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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

Print version ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.48 Lisboa Dec. 2022  Epub Feb 20, 2023

https://doi.org/10.34619/svbi-s1qj 

Estudos

Práticas de si feministas na poética de Panmela Castro

Feminist practices of the self in the poetics of Panmela Castro

Taís Ritter Diasi 
http://orcid.org/0000-0003-3758-5551; lattes: 3515463902604765

Luciana Gruppelli Loponteii 
http://orcid.org/0000-0002-0552-0529; lattes: 8279463652781521

iUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu), 90046-900 Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: taisritter@gmail.com

iiUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu), 90046-900 Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: luciana.loponte@ufrgs.br


Resumo

Como as práticas de si feministas presentes na criação de artistas contemporâneas podem germinar modos de vida mais comprometidos eticamente com o outro? Tal pergunta nasce da articulação que aqui nos propomos a fazer: tomamos os estudos de Michel Foucault sobre o cuidado de si como um mobilizador conceitual para pensar a poética da artista brasileira Panmela Castro. Ao acionarmos as teorizações foucaultianas, sem desconsiderar as críticas que pensadoras feministas fazem ao autor, aproximamos as práticas de si, estudadas por ele, à poética da artista, que é pautada por um desejo de encontro com o outro.

Palavras-chave: Foucault e feminismos; cuidado de si; arte e feminismo

Abstract

How can feminist practices of the self, contained on the works of contemporary artists, produce new ways of living, more ethically committed with the Other? This issue starts with the debate we hereby propose: to consider Michel Foucault’s studies regarding taking care of oneself as a conceptual mobilizer to discuss the poetics of Brazilian artist Panmela Castro. By adding Foucauldian theorizations, not forgetting the criticisms of feminist theorists regarding the French philosopher, we bring together the practices of the self, as he theorized, and the artist’s poetics, which are guided by the desire for the encounter with the Other.

Keywords: Foucault and feminisms; care for oneself; art and feminism

Introdução

Como as práticas de si feministas presentes na criação de algumas artistas contemporâneas podem germinar outros modos de vida no presente, mais comprometidos eticamente com o outro? Reconhecendo que cada elemento da composição conceitual práticas de si feministas pode evocar uma multiplicidade de sentidos e usos teórico-metodológicos, assumimos um lugar específico. A noção de práticas de si que colocamos em movimento está radicada no solo das teorizações foucaultianas e, dentro desse vasto solo, naquelas regiões em que o autor se dedicou ao estudo do cuidado de si na Antiguidade greco-romana. No que concerne aos feminismos, tomando por princípio sua pujante pluralidade, com Margareth Rago, os entendemos

(...) como linguagens que não se restringem aos movimentos organizados que se autodenominam feministas, mas que se referem a práticas sociais, culturais, políticas e linguísticas, que atuam no sentido de libertar as mulheres de uma cultura misógina nos marcos da heterossexualidade compulsória. (2013, p. 28)

Apesar de acolhermos a potencialidade dos estudos de Foucault para os debates feministas, na primeira parte do artigo, percorremos algumas leituras de autoras que tecem críticas a Foucault, especialmente a suas teorizações sobre o cuidado de si. Com isso, buscamos friccionar o cuidado de si à luz do feminismo. Apesar das necessárias ponderações, sinalizamos que as investigações sobre a estética da existência são frutíferas para os feminismos, na medida em que acenam para outras “possibilidades éticas do sujeito” (Gros, 2010, p. 476), possibilidades que estão radicadas no paradigma estético (McLaren, 2016), em vez de assentadas nos paradigmas jurídicos, científicos ou religiosos.

Na sequência do artigo, promovemos uma aproximação entre as práticas de si estudadas por Foucault, sobretudo a escrita de si, e a poética da artista brasileira Panmela Castro. Nascida no Rio de Janeiro (RJ-Brasil), em 1981, a artista é internacionalmente conhecida por seu trabalho com o grafite, no qual toma, como ponto de partida, experiências pessoais de violência doméstica. Além do grafite, a artista tem trabalhado com fotografia, performance, instalação, pintura, entre outras linguagens1, tematizando questões relativas à alteridade e à subjetividade feminina. Ademais, tem desenvolvido projetos de cunho educativo visando a problematizar, a partir da arte, as desigualdades e violências de gênero.

Neste artigo, escolhemos, especificamente, a série de pinturas intituladas “Retratos Relatos”2 com o intuito de problematizar como a poética desenvolvida pela artista nesse conjunto de pinturas pode fraturar os discursos normativos que, historicamente, assujeitaram as mulheres, apontando para uma outra economia de relações consigo e com o outro. Essa economia de relações é mobilizada pelo desejo de partilha, de escuta e de encontro com o outro. Para análise das obras, adotamos o referencial teórico-metodológico advindo dos estudos de Michel Foucault, especialmente os conceitos de cuidado de si, práticas de si e estética da existência, em articulação com a perspectiva feminista pós-estruturalista (Rago, 2013; McLaren, 2016; Tvardovskas, 2015).

De “uma moral de homens” às “tecnologias feministas do eu”: Apontamentos feministas ao cuidado de si foucaultiano

Como já acenamos anteriormente, neste texto propomos uma articulação conceitual entre algumas práticas feministas e as práticas de si analisadas por Michel Foucault no contexto do seu estudo sobre o cuidado de si na Antiguidade greco-romana. Perseguindo os caminhos abertos por Margareth Rago (2013), Margaret McLaren (2016) e Luana Tvardovskas (2015), procuramos desenvolver uma perspectiva feminista do cuidado de si e, com isso, investigar os “modos de constituição de si propostos pelo feminismo” (Rago, 2004, p. 3). Para tanto, tomamos como objeto de estudo a poética da artista brasileira Panmela Castro e, de maneira mais específica, as práticas desenvolvidas por ela na série de pinturas intitulada “Retratos Relatos”, sobre a qual trataremos na sequência do texto.

Cabe considerar, contudo, que investigar as práticas de si feministas consiste em um esforço teórico-metodológico de ampliação das teorizações foucaultianas, uma vez que seus estudos sobre o cuidado de si não tinham como foco as experiências femininas3. Nesse sentido, Foucault reiterou que cuidar de si, inquietar-se consigo mesmo, fazer de si mesmo uma obra de arte, compunha um horizonte possível somente aos homens, em sua condição de sujeitos livres e não escravizados. Tal liberdade masculina estruturava-se em hierarquias bem sólidas, em que o homem era o responsável pelo governo da mulher, enquanto seu pai ou seu esposo, e pelo governo dos cidadãos da pólis. A aparição da mulher nessa moral masculina é bem situada por Foucault:

(...) não é às mulheres que essa moral é endereçada; não são seus deveres, nem suas obrigações que aí são lembrados, justificados ou desenvolvidos. Trata-se de uma moral de homens: uma moral pensada, escrita, ensinada por homens e endereçada a homens, evidentemente livres. Consequentemente, moral viril onde as mulheres só aparecem a título de objetos ou no máximo como parceiras às quais convém formar, educar e vigiar, quando as tem sob seu poder, e das quais, ao contrário, é preciso abster-se quando estão sob um poder de um outro (pai, marido, tutor). (1984, p. 24)

Convém, antes de prosseguirmos com os tensionamentos feministas ao cuidado de si, contextualizar alguns aspectos deste conjunto de práticas analisadas por Foucault, pois os sentidos conferidos contemporaneamente à expressão “cuidado de si” podem ser antagônicos àqueles mobilizados na Antiguidade greco-romana. Para nós, que carregamos a herança de uma moral cristã ou que olhamos criticamente a cultura narcisista contemporânea, a ideia do cuidado de si pode remeter a um exercício egocêntrico de refúgio da coletividade. Foucault, entretanto, lembra que o princípio do cuidado de si praticado entre os antigos situava-se em um outro quadrante ético, social e político, diferindo do entendimento que vigoraria em outras épocas ou mesmo no presente.

Cuidar de si, naquele cenário, era uma prática social, um princípio altamente difundido. Consistia em um trabalho voluntário sobre si por meio de práticas que tinham como critério uma determinada estética almejada pelo sujeito (Foucault, 1984). A vida era tomada, então, como matéria de criação, frente à qual se adotavam técnicas específicas para conferir-lhe um determinado estilo. Dito de outro modo, o conjunto de práticas integrantes do cuidado de si visava a uma vida bela que pudesse constituir-se como um exemplo para a posteridade, assim como uma obra de arte que habitasse o devir do tempo.

A estética da existência, que resultava dessas técnicas de si, era guiada por critérios éticos, sobretudo, pelo domínio de si. Dominar a si mesmo era condição para tornar-se um indivíduo temperante no uso dos prazeres e poderes, bom governante de si e dos outros. Pese embora o fato de que essas práticas de si (tais como a meditação, a escrita de si, a parrésia e a dietética) se diversificassem conforme a escola filosófica em questão (estoica, platônica-socrática, epicurista, cínica), ou conforme a posição social e política dos sujeitos implicados nelas, havia sempre o primado da relação com outrem. Não era na solidão ou no afastamento do mundo, portanto, que se devia cuidar de si. Também não era o caso de cuidar de si em detrimento do coletivo, da comunidade a que se pertencia.

Importa lembrar que o estudo das técnicas de si antigas faz parte da incursão de Foucault na história da sexualidade. Ao investigar como os sujeitos eram constituídos em sua relação com a sexualidade na Grécia antiga, ele identificou que esse era um tema de problematização ética, sendo que a sexualidade não era pensada em termos de interdição, de classificação médica ou de decifração, paradigmas que se consolidariam em épocas posteriores. Junto à sexualidade, havia, entre os antigos, um conjunto de eixos da existência (o corpo, o matrimônio, o amor, a verdade) que requeria uma conduta reflexiva, cuidadosa e calculada, cuja finalidade era a majoração da beleza da vida tendo em vista o princípio da temperança.

Algumas pensadoras feministas têm tecido críticas à elisão de uma perspectiva de gênero nas análises de Foucault. McLaren (2016), embora adepta das teorizações de Foucault, concorda que há um desinteresse por parte do autor quanto à maneira como as normas, os processos de disciplinamento e as relações de poder se entrelaçam a marcadores como gênero, nacionalidade e raça. Assim, a masculinidade seria, tanto na ordem da linguagem empregada quanto no teor das análises levadas a cabo por Foucault, assumida como parâmetro. Narvaz e Nardi (2007, p. 54) reiteram tal aspecto, apontando que ele faz “uso de formas masculinas de práticas eróticas como modelo generalizante”, o que resultaria na ocultação da “singularidade da subjetividade feminina e da erótica das mulheres” (Narvaz & Nardi, 2007, p. 55).

Em defesa de Foucault, é importante ressaltar que o próprio autor admite que “a ética grega do prazer está ligada à sociedade viril, à dissimetria, à exclusão do outro, à obsessão com a penetração, e a uma certa ameaça de ser destituído de sua própria energia etc.” (Foucault, 1995, p. 258). Ele é veemente quanto à impossibilidade e à inadequação de uma transferência das práticas antigas para o presente, compreendendo que, em vez de ser alçada a um modelo a ser recuperado, a ética antiga “ajuda a constituir um certo ponto de vista que pode ser muito útil como uma ferramenta para analisar o que está acontecendo no momento - e mudá-lo” (Foucault, 1995, p. 261). O trabalho de Foucault não é, portanto, o de apresentar a “história das soluções” para o nosso presente, mas a “genealogia dos problemas” (Foucault, 1995, p. 256) com os quais nos defrontamos.

Apesar das necessárias ponderações feitas até aqui, não se trata, em uma pesquisa feminista, de recusar o pensamento de autores homens e, neste caso, o de Foucault, mas antes de “marcar sua posicionalidade como sujeitos investigadores” (Spivak, 2010, p. 90). Situar essa posicionalidade, aliás, é anunciado por Gayatri Spivak (2010) como uma prática que se contrapõe à “violência epistêmica”, na medida em que sinaliza os limites e contingências do ponto de vista de quem fala.

Conforme assinalamos, os feminismos vêm se apropriando e reescrevendo as teorizações foucaultianas. Fazem-no também em relação ao cuidado de si e à estética da existência. McLaren (2016), por exemplo, apropria-se das práticas de si estudadas por Foucault para aproximá-las de algumas “tecnologia(s) feminista(s) do eu” (McLaren, 2016, p. 199, (acréscimos nossos)). A autora articula a parrésia, uma das técnicas de si antigas, à prática da conscientização4 presente em coletivos feministas nos anos 1960. McLaren compreende a conscientização, nesse contexto, como uma “prática feminista do eu” que implica “não apenas a transformação de si, mas também a transformação social e política” (McLaren, 2016, p. 202), o que convergiria com os estudos de Foucault sobre a estética da existência.

Já Tvardovskas (2010), ao conjugar o cuidado de si, os feminismos e as práticas artísticas, delineia os “modos artistas de viver” constituídos por mulheres artistas contemporâneas. Distanciando-se de uma nova cristalização em torno da identidade do artista (e, nesse caso, estamos tratando da figura do artista homem que, em outras épocas, foi caracterizado como gênio, louco ou outsider) ou de um fazer circunscrito tão-somente à obra de arte, o que a autora identifica em algumas artistas mulheres são modalidades de relações de si inventadas nos espaços vicejados pela arte. Com isso, algumas artistas evidenciam “espaços de liberdade e resistências às normas que podem ser criados a partir da imaginação” (Tvardovskas, 2010, p. 80).

No último Foucault, cujas obras foram pouco absorvidas pelo feminismo, segundo McLaren (2016), há, portanto, um profícuo caminho para problematizar a dimensão da liberdade e da resistência no discurso feminista. As práticas de liberdade surgem aí como “exercício crítico” (McLaren, 2016, p. 53), como criação de si, isto é, na “forma que podemos dar à subjetividade” (Castro, 2009, p. 247). Por meio desse trabalho ético da liberdade que aparece na relação do sujeito sobre si, há a possibilidade da emergência de novas subjetividades.

A partilha de si e a escuta do outro na poética de Panmela Castro

Culpa, esgotamento e marcas da violência cotidiana contra mulheres são alguns aspectos que permeiam as três pinturas da série “Retratos Relatos”, produzidas no contexto da pandemia de Covid-19, as quais convocamos neste texto para pensar sobre algumas práticas feministas de si. As três pinturas da série5 trazem narrativas que dão a ver a sobreposição de demandas de mães solo. Uma das pinturas traz também relatos de violência doméstica e psicológica, bem como a condição de abandono e estigmatização decorrentes do diagnóstico de HIV durante a gestação. São relatos que, de maneiras diferentes, rasuram a idealização da maternidade ainda tão preponderante em nossa cultura.

A série “Retratos Relatos” já vinha sendo desenvolvida antes da pandemia e teve, como ponto de partida, o compartilhamento de experiências de violência vividas pela própria artista. Ela tem abordado diferentes dimensões da violência contra mulheres em suas obras, a partir de suas experiências pessoais, como alguém que presenciou a violência vivida por sua mãe e alguém que foi vítima de violência física, mantida em cárcere privado pelo marido, em uma época em que o Brasil não dispunha de uma legislação que visasse à prevenção e punição da violência doméstica, o que viria a ocorrer somente em 2006, quando a Lei Maria da Penha6 foi sancionada. Após o compartilhamento das suas experiências pessoais nas redes sociais, a artista passou a receber inúmeros relatos de mulheres por email, muitos deles destacando histórias de abuso e de violência. As pinturas passaram, então, a ser realizadas, em 2019, a partir de fotos enviadas por essas mulheres, perfazendo um total de 50 retratos/relatos. A série foi compartilhada com o público, pela primeira vez, em março de 2020, na exposição homônima, contando com a curadoria de Keyna Eleison. Ocorrida no Museu da República, localizado no Rio de Janeiro, a exposição foi interrompida em virtude das medidas de isolamento social impostas pela pandemia, sendo reaberta em novembro de 2021.

Levando em conta as discussões feitas por Rago (2013), McLaren (2016) e Tvardovskas (2015) acerca da relação entre a escrita de si e o feminismo, alinhavamos algumas considerações sobre a série “Retratos Relatos”, de Panmela Castro. É possível destacar algumas escolhas ético-estéticas que sustentam o trabalho de Castro, quais sejam: uma ética da escuta que a artista estabelece com as mulheres que protagonizam a série, contrapondo-se a uma longa tradição na história da arte canônica, em que artistas homens representam “suas modelos” em uma condição objetificada e, em última análise, destituídas de humanidade; e o exercício da autobiografia como matéria de criação artística de si, que não está sujeita às tecnologias da confissão e, ademais, não se converte em uma ode ao individualismo reinante no contexto neoliberal.

Antes de seguir falando sobre as obras de Castro, cabe uma rápida incursão na relação escrita-sujeito em Foucault, uma das matrizes teórico-metodológicas a que recorremos como anteparo para problematizar a poética de Panmela Castro.

Segundo McLaren (2016), ao longo de seu projeto teórico, Foucault evidenciou diferentes “procedimentos de individualização pelo poder” (Foucault, 2014a, p. 66), em que o indivíduo se torna objeto de estudo passível de ser analisado sob a égide de diferentes áreas do saber, tais como a medicina, a pedagogia, as leis, a economia, as ciências da natureza, a história. A escrita constitui-se como um elemento fundamental nesses procedimentos, uma vez que é a partir dela que os indivíduos são descritos em registros, análises, estatísticas, categorias. Também é a partir da experiência da escrita que o indivíduo produz sobre si que ele pode atar-se aos regimes de verdade dos discursos que o objetificam, tornando-se sujeito deles; ou, inversamente, com a experiência da escrita, pode lançar-se em um processo ativo de autocriação de si. Essa posição ambivalente que posiciona o sujeito em relação à escrita sobre si é destacada por McLaren (2016, p. 199) no que respeita aos escritos autobiográficos:

A autobiografia, portanto, pode ser um exercício de sujeição - se produz a verdade exigida sobre si mesmo - ou pode ser um processo de subjetivação - se examina criticamente como se vem a ser, como se é, em referência aos discursos normalizadores. Autobiografias como projetos de autoconstituição são perigosamente sopesadas, entre ser um exercício de sujeição e um exercício de subjetivação. Não há garantias de que uma autobiografia será um exercício de liberdade.

Uma das formas de sujeição do eu a partir do relato de si diz respeito à confissão, prática ritualística consolidada no seio da cultura cristã que, no curso da história, desloca-se dessa esfera e passa a atravessar toda uma sorte de práticas, desde as mais solenes às mais cotidianas (Foucault, 2014a; Castro, 2009). Ainda que não tenhamos como objetivo esgotar esse tópico, cabe destacar algumas das relações que caracterizam a prática da confissão a fim de argumentar que processos artísticos como os de Panmela Castro nos apresentam caminhos alternativos, em que se estabelece uma relação de horizontalidade com o outro.

De início, importa sublinhar que a confissão instaura uma relação de poder que submete quem está confessando ao olhar, ao julgamento, à avaliação de um outro que exerce uma posição de autoridade (autoridade judicial, religiosa, familiar, médica ou pedagógica). Cabe a esse outro, que recolhe a confissão, observar a conformidade ou a inconformidade entre os atos confessos e os regimes normativos da instância em questão. É em virtude da ligação entre a confissão e um discurso normalizador que decorrem possíveis punições, penitências, aconselhamentos, prescrições, avaliações, diagnósticos, medicalizações, bem como o perdão, a salvação, a purificação, a absolvição, a cura.

A confissão é um ato discursivo em que o sujeito produz uma verdade sobre si que se manifesta em razão de um discurso normativo e externo. Uma verdade sobre si “incompleta e cega em relação a si própria”, pois é tarefa desse outro que escuta completá-la, decifrá-la, autenticá-la, validá-la (Foucault, 2014a; Castro, 2009). E, por requerer um olhar para si à luz das normas, a confissão priva o sujeito da possibilidade de uma autocriação ativa por si mesmo (Rago, 2013; McLaren, 2016). Nessa perspectiva, para Frederic Gros (2010), a “obrigação de dizer a verdade sobre si mesmo”, que se instala com a prática da confissão, nos primeiros séculos da nossa era, “é entendida por Foucault como uma das formas maiores de nossa obediência” (Gros, 2010, p. 459).

Por seu turno, a escrita de si, uma das técnicas do cuidado de si presente entre os gregos e os romanos da Antiguidade, “opera todo um outro regime de relações do sujeito com a verdade, um outro regime de palavra e silêncio, um outro regime de leitura e de escrita” (Gros, 2010, pp. 460-461). Diferentemente do relato de si produzido através da confissão cristã, Foucault observou que entre os antigos a relação consigo que se materializava por meio de algumas práticas de escrita (a saber, a correspondência e os hupomnêmatas7) não resultava em uma renúncia de si em favor da obediência a um discurso normalizador, mas em uma atenção a si, que permitia uma intensificação da relação consigo e com outrem. Na escrita de si, mobilizavam-se as experiências da leitura, da escuta e da escrita, a fim de constituir uma materialidade para o treinamento de si, em suma, uma matéria-prima de autossubjetivação (Foucault, 2006b). No cerne dessa prática, estava uma “função etopoiética” (Foucault, 2006b, p. 147), em que havia uma transformação do sujeito por si mesmo a partir da incorporação de discursos verdadeiros disponíveis na cultura.

A correspondência, de acordo com Foucault (2006b), era uma matéria-prima para a relação consigo e com outrem, por meio de uma ativação regular de discursos verdadeiros. Na escrita de uma carta, podiam ser retomadas as anotações dos hupomnêmatas, apropriando-se do que havia ali para fundamentar conselhos e advertências que se dava a um destinatário. A partir dessa apropriação, dessa releitura do que foi compilado nos hupomnêmatas, tanto quem escrevia quanto quem recebia a carta exercitava em si mesmo os discursos coletados, tornando-os princípios de ação.

Além de se constituir em um treinamento de si, a correspondência era “uma certa maneira de se manifestar para si mesmo e para os outros” (Foucault, 2006b, pp. 155-156), uma forma de se fazer presente para quem lia, uma forma de “fazer aparecer seu próprio rosto perto do outro” (Foucault, 2006b, p. 156). Ademais, na correspondência, havia uma narrativa de si que era também uma manifestação da relação consigo. O próprio corpo, os pensamentos, as sensações, as minúcias dos dias ganhavam o palco da escrita e da atenção do sujeito que escrevia e oferecia a si mesmo ao olhar do outro. De acordo com McLaren (2016), nesse “cultivo do eu” a partir da prática regular da escrita de cartas situada “no início da tradição epistolar romana”, Foucault apontou a “origem de uma ‘narrativa do eu’” no Ocidente (McLaren, 2016, p. 197).

O recolhimento, a introspecção, o olhar para si que a escrita da carta exigia distanciavam-se das práticas cristãs, que visavam, no escrutínio que o sujeito fazia de si e de sua alma, a um deciframento de si que se dava por meio do julgamento de uma figura de autoridade a quem se confessava. Na carta, ao contrário, havia uma reciprocidade entre quem escrevia e quem lia, fazendo “coincidir o olhar do outro e aquele que se lança sobre si mesmo ao comparar suas ações cotidianas com as regras de uma técnica de vida” (Foucault, 2006b, p. 162). Assim, podemos afirmar que se, na confissão, a relação consigo e com o outro obedecia a um critério jurídico-moral, na correspondência e, por extensão, na escrita de si, tal relação estava pautada em uma escolha estética.

Podemos, após está ligeira incursão pela escrita de si e seu reverso, a confissão, retornar à relação entre o caráter autobiográfico do trabalho de Panmela Castro e a escrita de si. Nessa perspectiva, McLaren (2016) observa uma aproximação e uma confluência entre a escrita de si e a autobiografia:

A autobiografia como escrita de si poderia funcionar de forma semelhante às anotações e cartas (...); ela constitui a subjetividade do escritor como um ato de autoformação. Ela apresenta o si tanto para o próprio eu como para um outro, como uma carta. Uma narrativa autobiográfica fornece unidade para os aspectos heterogêneos e discrepantes da vida. (McLaren, 2016, p. 197)

No caso específico das mulheres, a autora considera que a escrita autobiográfica, presente em diários e registros diversos, é uma “tecnologia feminista do eu” (McLaren, 2016, p. 199), que faculta às mulheres uma posição ativa na criação de si perante uma cultura que sempre lhes atribuiu um papel passivo e submisso. Cumpre lembrar que historicamente as mulheres foram desencorajadas a criarem relatos de si, fosse no gênero autobiográfico fose em outros formatos, posto que tal modalidade de escrita constituiu-se historicamente como um lugar para a exaltação de trajetórias heroicas, cujos protagonistas eram majoritariamente homens brancos. Se a história oficial reservou às mulheres um papel secundário na cultura, no mundo do trabalho e na vida familiar, desnecessário dizer que, com isso, elas foram desestimuladas a verem a si mesmas como protagonistas de suas próprias vidas. O que explica, em alguma medida, o número desproporcional de autobiografias masculinas e femininas ao longo da história:

Afinal, tendo sido educadas para a maternidade, para serem missionárias, enfermeiras ou professoras, as mulheres foram tacitamente convidadas a se esquecerem de si mesmas, a renunciar ao exame da própria existência, e, acima de tudo, foram estimuladas a cuidar do outro em primeiro lugar. (Rago, 2013, p. 64)

Não obstante o caráter privado e íntimo da autobiografia, das correspondências e do diário fosse facilmente atrelado à experiência feminina, a escrita das mulheres, ali gravada, não era considerada digna de notoriedade pública e de relevância histórica. Escrita legada ao esquecimento ou à destruição. Escrita queimada por quem herdava os arquivos das mulheres, em geral, seus familiares; menosprezada também por estudos históricos, excetuando-se quando tal escrita trazia relatos sobre homens célebres. O desdém pela escrita das mulheres fazia com que elas próprias a destruíssem, convictas de que escrever sobre si seria uma prática ilegítima para o seu gênero:

Ocorre igualmente uma autodestruição da memória feminina. Convencidas de sua insignificância, estendendo à sua vida passada o sentimento de pudor que lhes havia sido inculcado, muitas mulheres, no ocaso de sua existência, destruíam - ou destroem - seus papéis pessoais. Queimar papéis, na intimidade do quarto, é um gesto clássico da mulher idosa. (Perrot, 2007, p. 22)

Com isso, fica evidente também que a modalidade de relação consigo exercida por meio da escrita e da conservação desta, em que o si mesmo torna-se objeto de atenção e de ocupação para o sujeito, é considerada imprópria às mulheres:

Organizar arquivos, conservá-los, guardá-los, tudo isso supõe uma certa relação consigo mesma, com sua própria vida, com sua memória. Pela força das coisas é um ato pouco feminino. A perda, a destruição, a autodestruição são muito mais frequentes. (Perrot, 2007, p. 30)

A série “Retratos Relatos”, de Panmela Castro, ao convidar mulheres a ocuparem-se consigo mesmas a partir da produção de narrativas/imagens de si, transmuta palavras e experiências vividas na clandestinidade e na infâmia da história em uma questão coletiva. São palavras/imagens sobre si que ecoam no espaço público, sem serem submetidas à moral, ao julgamento, à culpabilização, às normas ou à busca por uma essência. Ao contrário, ao trazerem à tona a tirania cotidiana do patriarcado, do sexismo e da misoginia, a partir de relatos de um amplo espectro de violências sofridas pelas mulheres, produzem um arquivo verbo-visual das recusas e desobediências a esses regimes de verdade normativos.

Podemos assinalar que, nessas pinturas, esvanece-se a subordinação da imagem da mulher à autoridade do artista homem, historicamente reconhecido como detentor exclusivo da capacidade de criação, restando-lhe a tarefa de cristalizar a verdade dos sujeitos femininos em certas representações. Por certo, tais representações não devem ser tomadas como uma tradução da realidade das mulheres: “Sem dúvida é necessário abandonar a ideia de que a imagem nos traz um painel da vida das mulheres” (Perrot, 2007, p. 25). A “avalanche das imagens” (Perrot, 2007, p. 24) de mulheres que povoam os museus, a história da arte, as ruas e os meios de comunicação de massa, em sua maioria, são mudas quanto aos desejos, às experiências, aos pensamentos das mulheres, posto que aí suas vozes sequer são ouvidas, e fazem falar muito mais sobre os ideais de feminilidade de uma época e sobre o imaginário dos próprios artistas (Perrot, 2007).

Há, na obra de Castro, por sua vez, desabafos, gritos e sussurros que se encontram na cumplicidade da escuta e na horizontalidade dos olhares que a artista tece com as mulheres que protagonizam as pinturas. No encontro entre frações da biografia da artista e frações da biografia dessas mulheres, cria-se uma forma de cuidado de si e do outro, em que esse processo de partilha e de escuta das experiências tem uma dimensão curativa:

E agora eu estou recebendo muitos depoimentos sobre a situação das mulheres na quarentena. Essa é uma relação que beira um processo de cura mesmo. Às vezes a mulher está com um nó engasgado na garganta e ninguém quer escutá-la ou ela tem vergonha de falar alguma coisa que tá ali presa. Quando ela escreve pra mim e tem esse retrato pintado, é como se ela fizesse alguma coisa com aquela dor, com aquele sentimento.8

O desejo de encontro com o outro atravessa a produção da artista, que entende que esse desejo, por mais que se origine no pessoal, necessariamente deságua no coletivo.

Construo um pensamento a partir de experiências pessoais, em busca de uma afetividade recíproca com o outro de experiência similar. Sinto-me não pertencer a nenhum grupo, e por este motivo, aguardo essa identificação espontânea como forma de amenizar a solidão de se ocupar um não lugar. É um trabalho sobre a busca do amor, do afeto, do cuidado, e que repetidas vezes é parada pelo preconceito, pela violência, pela perversidade e pelo silenciamento. Um debate interseccional sobre privilégios, sexualidade, gênero e etnia. Quando um outro se identifica com uma história minha pessoal, a obra se transmuta em política, ampliando seu entendimento para grupos sociais. Aí então, talvez eu pertença a algum lugar.9

O uso do autobiográfico feito por Panmela Castro vai ao encontro do que Tvadorvskas (2015) destaca em relação a diversos processos artísticos contemporâneos, nos quais, ao lançar mão de elementos autobiográficos, “são elaborados desejos de escuta pelo outro, de compartilhar experiências e memórias, muitas vezes traumáticas, como respostas às pressões sociais, mas também às necessidades individuais internas” (Tvardovskas, 2015, p. 119).

É no terreno das artes visuais contemporâneas, aliás, que “gestos autobiográficos” têm se tornado matéria-prima para muitas artistas mulheres, de acordo com Tvadorvskas (2015, p. 118). Em muitas dessas produções, inaugura-se uma relação com o autobiográfico que escapa à linearidade narrativa característica desse gênero. Estabelecendo uma contranarrativa às imagens e relatos do heroísmo masculino, para a autora, essas produções tecem “uma crítica ao sujeito branco, masculino e universal, em que elementos autobiográficos - típicos do individualismo ocidental - são revertidos e ressignificados em nome da pluralidade e da intensificação das experiências vividas” (Tvardovskas, 2015, p. 119).

Compreendemos que, nessa elaboração poética desenvolvida pela artista, elaboração centrada no desvelamento dos discursos patriarcais que ainda persistem no cotidiano das mulheres, produzem-se fissuras sobre os sentidos sedimentados acerca do corpo feminino, as relações das mulheres consigo mesmas e as relações com o outro. Nesse sentido, podemos aproximar tais práticas feministas às discussões travadas por Rago (2004). Para a autora, o sujeito do pensamento feminista estabelece consigo mesmo uma relação de permanente autovigília e uma profunda atenção ao outro, atentando para as formas de sujeição que o acometem. Com vistas a uma existência fundada na liberdade é que os feminismos propõem novas formas de habitar o corpo, investem sobre relações mais éticas e, portanto, não cessam de produzir “novas imagens do pensamento” (Rago, 2004, p. 12). As elaborações poéticas de Panmela Castro, assim como as produções de diversas artistas contemporâneas, fornecem, portanto, um anteparo poético e político para pensarmos na emergência de subjetividades mais comprometidas eticamente com o outro e com a multiplicação das formas de ser mulher no presente.

Referências bibliográficas

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1 É possível ver mais de suas obras em: https://panmelacastro.com/.

2 Ressaltamos, assim, que realizamos uma análise bastante pontual e não um panorama da trajetória da artista. Cabe destacar, nesse sentido, que as discussões traçadas aqui estão inseridas no contexto de uma pesquisa de doutorado em andamento, por ora intitulada “Arte e práticas de si feministas: multiplicar horizontes éticos e estéticos na docência”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. Portanto, as discussões socializadas neste texto fazem parte de uma análise preliminar das obras da artista.

3 É importante fazer a ressalva de que os estudos de Foucault são ricos para pensar sobre a constituição das masculinidades, o que contribui para os estudos feministas e de gênero, se tivermos em conta uma dimensão relacional e não separatista das relações entre homens e mulheres. Além disso, os estudos da história da sexualidade de Foucault são referências fundamentais para a consolidação dos estudos queer e dos estudos sobre as sexualidades não hegemônicas. Não podemos desconsiderar também que Foucault havia projetado, como um dos desdobramentos da sua História da sexualidade, um livro em que se ocuparia exclusivamente da sexualidade feminina. Devido à mudança de rota de seus estudos sobre a sexualidade, o livro foi abandonado.

4 “A conscientização, como articulada por grupos feministas radicais no final dos anos 1960, é tanto uma tecnologia do eu quanto uma prática de liberdade. É uma técnica de si porque envolve trabalho sobre o eu, que resulta na transformação de si, assim como é uma prática de liberdade, pois objetiva não apenas o entendimento das condições sociais e históricas que nos constituem como sujeitos, mas a mudança dessas condições” (McLaren, 2016, p. 209).

5 As três pinturas e os seus respectivos relatos podem ser vistos no seguinte link: https://ims.com.br/convida/panmela-castro/. Outras obras da série “Retratos Relatos” estão disponíveis no site da artista: https://www.panmelacastro.com/serie/retratos-relatos/.

6 A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, é conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a uma mulher que ficou paraplégica devido à violência cometida por seu marido, e tem sido, desde então, um importante mecanismo de combate à violência contra as mulheres no Brasil. A lei está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 03/11/2022.

7 Os hupomnêmatas eram cadernos de anotações pessoais que podiam reunir citações, reflexões ouvidas, narrativas do que se presenciou, enfim, uma coleção de fragmentos já-ditos recolhidos por ocasião da leitura, do ensino e da escuta, “com uma finalidade que nada mais é que a constituição de si” (Foucault, 2006b, p. 150).

8 Entrevista concedida por Panmela Castro ao site AzMina. Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/as-vezes-a-mulher-esta-com-um-no-engasgado-na-garganta-e-ninguem-quer-escuta-la/. Acesso em: 07/06/2021.

9 Texto escrito pela artista disponível em: https://www.premiopipa.com/panmela-castro/. Acesso em: 21/06/2021.

Recebido: 07 de Novembro de 2022; Aceito: 20 de Dezembro de 2022

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