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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.49 Lisboa jun. 2023  Epub 31-Jul-2023

https://doi.org/10.34619/ohs6-ekx0 

Entrevista

Paulina Chiziane “Sou vadia, pronto!”

Isabel Henriques de Jesusi  ii 
http://orcid.org/0000-0002-8172-4224

Marina Macedoiii 
http://orcid.org/0000-0002-2198-9976

iUniversidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, 1069-061 Lisboa, Portugal. E-mail: misabeljesus@fcsh.unl.pt

iiUniversidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT), 1069-061 Lisboa, Portugal.

iiiUniversidade NOVA de Lisboa, NOVA School of Law, 1099-032 Lisboa, Portugal. E-mail: marinagusto@gmail.com


©Zamira de Assis

Paulina Chiziane 

Em 27 de Agosto de 2022, conversámos, via zoom, com Paulina Chiziane, premiada escritora moçambicana, galardoada com o Prémio Camões, em 2021. Neste texto, com pequenas adaptações, procuramos manter a essência da conversa. Cientes de que é impossível transmitir a riqueza comunicacional da autora, os seus gestos, as pausas, os sorrisos, o pensamento que acompanha a palavra, convidamos quem nos lê a ver na íntegra a gravação da conversa, em https://www.youtube.com/channel/UCT19Daq9_n_MlyroA08lbKA/about.

Começo por lhe fazer uma pergunta que talvez a espante um pouco... Quem é Paulina Chiziane?

É muito fácil responder, Paulina Chiziane sou eu, só isso. É o que consta no meu bilhete de identidade, é o nome que me foi dado por quem mo deu. Gostando ou não, tenho de me submeter, isto é mesmo assim. É a minha herança, sou eu, esta mulher, de vez em quando atrevida, de vez em quando teimosa, mas muito aventureira, acima de tudo.

Concedeu-nos (a Faces de Eva) uma entrevista em 2002. Nela referiu a sua infância e juventude, a militância revolucionária, o apoio ao desenvolvimento das mulheres, a relação com a escrita. Passaram vinte anos. Continuou a observar e a contar histórias sobre o mundo que a rodeia, recebeu o mais conceituado galardão da língua portuguesa. Agora pergunto: o que mudou em si? E o que mudou na sua relação com os outros? São vinte anos de história, da sua história...

Muita coisa. Ontem estava na Beira e queria ir ao mercado comprar peixe seco, comprar aquelas bugigangas que as mulheres gostam de comprar para levar para casa. Fiz o meu plano, o meu programa. Saí do hotel, só dei quatro passos e não consegui chegar ao mercado, porque até os varredores da estrada, as mulheres vendendo na rua, faziam-me parar para tirar uma foto e marcar o momento. Então, foi assim uma coisa extraordinária...

Conto-lhe um outro episódio, também muito marcante, mas eu adoro. Um pouco antes do prémio, estava eu num mercado informal, aqui em Maputo, a que chamamos Xiquelene, até lá está uma ponte de comboio que passa por cima. Estava ali parada, a ver alguns materiais de construção expostos numa montra e, de repente, aproxima-se um jovem, todo bonitão e cheio de energia, e disse: - Dona Paulina, você é minha tia. Você é minha tia, sim, porque é aquela que costuma aparecer na televisão. Minha tia, sai já daqui porque eu quero roubar. Olhei-o, espantada! - Mas quer roubar e está a tirar-me daqui? O jovem disse: - Sim, sai porque eu quero roubar agora. Dei uns dez passos e ouvi um grito atrás de mim. De facto, o moço e o grupo tinham roubado qualquer coisa. Fiquei parada, sem saber o que fazer. Passado algum tempo, o moço apareceu com outros e disse: - Tia Paulina, a ti não vamos roubar, tu és a nossa mãe, ouviu tia Paulina? Nós vamos te escoltar até saíres daqui, mas, cuidado, não passa por aqui, não passa por ali. E os rapazes escoltaram-me, eu saí daquele sítio íntegra, protegida. Pensei: mas que coisa boa! Então, o que mudou foi exactamente isso.

Festejei, por várias razões, este prémio é uma festa enorme. O povo moçambicano celebra o reconhecimento. Acho que esta é a 33.ª edição. Alguns homens ganharam o prémio; muitos homens, mas pouquíssimas mulheres. Sou a primeira de raça negra e origem bantu. Esta é a grande celebração, como quem diz, finalmente os pretos bantu também podem aprender a falar a língua portuguesa. Mas deixa-me dizer também o seguinte: eu falo a língua portuguesa. De vez em quando, olho para os meus livros e digo: meu Deus, como é que construí esta frase tão mal construída? Mas, no fundo, não está. Eu falo o meu português. Estou aqui, no sul de Moçambique, e digo com toda a sinceridade que estou com saudades do português macua, o português que se fala em Nampula, o português que se fala na Ilha de Moçambique.

Gosto de contar histórias. Vou contar uma. Cheguei à Ilha de Moçambique, conversava com as mulheres, tinha alguma dificuldade em perceber o que elas diziam, mas havia uma frase recorrente em muitas delas. Era assim: Inu Kwenta Antuna. Fiquei um dia intrigada, mas o que é que ela está a dizer-me? Até que perguntei: - Isso é macua? Disseram: - Não, isso é português. É assim: - Quem não aguenta abandona. Portanto, esta é a outra língua portuguesa, eu tenho tantas saudades agora. É isto que posso dizer. É nossa, isto é, foi-nos imposta, recebemo-la e vamos usá-la como nos convier. É exactamente o que faço nos meus escritos. Então, o reconhecimento de um português bantu é motivo de celebração. A verdade é esta, nós falamos um português bantu com tantas variantes como essa tão romântica Inu Kwenta Antuna.

Na sua relação com a escrita mudou alguma coisa? Mantém o estado de paixão que permite incutir alma às suas palavras, tal como lhe disse, uma vez, uma professora? Ou será que o tempo, o amadurecimento, o reconhecimento literário, já provocam alguma ponderação nesse ardor, alguma contenção nessa espontaneidade? Ou a alma ainda se mantém na sua escrita, nas suas palavras?

Sabe, eu gosto muito da palavra alma. E todos a usamos, mas não sabemos bem o que é. Posso definir a alma como aquele sentimento que gera uma energia e não morre. Portanto, a alma está intacta, virgem, pronta para qualquer desafio. Mas o corpo, por vezes, começa a exigir alguns descansos. Já não posso ler sem os óculos, depois, não posso ficar no computador tanto tempo, depois, a coluna também fica zangada, depois, às vezes também fico preguiçosa; isto é, estamos aqui perante o corpo e a alma. Por vezes, o corpo não aguenta, mas a alma está presente. É por isso que me faço rodear de gente nova, que entende de tecnologias. Por exemplo, esta coisa do zoom agora, se não fosse a Marina eu não seria capaz de fazer. Já me ensinaram mil vezes e sempre esqueço, sempre me aborreço. Então, os jovens têm esta sabedoria do seu tempo, têm esta energia.

Mas há aqui uma questão de muita importância ligada a um país como Moçambique, com os seus problemas e os seus conflitos. A escola não é para todos, o livro é muito caro, portanto, uma família tem muita dificuldade em ler um livro. As academias, as pessoas letradas, estão no centro das cidades e perfazem mais ou menos 30% da população, mas 70% vive na zona rural que nem um caderno consegue comprar.

Entretanto, os meus livros têm mensagens e eu gostaria de as partilhar. Um dos melhores canais para transmitir essas mensagens é exactamente a música. Um dia, entendi isso e disse: - Olha, há mensagens tão bonitas que eu gostaria de partilhar com o meu povo. Através do livro não consigo alcançar, mas é possível se eu fizer algumas canções com textos literários escritos por mim. De vez em quando, consigo compor algumas melodias, eles (os jovens) também fazem as composições. E pronto, continuo a colocar a alma das palavras usando um outro canal.

Tenho escrito, sim, pequeninas coisas. Vai reparar que os meus livros começam a diminuir de tamanho. Antigamente eu fazia coisas enormes, mas agora vou escrevendo textos cada vez mais curtos, por limitações do corpo, que já reclama algum descanso. Então, para não ficar a dormir, fico a cantar com os meninos. Faz-me tanto bem... às vezes, cantamos, dançamos, pulamos e volto para casa na paz da alma.

Falemos, então, dessa outra faceta do seu percurso, as canções com jovens... parece que aconteceu na mesma época em que escreveu A Voz do Cárcere ( 2021 ), que deve ter sido um livro muito duro.

Foi por essa altura, sim...

Observar, contar o que se passa nas prisões, o que as mulheres têm a dizer. O seu amigo e colega Dionísio falou com os presos homens. Eu pensei, será que foi tão duro, que a Paulina teve necessidade de mudar um pouco a agulha...? A música, trazer os jovens ao seu contacto - tratou-se, de algum modo, de atenuar o peso da realidade? Não sei se tem alguma coisa a ver com este meu raciocínio, mas é interessante que tenha falado nas canções, até porque o povo africano tem muito esta ligação ao corpo, ou à alma revelada através do corpo, que a música e a dança tão bem expressam.

Na verdade, eu não mudei. O que posso dizer é que o trabalho na prisão foi muito doloroso. Eu julgava que já tinha vivido e que conhecia muita coisa. Foi muito importante para mim conversar com as mulheres reclusas. Conversei com as mulheres, e o Dionísio Bahule, que é um académico, conversou com os homens. Uma das razões foi porque sou mulher e sou sensível às nossas coisas. Imaginem que eu entrevistava alguém que violou mulheres ou foi condenado por isso. Não seria capaz de trabalhar, os meus sentimentos afloravam primeiro, não me sentiria confortável. Por isso, foi um homem a entrevistar os homens e eu a entrevistar as mulheres.

Ora, foi um exercício muito duro, acredita que não perguntei nada, o livro saiu, apenas saiu... eu não fiz nenhuma entrevista, ou melhor, a única coisa que perguntei às mulheres foi o que significa ser uma mãe na prisão. Olha, o mundo caiu. Chorámos todos, homens e mulheres, chorámos todos, guardas penitenciários, mulheres que lá trabalham, porque abriram-se as comportas das almas daquelas pessoas. E ouvimos as coisas mais deprimentes. Mas o que me marcou profundamente foi a conversa com uma mulher, que é mãe de nove filhos. Não sei o que ela fez, mas é uma reclusa, perdeu a liberdade. E dizia-me: - Olha, não sei onde estão os meus filhos, sei que um está em casa da minha irmã, o outro está em casa não sei de quem, dos mais velhos não tenho notícias, não sei se estão vivos, se estão mortos ou se estão fora do país. A minha família está completamente destruída. O que será de mim quando sair daqui. Foi dramático!

Dias depois, foi entrevistado um homem, pai de nove filhos. A pergunta era a mesma: - O que significa ser um pai na reclusão? O homem chorou, quase desmaiou e disse: - Os meus filhos estão a sofrer porque eu não estou lá para dar apoio. Mas, graças a Deus, a mãe vira-se e revira-se e a família está muito unida. Quando eu sair, sei que encontrarei os meus filhos no sofrimento e farei de tudo para ser um melhor pai.

E comparámos os dois casos. Quando uma mulher é presa, há uma destruição total de toda a família e há consequências sociais. Portanto, imagina os caminhos por onde andam os filhos da senhora, vão gerar outros filhos também. Não se sabe como é que esses filhos, os netos desta mulher, serão educados, que vida vão ter. Portanto, é uma família destruída. Enquanto com a família do homem que está na prisão, apesar do sofrimento, a presença da mulher criou uma espécie de coesão muito forte na família.

Não tivemos oportunidade de os visitar, era tempo de covid, mas ficou aqui a grande lição, a mulher é a pedra basilar de qualquer sociedade. Portanto, prende-se uma mãe de nove filhos, há nove filhos que produzirão outras nove gerações ou mais gerações de sofrimento, de dispersão e destruição. Prende-se um homem, haverá sofrimento, sem dúvida, mas a família está presente. Então, esta foi a grande prenda que este trabalho me deu, para poder ver o lugar e o papel da mulher.

Ao mesmo tempo, esta experiência fez-me viajar na nossa história africana. Recordando os tempos amargos da escravatura, da colonização. Os homens eram retirados de casa, para serem vendidos na América, para irem às plantações em Angola, São Tomé, e ficavam as mulheres, que asseguravam a nossa existência. E hoje estamos aqui, falando, celebrando o Prémio Camões porque tivemos mulheres que nos seguraram. Eu, muitas vezes, digo: África é um continente feminino. Os melhores homens foram tirados e as mulheres com o pouco que têm fazem o milagre da multiplicação do pão. Isto é, os cristãos gostam muito de falar de Jesus Cristo, esse homem milagroso que fez a multiplicação do pão. Mas, para mim, a mulher africana é esta mulher poderosa que teve esse dom mágico da multiplicação do pão. É por isso que estamos vivos, é por isso que estamos aqui.

Estou a falar deste trabalho feito na prisão, que é um trabalho que me deixou muito deprimida. A maior parte das mulheres que estão em reclusão, pelo menos numa das nossas prisões aqui, primeiro foram vítimas de violência doméstica; apanhavam, apanhavam, apanhavam e a família sempre dizia, resiste, resiste, o casamento é assim. Mas há aquele momento crítico de vida ou morte. O homem vem com a faca, ou com a pistola, com o pau, ou com a pancada e, quando a mulher sente que vai morrer, há o salto mortal. Eu comecei a perceber o que significava o salto mortal, portanto, aquele último sopro de desespero. O homem surge com a faca, às vezes a faca vira-se contra ele; é nessas ocasiões que surgem os grandes acidentes. Então, como é que nós podemos gerir esta questão de violência contra as mulheres? Primeiro, o homem que agride por razões culturais, alguma frustração, alguma substância ingerida... A segunda questão, as nossas culturas, as nossas tradições, onde uma boa mulher é aquela que se casa, aquela que se submete ao marido, aquela que leva pancada. As religiões também contribuem muito para que as mulheres aceitem este lugar de submissão como um karma de vida. Enfim, há muitas questões à volta, mas o fundamental é isto: violência doméstica. E estão ali as pobrezinhas e vão ficar, sei lá quanto tempo. São as famílias que se destroem, são os filhos que ficam à deriva por causa da violência doméstica. Já tinha ouvido falar do assunto, já tinha visto casos, já tinha participado até na resolução de alguns, mas não tinha visto as graves e últimas consequências que um acto de violência doméstica pode acarretar na vida de gerações.

Falei demais, mas ainda hoje eu tenho saudades daquelas mulheres. Apetece-me às vezes pedir autorização, claro que não é fácil, para me sentar com elas e conversarmos. Acredita que eu saí da prisão uma pessoa melhor; eu saí mais humana, a partir da experiência deste grupo especial que está nas prisões.

Então, é um livro que fizemos, não diz muito... Recebemos muitas críticas, porque quando se fala de prisão, quando se fala de pessoas na prisão, todo o mundo está preocupado logo com a lei, o abuso, as regras. Todos pensam nas questões materiais e nunca ninguém tinha feito uma pergunta tão simples, tão profunda e tão humana. Uma das psicólogas que trabalham no sector disse: - Olha, foi muito libertador, eu nunca tinha visto este grupo a expressar-se com tanta humanidade, com tanta sabedoria e com tanta vontade de reconstruir (...). Enfim, foi uma história gratificante.

Calculo... Penso que, quando se ultrapassa o domínio estrito da lei e se entra nessa dimensão humana, há uma transformação real, para nós próprios e para os outros. Eu acho que a Paulina consegue uma penetração extraordinária nos universos femininos das mulheres moçambicanas. É um aspecto muito evidente em todos os seus romances, em toda a sua obra. Consegue radiografar a alma das mulheres moçambicanas de uma forma muito precisa, avaliando o conjunto das suas crenças, dos mitos, jogando com as múltiplas identidades culturais e geográficas. Por exemplo, já a tenho ouvido fazer uma distinção muito interessante entre as mulheres do Norte e as mulheres do Sul.

Embora a história das mulheres africanas seja muito diferente da das mulheres europeias, eu encontro, e gostava de saber a sua opinião, os mesmos sentimentos profundos quando elas lidam com a perda, com a humilhação, com a raiva. Encontro a mesma ternura, o mesmo cuidado, a mesma capacidade de amar, a mesma entrega, a mesma cumplicidade. Estou a lembrar-me daquele seu livro Niketche ( 2002 ), em que as mulheres, às tantas, já são cúmplices, embora primeiro estivessem muito zangadas umas com as outras. Lembro-me de alguns romances portugueses, por exemplo, de Maina Mendes, de Maria Velho da Costa, em que há uma cumplicidade, há uma irmandade. Lembro-me de Novas Cartas Portuguesas, em que a mesma questão se coloca. E eu pergunto, com todas essas especificidades, não apenas culturais, mas individuais, nós, mulheres, seremos assim tão diferentes? Não tenderemos todas ao mesmo processo de libertação, embora em tempos e modalidades diferentes?

Eu iria falar do meu livro Niketche. Aquela história maluca de mulheres (...). Escrevi-o meio a rir, meio zangada, e o livro foi publicado pela Caminho e foi um bestseller. Este livro caminhou sozinho, e continua caminhando pelo mundo, já nem quero saber por onde vai, já inspirou filmes, teatros.

Ora, eu estou a falar de mulheres moçambicanas, de diferentes partes de Moçambique. Mulheres simples, mulheres pobres. O que me espanta é que a história destas mulheres faz eco em qualquer mulher do mundo, também em qualquer homem do mundo. Pergunto, mas porquê? Por uma questão simples. As diferenças que dizemos ter são diferenças físicas, palpáveis claro, são diferenças materiais algumas vezes, mas há um denominador comum em todos nós: somos humanos. Venha de onde vier, qualquer ser humano tem a mesma sensibilidade, tem os mesmos anseios, tem as mesmas dores e até, muitas vezes, o mesmo ponto de vista.

Um destes dias, estive com mulheres chinesas, em Macau. Mulheres chinesas que estavam a estudar a língua portuguesa. Leram o livro, adoraram-no e ficámos uma noite inteira a falar de questões tão comuns. Eu disse, meu Deus!, como é que a história de uma simples mulher moçambicana camponesa vai provocar um debate e até alguma transformação na mente de uma mulher que nunca vi, nem sei quem é.

Para mim, a questão fundamental é esta: vivemos num mundo feito de preconceitos, de ideologias e pensamentos dos poderosos. Há os que olham para os outros com supremacia e dizem: nós somos melhores! Gostaria de colocar na conversa uma questão muito interessante. Muitas vezes nós, que somos negros e fomos colonizados e escravizados pelos brancos, olhamos para o racismo como uma coisa que vem do branco contra o negro. É verdade, mas entre aspas. Em O Alegre Canto da Perdiz (2016) vou remexer estas questões: o que é o racismo? Quando é que ele surge? Porquê? E essas ideologias que colocam uns em cima dos outros. Eu prefiro uma sociedade mais humana que vê que sou escura, a outra pessoa é mais clara, mas todos somos humanos, e pronto!

Nós, em África, tivemos um grande acontecimento que foi aquele genocídio no Ruanda. Para mim, o genocídio do Ruanda é uma prova disto. São todos filhos da mesma terra, todos da mesma raça, mas há um que acha que é melhor que o outro. Quando há um branco, dizemos que o racismo vem do branco, quando há um rico, dizemos que a discriminação vem do rico. Mas, às vezes, mesmo sem a existência do rico ou do branco, criamos, entre nós, alguma coisa que nos vai destruir. Então, à volta disto, é necessário fazer uma conversa muito longa. De facto, eu tive a sorte de viver no mundo inteiro, e acho que o mundo se tornou a minha morada porque estou tão à vontade com qualquer pessoa de qualquer raça e de qualquer condição social.

Muitas pessoas ficaram assustadas comigo e perguntaram como ia eu à cadeia para falar com aquela gente que cometeu crimes. Calma aí! Eu não quero saber quais as razões por detrás desse crime, mas estou diante de alguém que, sim, cometeu o que cometeu, mas é tão humano como eu. Também um dia posso cair no erro, a vida tem as suas dinâmicas próprias.

Voltando à questão da prisão, foi muito interessante encontrar lá o mundo inteiro: moçambicanos, angolanos, congoleses, brasileiros, portugueses, chineses, indianos, paquistaneses. Todas as raças, todas as culturas, estão representadas neste mundo em miniatura. São diferentes culturas, diferentes raças, diferentes crenças e até estatutos sociais, mas são pessoas que naquele meio conseguem conviver. Claro que existem regras que devem cumprir, mas, acima de tudo, é a humanidade, enquanto denominador comum, que torna possível a convivência entre eles.

Foi interessante encontrar pessoas da América Latina que falam português impecável e falam muito bem algumas línguas nacionais nossas. Estas pessoas, quando um dia saírem e regressarem aos seus países, serão muito mais humanas. Mesmo na família, entre filhos do mesmo pai e da mesma mãe, de vez em quando aparece um, que acha que é superior, e cria todos esses distúrbios. De vez em quando, acredito que a humanidade pode mudar, mas, outras vezes, fico desesperada e digo, meu Deus, o ser humano é um bicho que não muda, arranjará sempre um motivo para criar instabilidade social. Eu gosto de me colocar numa posição humana.

O que me encanta verdadeiramente, já não só na sua obra, mas em si, no decurso desta conversa, é a recusa dos dogmas, a recusa das verdades absolutas; é a elaboração constante, que decorre dessa capacidade humana de se ver a si e aos outros. Conversar consigo, sabê-la tão aberta, é um privilégio.

Gostava de lhe colocar uma pequena questão, que não sei se é tão pequena assim. Prende-se com a sua recusa em dizer-se feminista. Entendo muito bem que não queira rotular, que não queira categorizar o mundo, que o queira abrir, em vez de o fechar. Mas há uma questão interessante na sua obra que é esse olhar profundo sobre as mulheres, o pensar o seu processo de emancipação, no caso das africanas, mas eu encontro as mesmas questões noutras culturas. No fundo, o respeito pelos Direitos Humanos, de que falava ainda há pouco, a necessária transformação das mulheres, e isso passa por uma dimensão política. Podemos ver isso como feminismo, pelo menos é o feminismo como eu o vejo, ou seja, sempre atendendo ao respeito pela pessoa humana. Eu acho que a Paulina também se move nestas águas, recusando embora o conceito, a palavra. Percebo-a, mas pensando um bocadinho nestes termos, o que acha disto? Desta dimensão do feminismo, não como uma ideia fechada, mas numa perspectiva aberta da transformação e do comprometimento político dessa transformação.

Parece simples, mas é complexo! Gostaria de olhar a questão em três dimensões ou em três ângulos. O feminismo, para um ocidental, ou para alguém que vem de uma esfera onde predomina o pensamento ocidental, é uma coisa. O feminismo para um africano pode ser outra, embora também reconheça esta necessidade de haver uma dimensão política. O que pretendo dizer? A sociedade europeia foi construída de uma maneira e a sociedade africana de outra. E nestas coisas de globalização, quando se começa a falar de feminismo, lá vêm os grupos de pensamento ocidental para ensinar as mulheres africanas sobre o seu próprio ser. Aí começa o meu dilema. Trazem modelos da Europa. Até posso dizer que na maior parte da bibliografia do mundo há sempre a ideia da “pobre mulher africana”, coitada da “pobre mulher africana”, vamos ajudar a “pobre mulher africana”. Que pobre, que nada! África precisa primeiro de conhecer o seu feminino para depois definir o seu feminismo. Não sei se já foi feito esse trabalho.

Quando falo dos nossos modelos femininos, gosto sempre de dar exemplos. Na história do mundo existiu uma mulher chamada Cleópatra. Foi a mulher que governou o mundo nessa época e é africana, é do Egipto, é nossa. Saio daí e vou para a história bíblica, eu gosto muito de gingar, sabe o que é gingar? É fazer o show, charme disso. A mulher que aparece na Bíblia sagrada, que encantou o rei Salomão, que ofereceu quarenta jumentos de ouro é a rainha Sabá. Quarenta jumentos são oitenta sacos de ouro. Aí começa o meu dilema... Nas Escrituras Sagradas e nos livros que nós produzimos, dizem que o rei Salomão se apaixonou por ela porque ela era linda e depois tiveram aquele bebé bonito, o Menelik I, depois da mãe morrer sucedeu na linhagem, aquela conversa que vai dar até ao (...).

Pergunto, onde estão as bibliografias que falam do pensamento da Cleópatra, da sua governação e de toda a sua sabedoria? Uma das coisas que também dizem é que ela era tão bonita, tão bonita, que até um imperador se apaixonou por ela. Calma aí! Vamos pôr os pontos nos is. O que é Roma, o que é o império romano, aquela miniatura? A Cleópatra alimentava o império romano nessa época: as caravanas do trigo, as caravanas do milho. Portanto, o senhor imperador romano não se apaixonou por ela, vivia à custa dela, e actualmente os homens que vivem à custa das mulheres têm um nome. Porque é que as literaturas retratam apenas o belo da senhora? Portanto, transformar uma mulher poderosa, aquela que governa a potência do mundo num objecto sexual...? Os europeus é que andaram a fazer isso, desculpa!

A rainha de Sabá, oitenta sacos de ouro não é brincadeira. O ouro que está no templo do rei Salomão vem de África, dado por uma mulher. E transformam esta mulher grandiosa numa beleza que só serve para beijar e ir para cama? Quem é que escreveu essa história? O machismo ocidental.

Saímos da Sabá e tivemos aquele caso do rei de Daomé que teve o pior exército na história da humanidade. Aquele que mais usou seres humanos para vender e eram mulheres. É preciso reconhecer isso. Aquela região toda de Daomé que hoje é Benim, tem um grupo de mulheres poderosíssimas chamadas Amazonas da Guiné. Portanto, essas são as nossas raízes. Poderes Mwenemutapa que tinham exércitos femininos. É uma história longa. Estou a falar do feminino africano. A partir do nosso feminino, então, vamos definir o feminismo. Nesta conversa estou a fazer uma crítica, porque às vezes nós, africanas, por causa das carências materiais e de referências bibliográficas, e das histórias que foram destruídas ao longo dos tempos, olhamos para a Europa como modelo. Calma aí! Mostrem-me lá uma mulher europeia que conste da Bíblia Sagrada... nenhuma! Mas a rainha de Sabá está lá. É negra, bonita como eu... (risos). Então, faço aqui um convite para olhar para a história de África e para as mulheres de África como aquelas senhoras que fizeram história. Referi há pouco tempo que, para mim, a África é feminina porque quem segurou o continente na ausência dos homens foram as mulheres. E isso não é visto nas literaturas que andamos a produzir, “ai, pobre mulher africana!”. O passado para que serve? Serve para muita coisa. Por exemplo, quando me vêm com a história do feminismo daqui ou dali, eu digo, calma! Eu sou descendente da Cleópatra, sou descendente da rainha de Sabá, sou descendente das Amazonas da Guiné, sou descendente das mulheres guerreiras dos Mwenemutapa. E o nosso grande Khadafi, super-homem que ele é, tinha um exército feminino. Nós, mulheres africanas, somos poderosas. Se no meu passado as mulheres tiveram esse poder, eu também posso ter. Então, o passado, para mim, funciona como esse espaço onde vamos buscar a alma e a inspiração.

Toda esta conversa era para falar do feminino e do feminismo. Se a minha história é diferente da história das mulheres europeias, porque é que nós não vamos conversar, trocar impressões como estamos agora a fazer, para nos entendermos e olharmo-nos humanamente? Ao mesmo tempo, lanço também um convite para as mulheres africanas, moçambicanas, para que comecem a fazer pesquisas verdadeiras, sem preconceitos dos outros, sobre a sua própria história. Sem dúvida, África é enorme, é diversa, tem várias culturas com misturas de religiões e tudo, mas há muitos aspectos que ainda continuam omissos.

Gosto muito de falar de uma senhora, uma rainha, Achivanjila, nossa, aqui de Moçambique, do Niassa. O marido dela foi o Mataka I, que tinha cerca de trezentas mulheres. No reinado de Mataka, as mulheres é que detinham o poder legislativo. Elas é que decidiam as leis e decidiam quem devia morrer, ser vendido ou viver em paz. Foram as maiores tiranas, tal como as mulheres de Daomé. A Achivanjila era uma das esposas e, por sinal, a mais amada. Esta mulher conseguiu interceptar uma grande parte das pessoas que saíam do Niassa, atravessavam o rio Rovuma, para serem vendidas aos ingleses e aos holandeses na Tanzânia. Conseguiu interceptar e foi esconder essas pessoas numa região, que é Manjune, perto de uma montanha. Essa montanha está lá hoje, é a montanha de Malila Ngombe. Temos um bairro hoje em Manjune, o bairro Malila, onde a maioria dos habitantes são descendentes dos sobreviventes salvos por Achivanjila. Agora vem aí a questão mais interessante: o nosso arquivo histórico, arquivo de património cultural, dedicou um livro de cerca de 250 páginas à história do Mataka, aquele que vendeu gente porque era o rei. Da Achivanjila, àquela que salvou gente, fui encontrar no livro do Mataka, uma linha e meia, só, e mais nada. Sempre fui atrevida, li e reli, vi os nomes dos pesquisadores. Eram dois homens e uma mulher. Um dia, decidi conversar com esta mulher, para tentar perceber porque é que dão primazia ao assassino e depois não dizem nada sobre aquela pessoa humana que nos fez bem. A resposta foi simples: - Mas ela é a esposa do Mataka. Então, tudo o que fez, sendo uma mulher casada, tem de vir no livro do marido. Está a ver esta dimensão? Não vou falar muito, há muito pouca informação sobre esta mulher Achivanjila, mas é a mulher mais respeitada na província de Niassa. E, daí, surge uma outra questão: quem é que define o que é uma mulher heroína? Até o dicionário de língua portuguesa define heroína como uma mulher de extraordinária beleza. Não há mais nada? É preciso melhorar esse dicionário machista de língua portuguesa. O ponto da questão é exactamente este: nós, como seres humanos, somos socializados e educados nesta cultura do patriarcado onde as mulheres não têm valor. E uma mulher, para ser considerada heroína, é porque ou é bonita ou mulher de um grande rei. Quando vou para o Niassa, quando vou para Manjune, encontro a alma deste povo celebrando... Não preciso de perguntar a ninguém sobre o heroísmo desta mulher. Vivo este heroísmo através destas pessoas que estão vivas, que são descendentes dos sobreviventes salvos por alguém. E essa história não contaram. Mas já se está a fazer a justiça, já há muita gente interessada, sobretudo esses grupos feministas, em resgatar a história.

A montanha de Malila Ngombe, onde as pessoas eram escondidas, está ali! Nem preciso de ir a arquivo nenhum, nem preciso de nada escrito para saber da grandeza desta mulher. O heroísmo para mim é isto! Não há palavras para descrever o heroísmo. O heroísmo vive-se, o heroísmo sente-se, o heroísmo não é um grau que é atribuído por uma academia (...). O que eu quero dizer é que há um tempo me julguei feminista, mas, quando comecei a estudar a minha história, a história de África e dos outros povos com um pouco mais de profundidade, descobri que estamos de novo a trabalhar na questão humana, colocando os preconceitos de quem domina. Às vezes, gosto de tentar desvendar alguns mistérios.

Como encara o seu legado literário de liberdade? Eu acho que não é só o seu legado literário que é de liberdade, mas a sua postura, enquanto ser humano. Liberdade de pensamento, que é capaz de ser a melhor liberdade que nós temos... Porque já falou do seu trabalho com os jovens, a partir da música, o que pensa que vai passar às novas gerações?

Confesso a minha incapacidade e a minha incompetência para responder a essa questão. Eu própria andei por aí durante a juventude, a adolescência, li os livros mais parvos que este mundo tem, participei nas conferências e conversas mais absurdas. Fui absorvendo tudo ao longo de vários anos e, passado um tempo, surpreendo-me com o resultado. Algumas questões que julgava desinteressantes geraram dentro de mim algo que depois veio a florar mais tarde. Então o que é que posso transmitir? O que é que posso dizer? Não sei. Eu só sei falar, mais nada. Cabe a cada um seleccionar aquilo que lhe é mais conveniente. E se calhar vai germinar em mentes onde nunca imaginei. Há aquelas pessoas que parecem mais interessadas, mas, quando a gente menos espera, a semente está a germinar naquela pessoa de forma quase inesperada. Então cada geração tem os seus desafios. O essencial para mim é que esta geração nova conheça as suas raízes. Conhecer as suas raízes é conhecer o seu passado, de ouvir falar, de cantar, de ler um livro, de estudar, etc. Tem de conhecer as suas raízes históricas. É a partir daí que eles vão seleccionar o que pretendem.

A questão da liberdade, para mim, está pacífica, sem dúvida. Comecei a escrever, chamaram-me de romancista... recusei! E sabe porquê? Se eu digo, sim, sou romancista, há especialistas, doutorados em romance, que hão-de vir colocar a sua autoridade sobre a minha liberdade. “Seu” romancista, vai embora... Deixa-me escrever a minha história como eu quero. Recusei! Depois falaram das mulheres feministas. Calma aí! Porque me querem meter neste buraco, nesta gaveta? E a minha liberdade, onde vai? Chamaram-me também espiritista. Tenho uns livros em que falo de curandeiros, de espíritas. Falei desse mundo transcendental e disseram logo: - É espírita, é curandeira. Não lhes liguei nenhuma, e agora o meu último trabalho foi com pessoas que cometeram crimes. Espero, sinceramente, que digam “criminosa, Paulina”, espero... Mas parece que não têm coragem, ficaram caladinhos. Então, eu trabalhei com várias pessoas com liberdade. Quem aceita um rótulo, quem aceita um estatuto, tem de ficar a servir esse mundo e já não pode deixar a sua mente vadiar e vaguear, e eu gosto de vadiar e vaguear em pensamento. Deixar a minha alma flutuar… foi por isso que, até hoje, não aceitei, e acho que não vou aceitar nunca, ficar presa a uma ou outra coisa.

Tão depressa estou com alguém que roubou patos, que ficou preso, tão depressa estou com um padre que se julga santo, tão depressa estou com qualquer pessoa. Eu quero ser humana, quero esta leveza, esta liberdade, e acho que isso é o que me construiu ao longo dos tempos.

Mas a questão musical que eu tenho estado a fazer tem também a ver com arte, isto é, a arte é a essência de todo o ser humano. O resto são expressões. Se eu quiser, se trabalhar para isso, posso expressar a minha arte ou a minha alma através do canto. Posso fazê-lo através da literatura, através da cerâmica ou através de uma outra arte, por exemplo, a arquitectura, que acho que é uma arte suprema. Enfim, cada um, de acordo com o seu dom, pode expressar aquilo que quiser.

Muitas vezes, ficamos muito orgulhosos, definimo-nos, colocamos etiquetas sobre nós. O perigo disso tudo é que, ao aceitar um catálogo e um compartimento, aceito uma prisão da qual nem sempre me poderei libertar e isso limita a evasão do meu próprio ser interior, a infinitude que eu sou. Eu quero dizer o seguinte: o ser humano tem capacidades incríveis. Às vezes ficamos presos numa coisa, quando afinal podemos caminhar até ao infinito. A alma humana tem um potencial terrível. Eu faço composições musicais fantásticas. E as pessoas dizem: - Paulina, não é possível, quem fez? Eu, claro! Minha alma é livre, eu faço aquilo que quero.

Voltando à questão do feminismo. A pessoa aceita e diz que sim, sou feminista. Vai ficar presa àqueles dogmas e não vai ter esta liberdade de caminhar pelo mundo, olhando para o diferente.

Sou vadia, pronto!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Chiziane, P. (2002). Niketche: Uma história de poligamia. Editorial Caminho. [ Links ]

Chiziane, P. (2016). O alegre canto da perdiz. Editorial Caminho. [ Links ]

Chiziane, P., & Bahúle, D. (2021). A voz do cárcere. TPC. [ Links ]

Aceito: 27 de Maio de 2023

Isabel Henriques de Jesus conceptualizou e realizou a entrevista e editou a redacção final do texto.

Marina Macedo proporcionou e estabeleceu o contacto com Paulina Chiziane, acompanhou a gravação e transcreveu a entrevista.

Isabel Henriques de Jesus. CIÊNCIAVITAE: https://www.cienciavitae.pt/portal/0A12-7962-7826

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