserto para o momento em que o apocalipse chegar. Conta ele:

Os bilionários que me chamaram para o seu deserto para avaliar os seus bunkers estratégicos não são tanto os vencedores do jogo económico; são mais as vítimas das suas perversas e exíguas leis. Mais do que qualquer outra coisa, eles sucumbiram a um estado de espírito no qual “ganhar” significa ganhar suficiente dinheiro para se protegerem do dano que estão realizando ao ganhar dinheiro dessa maneira. […] Ora, esse escapismo […] encoraja os seus aderentes a acreditar que os ganhadores podem simplesmente deixar o resto de nós todos para trás. [….] Nunca até hoje os jogadores mais poderosos do mundo assumiram que o principal impacto das suas conquistas seria tornar o mundo inabitável para todos os outros. Nem nunca antes ninguém controlou as tecnologias necessárias para poder inscrever essas sensibilidades no próprio tecido da sociedade: a nossa paisagem está viva com algoritmos e inteligências que encorajam ativamente tais conceções egoístas e isolacionistas. Quem for suficientemente sociopático para abraçar estes meios é pago com muito dinheiro e com o controlo de todos os outros. É um círculo de feedback auto-sustentado. Isto é coisa nova. [The Guardian 04-09-22, v. Rushkoff, 2022]

Em vez de repensar as teorias que são responsáveis pelo descalabro ambiental em que vivemos, os “grandes jogadores” dos nossos dias, como lhes chama Rushkoff, fazem-nos pagar os seus sonhos perversos de cowboys ou conquistadores, de continuar a “expandir as fronteiras para ocidente” suportados por exércitos de mercenários - tais como os que hoje lutam para Putin, vindos das prisões russas ou então fugidos da miséria do Daguestão, da Sibéria ou da Chechénia. Não parece haver forma de lhes explicar que, porque o mundo é limitado, os meios são escassos. O fim do mundo não está fora do mundo, mas sim aqui, entre nós, neste mundo. Estes bilionários não querem entender que, depois de terem esbanjado todas as matérias-primas que ainda há em África ou na floresta amazónica, não vai ser possível ir tirar mais terras a mais outro sítio qualquer. Não veem que, tal como com os desertos produzidos pela União Soviética onde antes havia grandes mares cheios de vida, esses lugares ficarão para sempre inóspitos e mortos.

Mundo é o que a vida faz. O próprio oxigénio que respiramos é o produto do trabalho multissecular de organismos vivos. Por isso, a antropologia possível será sempre uma antropologia que sabe que o mundo pode terminar; que a vida é um bem que requer investimento; que não basta roubar a vida dos outros para ficar vivo. A antropologia possível rejeita os princípios imperiais e predatórios inscritos nas teorias modernas do desenvolvimento, nos pressupostos do crescimento económico, nos sonhos de expansão para Ocidente. É uma antropologia que olha para o humano não como condição de predação sobre o que antes se chamava a “criação”, mas sim como um aspeto indissociável da vida de todos os outros seres vivos. Porque nós hoje sabemos que não houve criação, houve emergência; não houve vontade ou desenho original, houve só um acumular silente de esforços minúsculos por manter o que ia emergindo a partir desses mesmos esforços. Nós somos vivos e não criados; somos vivos porque resultantes de um movimento de pré-ocupação radicado no passado mais profundo da vida: uma história nebulosa de constante pré-ocupação em continuar vivo, em protelar o fim do mundo, em fazer a vida possível. E o caminho não foi nem único nem direto; mas sujeito às dinâmicas circulares da complexidade.

Em suma, porque o mundo é uma função do esforço por impedir o fim do mundo, a antropologia possível será sempre uma antropologia pré-ocupada - quer dizer, ativamente engajada na preservação deste mundo, histórico e atual, do qual os humanos fazem parte.

Ecos apocalípticos no mundo europeu

Nos dias que passam, estamos a viver outra vez um momento de crise geracional resultante de toda uma conjugação de fatores de caracter largamente global (Pina-Cabral e Theodossopolous, 2022). A crise financeira de 2008 mal tinha sido superada quando surgiu a pandemia do Covid-19 e logo a Guerra da Ucrânia. Na Europa, estas crises em rede, cujos efeitos económicos foram mais do que patentes, tiveram também efeitos políticos e identitários de enorme monta - entre eles, o fútil desespero das extremas direitas um pouco por toda a Europa, e em especial o trágico desenlace do Brexit, movido pelo saudosismo imperial inglês.

Em particular, esses choques sistémicos tiveram como efeito uma alteração nas expectativas geracionais da maioria da população. A crença ocidentalista de que tudo iria para melhor de geração em geração foi interrompida, com efeitos identitários brutais. Não é a primeira vez que tal acontece. Já na altura da crise bolsista do fim dos anos 20, Ortega y Gasset, Marcel Mauss e Karl Mannheim alertavam para fenómenos semelhantes e, mais tarde também, nos meados dos anos 60, durante a Guerra do Vietname, Ernesto de Martino (2016) chamava a nossa atenção para a necessidade de estar atento ao que ele chamava la fine del mondo. Quando ele identificava essa vertente apocalíptica como eixo dominante da antropologia possível referia-se ao mesmo “fim do mundo” que eu, aqui, tenho vindo a explorar.

As crises pelas quais temos vindo a passar nas últimas duas décadas na Europa - tal como as desses tempos já distantes - significam que não dá para assumir que tudo pode continuar como era dantes; bastando corrigir aqui e ali um poucochinho. Não se tratava para nenhum desses autores que citei - nem nos anos 20, nem nos anos 60 - de um chamamento a uma qualquer revolução política de cariz utópico e radical. Tratava-se sim, e pelo contrário, em todos os casos acima referidos, do chamamento a uma nova forma de atenção sobre o social que não tomasse como assente que tudo continuaria sempre como dantes. Em suma, na época da emergência dos fascismos, na época da Guerra Fria, tal como hoje na época das guerras da Síria e da Ucrânia, as mudanças pelas quais o mundo tem vindo a passar alertam-nos para o facto de que o apocalipse é possível. Estar atento ao fim do mundo significa um chamamento à necessidade de cuidar com atenção pelas condições da vida - não só de cada vivente em particular, mas de toda a vida em geral. A emergência de cada um de nós como pessoa implicou um redobramento do nosso envolvimento na socialidade da vida, tal como explicado acima - o que envolve uma responsabilidade acrescida.

Mais ainda, como se não bastasse, estamos todos cada vez mais ameaçados pela espada de Dâmocles da emergência ambiental. A consciência dessa necessidade de salvar o nosso mundo vai aumentando conforme os fenómenos climatéricos, já antes previstos, se vão revelando em toda a sua crueza. No caso português, quem não reparou na desertificação e continua a acreditar que é possível continuar com as políticas de apoio à monocultura que têm sido implementadas pelos nossos governos há três décadas a esta parte, não está a pensar bem. Onde está hoje essa aurea mediocritas cantada por Diogo Bernardes no século XVI e que foi o pano de fundo que moveu o folclorismo romântico português, que por sua vez está na origem da nossa antropologia de hoje? Essa visão de uma ruralidade úbere que Eça de Queiroz também explorou. Por muitas barragens que sejam construídas com verbas da União Europeia, não será possível parar o descalabro enquanto não revertermos a monocultura, seja ela do trigo, do pinheiro, do eucalipto ou da oliveira. Não era essa, afinal, a principal lição a tirar da policultura minhota que eu estudei nos anos 70? O Portugal rural que fascinava Almeida Garrett, Eça de Queiroz, Rocha Peixoto, Leite de Vasconcelos, o Abade de Baçal, Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira ou ainda a minha geração nos anos 80 está a terminar rapidamente.

Para além disso, estamos a assistir a uma mudança menos fácil de descrever e, até por isso, quem sabe, mais importante. A condição humana é uma condição de seres corpóreos (embodied) que existem sempre numa terra particular - não na terra em geral, mas na terra específica onde existem, com uma história particular e única; porque, para os seres vivos, só há terras com história. Estar vivo é ter história. Mais ainda, para os humanos, o processo de passar da condição orgânica humana à condição de pessoa, com pensamento proposicional e dotes transcendentais, ocorre sempre sobre a terra, através do que Ingold chamava dwelling (habitação, 2005). Ser humano é ser humano numa terra. Por terra aqui, quero referir-me tanto a um lugar determinado (uma casa, um bairro, um país) onde nos foi dado vir ao mundo, como a uma condição mais geral de relação com o planeta. Essa relação com a terra está profundamente inscrita dentro da nossa ontogénese como pessoas, a história pessoal de cada um de nós. Ela está marcada pelos nossos primeiros momentos, mas depois continua a evoluir através de toda a nossa vida. Quem já foi emigrante saberá explicar bem o que tal implica. Como demonstrou tão vivamente Abdelmalek Sayad (1999), o habitus da migração nunca deixa quem o viveu, por muito que volte a penates.

As condições de habitação da terra, portanto, afetam quem nós somos e como abordamos o que podem ser os limites do nosso mundo. No estudo que publicou sobre as famílias de circo, Joana Afonso (2002) mostra como, para essas pessoas, a mobilidade era uma condição indispensável do bem-estar. Ficar num lugar fixo, para elas, tornava-se quase uma impossibilidade. Era um fechamento do mundo, um apocalipse ao qual fugiam com vigor, às vezes até contra os seus interesses mais imediatos. Ora esta relação que todos transportamos em nós com um tipo particular de habitação tem efeitos também a um nível coletivo mais geral. Os países, os Estados, as civilizações assumem e constroem, através das eras da sua vida coletiva, modos de estar no mundo. Por exemplo, a ideologia sedentarista que veio a dominar a Europa pós-medieval e de que nos falam os historiadores da escola dos Annales continua hoje a constituir um vago, mas inarredável parâmetro para as nossas instituições europeias. Trata-se de algo assumido e difícil de identificar nos seus detalhes. No entanto, a história das nossas instituições tem revelado bem que assim é. Veja-se a história que Susana Trovão delineou da repressão da vadiagem em Portugal (2019 [1997]).

A Europa vive hoje o final de um processo de retrocesso da sua condição imperial que se iniciou durante a Primeira Guerra Mundial, mas que só se tornou verdadeiramente evidente durante a Guerra Fria. A emergência de um novo poder mundial na China, o controlo por parte deste país dos velhos locais onde a Europa ia procurar os seus privilégios (em África e na América Latina), a ameaça militar da tirania russa, a pressão exercida pelos vizinhos do Médio Oriente, nomeadamente a Turquia, a redução do poderio militar e financeiro americano, a crescente constituição de elites multibilionárias que não estão radicadas em país nenhum específico e que não têm qualquer radicação de natureza política ou fiscal… tudo isto significa que a condição da relação dos povos europeus com a sua terra tem vindo a sofrer golpes profundos.

Estamos perante o apocalipse da relação que tínhamos com o planeta e com a terra europeia em particular. O sucumbir, por demais frequente, das elites da União Europeia e dos governos europeus aos interesses do capitalismo financeiro internacional tem dado azo a processos políticos perversos na medida em que sujeitam as pessoas às próprias forças que as angustiam por ameaçarem a segurança do seu mundo de vida.6 Apontamos o dedo ao resultado deste processo (os chamados “populismos”), que têm vindo a ameaçar a própria continuidade dos nossos regimes democráticos, mas esquecemos as causas que levaram à emergência desses movimentos antidemocráticos um pouco por todo o mundo.

Nem tudo têm sido desastres, contudo. Em comparação com outras regiões mundiais, a Europa tem encontrado meios politicamente negociados para manter uma existência política transnacional, o que tem permitido a cada um dos países europeus mediar as formas de pluralidade interna que os caracterizam. Se bem que este processo nem tenha sido definitivo nem ausente de conflitos graves, a verdade é que, comparativamente, o modelo político europeu tem valores que urge preservar. Como resultado do bom funcionamento das nossas instituições, os povos de todos esses países em colapso que nos rodeiam ambicionam viver entre nós. Refiro-me tanto aos migrantes pobres vindos de África, como às classes médias islâmicas fugidas da guerra no Médio Oriente, como aos milionários russos que compraram as vilas com vista para o mar um pouco por toda a Península Ibérica. Mesmo estes, cujos pais depredaram o mundo, preferem viver em locais onde a depredação e o homicídio são mais contidos.

Uma antropologia trilateral

Quero insistir que a relação entre a antropologia e a terra é um aspeto central a ter em conta quando nos perguntamos sobre qual a antropologia possível. Não há saber fora da história, toda a antropologia existe num tempo e espaço historicamente formado e, como tal, toda a antropologia é parte de uma conjuntura (Pina-Cabral e Theodossopolous, 2021). Essa é a lição que de Martino (2016) nos quis dar ao propor a adoção do etnocentrismo ecuménico a que já me referi anteriormente.

Acontece que todas as eras do mundo humano contiveram - e, pelo que podemos ver, conterão sempre - injustiça, dominação violenta, opressão, aspetos a lamentar eticamente. Nos dias que passam, há muito quem se autoexcite realizando decolonizações fáceis. Pensam que podem olhar de fora para a sua própria conjuntura histórica e evitar os erros que detetam nos seus antecessores. Enganam-se, porém. De facto, o cronocentrismo é um dos principais vícios da nossa geração de cientistas sociais. É sempre fácil identificar os erros dos que nos precederam, porque já estamos distantes deles; vemos a floresta para lá das árvores. Mas os que nos sucederão também terão mais clarividência sobre os erros que nós hoje cometemos, relativamente aos quais somos largamente inconscientes. À luz disto, alguma humildade crítica pareceria recomendável.

Se há algo que o século XX nos ensinou é que a antropologia assenta sobre a possibilidade do gesto etnográfico. Por “gesto” quero dizer essa disposição para mudar de companhia e, ao fazer isso, criar as condições para um distanciamento heurístico que permite ver a vida vivida como uma vida diferente. Acontece que fazer isso a partir da Europa não é o mesmo que fazer isso numa terra de settlement europeu. Os europeus concebem-se a si mesmos como autóctones; essa é a perspetiva de mundo que será sempre subjacente ao seu olhar sobre o mundo. Na América, porém, a situação é diversa, como explicou Sidney Mintz (1996). Quando a antropologia americana começa em 1897 com Frank Hamilton Cushing (1882-1883), ela assume-se como um processo de mediação entre os americanos que lá estão e os americanos que estavam antes da conquista. Por seu lado, Claudio Lomnitz (2005) demonstrou que, nos anos 90 do século XIX, quando Boas decidiu tornar-se americano, ele teorizou o projeto da antropologia dos quatro pilares precisamente para responder à procura de todo o americano (do Norte ou do Sul) de uma autoctonia que lhe escapará sempre. O settler é um ser que se afirma como um fenómeno novo à terra (ele está na terra, não é da terra). Ele afirma-se na terra como uma identidade já identificada, como algo de já feito; pelo contrário, o autóctone emerge por diferenciação no interior de uma terra que lhe é pré-existente (ou por relação à qual os discursos de uma autoctonia mítica anterior são vagos e incertos).

As antropologias que recebemos dos nossos anteriores eram marcadas pelas conjunturas e pelas terras onde eles e elas viviam. Assim, no decorrer do século XX, a antropologia europeia foi uma antropologia da terra; a antropologia do Novo Mundo uma antropologia na terra. A antropologia de raiz americana, portanto, põe o enfoque sobre a “identidade”; algo de pré-existente; um dado cultural e político absoluto, que se impõe sobre a terra. Nesse sentido, a antropologia europeia sempre divergiu consideravelmente das antropologias que se desenvolveram nos países de settlement europeu, tanto nas Américas como na Oceânia. Em particular, na América do Norte do último quartel do século XIX, a autoctonia era um desafio temível; ela era tão evanescente quanto inesquecível. O modelo disciplinar de antropologia que pessoas como Frank Hamilton Cushing e Franz Boas desenvolveram para captar esse processo assentava sobre quatro pilares (biologia, cultura, arqueologia e linguística). Ele respondia à necessidade de constituir uma ponte necessária para quem quisesse ser americano entre uma história ignorada de radicação na terra (o passado ameríndio que se impunha como um fantasma identitário, por ser considerado “original” e “fundacional”), e uma história necessária da radicação na terra (o futuro da modernidade que seria moderna e, por isso, essencialmente europeia). Adaptava-se assim às necessidades do mundo americano.

Por conseguinte, na antropologia americana, o “primitivo” que polarizava antropologicamente a modernidade desejada (o tal “Outro”) era interno; na antropologia europeia esse “primitivo” era externo (largamente colonial). Infelizmente, é frequente colegas nossos falarem deste assunto ignorando as diferentes histórias do pensamento antropológico de um e outro lado do Atlântico. Confundem a necessidade patente de desenvolver diálogo interdisciplinar com as outras ciências da vida com os padrões conjunturais específicos que deram azo ao modelo disciplinar da antropologia norte-americana.

Por muito que continuemos ainda sujeitos por mais umas décadas às modas vindas dos Estados Unidos, a antropologia culturalista com o seu enfoque sobre “identidade” nunca servirá na Europa - onde as marcas identitárias se apresentam não como impostas, mas como emergentes. Aliás, o papel revolucionário que o indigenismo e a antropologia feita por indígenas está a ter nas Américas e na Oceânia é absolutamente central ao que virá a ser a antropologia nessas terras num futuro próximo, quando o próprio evoluir inevitável do descalabro ambiental mostrar que não há mais “terras a ocidente” para conquistar.

Na Europa, a arqueologia ou a linguística nunca aceitaram fazer parte do discurso antropológico. Pelo contrário, a nossa antropologia europeia sempre evoluiu em torno de três eixos subdisciplinares muito claros. Tal passou-se claramente na Península Ibérica, como bem sabemos, mas também na França, na Inglaterra ou no mundo de língua alemã. Os três eixos disciplinares foram-se sempre desenvolvendo a par e passo: (i) um eixo de cariz físico, (ii) um eixo de cariz endógeno e (iii) um eixo de cariz exógeno - chamados vulgarmente antropologia biológica, etnologia ou folclore, e antropologia colonial ou do exótico. Hoje, tal como no passado, essas três vertentes continuam vivas entre nós. Pessoalmente, tenho de reconhecer que as expectativas que eu próprio tinha há umas décadas de que estas três tradições viessem a diferenciar-se disciplinarmente eram infundadas. Mais do que nunca, torna-se agora patente que o universalismo da antropologia possível nos obriga a levar por diante as três vertentes em diálogo constante: uma que nos prende à intencionalidade da vida, uma que nos prende à condição histórica local em que vivemos, e uma que apela ao ecumenismo antropológico.

É fácil ver que, ao longo do século XX, estas tradições foram mudando, até porque os autores que acompanharam esse processo no decurso das suas vidas ativas foram também mudando com elas. A frenologia do início do século XX acabou por parir a primatologia evolucionista dos meados do século que, na passagem dos anos 80 para 90, acabou por dar azo à antropologia médica e ao enativismo. A etnologia nacionalista do início do século acabou por parir os estudos de comunidade e campesinato dos meados do século que, na passagem dos anos 80 para 90, acabaram por derivar para os estudos do património e a antropologia política de cariz historicista. A antropologia imperial do início do século acabou por parir os estudos de etnicidade, de religião e raça dos meados do século que, na viragem dos anos 90 para o novo século, derivaram nas correntes ontologista, ambientalista e decolonizante dos nossos dias.

Este quadro poderá parecer excessivamente rápido já que a complexidade da evolução das várias correntes no interior da antropologia foi muito rica. No entanto, ele tem por função revelar as continuidades que, no interior da complexidade de cada obra individual, se tornam menos visíveis.

Quero, assim, alertar para um aspeto da antropologia que a faz divergir de outras disciplinas, tais como a psicologia ou a sociologia. Para ser possível, a antropologia faz necessariamente uma ponte entre as ciências biológicas, as ciências sociais e as humanidades - os sentidos que damos a essa ponte vão variando, mas a permanência da ponte parece ser inevitável por ser condição do universalismo definidor da própria antropologia, uma disciplina de humanos que estudam a condição humana na sua maior abrangência. Na Europa, a descoberta da pluralidade interna como parte de quem somos nós-mesmos e de como a autoctonia é ela própria o resultado de encontros e não de separações, significa que há um papel central para o novo crioulismo cultural europeu fortemente influenciado pela antropologia que tem vindo a emergir no interior das mais recentes correntes artísticas (a Bienale de Veneza de 2022, por exemplo, foi uma ocasião privilegiada para assistir a esse processo).

A etnografia intensiva

A vocação universalista da antropologia encontra o outro lado da medalha na sua vocação particularista - o mais geral tem a sua maior presença no mais particular. Por isso, a antropologia não é possível sem que assente numa metodologia qualitativa intensiva. Não se trata de reduzir a antropologia à etnografia, nem vice versa. Trata-se, em última instância, de as considerar como indissociáveis. Tenho aqui em mente, em particular, o tipo de etnografia que W. H. R. Rivers, o fundador da modernidade etnográfica, chamava “o método intensivo” (1913) e que inspirou tanto a obra de Malinowski (p. ex. 1922) como a dos discípulos de Robert Park que estudaram Chicago (p. ex. Anderson 1923 ou Whyte 1943 para citar dois casos especialmente brilhantes).

A investigação etnográfica, quando é intensiva, acaba por ser formatante do próprio etnógrafo como pessoa. Para Rivers e Malinowski, etnografia intensiva significava que o etnógrafo entrava no espaço público a estudar e partilhava do habitus das pessoas que queria conhecer, o que significava que ele ou ela acabavam sempre por ser “contaminados” por estes, isto é, o ambiente etnográfico passava a constituir parte do percurso ontogenético do investigador (Rivers, 1913). Ora, já nos anos 30, esta conceção opunha-se a uma outra conceção da etnografia como expedição predatória, do género da que Marcel Griaule e Lévi-Strauss praticaram e que Griaule explicitamente chamava “etnografia extensiva” (Griaule, 1957, pp. 29-36). Mas opõe-se também ao tipo de etnografia que tem vindo a fazer moda ultimamente entre os sociólogos e geógrafos - onde o contacto do investigador com as pessoas estudadas tende a ser limitado e localizado, baseado na transcrição de gravações de entrevistas e pouco investimento relacional. Nada disto, porém, é recente. Talvez o maior libelo dos problemas associados ao método extensivo sejam as reservas que deixa escapar timidamente Michel Leiris - que acompanhou Griaule na famosa expedição entre Dakar e Djibouti (1931-1933) - nos dois preâmbulos de re-edição do seu livro clássico L’ Afrique fantôme (1981 [1934]).

Nos dias que passam, conseguir manter viva a prática da “etnografia intensiva” face às limitações que nos são impostas pelos modelos neoliberais de consumerização do conhecimento científico é um dos grandes desafios para os jovens antropólogos que hoje querem prolongar a egrégia tradição metodológica que receberam dos seus antepassados. Há que notar, contudo, que foi só a partir da Primeira Grande Guerra que o modelo canónico da tese etnográfica baseada em trabalho de terreno intensivo se instituiu como o modelo dominante de doutoramento nos países anglófonos. A brilhante tese de E. E. Evans-Pritchard sobre a magia Azande foi talvez o primeiro e mais notável caso desse modelo (1937). Hoje, porém, é possível que sejamos obrigados a rever o modelo, revertendo ao que era praticado na viragem do século XX, quando as teses doutorais eram baseadas em investigação mais limitada e preparatória, muitas vezes bibliográfica. Nesse período, as viagens a terras distantes eram muito onerosas. Só depois de doutorados é que se tornava possível a esses investigadores obterem o financiamento necessário para realizar a investigação intensiva que acabaria por marcar as suas carreiras - os exemplos talvez mais brilhantes disso são a obra de Rivers sobre os Toda do sul da Índia (1906), de Malinowski sobre as Ilhas Trobriand (1922) ou de Firth sobre a ilha de Tikopia, isolada no Pacífico (1936).

Quando a etnografia é intensiva, não é possível escapar ao conluio que se cria entre etnógrafo e etnografado. Esse efeito colateral de cariz político nunca deixou de ser notado pelas estruturas de poder das conjunturas dentro das quais os encontros se realizavam (ver a brilhante discussão do tema por Anne-Christine Taylor, 2002). Os exemplos que todos conhecemos, como a expulsão de Max Gluckman da Zululândia no início dos anos 40 (Gordon, 2014) ou a expulsão de Godfrey Wilson de Broken Hill na mesma época ( Hansen, 2015), não constituem casos únicos, são meramente os mais extremos. Será sempre no fio instável dos limites estruturais que determinam o encontro entre pessoas com origens e condições políticas diversas que se torna possível ir realizando a obra desetnocentrificante da antropologia. Essa é a condição última de possibilidade da melhor antropologia, até porque não há como esquecer que, se o etnógrafo pôde fazer o seu trabalho, foi porque interessava a alguém no campo que ele o fizesse.7 Assim, o fim do mundo que ambos protelam através da companhia entre etnógrafo-que-chega-e-parte e etnografado-que-recebe-e-fica é um fim do mundo ecuménico, porque é um fim de um mundo comum.

Para terminar, nos dias que passam, estamos a assistir a uma profunda mudança nas condições epistemológicas da relação entre a antropologia e as ciências chamadas “duras” e, muito em particular, no referente às “ciências da vida”. Durante o século XX, a suposta maior precisão e maior “aplicação prática” das ciências quantificáveis concedia-lhes maior peso político sobre as ciências sociais e as metodologias qualitativas. Estas últimas, por virtude da necessidade de lidar abertamente com a complexidade intrínseca dos fenómenos estudados e, muito em particular, com o papel cibernético da relação entre observador e observado, apresentavam-se à luz dos preconceitos positivistas dominantes como menos seguras em termos epistémicos. Tudo isto, contudo, se tem vindo a alterar na medida em que a complexidade e os efeitos de observação se vão tornando mais e mais patentes em mais e mais áreas científicas (sobretudo nas ciências da vida, v. Dupré, 2012; mas também temos assistido a esse fenómeno no âmbito da filosofia da física, v. Wendt, 2015).

Assim, estão a ocorrer presentemente desenvolvimentos interessantes nesta matéria, tais como a chamada “bioetnografia”, onde as metodologias qualitativas das ciências sociais se vão revelando como instrumentos indispensáveis para a biologia (v. Roberts e Sanz, 2018). Não se trata só já da antropologia e da história realizarem estudos da prática científica - como se tornou comum na década de 90. Trata-se mesmo das próprias condições de possibilidade da antropologia, tanto em termos teóricos como metodológicos, se revelarem fontes importantes de inspiração para as ciências em geral.

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Notas

1 Este ensaio é uma versão escrita da Aula Inaugural apresentada na conferência da Associação Portuguesa de Antropologia (Évora 2022), pelo que agradeço o convite à então direção da APA (Clara Saraiva, Joana Lucas, Rita Cachado, Lurdes Pequito, Marina Pignatelli, Simone Frangella, AnaLuísa Santos) e aos organizadores locais do Congresso (Jorge Croce Rivera, Célia Lopes, Ema Pires, Teresa Fernandes). Mais de trinta anos depois da fundação da APA, este texto visa convocar e celebrar o futuro da Antropologia em Portugal.

2 “Dizendo “eu” e “nós”, [as pessoas] encontram-se como membros de famílias, associações, socialidades - como vivendo “juntos”, como exercendo uma influência e sofrendo com o seu mundo - o mundo que tem sentido e realidade para elas, através da sua vida intencional, da sua experiência, pensamento, [e] valoração” (Husserl, 2008 [1935], p. 2, tradução minha).

3 E não só a nível suprapessoal. Também a nível infrapessoal essas associações ocorrem, na medida em que a continuação da nossa vida orgânica como humanos depende da relação que vamos tendo com os organismos que integram o nosso corpo vivo. Também com eles fazemos alianças, mesmo se essas só chegam a ser conscientes em condições patológicas.

4 Sumariando assim a conhecida sigla ‘4E’: embodied, embedded, enactive, e extended (Gallagher, 2013).

5 Talvez a formulação mais explícita e canónica desta cosmovisão seja a Introdução de Les formes élémentaires de la vie réligieuse (Durkheim 1960 [1912], pp. 1-12).

6 Agradeço ao referee da Análise Social que me chamou a atenção para a possível má compreensão das minhas intenções políticas nesta matéria.

7 Que não seja, no limite, por um interesse de natureza explicitamente intelectual, como foi o caso com a pessoa com quem eu tive uma relação mais profunda quando fiz o meu trabalho de campo no Alto Minho - Pina-Cabral 1986. Eu respondia-lhe e validava-lhe o interesse que ele tinha numa forma de vida que ele amava, mas sabia estar a extinguir-se rapidamente.

Recebido: 04 de Fevereiro de 2023; Aceito: 10 de Agosto de 2023

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