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Etnográfica

Print version ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.27 no.2 Lisboa Aug. 2023  Epub Aug 22, 2023

https://doi.org/10.4000/etnografica.14044 

Prémio Levi-Strauss

O adoecimento psíquico na graduação e os marcadores sociais da diferença na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP)

Psychic illness in graduation and social markers of difference at the Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP)

Felipe Paes Piva1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, investigação, metodologia, software, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-5574-407X

1Universidade de São Paulo, Brasil, felipe.piva@usp.br


Resumo

Este artigo debruça-se sobre um fenômeno no meio universitário: o sofrimento mental de seus alunos. Com pesquisa empírica junto aos alunos de graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) entre 2020 e 2021, visa entender em que medida há uma interação específica entre saúde mental e a experiência de discriminação associada aos marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade, dentre outros) através da convivência e das narrativas destes alunos. Deseja-se apreender o caráter relacional desses sofrimentos que ocorrem no ambiente universitário e as formas complexas como tais marcadores se entrelaçam nessas narrativas. Parte-se do entendimento de que tal fenômeno não se estabelece de forma homogênea entre os alunos, mas as junções de determinados marcadores apontam uma maior suscetibilidade de sofrimento psíquico devido a condições precárias específicas de determinados grupos sociais em contraposição a outros no contexto universitário, e da precariedade nas estruturas de inclusão e permanência na universidade.

Palavras-chave: saúde mental; sofrimento social; antropologia da saúde; marcadores sociais da diferença; universidade; desigualdades sociais

Abstract

This article focuses on a certain phenomenon in the university environment: the mental suffering of its students. With empirical research with undergraduate students at the Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) between 2020 and 2021, the article aims to understand to what extent there is a specific interaction between mental health and the experience of discrimination associated with social markers of difference (race, class, gender, sexuality, among others) through the coexistence and narratives of these students. The aim is to apprehend the relational character of these sufferings that occur in the university environment and the complex ways in which such markers are intertwined in these narratives. It is based on the understanding that this phenomenon is not homogeneously established among students, but the combination of certain markers point to a greater susceptibility to psychic suffering, derived from specific precarious conditions of certain social groups as opposed to others in the university context and of the precariousness in the structures of inclusion and permanence in the university.

Keyword: mental health; social suffering; anthropology of health; social markers of difference; university; social inequalities

Introdução

Em 2017,1 a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) registrou ao menos seis tentativas de suicídio (Collucci 2017). Naquele mesmo ano foram registrados dois suicídios consumados em outras unidades da universidade, na Faculdade de Veterinária e no Instituto de Ciências Biomédicas. Neste último caso, um aluno de doutorado se suicidou no laboratório no qual trabalhava, deixando, numa lousa que havia no local, uma mensagem em que relatava estar cansado de tentar, de ter esperança, de viver. A mensagem terminava com a expressão em inglês “I’m just done” (Moraes 2017).

Em 2018, mais quatro casos de suicídio de alunos foram registrados, dois alunos da FFLCH, um da Escola Politécnica e um da Escola de Engenharia de São Carlos. Tais ocorrências levaram à mobilização novamente em torno da discussão sobre saúde mental no meio acadêmico, juntamente com a criação de um Escritório de Saúde Mental (ESM) na universidade. Segundo Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, vice-diretor do Instituto de Psicologia (IP) e coordenador do programa, as discussões para a concepção do escritório estavam sendo feitas desde setembro do ano anterior, período em que os primeiros casos de suicídio foram registrados. A criação do escritório representou um marco na história da universidade, já que foi a primeira vez que foi desenvolvida institucionalmente uma ferramenta unificada de assistência psicológica. Até então, apenas algumas faculdades ofereciam assistência por iniciativas próprias. Agora, todos os estudantes de quaisquer campi da USP poderiam ter acesso (Vieira 2018). Contudo, a grande demanda pelo serviço ultrapassa as condições atuais.2

No primeiro semestre de 2021, cinco estudantes de graduação da FFLCH tiraram suas próprias vidas; apenas três casos foram reconhecidos pela instituição até ao momento. Um deles foi o caso emblemático de Ricardo, um aluno negro da Geografia que se jogou do alto da moradia estudantil, onde vivia, em maio do mesmo ano. Recebia atendimento do ESM desde 2019 (Palhares 2021), um dos lugares em que relatava sofrer racismo pelos colegas de curso e até mesmo por docentes. O estudante chegou a avisar diferentes órgãos e serviços da universidade de que iria se suicidar nas escadas do bloco onde residia, mas nenhuma atitude institucional foi tomada para prevenir sua morte, nem mesmo a Guarda Universitária, presente durante o ocorrido, estava preparada para tomar alguma ação (UneAfro 2021). A repercussão de sua morte fez com que colegas, amigos e familiares fizessem um cortejo em sua memória, na praça do relógio da USP, onde os participantes apontaram negligência por parte da universidade e questionaram a omissão da instituição, com cartazes com dizeres como: “A USP adoece e mata” e “A culpa é da USP” (Camargo 2021).

Acredito que esse processo de publicização do sofrimento psíquico é um desdobramento, nem sempre muito explícito, dos eventos que ocorreram em novembro de 2014, quando se iniciou a publicização de casos de agressão sexual, de gênero, racial, LGBTfobia e trote nas faculdades paulistas, gerando a CPI das Violações dos Direitos Humanos nas Faculdades Paulistas. Ali, uma comissão de deputados paulistas realizou uma “devassa” contra formas de desrespeito aos direitos humanos em universidades públicas e privadas de São Paulo (Araújo 2014) - CPI que foi objeto de minha primeira iniciação científica (Piva 2019, 2020).3 Como afirma Almeida (2019), a classificação de um ato como violência varia de acordo com determinadas categorias culturalmente hegemônicas. A repercussão midiática desses casos promoveu a nomeação pública de certas práticas como estupro, abuso e violência sexuais, práticas que, até pouco tempo atrás, não eram necessariamente significadas desta forma (Almeida e Marachini 2017).

O sofrimento psíquico discente não é uma problemática exclusiva da USP, nem do âmbito universitário nacional, mas global. Há um crescente volume de pesquisas, das mais variadas áreas de conhecimento, que tem voltado sua atenção para a problemática segundo as especificidades de cada contexto local e institucional. Para Gill (2010), exaustão, estresse, sobrecarga, insônia, ansiedade, vergonha, culpa e sentimentos de deslocamento fazem parte da vida acadêmica de hoje. Tais sentimentos, enquanto experiências afetivas corporificadas, ocupam uma posição de sigilo e silêncio. Apesar de serem sentimentos ordinários e cotidianos, permanecem, em grande parte, secretos e silenciados nos espaços públicos da academia. Só são falados em momentos breves, em conversas de corredor, intervalos e conversas entre amigos. Portanto, apesar do grande impacto sobre nossas vidas, tais coisas são raramentes ditas na academia, e se são tendem a ser tratadas como experiências individuais e pessoais, enquadradas num discurso extremamente individualista, ao invés de características estruturais da universidade contemporânea.

No caso específico desta pesquisa, as narrativas sobre sofrimentos psíquicos de graduandos da FFLCH não habitam as estatísticas e só ganharam o espaço do dizível em situações extraordinárias, ainda que elas habitem o ordinário (Parreiras 2018). Como defende Maluf (2010), se desejamos apreender como o sofrimento psíquico tem incidido sobre as vivências dos sujeitos é preciso descer ao nível do cotidiano para compreender as diferentes formas como esse sofrimento é corporificado e vivenciado. Acompanhar tais trajetórias nos ajuda a captar a lógica das infraestruturas cotidianas que fazem com que certas vidas ganhem forma e outras sejam impossibilitadas, mas, acima de tudo, como perseveram apesar das condições dadas (Biehl 2008).

O que desejo desenvolver neste artigo é como as dimensões individuais, socioestruturais, coletivas e institucionais se relacionam e se determinam mutuamente quando procuramos entender como as narrativas de sofrimento são geradas, o que as mantém e quais são as possibilidades de lidar com essa temática cada vez mais debatida dentro e fora da universidade. É preciso tratar dos aspectos afetivos e psicossociais da vida na academia contemporânea, abrir uma exploração dos caminhos pelos quais tais experiências são posicionadas segundo gênero, classe, raça, sexualidade, dentre outros marcadores sociais da diferença, assim como os regimes de iniquidade na academia, das práticas interrelacionadas, processos, ações e significados que resultam e mantêm iniquidades segundo os marcadores sociais, para entender como formas mais complexas de discriminação e iniquidade estão surgindo e sendo mantidas neste ambiente em particular (Gill 2017). Parte-se do entendimento de que há a junção dos mais diversos fatores sociais, como os marcadores sociais da diferença, que apontam uma maior suscetibilidade de sofrimento psíquico de alguns grupos em detrimento de outros.

O sofrimento psíquico sob o olhar antropológico

Segundo Le Breton (2013), a dor e o sofrimento não são simplesmente íntimos, são também impregnados pelo social, cultural e relacional, são fruto de uma educação, isto é, não escapam ao vínculo social. Desse modo, a saúde como objeto da antropologia não se constitui pela determinação do que é saúde ou doença, normal ou patológico, mas sim por intermédio do que os sujeitos, numa determinada configuração cultural, pensam e vivem com essas classificações psiquiátricas de si (Sarti 2010). O sofrimento psíquico é um fenômeno complexo, que envolve dimensões e relações de múltipla causalidade. Segundo Fassin (2012), o sofrimento não é só uma categoria psicológica ou fisiológica, mas também uma construção contemporânea e política, dada a sua entrada na esfera pública e ter se tornado um problema político. Representações culturais do sofrimento são apropriadas pela cultura popular e por instituições para propósitos morais e políticos. Essas representações moldam o sofrimento como uma forma de experiência social, como algo que é aprendido, compartilhado e pode ser contradito. Assim, o que representamos e como representamos prefiguram o que será ou não feito para intervir (Kleinman, Das e Lock 1997).

O sofrimento hoje é uma linguagem do presente, uma “economia moral”. Nos termos de Fassin (2015), a economia moral se refere à produção, circulação e apropriação de valores e afetos em relação a um determinado problema social que, consequentemente, caracteriza um momento histórico particular e um mundo social específico, de maneira que tal problema é constituído e entendido coletivamente como uma questão significativa de atenção e de intervenção. Os valores e afetos definem “sentimentos morais” de um humanitarismo que direciona nossa atenção ao sofrimento dos outros, principalmente dos mais vulneráveis, e nos fazem querer remediá-lo. Tais sentimentos se tornaram uma força essencial na política contemporânea, pois sustentam discursos e legitimam práticas.

O sofrimento na universidade evidencia não só as pressões, contradições e impasses da vida universitária, mas também a metamorfose estrutural da sociedade. Entendo aqui que o sofrimento psíquico no ambiente universitário envolve dimensões individuais, socioestruturais, coletivas e institucionais, assim como argumentado por Leão, Ianni e Goto (2019a, 2019b). Ao longo deste projeto, ao tratar de sofrimento psíquico não me refiro apenas a transtornos mentais, isto é, às categorizações biomédicas e psicopatológicas, mas também ao conjunto diverso de reações de mal-estar, sofrimento, adoecimento, tristeza, aflição, dor, desconforto, estresse, angústia, tensão e afins diante de algum evento, situação, contexto que o sujeito possa se defrontar durante certo momento de vida. Sua intensidade varia desde uma simples preocupação até um mal-estar intenso. Sendo assim, o sofrimento tanto pode estar relacionado com (a) trajetória pessoal: seja uma reação psicoemocional diante de algum evento ou contexto difíceis, diagnóstico psicopatológico e afins; (b) questões coletivas envolvendo os diversos marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade, dentre outros) que fazem a intermediação subjetiva entre o individual e o coletivo; (c) mudanças estruturais das condições de vida, de redistribuição econômica, de reconhecimentos culturais e históricos, do acesso à saúde, à moradia, à alimentação, à educação e toda uma série de efetivação de direitos; (d) o contexto institucional universitário (global e nacional), da mercantilização e corporatização da universidade pública, precarização das condições de trabalho e pesquisa, cortes sistemáticos de recursos, falta e inefetividade de políticas de permanência e de saúde mental, dentre outras problemáticas. Essas quatro dimensões são indissociáveis, multideterminantes e multideterminadas, se relacionam e se determinam mutuamente para além do quadro específico do sofrimento psíquico.

Desenvolvimentos metodológicos

Para Bourdieu (2011), tomar como objeto o mundo social no qual se está inserido gera um certo número de problemas epistemológicos fundamentais ligados à questão da diferença entre o conhecimento prático e erudito. O campo universitário é, como todo campo, o lugar de uma luta para determinar as condições e os critérios de pertencimento e de hierarquia legítimos. Inicio a pesquisa na própria faculdade da qual faço parte, e com um conhecimento descontínuo acumulado por anos; este artigo é uma tentativa de objetivar essas experiências e relações que tive durante toda minha graduação, na feitura da iniciação científica e nos diálogos que realizei nos eventos acadêmicos em que participei desde então. Desse modo, me deparo aqui com algumas tensões primordiais teórico-metodológicas específicas a isso.

A pesquisa de campo, segundo Peirano (2014), não tem um momento certo para começar e acabar. Esses momentos são arbitrários por definição e dependem de que examinemos por que certos eventos, vividos ou observados, nos surpreendem. De modo correlato, Strathern (2014) denomina de autoantropologia a antropologia que é realizada no contexto social que a produziu e que segue uma suposição segundo a qual nos tornamos mais conscientes tanto de nós mesmos transformados em objeto de estudo, ao aprendermos sobre nossa sociedade, como de nós mesmos realizando o estudo, ao nos tornamos sensíveis aos métodos e às ferramentas de análise. Contudo, a autora frisa que se a reflexão nativa é incorporada como parte dos dados a serem explicados, ela não deve ser tomada como seu enquadramento, pois há sempre uma descontinuidade entre a compreensão nativa e os conceitos analíticos que organizam o próprio fazer etnográfico.

Vinculo-me a uma forma de olhar para o sofrimento como uma questão política e uma responsabilidade ética em relação aos atores sociais que manifestam sintomas produzidos pela estrutura social, pelas suas desigualdades ou pelas profundas feridas da história. Uma antropologia voltada não somente para a análise dos mecanismos que criam sofrimento, mas também socialmente responsável, animada por uma reflexividade que não se limita à subjetividade do antropólogo, mas que defende o empenho político do pesquisador (Pussetti e Brazzabeni 2011). Como rememoram Carrara, França e Simões (2018), o engajamento político tem sido uma marca da antropologia brasileira. Longe de constituir um entrave ao compromisso epistêmico, o engajamento é um imperativo ético que permitiu tanto aos antropólogos tornar mais refinada a compreensão de seu próprio ofício, quanto reconhecer que tudo que produzimos é necessariamente situado, política e epistemologicamente. Apontam ainda, seguindo os dizeres de Haraway (1995), que nossos posicionamentos são sempre de caráter parcial, construídos e esboçados de maneira imperfeita. Tal proposição inscreve o conhecimento científico numa posição de conexão parcial, já que não há maneira de “estar” simultaneamente em todas, ou inteiramente em uma, das posições privilegiadas estruturadas por gênero, sexualidade, raça ou classe que demarcam a identidade do pesquisador e as identidades de seus interlocutores.

Este trabalho se baseia, primordialmente, nos desenvolvimentos realizados durante a iniciação científica: “O adoecimento psíquico na graduação: uma análise antropológica do sofrimento psíquico na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP)”.4 Nela, realizei a construção de um formulário que teve 252 respostas de alunos de graduação da FFLCH. Nesta pesquisa foram feitas 13 entrevistas semiestruturadas para retomar pontos tratados nos formulários e explorar outros. Além disso, foram levantadas cerca de 200 matérias jornalísticas (indo da mídia hegemônica aos jornais universitários) que tratassem da temática do sofrimento psíquico ou temas relacionados às políticas de inclusão e permanência na FFLCH e na USP como um todo. Trato essas matérias como documentos etnográficos. Nos termos de Lowenkron e Ferreira (2014), isso requer que o pesquisador estabeleça um “diálogo com” e considere a agência daqueles que não são imediatamente identificados como sujeitos de pesquisa: as pessoas sendo documentadas e o próprio registro textual. É também compreender as micropolíticas dos atores sociais mobilizados nas notícias, sem perder de vista a natureza assimétrica dessas relações.

Quanto ao formulário,5 foi desenvolvido a partir dos objetivos gerais do projeto, sendo eles: entender em que medida as questões relacionadas à saúde mental de alunos de graduação na FFLCH vêm se desenvolvendo em conjunção com os marcadores sociais presentes nas narrativas oferecidas pelos alunos; apreender o caráter relacional desses sofrimentos psíquicos que ocorrem no ambiente universitário e as formas complexas como raça, classe, gênero, sexualidade se entrelaçam nessas narrativas; verificar em que medida se dá a disponibilidade dos serviços de apoio especializado oferecidos gratuitamente dentro do ambiente universitário; por fim, compreender como esses sujeitos constroem seu relato de vida relacionando a questão de saúde mental. Nesse sentido, parte do formulário tinha como enfoque as narrativas de sofrimento e seus possíveis vínculos com os marcadores sociais da diferença. Tentei mobilizar as narrativas dos participantes, procurando entender como eles relacionam o adoecimento psíquico com o ambiente universitário e também além dele. Queria captar não só as causalidades feitas pelos participantes, mas também entender como eles se relacionam com o adoecimento psíquico no meio acadêmico e como relacionam esse adoecimento com seus próprios marcadores sociais, de como tal adoecimento pode estar relacionado ou não a seu gênero, sua raça, sua sexualidade, sua classe e afins. As questões, de certa forma, terminam pedindo para que eles digam como tais casualidades os afetam cotidianamente, são elas: “Em sua perspectiva, quais fatores do meio acadêmico que potencializam o adoecimento psíquico dos alunos em geral? Como eles te afligem no cotidiano?”; “E quais fatores extra-acadêmicos?”; “Na sua experiência, quais marcadores sociais da diferença são atenuantes no adoecimento psíquico dentro e fora da Universidade? Como eles te afetam?”.

Dado o contexto pandêmico de distanciamento social e ensino a distância, as entrevistas foram feitas remotamente através do meio que fosse mais cômodo para cada um: videoconferência, áudios gravados no Whatsapp 6 e trocas de e-mails ou mensagens - os dois últimos meios permitiram que as entrevistas fossem feitas tanto de modo síncrono como assíncrono. Tanto as videoconferências quanto as mensagens de áudio foram gravadas em sua totalidade, com permissão de cada participante. Tentei realizar uma interseção entre os marcadores para todos os marcadores de gênero, raça/cor, sexualidade e classe presente na pesquisa. Assim, fui selecionando as pessoas que se encaixavam nessas interseções, tentei ser o mais diverso possível. Ter um diagnóstico psicopatológico ou estar realizando acompanhamento terapêutico não serviram como critérios para inclusão ou exclusão dos participantes. Na realização das entrevistas, procurei não só compreender como as trajetórias educacionais são atravessadas pelos marcadores sociais da diferença, mas também se elas foram atravessadas pelo adoecimento psíquico advindo desse conjunto de relações sociais que se estabelecem no ambiente universitário. O que apresento a seguir é uma condensação dos registros feitos no formulário, nas entrevistas e no levantamento das notícias.

Um breve histórico da adoção de políticas afirmativas na Universidade de São Paulo

Desde o ano de 1995, a Universidade de São Paulo vinha discutindo a necessidade de medidas que visassem a criação de um sistema para a ampliação de estudantes negros e de baixa renda. Apenas 11 anos mais tarde e após muitos embates e disputas, a USP estabelece, em 2006, um sistema de bonificação com critérios socioeconômicos, o Programa de Inclusão Social (Inclusp). No contexto da promulgação da Lei das Cotas em 2012, na USP se desencadeou uma discussão a respeito da possibilidade de adoção de cotas em seus vestibulares. Contudo, optou-se por implementar mudanças em seu sistema preexistente, assim, novas alterações são feitas no Inclusp (Piotto e Nogueira 2013). Portanto, ante a possibilidade de adotar um modelo de cotas étnico-raciais, a USP preferiu dar sequência ao seu projeto político de cotas sociais, presumindo ser o modelo mais de acordo com seus princípios de expansão universitária. Apenas em 2015 passou a aderir ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Embora tal adoção tenha sido uma mudança histórica na forma de ingresso, que nos últimos 40 anos era representada pela Fuvest, o modelo de inclusão adotado até então tinha como grande enfoque o aluno de escola pública, a questão étnico-racial foi parcial e deficientemente contemplada até então.

Após um intenso engajamento de movimentos negros na USP e do Núcleo de Consciência Negra, em 2017, através das congregações das unidades e do Conselho Universitário, a USP introduziu as cotas raciais nos seus processos de seleção, Fuvest e Sisu. O sistema de cotas foi aplicado no edital da Fuvest em 2018, reservando cerca de 37% das vagas para alunos de escolas públicas e desse valor 13,7% foram reservados para pretos, pardos e indígenas. Definiu-se que a cada ano a reserva de cotas irá aumentar até atingir a meta de 50% das vagas destinadas ao sistema de cotas em 2021.

Hoje, a FFLCH é a maior unidade de toda a USP, com cerca de 13 mil estudantes ativos de graduação e pós-graduação, 400 docentes, 300 funcionários, 11 departamentos distribuídos em cinco áreas de conhecimento: Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História e Letras (FFLCH 2021). Como constatou Braga (2019), a FFLCH é a faculdade que possui a maior presença de homens e mulheres negras discentes de toda a USP. Em sua maioria, tais alunos estão cursando no período noturno, o que indica uma relação entre trabalho e estudo.

Na realidade social, como salienta Fraser (2001), toda luta por justiça social implica duplamente demandas por mudança cultural e por mudanças econômicas, isto é, demandas por reconhecimento (Honneth 2015) e por redistribuição econômica. Ambas estão enraizadas em processos e práticas que sistematicamente prejudicam alguns grupos em detrimento de outros. Ninguém é integrante de uma coletividade apenas, os tipos de injustiça cruzam-se de modos que afetam diferentes interesses políticos. Violência, discriminação e sofrimento, em articulação com demandas por direitos, são temas organizacionais de produção de subjetividades e ação política dos movimentos feministas, negros, LGBT contemporâneos. Nos últimos anos, os marcadores sociais da diferença se tornaram centrais no debate político nacional (Moutinho, Almeida e Simões 2020).

Os marcadores sociais da diferença 7 (Cancela, Moutinho e Simões 2015; Saggese et al. 2018) referem-se à abordagem interseccional que provém do feminismo negro estadunidense (Collins 2019; Lorde 2019). Davis (2018) defende que a interseccionalidade é um projeto político e interdisciplinar em defesa de uma perspectiva sobre as experiências singulares de se viver como mulher negra, de seu compartilhamento de perspectivas comuns. Contudo, o grande diferencial é que tal ferramenta não se restringe aos marcadores de raça e gênero, sempre leva em conta a grande variedade e pluralidade de outros marcadores sociais, como os de classe, nacionalidade, religião, idade e orientação sexual, marcadores que acabam moldando vidas individuais. Essas marcações sociais da diferença não estão completamente isoladas, nem constituem distintos reinos de experiência, mas existem “em” e “através” da relação que constituem entre si (McClintock 2010). Se, por um lado, observa-se na última década que um processo significativo de democratização dos campi nacionais está em curso, principalmente quando olhamos para marcadores sociais da diferença como raça, gênero e classe; por outro, isso não pode ser dissociado de questões que envolvam a permanência na universidade, sendo a saúde mental uma delas.

Como advogam Ecclestone e Brunila (2015), o entendimento contemporâneo de justiça social reflete um longo interesse nas dimensões psicoemocionais da iniquidade social e na necessidade de respostas informadas coletiva e politicamente. Tal luta por justiça almeja expor e falar dos efeitos e causas psicoemocionais da iniquidade como uma fonte chave do reconhecimento. Da mesma forma, o suicídio e sua prevenção também são questões vitais para a justiça social. Tal abordagem enfatiza, para Button e Marsh (2020), que precisamos desenvolver um entendimento sobre as formas pelas quais processos socioestruturais criam condições duradoras que geram e consolidam fatores de risco ao suicídio mais para algumas pessoas do que outras, segundo seus marcadores sociais. Promover justiça dentro do contexto da prevenção de suicídio significa prevenir os processos sociais e as condições estruturais que interagem com os fatores pessoais psicológicos que aumentam a ideação suicida, tentativas e mortes. É reconhecer o suicídio enquanto uma questão multifacetada e composta pelos marcadores sociais, fatores e atravessamentos culturais, econômicos, biológicos, psicológicos, políticos e outros (Navasconi 2019).

Podemos entender a distribuição desigual de sofrimento e da ideação suicida pelos conceitos de precariedade e condição precária. A precariedade, para Butler (2015, 2018, 2019, 2021), tem de ser compreendida como uma condição generalizada: todas as vidas são, por definição, precárias, pois podem ser eliminadas e sua persistência não está garantida. Quando afirmamos que determinados grupos são vulneráveis de maneira diferenciada, estamos dizendo que, sob determinados regimes de poder, alguns grupos são visados mais prontamente do que outros. A vida precária é a condição de estar condicionado, pois a vida sempre surge e é sustentada dentro de determinadas condições, não há vida sem a dependência de redes mais amplas de apoio, sociabilidade e trabalho.

Contudo, há uma distribuição diferencial da precariedade, uma condição de precariedade. Tal distribuição diferencial é uma questão material e perceptual, visto que tais vidas não são “consideradas” potencialmente valiosas e, por conseguinte, são obrigadas a suportar uma exposição diferenciada da violência. Alguém é vulnerável em relação à estrutura social da qual depende. Se essa estrutura falha, ficamos expostos a uma condição precária. A condição precária também pode implicar numa mudança da realidade psíquica, num aumento relativo da sensação de ser descartável ou dispensável que se distribui proporcionalmente à condição precária. Tal processo, segundo Berlant (2011), pode envolver um aumento de ansiedade em relação ao próprio futuro e em relação àqueles que podem depender dessa pessoa. Quanto mais socialmente isolada, mais a pessoa se torna e se sente precária. Sendo assim, é necessário ressaltar a participação dos marcadores sociais da diferença na formação do adoecimento psíquico enquanto configuradores de pontos identitários de maior vulnerabilidade a certos estressores no processo de subjetivação gendrado segundo o gênero, a raça, a classe e a sexualidade em que cada indivíduo é posicionado. Isto é, a cultura participa na configuração dos sintomas, aos quais atribui legitimidade expressiva no processo de engendramento do sofrimento estabelecendo diferentes formas e fatores (Zanello 2017).

Wilkinson e Kleinman (2016) tratam da condição precária como “sofrimento social”, isto é, como experiências encarnadas de dor e aflição que são condicionadas e moderadas pelo contexto social. Com isso, pode ser explorado como a “violência estrutural” tem parte na distribuição social de aflições e adoecimentos físico-mentais. Pussetti e Brazzabeni (2011) pontuam que o conceito de sofrimento social emergiu nas últimas décadas como forma de analisar as relações profundas entre a experiência subjetiva do mal-estar e os processos históricos e sociais mais amplos, defendendo que o mal-estar não pode ser observado e explicado independentemente das dinâmicas sociais e dos interesses políticos e econômicos que o constroem, reconhecem e nomeiam. Assim, o mal-estar é visto como derivado daquilo que tais interesses fazem às pessoas e, reciprocamente, de como tais formas de poder podem influenciar as respostas aos problemas sociais. O sofrimento social, nesta perspectiva, resulta de uma violência cometida pela própria estrutura social e não por um indivíduo ou grupo que dela faz parte: o conceito se refere aos efeitos nocivos das relações desiguais de poder que caracterizam a organização social.

O sofrimentos psíquico no cotidiano universitário

Algo que pude constatar na pesquisa foi o grande volume de narrativas de graduandos em torno dos sentimentos de uma cobrança frequente e excessiva enquanto culpa e responsabilidade individuais. Falavam de uma forte cobrança por resultados, por produtividade, por desempenho acima da média. Sentimento esse que pode ser tanto infligido pela estrutura acadêmica, como por uma comparação constante entre o próprio corpo discente e, muitas vezes, uma comparação autoinfligida pela própria vivência nesse ambiente. Como disse um interlocutor, é algo que contagia. A competição generalizada se apresenta de diferentes maneiras, seja pelo domínio de línguas estrangeiras, conteúdos aprendidos, matrículas em disciplinas, oportunidades de estágio e intercâmbio, iniciações científicas, bolsas de auxílio e pesquisa, ranqueamento/habilitações (para os alunos de Letras), a maioria dessas coisas são baseadas no desempenho acadêmico individual, na média ponderada. Contudo, tal competitividade generalizada não leva em conta as diferentes variáveis culturais, sociais e econômicas dos alunos, isto é, seus marcadores sociais da diferença, como se todos iniciassem a trajetória acadêmica em pé de igualdade.

Em contraponto a isso, muitos alunos provenientes do ensino básico público apresentaram a queixa de uma sensação crônica de inferioridade e de insuficiência que os fazem sentir constantemente deslocados no âmbito acadêmico, como se não merecessem ocupar aquele espaço. Segundo Piotto (2014), a convivência com a desigualdade social e a experiência de desenraizamento para os estudantes que realizaram toda a escolarização na rede pública se dá na universidade. Essa convivência com a desigualdade social traz dificuldades no relacionamento com os colegas e contribui para a sensação de não pertencimento. Uma das grandes dificuldades desses estudantes é lidar com a diferença entre o mundo universitário e o familiar, e com o sofrimento, a humilhação e os prejuízos psíquicos oriundos deste choque de diferenças.

“Creio que no início da graduação, especialmente aqueles saídos da escola pública sentem-se despreparados ou mesmo acuados diante das demandas, exigências e expectativas dos docentes. A falta de auxílios financeiros para se manter é outra dificuldade que termina por distanciar os alunos dos resultados esperados deles e por eles mesmos. Ademais, certo sentimento de solidão perante alunos que, muitas vezes, são oriundos de classes sociais mais elevadas, também pode causar a sensação de ser um ‘estranho no ninho’.” [Mulher cis, parda, lésbica]

“A inevitável comparação com colegas que estudaram em escolas particulares que estão mais preparados para lidar com a adaptação a ler textos acadêmicos é algo que me aflige muito. Às vezes os professores perguntam se já lemos um texto na escola, e vários colegas levantam a mão, sendo que eu nem sabia quem o autor era até fazer a matéria. Isso me aflige porque parece… dá a sensação de que preciso me esforçar dez vezes mais do que o colega do lado que estudou em algum colégio particular bom.” [Mulher cis, branca, heterossexual]

“[…] Desde o meu ingresso na faculdade até informações sobre onde as aulas ocorriam eram difíceis de achar, não havia muitos meios para orientação de onde as coisas são feitas, como são feitas e funcionam, onde você pode conseguir cada informação ou ajuda caso precise. Você se vê sozinho e sem orientação, guia e isso pode ser muito desmotivador no início e fazer você querer abandonar pois parece que ninguém está interessado em te ajudar a se manter nesse lugar muito novo e específico. Os caminhos e orientações para as coisas que você pode fazer na graduação, como uma IC [Iniciação Científica], por exemplo, esportes disponíveis ou outras atividades, possibilidades e caminhos acadêmicos não têm a devida atenção e não são amplamente divulgados ou um esforço para que os alunos estejam cientes dessas possibilidades. Se você não tiver a sorte de estar em lugares em que essas informações correm com mais facilidade, você não ficará a par delas. No fundo há uma desorganização ou negligência institucional mesmo.” [Agênero, parda, homossexual]

“Os sentimentos de inferioridade/deslocamento desencadeados pelas grandes cobranças (notas altas, muitas atividades com conteúdos complexos, etc.). Particularmente me afeta muito essa questão, embora menos que antigamente, é sobre não se sentir pertencente ao lugar, como se não deveria estar ali, sinto que afeta muito a autoestima como um todo. O estresse causado pelo acúmulo de tarefas/conteúdos a estudar também não ajuda.” [Homem cis, branco, homossexual]

Como demonstram Bourdieu e Passeron (2014), as desigualdades sociais se manifestam não apenas no acesso ao ensino superior, mas nas escolhas entre diferentes percursos ao longo de sua duração, pois as oportunidades objetivas de cada grupo social condicionam a experiência dos atores, configuram suas esperanças subjetivas e suas escolhas concretas, fazendo com que contribuam, mesmo sem ter consciência disso, para a realização de uma trajetória acadêmica e social próxima de seu perfil social (Macedo 2019). As vantagens e desvantagens ligadas à origem tenderiam a se apresentar de modo articulado. Na pesquisa, isso se demonstrou pelo tipo de instituição cursada no ensino básico, a escolaridade e a ocupação dos pais, ser a primeira geração de sua família a entrar numa universidade pública, o curso escolhido, a forma de ingresso, o uso de políticas afirmativas, a necessidade de bolsas de apoio/auxílio, morar ou não na moradia estudantil, ter feito ou não uma iniciação científica, trabalhar ou não na área de formação, ser pesquisador-bolsista. São chances diferenciadas de acesso a oportunidades culturais 8 e acadêmicas. Tudo isso representa diferentes posicionamentos no espaço social, “estilos de vida” e gostos de classe, na universidade e na sociedade como um todo. As desigualdades sociais - no caso específico desta pesquisa, os marcadores sociais da diferença - nas intrincadas maneiras como o machismo, o racismo, a LGBTfobia e a desigualdade social se intersectam nas estruturas universitárias, vão se convertendo e se acumulando como desigualdades acadêmicas, que podem muitas vezes ser experimentadas como problemas individuais, podendo assim ser convertidas em culpa e responsabilidades individuais.

“As diferenças entre os perfis são nítidas, raça, classe e gênero são marcadores muito presentes, pois as possibilidades e a bagagem cultural que cada um tem estão ligadas diretamente com quem é essa pessoa. Majoritariamente pessoas pobres são negras, pessoas de gênero diferente do heteronormativo costumam ter uma história de vida marcada pela discriminação, pessoas com dinheiro tem mais facilidade na graduação, etc.” [Não-binário, negro, pansexual]

“[…] A maioria das pessoas trans que eu vi e conheci ao longo da minha graduação desapareceram, trancaram o curso, foram embora. Esse não é um ambiente transamigável, por incrível que pareça. É um ambiente muito cisnormativo, é só olhar e contar quantas pessoas cuja expressão de gênero está fora da cisnormatividade você vê por aí. Além disso, vejo muitas pichações com frases transfóbicas nos banheiros, claramente escritas por feministas radicais buscando atingir e desfazer mulheres trans que possam estar frequentando o local. É horrível. Isso também ajuda a te adoecer. Já risquei várias dessas frases ao longo da graduação, mas elas sempre voltam. E também já sofri nos banheiros de a pessoa entrar e querer me expulsar do banheiro, achar que eu tou no banheiro errado, os fiscais de banheiro… E olha que eu estava no banheiro feminino ainda. Acho que isso contribui para o adoecimento psíquico sim, se não contribuísse não teríamos tanta evasão de pessoas trans.” [Não-binária, amarela, bissexual]

“Creio que, no meu caso, o meu lugar de instabilidade econômica me afeta bastante, sobretudo porque, sendo pesquisador trabalhando sem bolsa, eu sinto como se tivesse que fazer um esforço hercúleo para um trabalho que não apenas não é pago como é pouco reconhecido no mercado do trabalho e pouco gratificante em termos de renda. Ter sido apanhado pela crise econômica também mexe com a minha autoestima, já que até ao início da pandemia não havia grandes vestígios de que eu ficaria economicamente ao Deus-dará.” [Homem cis, branco, homossexual]

“Sexualidade e identidade de gênero podem ser um problema - não essas coisas em si, mas a forma como que você é visto pelas outras pessoas dentro e principalmente fora da universidade. Já me afetou no sentido disso ser um dos grandes problemas, especialmente com a minha família, o que, somado a várias outras questões, me causou muito sofrimento. A classe social também pode bagunçar muito a cabeça do aluno, especialmente quando está relacionada à questão da inferioridade e do não pertencimento ao lugar, ainda mais se esse lugar é tão elitizado.” [Homem cis, branco, homossexual]

“[…] Dentro da universidade [o racismo] é o mais velado possível, embora diversas vezes me deparei com cenas constrangedoras, onde já percebi desconfiança de diversos alunos e funcionários quanto à minha fisionomia. Fora da universidade já estou acostumado com isso. A desconfiança, medo e preconceitos que já encaro no dia a dia são maquiados dentro da universidade pelas mesmas pessoas que os praticam fora dela.” [Homem cis, pardo, heterossexual]

“Como mulher, já sofri assédios no circular lotado; como bi [bissexual], escondo minha sexualidade em todos os ambientes até que me sinta segura ali; como parda, o despertencimento racial gera outra questão, já que sou sempre lida como ‘clara’ demais pra ser negra e ‘escurinha’ demais pra ser branca; e como classe baixa, preocupações financeiras e até a dificuldade em enxergar o meio acadêmico como algo pertencente a minha realidade concreta também são empecilhos.” [Mulher cis, parda, bissexual]

“Já sofri racismo na USP, ferida que demorou a cicatrizar, e me sentia envergonhada ao lado de pessoas que tiveram educação básica de ponta e claramente possuíam mais conhecimento em matérias básicas que eu, ou tinham a possibilidade de ficar até ao fim da aula e depois ir tranquilamente embora no próprio carro, sem se preocupar com chegar muito tarde em casa sozinha na rua deserta ou mesmo perder o último ônibus, enfim.” [Mulher cis, parda, bissexual]

“Todos os marcadores sociais de diferença afetam, de certa forma, a experiência universitária e contribuem para o processo de desumanização dentro daquele espaço, mas na minha experiência (enquanto mulher, negra, cis, pernambucana, LGBT, classe média) sinto que os principais fatores de alienação e exclusão na universidade, p’ra mim, foram as questão raciais e regionais (xenofobia) atuando em conjunto. Acabava que eu me sentia pelo menos um pouco alienígena em todos os ambientes da USP, e muitas vezes subestimada ou incapaz de adentrar outros vários.” [Mulher cis, negra, bissexual]

Como apontam Leão, Ianni e Goti (2019a, 2019b), no ambiente universitário, quando crises produzidas, social e institucionalmente, são percebidas como crises individuais, não são considerados os efeitos adoecedores do próprio ambiente e das práticas institucionais, seja os eventuais desafios acadêmicos, as violências simbólicas e físicas, as insuficiências das políticas de permanência, etc. As respostas ao sofrimento, portanto, tendem a se organizar de forma individualizada e aquém da complexidade do fenômeno.

Em linhas gerais, as estratégias institucionais de promoção de saúde mental na USP podem ser agrupadas em duas macroestratégias: clínico-terapêuticas e de educação em saúde. Primeiro, quem adoece é encaminhado à clínica individual dos serviços de saúde mental ligados à universidade,9 para depois retornar às engrenagens da máquina que o adoeceu e que permanece intocada. Sofre quem não é resiliente o bastante, quem não se organizou adequadamente, quem não sabe como estudar, etc. Afastando, assim, a análise de eventuais fatores supraindividuais que possam estar ligados à experiência de sofrimento expresso neste ambiente em específico. A hegemonia das estratégias clínicas demonstra o entendimento de que a saúde mental é um monopólio clínico-terapêutico, majoritariamente individual, e que demanda esforços de normatização. Por outro lado, não é necessariamente mais saúde mental que se produz com educação em saúde mental, mas possivelmente maior adaptabilidade a uma lógica de ensino adoecedora. Adquire-se instrumentos não para promover saúde mental, mas para melhor navegar o campo minado do ambiente acadêmico e suas exigências de desempenho e produtivismo.

O viés da autoadministração implicado nos serviços oferecidos transforma a experiência do sofrimento em um objeto administrativo,10 não se pergunta o porquê do sofrimento ou sobre seu contexto social de emergência, mas busca dar respostas organizativas a este: uma melhor organização das atividades cotidianas do estudante, metodologias de estudo, memorização e sono e afins. É a materialização de uma gramática do sofrimento psíquico na qual o indivíduo que sofre deve superar o sofrimento por um aprimoramento pessoal. Tal gramática, por um lado, transfigura riscos e contradições sociais em fracassos e culpa pessoal; por outro lado, naturaliza estas mesmas contradições e as descola de seu contexto sociopolítico. Na medida em que as contradições sociais são sentidas como culpa ou responsabilidade individual, a resposta se torna também mais subjetiva e menos política. Consequentemente, isto as retira das possibilidades de disputa política destas contradições.

Mais da metade dos participantes da pesquisa já receberam algum diagnóstico psicopatológico. Tal número elevado é comum nas pesquisas sobre sofrimento psíquico na universidade. Nacional e internacionalmente, verifica-se a prevalência de problemas de saúde mental entre graduandos e pós-graduandos (Stock e Levine 2016; Auerbach et al. 2018; Gaiotto et al. 2021). Os acompanhamentos terapêuticos mais recorridos são a psicoterapia e a análise psicanalítica. Tais recursos, em grande parte, provêm da rede privada de serviços envolvendo saúde mental. Embora tenha um grande número de diagnósticos, o acompanhamento terapêutico nem sempre é acessado, provavelmente pelos custos elevados na rede privada e a demanda elevada que não consegue atendimento na rede pública.

“Pandemia, cortes de verbas na educação, cortes em fundações de pesquisa. O colapso da única estrutura (aulas presenciais) em combinação com o estresse dessas situações foi muito prejudicial à minha saúde mental. […] Acesso a acompanhamento médico de qualidade […] tem sido difícil pois não tenho tratamento particular e uma vez que as atividades no CAPS foram suspensas com a pandemia, o acompanhamento no meu caso só tem sido de reposição de receitas de medicação.” [Mulher cis, parda, assexual]

“As iniciativas são escassas e ineficientes uma vez que não conseguem acolher toda a comunidade e os serviços são bem limitados. Você tem que estar à beira do suicídio para ser atendido com seriedade. De outra forma, indicam procurar o CAPS mais próximo ou psicoterapia particular.” [Mulher cis, negra, bissexual]

“Sinceramente, não pesquisei sobre isso, mas também nada chegou a mim. […] Atendimento psicológico ao aluno, acredito que haja e que, portanto, deve ser mais bem divulgado. Eu tenho um conhecido que mora no CRUSP [moradia estudantil] e recentemente achou um terapeuta - que ele paga. Ele teve que escolher entre a terapia - para a sua depressão - e outras coisas, por conta do dinheiro. Acredito que a USP poderia dar esse apoio. Se já dá, talvez melhor divulgá-lo.” [Mulher cis, branca, bissexual]

“[…] Não tem iniciativa e o pouco que tem é restrito demais. Facilitar e informar sobre os processos que existem já é ótimo. Acho que oferecer obrigatoriamente terapia para os moradores do CRUSP [moradia estudantil], principalmente, seria maravilhoso.” [Mulher cis, branca, bissexual]

“Existem programas, mas de curto prazo e eu realmente gostaria que pudesse aumentar a disponibilidade de terapias de médio e longo prazo para realmente surtir efeito na permanência de estudantes afetados mentalmente.” [Mulher cis, parda, heterossexual]

Portanto, isso nos mostra que a problemática não é falta de demanda, mas a junção da falta de informações e divulgação dos serviços oferecidos pela USP, da falta de vagas nos atendimentos, atendimento estritamente pontual e emergencial, serviços tidos como inefetivos e que podem contribuir para a piora da situação do aluno, fazendo com que os discentes só vejam na rede privada a possibilidade de um apoio efetivo e continuado, isso para aqueles que possuem as condições financeiras necessárias para continuar o tratamento pago.

Considerações finais

Apesar do grande impacto sobre nossas vidas, as narrativas de sofrimento psíquico ainda são raramente discutidas na academia, e, se são, continuam a ser tratadas como experiências individuais, ao invés de características estruturais da universidade contemporânea. O trabalho que desenvolvi nesta pesquisa atentou-se a demonstrar por meio das narrativas dos graduandos como as dimensões individuais, socioestruturais, coletivas e institucionais se relacionam e se determinam mutuamente quando procuramos entender como as narrativas de sofrimento são geradas, o que as mantém e quais são as possibilidades de lidar com essa temática cada vez mais debatida dentro e fora da universidade.

Quando nos voltamos para as narrativas de adoecimento psíquico dentro e fora do contexto universitário, estamos tratando sobretudo da condição de precariedade, da condição de estar sempre condicionado ao outro, de como a vida surge e é sustentada por meio da dependência de uma série de redes sociais e dentro de condições determinadas. Estar condicionado ao outro pode implicar numa distribuição desigual da precariedade, isto é, como os diferentes posicionamentos desiguais nas relações de poder podem estabelecer certas vidas como mais valiosas, certos sofrimentos como legítimos ou não e, consequentemente, como sofrimentos advindos do machismo, racismo, LGBTfobia e desigualdade social são tidos como legítimos ou não no âmbito universitário, pois tais sofrimentos se intersectam nas estruturas universitárias e vão se convertendo e se acumulando como desigualdades acadêmicas, que podem muitas vezes ser experimentadas como problemas individuais. Em contraposição a isso, precisamos nos perguntar dos motivos, causas e contextos do sofrimento em nosso meio, das dimensões psicoemocionais das iniquidades sociais e a necessidade de respostas informadas coletiva e politicamente, considerando os efeitos adoecedores do ambiente e das práticas institucionais, dos desafios do fazer acadêmico, das violências simbólicas e das insuficiências das políticas de permanência e de saúde mental. É necessário estabelecer uma outra gramática do sofrimento psíquico na universidade, uma gramática que não jogue para os alunos os riscos e as contradições socioestruturais como responsabilidades, fracassos e culpas individuais, descolando-os de seu contexto sociopolítico e institucional.

Não podemos olhar para o sofrimento psíquico no meio universitário apenas como uma condição generalizada da precarização constante a que o meio acadêmico está submetido na conjuntura atual. Por mais que todo o aluno possa estar condicionado a sofrer em decorrência das relações estabelecidas dentro e fora da universidade, tal sofrimento não é vivido da mesma maneira, não é reconhecido da mesma maneira e, portanto, não impacta a todos da mesma maneira. Nosso sofrimento está sempre condicionado pelos atravessamentos característicos de uma forma particular de viver, do valor distintivo determinado pelos posicionamentos dinâmicos que assumimos e somos levados a assumir no espaço social.

Para Leão, Ianni e Goti (2019a, 2019b), não podemos perder de vista que, junto com a dimensão estritamente individual do sofrimento, há também fatores supraindividuais coletivos, institucionais e socioestruturais. É preciso pensar o fenômeno e as estratégias para lidar com ele de forma a atingir também essas dimensões, considerando a complexidade das experiências de sofrimento e o necessário protagonismo dos estudantes. Um fenômeno tão complexo e tão urgente como este demanda reflexões para além dos indivíduos. Precisamos olhar para as engrenagens institucionais, para os fatores supraindividuais. E, acima de tudo, precisamos de respostas coletivamente organizadas e transformações institucionais que realmente levem em conta as experiências diversas e distintas dos discentes. A tarefa de repolitizar a saúde mental na universidade é urgente!

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1 Este artigo corresponde a uma versão revista do texto apresentado e premiado na Reunião Brasileira de Antropologia com o título “O adoecimento psíquico na graduação e os marcadores sociais da diferença: uma análise antropológica do sofrimento psíquico na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP)”.

2Este problema não é exclusivo do ESM, a Clínica-Escola Psicológica Prof. Durval Marcondes, gerida pelo Instituto de Psicologia da USP, oferece há mais de 50 anos apoio psicológico gratuito, não só para a comunidade USP como também para a comunidade em geral, o que resulta numa grande procura, que supera também a oferta. Desse modo, é importante frisar que tal serviço não se configura como uma assistência psicológica voltada especialmente para questões específicas do convívio universitário. Algumas outras problemáticas envolvendo o Escritório de Saúde Mental serão discutidas no artigo.

3Título do projeto: “As narrativas midiáticas e a construção das categorias de violência sexual: uma análise a partir dos casos das faculdades paulistas” (2017-2018), orientado pela Dr.ª Carolina Parreiras. Agradeço ao CNPq pelo auxílio oferecido para o desenvolvimento da pesquisa.

4A pesquisa - com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo: processo: 2019/27798-9 - foi realizada entre abril de 2020 e março de 2021 sob orientação de Heloisa Buarque de Almeida. Agradeço à Fapesp pelo auxílio oferecido para o desenvolvimento da pesquisa.

5Divulgado em fevereiro de 2021 através do canal oficial de comunicação da graduação da FFLCH, chegando, assim, a todos os alunos de graduação matriculados.

6A troca de mensagens de áudio permitia que o respondente respondesse nos momentos mais cômodos para si; grande parte dessas entrevistas por áudio ocorreram durante um dia; algumas entrevistas acabaram se estendendo mais conforme a necessidade de cada um.

7Segundo Schwarcz (2015), tal conceito se originou por meio da reunião de diferentes professores do departamento de Antropologia da USP (Júlio Assis Simões, Laura Moutinho, Heloísa Buarque de Almeida e Lilia Schwarcz) na organização de um novo núcleo de estudos: Núcleo de Estudos dos Marcadores Sociais da Diferença (Numas).

8Acesso tanto aos equipamentos universitários (museus, exposições, espetáculos teatrais, apresentações musicais, exibições audiovisuais, eventos acadêmicos, lançamentos de obras, debates, etc.) e às apropriações feitas pelos discentes dos espaços universitários (associação atlética, centros acadêmicos, festas, baterias universitárias, campeonatos universitários, coletivos políticos, etc.) quanto à disponibilidade de tais equipamentos e às apropriações feitas fora do espaço universitário. O acesso a essas oportunidades culturais demanda não somente tempo livre disponível como também recursos financeiros, dentre outras razões.

9Durante a pesquisa pude constatar que apesar de esta ser a lógica institucional mais aplicada no trato do sofrimento psíquico, muitos estudantes nunca tinham procurado nenhum dos serviços oferecidos pela universidade, grande parte deles nem sabiam da existência desses ofertados. Isso aponta a falta de visibilidade e divulgação que a própria instituição faz de seus recursos. Os alunos não possuem informações suficientes nem sobre a qual desses serviços recorrer.

10Vale destacar que até a nomeação dos serviços de saúde mental apresenta esse viés administrativo e empresarial, como o Escritório de Saúde Mental, um serviço de apoio clínico emergencial criado originalmente como resposta aos adoecimentos discentes. A própria ideia de escritório não só remete a uma figura empresarial como também destoa dos outros serviços oferecidos pela USP, pois não está diretamente vinculado ao Instituto de Psicologia ou aos hospitais, mas está vinculado diretamente à pró-reitoria de graduação.

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