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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.75 Lisboa set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.23906/ri2022.75a07 

As migrações europeias numa nova era

Agitação social e desigualdades (urbanas) na região atlântica na era da covid-191

Social unrest and (urban) inequalities in the Atlantic region in the COVID-19 era

Eva Garcia Chueca1  2

1 Institut Barcelona Estudis Internationals (ibei).C/Elisabets, 12 - 08001, Barcelona, Espanha, chuecaeva@gmail.com


Resumo

A crise de saúde global causada em 2020 pela pandemia de covid-19 levou a novos protestos na esfera social e intensificou os que haviam marcado os anos precedentes. Este artigo visa fornecer material empírico para ajudar na compreensão desta agitação social e a sua ligação com as desigualdades (especialmente as urbanas) na região atlântica. Especificamente, o artigo visa responder a duas questões: i) até que ponto a desigualdade está relacionada com o aumento de protestos sociais em situações de crise sanitária, e ii) que forma assumem estes fenómenos (pandemia, desigualdades e protestos) nas cidades.

Palavras-chave: desigualdades; protestos; cidades; covid-19

Abstract

The global health crisis caused in 2020 by the COVID-19 pandemic has given rise to new protests in the social sphere and intensified those that marked earlier years. This study aims to contribute empirical material that could help understanding of this social unrest and its link with (especially urban) inequalities in the Atlantic region. In particular, it sets out to answer two questions: i) to what extent is inequality related with increasing social protests in situations of health crisis, and ii) what form do these phenomena (pandemic, inequalities, and protests) have in cities?

Keywords: inequality; protests; cities; COVID-19

Vivemos em tempos de grande tumulto, não muito diferentes dos que marcaram o início do século XX quando a pandemia de gripe espanhola de 1918 provocou 40 milhões de mortos em três meses3. Esta crise de saúde à escala global foi acentuada pela grande letalidade da Primeira Guerra Mundial, e as duas calamidades levaram, nos anos subsequentes, a um grande número de protestos. Desde a segunda metade do século XX até hoje, têm existido outros momentos de significativa agitação social, entre os quais se incluem as revoltas de trabalhadores e estudantes em 1968, a Primavera Árabe de 2011, o movimento Occupy e o movimento dos Indignados.

A última década notabilizou-se por altos níveis de protesto em todo o mundo, em larga medida resultantes da crise financeira de 2008 e dos efeitos das políticas de austeridade4.

Este é o contexto no qual surgiu a crise sanitária global de 2020, resultado do vírus da covid-19, uma variante do vírus SARS-CoV (2003), que originou novos protestos e intensificou os que haviam marcado os anos precedentes. A emergência do novo agente patogénico foi registada em novembro de 2019 na cidade chinesa de Wuhan e, segundo o Johns Hopkins Coronavirus Resource Center, em janeiro de 2020 o vírus já tinha infetado mais de 96 milhões de pessoas e causado dois milhões de mortes.

A rapidez com que a covid-19 se espalhou pelo mundo constituiu um grande desafio para as instituições, em primeiro lugar na gestão da crise sanitária resultante e, posteriormente, nos seus impactos sociais e económicos. Embora as pandemias não sejam um fenómeno raro na história moderna - pelo menos oito foram documentadas no último século -, lidar com elas continua a ser uma tarefa difícil para os governos5.

Os problemas desencadeados pela pandemia manifestaram-se em vários domínios: milhões de mortes e a deterioração da saúde de muitas pessoas, uma séria recessão económica, o aprofundamento das clivagens existentes (económicas, de género, digitais, geracionais, etc.), o aumento da desconfiança em relação às instituições e grandes problemas de saúde mental para a população em geral, devido ao isolamento individual e à falta de interação social. Não só as instituições demonstram dificuldades na gestão da crise e dos seus vários efeitos, como também se veem obrigadas a lidar com a politização da má informação sobre a pandemia.

Todos estes elementos se conjugaram, em especial nas cidades, para formar um terreno fértil para um conjunto de expressões de agitação social que ainda são pouco compreendidas, apesar de alguns esforços preliminares por parte do meio académico para remediar a situação6. Neste estudo, tentarei apresentar algumas ferramentas para interpretar este fenómeno, com especial atenção para as ligações entre a pandemia, os protestos e a agitação social em contextos urbanos.

De acordo com um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), «as pandemias levam à agitação social por diminuírem o crescimento e aumentarem a desigualdade»7. Deste modo, o FMI defende a existência de uma ligação clara entre pandemia, desigualdade e tensões sociais graves. Neste estudo, tentarei contribuir com alguns elementos empíricos sobre esta questão, fundamentalmente em resposta a duas perguntas. Em primeiro lugar, de que forma a desigualdade se relaciona com o crescimento da agitação social em situações de crise sanitária como aquela que foi causada pela covid-19? Por outras palavras, existiram mais protestos em países com maiores desigualdades (pré- e pós-pandémicas)? Em segundo lugar, de que forma estes fenómenos (impacto da pandemia, desigualdades e protestos) se materializam nas cidades?

Em resposta a estas perguntas, serão analisadas as principais dinâmicas, em termos de protestos sociais, que ocorreram a nível global ao longo da última década, após o que focalizarei a minha investigação no que aconteceu na região atlântica na era da covid-19. Como demonstrarei, os países com maiores níveis de agitação social foram os Estados Unidos da América (Estados Unidos/EUA), a França e o México. Por conseguinte, numa perspetiva histórica, será analisada a forma como as pandemias têm afetado as cidades e, na região atlântica, que cidades registaram o maior número de protestos durante o período da covid-19. Finalmente, numa tentativa de estabelecer ligações entre pandemia, desigualdades e cidades, será possível concluir que os protestos sociais urbanos não aparecem, a curto prazo, em contextos geográficos com maiores problemas de desigualdade. Porém, na linha das previsões do FMI, é provável que proliferem a médio prazo (catorze a vinte e quatro meses depois da crise) em países de rendimento baixo ou médio-baixo.

Metodologia e escopo do estudo

Neste estudo, optei por utilizar a análise de eventos de protesto (AEP), um dos métodos de investigação mais utilizados no estudo dos movimentos sociais ao longos das últimas décadas. Ainda que inicialmente os estudos sobre protestos recorressem principalmente a métodos qualitativos de investigação, o uso de técnicas quantitativas aumentou na última década graças às possibilidades mais abrangentes oferecidas por determinadas ferramentas tecnológicas de recolha e sistematização de dados. A AEP, uma variante da ferramenta de investigação de análise de conteúdo, permite uma avaliação sistemática do número e características dos protestos que ocorrem em diferentes áreas geográficas (de âmbito local a supranacional), ao mesmo tempo que possibilita estabelecer leituras comparativas a nível de território, período temporal e áreas temáticas.

A fonte de informação sobre tensões sociais utilizada foi o projeto Armed Conflict Location and Event Data (ACLED), uma base de dados que reúne dados desagregados e mapas, e analisa conflitos sociais em todo o mundo. Entre os investigadores da área, considera-se que «o ACLED [é] a mais fiável e completa fonte de dados sobre conflitos e padrões de desordem a nível mundial»8. No que diz respeito à região atlântica, a abrangência territorial inclui a África, a América Latina e Caribe, a Europa e os Estados Unidos. As suas principais fontes de informação são: i) os meios de comunicação social (subnacionais, regionais, nacionais e internacionais); ii) relatórios (de organizações internacionais, organizações não governamentais e instituições governamentais); iii) parceiros locais; e iv) redes sociais (selecionadas e verificadas)9.

O ACLED contempla cinco tipos de eventos que são considerados indicadores de situações de agitação social: i) batalhas; ii) violência contra civis; iii) explosões e violência à distância; iv) motins; e v) protestos10. A tabela seguinte mostra os eventos predefinidos pelo ACLED e sistematiza-os de acordo com a sua natureza. Estes cinco tipos de eventos podem ser sintetizados em dois tipos de agitação social: os que envolvem violência política e os que são considerados manifestações sociais (quadro 1).

Este estudo toma como unidade de análise a segunda categoria, utilizando os termos protestos, mobilizações e manifestações como referências intercambiáveis. O período considerado é o ano de 2020 e os meses de janeiro a junho de 2021. Como é demonstrado ao longo do artigo, a pandemia originou vários tipos de manifestações durante este período, que podem ser conceptualizadas tal como apresentado no quadro 2 11.

Deve ser referido que além destas expressões de agitação social a pandemia também desencadeou múltiplas expressões (e ações) de apoio e solidariedade social, por exemplo aplausos a profissionais de saúde (a partir das varandas, em mobilizações-relâmpago, etc.), assim como experiências de atuação coletiva, as quais, tendo como base bairros e comunidades, conseguiram fornecer ajuda e apoio aos grupos mais vulneráveis12. Analisar estas manifestações de solidariedade está para além do âmbito deste artigo, porém é importante referi-las para não dar a impressão errónea de que a pandemia apenas levou a protestos e agitação social.

Quadro 1 Taxonomia da agitação social. 

Fonte: Elaboração própria.

Quadro 2 Tipos de protestos na era da covid-19 (2020-2021). 

Fonte: Elaboração própria.

Escusado será dizer que o método de pesquisa utilizado no estudo não deixa de ter as suas limitações. É importante estarmos cientes de que as situações registadas pelo ACLED, ainda que bastante detalhadas, não abrangem a totalidade dos protestos que ocorreram no período da covid-19. Tal como em qualquer outro exercício de identificação e mapeamento de protestos, trata-se de uma amostra seletiva. Hutter aponta vários fatores que, em geral, explicam as limitações existentes nas fontes de informação utilizadas no registo de protestos, e entre esses fatores destacaria dois: i) as caraterísticas dos eventos (incluindo os maiores e mais violentos que têm uma cobertura mediática maior, aqueles que motivam contraprotestos, aqueles com presença policial e aqueles que recebem o apoio de uma determinada organização), e ii) as características dos assuntos que dão origem aos protestos (quando aqueles que se referem a preocupações mais generalizadas recebem uma maior cobertura mediática)13. Este artigo não evita o viés na seleção de informação levada a cabo pelo ACLED. Deve ser referido ainda que estão além do escopo deste estudo os protestos que poderão eventualmente ter ocorrido através dos meios digitais e que, em resultado disto, não são registados pelo ACLED.

O conceito de agitação social

De acordo com Renn, Jovanovic e Schröter, a agitação social consiste em situações complexas que podem ser causadas por fenómenos sociais, acidentes e desastres naturais14. Normalmente acontece quando as pessoas estão extremamente insatisfeitas com a sua situação, sentindo que esta é injusta, ou resultado de condições desiguais, ou quando temem pela sua saúde, pelas suas condições de vida e pelos seus meios de subsistência. Nestes casos, a ira ou a indignação coletivas podem tomar a forma de mobilizações, manifestações, protestos, motins e mesmo violência política.

Estes fenómenos estão ligados à realidade imediata, uma vez que podem ter consequências significativas em vários domínios: o social (aumento de conflitos), o político (queda de governos) e o legal (reconhecimento de um direito ou adoção de determinadas medidas legislativas). De igual forma, a agitação social também não está desligada da história, uma vez que os protestos são frequentemente o culminar de incidentes ou situações históricas que, tendo gerado tensões sociais, se manifestam posteriormente na forma de demandas por parte dos cidadãos.

Renn, Jovanovic e Schröter notam que a literatura académica não tem avançado muito na análise da agitação social per se15. Os textos científicos privilegiam muitas vezes a medição da agitação social através de indicadores, em vez de a delinearem a partir de um ponto de partida teórico. Desta forma, as abordagens são mais empíricas do que conceptuais. No que diz respeito aos aspetos teóricos, torna-se necessário considerar dois campos do conhecimento de forma a abordar algumas das dimensões principais da agitação social16, nomeadamente as reflexões sobre: i) a participação política; e ii) os movimentos sociais. Na verdade, estas duas áreas da literatura académica não constituem domínios estanques de investigação, mas, pelo contrário, revelam diferentes interações e mesmo algum grau de sobreposição17.

A participação política refere-se às atuações através das quais os cidadãos procuram influenciar a tomada de decisão em diferentes esferas do sistema político. Desde o trabalho seminal de Barnes e Kaase, esta área de estudos tem evoluído consideravelmente, mantendo-se a par das novas formas de organização política, dos tipos de atuação em causa e dos objetivos que estão a ser visados18. Ainda assim, os contributos teóricos destes autores continuam a prevalecer na interpretação académica deste fenómeno. Barnes e Kaase estabeleceram uma distinção entre formas convencionais e não convencionais de participação. As primeiras referem-se à utilização dos canais estabelecidos pelo sistema de votação e pelos processos eleitorais (por outras palavras, são canalizadas através das convenções e acordos sociopolíticos que estruturam os sistemas democráticos), enquanto as segundas englobam todas as manifestações de massas fora dos limites da legalidade e do enquadramento institucional vigente, por exemplo o bloqueio de ruas ou os vários tipos de ocupação19.

A partir da década de 1960 até ao presente, o leque de agentes e canais de expressão da vontade dos cidadãos tornou-se mais complexo e diverso, o que significa que a distinção entre participação convencional e não convencional deixou de refletir a riqueza da realidade sociopolítica. Neste contexto, alguns autores como Kaim sugerem novas categorias como «participação alternativa», rompendo dessa forma com a dicotomia estabelecida por Barnes e Kaase e procurando abarcar todas as formas de participação que não encaixavam em nenhuma das alíneas20. De facto, a emergência dos movimentos sociais representou uma rutura com as formas clássicas de organização política que, ao longo da maior parte do século XX, foram dominadas pelos sindicatos, partidos políticos e associações de moradores. Posteriormente, o surgimento de movimentos feministas, ecologistas, de direitos civis e de direitos LGBTIQ+ também trouxe consigo repertórios de ação baseados em redes informais mais fluidas, através das quais a participação política destes grupos tem vindo a ser canalizada21.

Para além disso, no novo milénio, com a consolidação do processo de globalização, tomou forma o movimento alterglobalista. Com este salto para o global, os alvos das mobilizações e protestos de cidadãos foram alargados. Se, tradicionalmente, estas mobilizações tinham como alvo as instituições nacionais (ou, nalguns casos, subnacionais), depois de 2000 a oposição também visou certas organizações supranacionais (o G8, o Fórum de Davos ou o FMI) e empresas transnacionais como a Nike e a Amazon22. Atualmente, as inovações tecnológicas têm permitido novas formas de protesto (por exemplo, ativismo tecnológico, ciberataques e fugas de informação) e também fornecem um canal privilegiado para a mobilização social23.

Para além dos estudos sobre participação política, o segundo campo relevante para a análise de protestos é o estudo dos movimentos sociais. Não há dúvida de que os protestos são «a expressão mais tangível de um movimento social»24. De acordo com esta área de estudos, e ao contrário de outras atividades sociais e políticas, os protestos são, por natureza, um fenómeno complexo, conceptualmente ambíguo e sem uma definição estabelecida25. Para o sociólogo alemão Karl-Dieter Opp, os protestos são uma «ação conjunta (isto é, coletiva) de indivíduos que visa[m] alcançar o seu objetivo ou objetivos influenciando a decisão de um alvo»26. Assim, os protestos podem ser definidos como atos políticos de elaboração de reivindicações que se notabilizam por uma vocação comunicativa potente na esfera pública. No que diz respeito à compreensão deste fenómeno social, os sociólogos Charles Tilly e Sidney Tarrow deram uma contribuição fundamental com conceitos como «política contenciosa», que é definida como

«interação episódica, pública e coletiva entre produtores de reivindicações e os seus objetos quando (a) pelo menos um governo produz a reivindicação, ou é objeto de reivindicações, ou parte da reivindicação, e (b) as reivindicações, se levadas à prática, afetam os interesses de pelo menos um dos seus produtores»27.

Os protestos podem ocorrer através de vários tipos de atuações, desde manifestações pacíficas até atos de violência. Assim, regressando à proposta teórica de Barnes e Kaase, as formas pelas quais se manifestam vão desde atividades de natureza convencional (recolha de assinaturas para petições, manifestações, marchas, reuniões) até atividades não convencionais (bloqueio de ruas ou edifícios, greves, ocupações, atos de violência e fogo posto)28. Além disso, os protestos podem ser isolados ou múltiplos. No que respeita a esta última modalidade, falamos de uma onda de protestos e, se estes se repetem após algum tempo, pode tratar-se do início de um ciclo de protestos, que tendem a ser tipificados como surtos de protestos seguidos de ondas decrescentes de protestos29. Face a esta situação, o Estado pode responder de diferentes formas: permitir os protestos, reprimi-los ou fazer concessões em resposta às demandas dos atores mais moderados, ao mesmo tempo que reprime os mais radicais. Deve ser ressaltado que a cessação dos protestos não significa necessariamente o fim das mobilizações. Pode simplesmente marcar o início de uma transição para formas mais convencionais de mobilização política, ou seja, aquelas que permanecem dentro do quadro legal e político estabelecido pelo sistema institucional vigente. Em contraste, também pode acontecer que mobilizações pacíficas se radicalizem totalmente ou em parte. No que diz respeito às demandas, os protestos nem sempre se baseiam na formulação de demandas políticas (seja por meios convencionais ou por mecanismos de confronto). Por vezes, os protestos podem levar à autogestão ou ao fornecimento de bens através de um leque alargado de atuações, como estratégias baseadas na comunidade, estilos de vida alternativos, entreajuda e prestação social de serviços30.

Desde o final da década de 1960, as expressões de agitação social ocorreram principalmente em contextos urbanos. Os eventos de Maio de 68, os protestos em Hong Kong na década de 1980, as mobilizações antiglobalização do final da década de 1990 e os protestos de 2011 (entre os quais os da Praça Tahrir, no Cairo, da Puerta del Sol, em Madrid, e do Parque Gezi, em Istambul) são apenas alguns exemplos do papel que as cidades desempenham atualmente enquanto espaços de atuação política. A relação entre as cidades e a política contenciosa tem sido estudada nas ciências sociais desde os primeiros protestos urbanos do final da década de 1960, levando à emergência de um novo campo analítico, nomeadamente os movimentos sociais urbanos. Os seus principais teorizadores têm explorado conceitos como a produção do espaço, o conflito urbano e a organização transnacional de movimentos urbanos31.

Deve ser ressaltado que, em termos históricos, o crescimento das mobilizações urbanas se relaciona com os padrões de desenvolvimento económico que prevaleceram à escala global desde a década de 1980, e que influenciaram de forma profunda o planeamento urbano e a economia política das cidades. A transição da cidade industrial moderna para a cidade pós-industrial global transformou o espaço urbano num nódulo estratégico para a estruturação da economia global. Por seu lado, esta situação tem imposto um determinado modelo urbano (o «novo urbanismo», para usar o termo invocado por Salet e Gualini em 2007 32) que se caracteriza pelo desenvolvimento de projetos de renovação urbana de larga escala e pela promoção de estratégias políticas destinadas a tornar as cidades ambientes atrativos para o investimento internacional. Estas dinâmicas geraram também problemas como a privatização e mercantilização das cidades e, consequentemente, o acesso cada vez mais restrito à habitação, a gentrificação e o afastamento dos trabalhadores com salários mais baixos. Nestas circunstâncias, os protestos urbanos devem ser interpretados no âmbito destas interligações complexas de processos locais-globais.

As principais tendências globais na agitação social

Tendências globais de 2011 a 2018

De acordo com dados recentes, a última década (2011-2021) ficou marcada por níveis crescentes de conflito social, basicamente em consequência da recessão resultante da crise económica global de 2008 e do impacto das políticas de austeridade impostas pelos governos33. Como mostra a figura 1, as principais expressões de agitação social ocorreram em 2011, como parte da onda de protestos da Primavera Árabe que, depois de 2012, diminuiu em intensidade, seja porque estes protestos atingiram os seus objetivos, ou porque foram esmagados pelas forças governamentais, ou porque escalaram para uma guerra civil. De qualquer modo, a Primavera Árabe não foi a única expressão de agitação social. Manifestações e protestos cresceram em número até atingirem um pico em 2016 e, depois, em 2018-2019.

Figura 1 Evolução da agitação social, 2011-2018. Fonte: Institute for Economics and Peace. 

Naturalmente, nem todas as regiões do mundo seguiram o mesmo padrão. Os níveis mais elevados de protesto entre os anos 2011 e 2018 ocorreram na Europa, na África Subsariana e na Ásia do Sul (ver figura 2 ). No que diz respeito aos tipos de protesto, e contrariamente a uma crença generalizada, a maioria foi pacífica (ver figura 1), como pode ser visto na Europa onde 65% dos eventos registados foram não violentos. Na Europa, os protestos mais significativos ocorreram na Grécia (devido aos ajustamentos estruturais impostos depois da crise financeira global), no Reino Unido (em resposta às políticas de austeridade e aos problemas na habitação), na França (gilets jaunes ou «coletes amarelos») e na Espanha (o movimento dos Indignados e, depois deste, o conflito relativo à proposta de independência da Catalunha).

Porém, a África Subsariana é a sub-região com o nível mais elevado de manifestações violentas no mundo (42,6%). No período analisado, estes protestos cresceram exponencialmente depois de 2015. Os países que registaram a agitação mais séria foram a Nigéria (principalmente por causa da detenção de Ibrahim Zakzaky, líder do Movimento Islâmico da Nigéria), a África do Sul (resultado, em grande medida, do aumento do valor das propinas nas universidades), a Etiópia (tensões entre o governo federal e o governo do estado de Oromia, onde a capital, Adis Abeba, está localizada), e a Guiné (incumprimento da promessa de aumentos salariais para os professores, e protestos contra fraudes nas eleições locais). Na Ásia do Sul, os países com maior nível de mobilização social foram a Índia (greves gerais) e o Paquistão (protestos contra o governo). Como mostra a próxima secção, estes dois países lideraram a lista de agitação social desde o início da pandemia de covid-19.

Figura 2 Agitação social por região, 2011-2018. Fonte: Institute for Economics and Peace. 

As regiões com menor incidência de perturbações sociais foram a América do Norte, a América Central e Caribe, a Ásia-Pacífico e a Rússia-Eurásia. Enquanto as tendências nas regiões acima mencionadas (Europa, África Subsariana e Ásia do Sul) se mantiveram constantes à exceção de algumas variações ligeiras desde o início da pandemia, nestas últimas regiões os padrões divergem significativamente (com a exceção da região da Ásia-Pacífico). Em 2020-2021, a América do Norte, a América Central e Caribe e a Rússia-Eurásia foram das regiões com o maior número de protestos e mobilizações sociais, uma situação que será descrita em detalhe mais abaixo.

Os protestos de 2019, interrompidos pela covid-19

Tal como mostra a figura 1, 2018 terminou com uma tendência crescente de agitação social, que continuou a subir em 201934, um ano em que o mundo testemunhou um aumento generalizado do número de protestos, com alguns pontos de conflito especialmente importantes. Entre estes, destacam-se os protestos dos «coletes amarelos» na França, que haviam começado no final de 2018, os protestos em Hong Kong contra a proposta de uma lei de extradição e, na Índia, os protestos contra a Emenda à Lei de Cidadania. Na América Latina, registaram-se mobilizações em vários países, incluindo o Chile, a Colômbia, o México e a Bolívia. No Chile, a população mobilizou-se contra o aumento do preço dos transportes públicos, em protestos que mais tarde se estenderam a demandas por uma nova constituição. Na Colômbia, os protestos contra o Presidente Iván Duque visaram as suas políticas económicas, sociais e ambientais, bem como a sua gestão do acordo de paz entre o Governo e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

No México, houve uma grande onda de protestos feministas.

No Médio Oriente, notabilizaram-se os protestos no Irão, no Iraque e na Argélia.

No Irão, a agitação social despoletada pelo aumento dos preços dos combustíveis resultou em meses de manifestações contra o Líder Supremo, o aiatola Ali Khamenei. No Iraque e na Argélia, levantamentos de cidadãos destabilizaram os dois países a tal ponto que, no caso do primeiro, o Presidente Barham Salih e o seu primeiro-ministro Adil Abdul-Mahdi, e no segundo, o Presidente Abdelaziz Bouteflika (depois de vinte anos no poder), tiveram de se afastar dos seus cargos. No continente africano, as manifestações no Sudão foram particularmente relevantes, pois começaram com a exigência de uma transição democrática e acabaram num golpe de Estado contra o Presidente Omar al-Bashir. Como é demonstrado na secção seguinte, estas dinâmicas terminaram com o início da pandemia de covid-19 e consequentes restrições ao movimento e à atividade social em espaços públicos.

Agitação social na era da covid-19

Tendências globais em 2020 e 2021

A 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto de covid-19 uma pandemia global. Nos primeiros meses de 2020, o número de manifestações caiu 30%, ainda que, imediatamente depois, o número tenha subido 7% em comparação com 201935.

Figura 3 Agitação social a nível mundial, de 1 de janeiro a 11 de abril de 2020. Fonte: ACLED. 

A pandemia desencadeou um número significativo de protestos, ao mesmo tempo que intensificou outros já existentes. O primeiro tipo de protestos, expresso nas ruas, rejeitava as restrições (Alemanha, Estados Unidos), reivindicava uma melhor gestão da saúde pública durante a pandemia (Argentina, Brasil, China e México), e exigia ajudas económicas (Coreia, Japão).

Ainda assim, em pouco tempo os protestos pré-pandémicos recuperaram (ver quadro 2). Depois de uma interrupção, as exigências originais foram exacerbadas pelo impacto da crise sanitária. Em países como Israel, Iraque, Líbano, Paquistão e Tunísia, a pandemia agravou problemas anteriores relacionados com a corrupção governamental e a situação económica em geral. De igual modo, no Chile e no Peru a pandemia deu azo a numerosas manifestações de trabalhadores. No Irão, a agitação social resultante da corrupção, dos serviços públicos insuficientes e das dificuldades económicas aumentou em resultado da pandemia. Na Argentina, a clivagem social decorrente da lei sobre o aborto foi alimentada por críticas generalizadas à gestão sanitária por parte do Governo e pelo impacto negativo da crise na economia. Algo semelhante ocorreu na Sérvia, onde se registou agitação significativa por causa de uma alegada fraude eleitoral. Nem na Bielorrússia a pandemia impediu protestos contra o governo. No que diz respeito à natureza violenta ou pacífica destas expressões de discórdia social, aproximadamente 93% foram pacíficas. Ainda assim, cerca de 16% sofreram repressão policial, especialmente na Bielorrússia36.

Figura 4 Protestos em 2020 à escala global.Fonte: ACLED37

Figura 5 Países com mais protestos em 2020. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

Neste contexto de aumento global dos protestos, a exceção é a Ásia, que registou, no cômputo geral, uma tendência decrescente. No entanto, apesar do padrão geral observado nesta região, dois países asiáticos, nomeadamente a Índia e o Paquistão, estiveram entre os países com números mais elevados de protestos em 2020. Porém, em termos globais, o maior número de eventos de agitação política foi observado nos Estados Unidos, que tiveram quase tantos protestos como estes dois países juntos.

Tendências na região atlântica: América e Europa são líderes mundiais em protestos sociais

Como mostram as figuras 6 e 7, a região do Atlântico, especialmente a América do Norte e a Europa, concentram uma grande parte da agitação social registada em 2020. Um olhar mais atento às tendências da agitação social nestas áreas geográficas revela duas dimensões importantes: em primeiro lugar, as manifestações foram maioritariamente pacíficas; em segundo, os EUA lideraram destacados em termos de número de protestos. O assassinato de George Floyd, um americano negro sufocado até à morte por um polícia branco em maio de 2020, constituiu um ponto de viragem na agitação social devido à mobilização generalizada do movimento antirracista Black Lives Matter (BLM).

Figura 6 Tendências de agitação social por região em 2020. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

Figura 7 Evolução da agitação social na região atlântica em 2020. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

A figura 8 mostra claramente um crescimento exponencial do número de protestos entre maio e junho de 2020 devido à morte de Floyd e à subsequente revitalização do BLM, que causou os níveis mais elevados de protesto alguma vez vistos no país.

Figura 8 Evolução dos protestos nos EUA de fevereiro de 2020 a junho de 2021. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

A magnitude da onda de protestos do BLM pode ser explicada não só pelos problemas de racismo estrutural na sociedade americana e pela violência policial dirigida contra a população negra, mas também por dois fatores adicionais (e interrelacionados) que ajudam a explicar a repercussão dos protestos do BLM no país: em primeiro lugar, a população negra inclui o setor social mais afetado pelo contágio e mortes decorrentes da covid-19; e, em segundo lugar, a crise sanitária teve um maior impacto económico nesta população, cujos empregos e salários são mais precários do que os dos americanos brancos. Foi neste contexto que o assassinato de George Floyd por um polícia branco despoletou a indignação coletiva de grupos antirracistas. Estes eventos têm precedentes na história americana. Como é demonstrado por alguma literatura, alguns dos protestos mais significativos nos Estados Unidos (por exemplo, os liderados pelo movimento pelos direitos civis) foram desencadeados na sequência de episódios de violência policial ou estatal38. Um caso bem conhecido é o dos motins de Newark de 1967, que começaram a 12 de julho quando um taxista negro foi brutalmente espancado por dois polícias brancos, originando uma onda de distúrbios em Newark, Nova Jérsia, Atlanta, Boston, Cincinatti, Milwaukee, Rochester e Mineápolis.

A revitalização do movimento BLM depois de maio de 2020 teve como resposta múltiplos contraprotestos organizados pela extrema-direita americana, numa altura em que esta tinha alcançado uma posição de destaque durante a Administração de Donald Trump. Estes extremistas organizaram ainda o movimento pró-Trump Stop the Steal, que surgiu no contexto das eleições presidenciais e culminou com a invasão do Capitólio em janeiro de 2021. Em resultado desta situação de polarização social, com protestos antirracistas e de extrema-direita, os EUA lideram agora a lista de países com o maior número de episódios de agitação política não só na região atlântica, mas também em todo o mundo.

Depois dos EUA, o país atlântico com o maior número de protestos é a França, seguida do México, e depois a Alemanha, a Espanha e o Brasil (ver figura 9). Ao comparar a intensidade da agitação social nos EUA e nestes outros países, devemos ter em conta que as escalas utilizadas nas figuras 8 e 9 para representar o número de protestos em ambos os casos são muito diferentes. No caso dos EUA, foi necessário recorrer a um gráfico que capturasse entre 0 e 6000 eventos, enquanto para os outros países atlânticos com as maiores incidências de agitação social (França, México, Alemanha, Espanha e Brasil), a escala utilizada é de 0 a 1250 eventos. Em resultado disto, a intensidade dos protestos no caso dos EUA vai além da tendência geral da região, apresentando o maior número de protestos à escala global. Claro está que as características demográficas dos EUA explicam em parte estas diferenças.

No que diz respeito às causas dos protestos na França e no México, as razões divergem consideravelmente. Na França predominaram os protestos desencadeados pela pandemia (ver quadro 2), especialmente na rejeição das medidas adotadas pelo Governo de Emmanuel Macron (rejeição da vacinação, do passaporte sanitário, etc.) na sua tentativa de gerir a crise sanitária. Para além destas razões, o assassinato de George Floyd nos EUA originou protestos antirracistas em várias cidades francesas, tal como em muitas outras cidades um pouco por todo o mundo. Na França, o assassinato de Floyd reavivou a memória de Adama Traoré, o homem de 24 anos de origem maliana que também morreu às mãos da polícia em 2016. São ainda de destacar os protestos de larga escala no final de 2020 contra uma nova lei de segurança através da qual o Governo procurou banir imagens de polícias nos meios de comunicação e nas redes sociais, de forma a proteger a sua identidade. Esta lei levou inclusivamente a uma resposta por parte do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, que a considerou atentatória de direitos humanos fundamentais.

No que respeita ao México, protestos por parte de grupos feministas foram especialmente significativos. Assolado durante décadas pelo problema do feminicídio, este país viu emergir uma nova geração de jovens feministas que decidiram quebrar o silêncio e colocar o assunto na agenda política e nos meios de comunicação. Estas feministas recorrem principalmente às redes sociais, mas isto não as tem impedido de sair às ruas para protestar, numa combinação de táticas que foi chamada de «quarta onda do feminismo»39. Ocorreram também mobilizações de grupos estudantis que reivindicam melhorias na educação e um sistema mais equitativo, protestos contra a violência policial e marchas organizadas por povos indígenas exigindo direitos e um maior reconhecimento político.

Figura 9 Evolução dos protestos de fevereiro de 2020 a junho de 2021 nos países atlânticos com maior agitação social. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

COVID-19 e as cidades

Covid-19, uma epidemia urbana também na região do atlântico

Dados das Nações Unidas sobre a incidência global de covid-19 revelam que se trata essencialmente de um fenómeno urbano. Aproximadamente 95% das infeções e óbitos ocorreram em cidades, sendo que cerca de 1500 foram afetadas40. A ligação entre pandemias e cidades não é nova41. Na verdade, existe uma relação histórica entre cidades e epidemias que explica uma parte considerável do desenvolvimento urbano ao longo dos últimos dois séculos. Os espaços urbanos, enquanto tecidos densos com grandes concentrações de pessoas vivendo e trabalhando juntas, constituem o ambiente perfeito para a transmissão de doenças contagiosas e, consequentemente, o surgimento de doenças e epidemias. Cada episódio grave de saúde pública levou a uma revisão do modelo urbano, visando assegurar a higiene e o saneamento necessários às cidades. As primeiras tentativas de criar espaços urbanos seguros incluíram obras de engenharia destinadas a assegurar o acesso a água potável, a gestão de resíduos e a criação de um sistema de esgotos, assim como a construção de parques, calçadões e praças públicas. Da pandemia de gripe de 1918 até à pandemia de gripe suína de 2009 (ambas causadas pelo vírus H1N1), as cidades foram laboratórios onde soluções de saúde pública foram testadas. Assim, é possível afirmar que a cidade contemporânea, tal com a conhecemos, foi influenciada pelo impacto das doenças infeciosas42.

De acordo com as previsões, a ligação entre pandemias e cidades tornar-se-á mais pronunciada no futuro. A situação atual de urbanização global está associada a mudanças na utilização do território e na consequente destruição de ecossistemas naturais, que aumentam o número de animais portadores de doenças como ratos, morcegos e mosquitos. Neste contexto, as cidades rodeadas por terras agrícolas são mais afetadas por doenças infeciosas, uma vez que a transformação de áreas selvagens em terras agrícolas periurbanas inevitavelmente as torna mais suscetíveis, como o demonstram estudos recentes. Por exemplo, mais de 60% das novas doenças infeciosas vêm de animais selvagens. Esta situação é agravada pelo alto grau de conetividade global e, consequentemente, por uma maior facilidade de disseminação de doenças à escala planetária.

Dada a ligação entre cidades e pandemias, torna-se importante considerar a segunda pergunta de investigação deste estudo, que visa estabelecer o papel dos meios urbanos na equação pandemia-protestos-desigualdades. Com vista a responder a esta pergunta, apresentarei um sumário dos dados relativos às cidades com o maior número de protestos nos três países atlânticos que apresentam as taxas mais elevadas de conflito social, nomeadamente os EUA, a França e o México. Está para além do escopo deste artigo investigar em detalhe a agitação social em cada uma das cidades (as demandas, os grupos que se mobilizaram, os métodos de protesto, e por aí adiante). Será apresentada apenas uma perspetiva resumida, que ajudará a identificar algumas das principais tendências. Pesquisas futuras poderão explorar estas questões em maior profundidade, considerando-as à luz de trabalhos anteriores sobre protestos urbanos43.

Nos Estados Unidos, as cidades mais afetadas por episódios de agitação social na era da covid-19 são apresentadas na figura 13, com Nova Iorque na liderança (1054 protestos), seguida de Portland (459) e Los Angeles (428). Não é surpreendente que a cidade mais populosa do país, com 8,5 milhões de habitantes, esteja no topo da lista. No entanto, a razão de Portland, uma cidade com pouco mais de meio milhão de habitantes, ocupar o segundo lugar à frente de Los Angeles, com quase quatro milhões, não é tão óbvia. Se estes dados forem comparados com os da França, é possível ver que Portland apresenta um nível de conflito social comparável ao de Paris, que tem uma população quatro vezes maior. A explicação está na resposta ao assassinato de George Floyd em maio de 2020. Embora a população negra de Portland constitua apenas 5% do total, a cidade tem um movimento antirracista bem organizado, o qual, no contexto de uma tradição de mobilização social de várias décadas (movimentos Occupy, lutas feministas, grupos anti-Trump, entre outros), explica as muitas expressões de agitação social nesta cidade.

Figura 10 Protestos em cidades dos EUA de fevereiro de 2020 a junho de 2021. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

Na França, Paris (2,2 milhões de habitantes), com o número mais elevado de protestos (503), regista-se uma incidência de agitação social significativamente maior do que em outras cidades. Toulouse e Lyon apresentam números muito mais baixos (195 e 178 protestos, respetivamente), mas a sua alta concentração de protestos em termos relativos é explicada pelo facto de serem duas das maiores cidades francesas, depois de Marselha.

Figura 11 Protestos em cidades francesas de fevereiro de 2020 a junho de 2021. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

No México, a Cidade do México (9,2 milhões de habitantes) destaca-se com mais de 1257 protestos. Em termos absolutos, esta é a cidade com o maior nível de conflito social para os três países no período analisado. Muito atrás da capital estão Acapulco de Juárez (369), Oaxaca de Juárez (250) e Chilpancingo de los Bravo (248). Paradoxalmente, estas duas últimas cidades estão entre as menos populosas (menos de 300 mil habitantes). No entanto, estão localizadas em estados (Oaxaca e Guerrero) que são tradicionalmente conhecidos pelo elevado grau de organização política das suas populações. Há décadas que Oaxaca tem sido o cenário de muitas mobilizações (de camponeses, estudantes, grupos indígenas e associações de moradores), enquanto o estado de Guerrero possui um movimento estudantil muito ativo, que se tem defrontado com massacres policiais, tortura e desaparecimentos dos seus jovens membros.

Depois deste breve apanhado das cidades que apresentaram os números mais elevados de protestos nos três países atlânticos com maior conflito social, será discutido o impacto da pandemia no contexto urbano, visando compreender melhor como aquela afetou as desigualdades. Terá a pandemia criado novos problemas ou, pelo contrário, agravou problemas já existentes?

Figura 12 Protestos em cidades mexicanas de fevereiro de 2020 a junho de 2021. Fonte: ACLED; figura elaborada por F. Teodoro. 

Pandemia e desigualdades (urbanas)

Em contextos urbanos, a covid-19 colocou em evidência uma série de vulnerabilidades estruturais que a pandemia apenas contribuiu para exacerbar. Estas vulnerabilidades estão relacionadas com dificuldades de acesso a sistemas públicos de saúde, habitação e emprego precários, e falta de água potável e de infraestruturas de saneamento básico em algumas partes do mundo44. Dados estes problemas subjacentes, garantir o direito à saúde é um objetivo que algumas pessoas nem sempre conseguem alcançar. Contrariamente à crença, difundida no início da pandemia, de que «o vírus vai afetar toda a gente de igual forma», a sua incidência foi muito maior em determinados grupos populacionais. Num artigo publicado na Public Health, médicos de várias universidades britânicas indicaram que pessoas com um estatuto socioeconómico baixo são mais vulneráveis à covid-19 por várias razões: i) é mais provável que vivam em habitações sobrelotadas e com más condições (com ventilação insuficiente e escasso acesso a espaços exteriores); ii) tendem a ter empregos com oportunidades reduzidas de trabalho a partir de casa, o que significa que a redução da mobilidade é para elas difícil; iii) o seu trabalho e condições salariais tendem a ser mais instáveis, o que pode ter efeitos negativos na sua saúde mental e, por conseguinte, nos seus sistemas imunitários; iv) apresentam-se nos serviços de saúde com estágios mais avançados da doença, o que significa que irão ter piores resultados; v) enfrentam problemas como barreiras linguísticas, discriminação, atitudes desrespeitosas, entre outros, o que faz com que se sintam menos confortáveis com o acesso a serviços de saúde; vi) sofrem mais de hipertensão e diabetes, ambos fatores de risco no quadro da covid-1945. Parece, portanto, haver uma ligação clara entre as desigualdades e uma maior incidência negativa da pandemia.

Os problemas referidos no parágrafo anterior estão frequentemente relacionados com disparidades espaciais preexistentes, que se revelam em problemas de segregação residencial e acesso insuficiente a serviços básicos e habitação condigna, o que pode explicar porque determinados bairros têm maiores taxas de infeção do que outros46. Algumas zonas urbanas são maioritariamente habitadas por pessoas de um determinado perfil socioeconómico e por grupos sociais tradicionalmente discriminados (migrantes, comunidades racializadas, grupos étnicos), entre os quais a pandemia contribuiu para piorar consideravelmente as condições de vida e de saúde, com altas taxas de mortalidade daí resultantes. Embora os dados desagregados por género, etnicidade e raça sejam ainda incompletos ou imprecisos, os primeiros estudos a aparecer nos EUA mostraram que os americanos negros morriam a uma taxa muito superior (3,5 vezes maior) da dos americanos brancos47. Em abril de 2020, por exemplo, 70% das mortes por covid-19 em Chicago ocorreram entre a população negra, que representa apenas 29% da população total da cidade48. No mesmo período, a população negra de Michigan (14%) contabilizava 40% das mortes por covid-1949.

Por conseguinte, a pandemia acentuou desigualdades já existentes e, de acordo com as previsões dos organismos internacionais, estas só irão agravar-se nos próximos anos. Enquanto países de rendimento baixo com economias historicamente frágeis e desigualdades sociais estruturais se encontram em situações muito desafiadoras em resultado da pandemia, o Banco Mundial prevê que países de rendimento médio serão especialmente afetados pela emergência de um grupo denominado de «novos pobres», resultante dos efeitos da covid-19. Estima-se que oito em cada dez destes «novos pobres» pertencerão a estes países, e que o número de pessoas a viver em extrema pobreza ascenderá aos 150 milhões no final de 2021. Este grupo reside na sua maioria em cidades e áreas urbanas50.

Conclusão: pandemia, desigualdades (urbanas) e agitação social, uma relação causal?

Na seção anterior foi estabelecida uma ligação entre pandemia e desigualdades, procurando sublinhar que estas se revelam de forma especial nas cidades. Existe, então, alguma correlação entre desigualdades e agitação social? Olhando para os dados empíricos aqui analisados, esta relação não parece tão evidente. De facto, os países com os maiores números de protestos em 2020 (EUA, França e México) não são países de rendimento baixo (que, presumivelmente, seriam mais afetados por problemas de desigualdade) mas sim países de rendimento médio e alto51. Um estudo anterior sobre protestos a nível global entre 2006 e 201352 chegou a conclusões semelhantes depois de analisar quase 900 expressões de agitação social em múltiplos países (ver tabela 1). Os países de rendimento alto tiveram a concentração mais elevada de protestos, seguidos da América Latina e Caribe. No entanto, ocorreram protestos violentos em países de rendimento baixo, em especial na África Subsariana. Como sugerido neste artigo, esta tendência persiste atualmente. Este resultado significa que qualquer interpretação da relação causal entre agitação social e desigualdade deve ser complexa. Por outras palavras, países com maiores níveis de desigualdade não têm necessariamente um maior número de protestos sociais. Ainda assim, parece existir uma ligação entre distúrbios violentos e países de rendimento baixo.

Tabela 1 Número de protestos por país e rendimento entre 2006 e 2013. 

Fonte: ORTIZ, Isabel, et al. - World Protests 2006-2013.

Porque é que, na região atlântica, os EUA, a França e o México apresentam os índices de agitação social mais elevados, já que são países de rendimento alto e médio? Vários fatores ajudam a explicar este fenómeno. Em primeiro lugar, estão os fatores históricos. Os EUA, o México e a França foram importantes centros revolucionários do século XVIII ao século XX, pelo que alguns aspetos da sua cultura política podem provavelmente explicar por que razão as suas populações tendem a ser mais ativas em mobilizações políticas. Além disso, na América Latina existe uma grande tradição de mobilização política na sociedade civil, o que também pode ajudar a explicar o facto de, enquanto continente composto maioritariamente por países de rendimento médio, ter mais protestos do que outros países no mundo comparáveis em termos de rendimento. Geralmente, os países de rendimento alto e médio-alto tendem a ter governos menos repressivos, mais oportunidades educacionais e maior capacidade de organização da sociedade civil. O estudo de Ortiz et al. chega a conclusões semelhantes.

Se, como é demonstrado neste artigo, a ligação entre desigualdades e protestos na era da covid-19 não é imediata, é importante distinguir entre impactos de curto e longo prazo da pandemia. A curto prazo, torna-se claro que, no geral, não existe uma relação causal entre maior desigualdade e mais protestos sociais. Todavia, é possível que, a médio e longo prazos, países de rendimento médio e baixo possam assistir a um aumento considerável dos níveis de mobilização, em consequência direta dos problemas causados pela pandemia. De acordo com dados das Nações Unidas53, cidades em países de rendimento baixo irão enfrentar as situações mais complicadas, uma vez que têm as mais elevadas taxas de má nutrição, os maiores níveis de comorbidade e sistemas de saúde pública deficientes. Dados estes problemas, acrescidos de gastos públicos reduzidos em saúde (nos países de rendimento baixo estes gastos eram de 41 dólares per capita em comparação com os 2937 dólares nos países de rendimento alto)54, é fácil perspetivar um aumento significativo da agitação social urbana. O FMI também prevê um aumento do conflito social, avançando mesmo que «a agitação social aumenta cerca de 14 meses depois das pandemias, em média. Os efeitos diretos têm o seu ponto mais alto cerca de 24 meses depois da pandemia»55.

Figura 13 Impacto da pandemia na agitação social, meses depois da pandemia. Fonte: Sedik, Tahsin Saadi; Xu, Rui - A Vicious Cycle 

Figura 14 Impacto da pandemia na agitação social, anos depois da pandemia. Fonte: Sedik, Tahsin Saadi; Xu, Rui - A Vicious Cycle 

De acordo com esta previsão, esperar-se-ia um aumento de protestos no mundo entre maio de 2021 a março de 2022. Encontramo-nos, portanto, num momento crucial da história. Até que ponto os decisores políticos estão cientes disto é outra questão. Ainda assim, têm pelo menos os instrumentos para adotar as políticas necessárias, bem como os meios para evitar a agitação social que muito provavelmente irá aumentar, e que pode surgir como obstáculo à reconstrução pós-covid-19.

Tradução: João Reis Nunes

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1 Este paper foi preparado no âmbito da Jean Monnet Atlantic Network 2.0. O apoio da Comissão Europeia à produção desta publicação não constitui a aprovação do conteúdo, o qual reflete apenas a opinião da autora, e a Comissão não pode ser responsabilizada por qualquer uso que possa ser feito das informações nela contidas.

3DAVIS, Mike - The Monster at Our Door: The Global Threat of Avian Flu. Nova Iorque: Owl Books, 2005.

4 CLEMENT, Matt - A People’s History of Riots, Protest and the Law. The Sound of the Crowd. Londres: Palgrave Macmillan, 2016.

5MARTÍNEZ, Lina; SHORT, John Rennie - «The pandemic city: urban issues in the time of COVID-19». In Sustainability. Vol. 13, N.º 6, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.3390/su13063295.

6CAMPEDELLI, Gian Maria; D’ORSOGNA, Maria R. - «Temporal clustering of disorder events during the COVID-19 pandemic». In PLoS ONE. Vol. 16, N.º 4, 2021.

7SEDIK, Tahsin Saadi; XU, Rui - A Vicious Cycle: How Pandemics Lead to Economic Despair and Social Unrest. WP/20/216. Fundo Monetário Internacional. 2020. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2020/10/16/A-Vicious-Cycle-How-Pandemics-Lead-to-Economic-Despair-and-Social-Unrest-49806.

8CAMPEDELLI, Gian Maria; D’ORSOGNA, Maria R. - «Temporal clustering of disorder events during the COVID-19 pandemic».

9Para mais informações sobre as fontes, ver o documento explicativo do ACLED: https://acleddata.com/acleddatanew/wp-content/uploads/dlm_uploads/2020/02/FAQs_ACLED-Sourcing-Methodology.pdf.

10RALEIGH, Clionadh, et al. - «Introducing ACLED-Armed Conflict Location and Event Data». In Journal of Peace Research. Vol. 47, N.º 5, 2010, pp. 651-660. Uma descrição completa e ilustrada, com vários exemplos, está disponível na página do ACLED: https://acleddata.com/acleddatanew/wp-content/uploads/dlm_uploads/2019/04/ACLED-Event-Definitions_Final.pdf. Note-se que o ACLED também regista uma sexta categoria de informações, denominada «Desenvolvimentos estratégicos», que difere das outras categorias uma vez que se refere a eventos que tornam possível obter informação sobre o contexto de cada situação de agitação social (isto é, acordos, detenções, uso de armas, pilhagem, destruição de propriedade, etc.).

11O ACLED lançou uma iniciativa, o COVID-19 Disorder Tracker, que visa especificamente registar e analisar este tipo de protestos.

12BLANCO, Ismael; NEL-LO, Oriol - «Pandemic, cities, and mutual support: the role of urban social innovation in the COVID-19 crisis». In ABDULLAH, Hannah; GARCIA, Eva; RODRÍGUEZ, Andrea G.; FERNÁNDEZ, Agustí, eds. - Building Back Better: Post-Pandemic City Governance. Barcelona: CIDOB, 2020

13HUTTER, Swen - «Protest event analysis and its offspring». In DELLA PORTA, Donatella - Methodological Practices in Social Movement Research. Oxford Scholarship Online, 2014.

14RENN, Ortwin; JOVANOVIC, Aleksandar; SCHRÖTER, Regina - A Theoretical Approach to Understanding Social Unrest. Discussion Paper. IFP/WKP/FGS(2011)5, OCDE e IFP, 2011. Disponível em: https://www.oecd.org/futures/globalprospects/46890018.pdf.

15Ibidem.

16 Nesta secção, debruçar-me-ei apenas sobre os campos de conhecimento que mais contribuíram para o estudo dos protestos sociais. No entanto, isto não significa que qualquer um deles tenha uma autoridade exclusiva sobre estas matérias. Outros eixos de análise no âmbito dos estudos culturais e da comunicação, bem como no estudo das organizações sociais, também ajudaram à compreensão deste fenómeno.

17 DELLA PORTA, Donatella; DIANI, Mario - «Introduction: the field of social movement studies». In DELLA PORTA, Donatella; DIANI, Mario, eds. - The Oxford Handbook of Social Movements. 2015.

18BARNES, Samuel H.; KAASE, Max - Political Action. Mass Participation in Five Western Democracies. Beverly Hills: Sage, 1979.

19Ibidem.

20KAIM, Marcin - «Rethinking modes of political participation. The conventional, unconventional and alternative». In Democratic Theory. Vol. 8, N.º 1, 2021, pp. 50-70.

21TOURAINE, Alain - The Voice and the Eye. Cambridge: Cambridge University Press, 1981; MELUCCI, Alberto - Nomads of the Present: Social Movements and Individual Needs in Contemporary Society. Londres: Hutchinson, 1989.

22SMITH, Jackie; WIEST, Dawn - Social Movements in the World-System. Nova Iorque: Russell Sage, 2012.

23 BENNETT, W. Lance; SEGERBERG, Alexandra - The Logic of Connective Action. Cambridge: Cambridge UNIVERSITY PRESS, 2013.

24OSEGUERA, María de la Luz Inclán - «A la sombra de Sidney Tarrow. Conceptos básicos para el estudio de los movimientos de protesta». In Política y gobierno. Vol. 24, N.º 1, 2017, pp. 189-212.

25Dieter Rutch, Ruud Koopmans e Friedhelm Neidhardt (eds., 1998), apud HUTTER, Swen - «Protest event analysis and its offspring».

26Karl-Dieter Opp, apud Ibidem.

27MCADAM, Doug; TARROW, Sidney; TILLY, Charles - Dynamics of Contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

28BARNES, Samuel H.; KAASE, Max - Political Action

29KOOPMANS, Ruud - «The dynamics of protest waves: West Germany, 1965-1989». In American Sociological Review. Vol. 58, N.º 5, 1993, pp. 637-658.

30DELLA PORTA, Donatella; DIANI, Mario - «Introduction…».

31LEFEBVRE, Henri - Le Droit à la ville. Paris: Anthropos, 1968; CASTELLS, Manuel - The Urban Question: A Marxist Approach. Cambridge, MA: The MIT Press, 1977; DELLA PORTA, Donatella; PIAZZA, Gianni - Voices of the Valley, Voices of the Straits: How Protest Creates Communities. Nova Iorque: Berghahn Books, 2008; DIANI, Mario - «Introduction. social movements, contentious actions, and social networks: from metaphor to substance». In DIANI, Mario; MCADAM, Douglas, eds. - Social Movements and Networks: Relational Approaches to Collective Action. Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 1-19.

32SALET, Willem; GUALINI, Enrico - Framing Strategic Urban Projects. Learning from Current Experiences in European Urban Regions. Londres: Routledge, 2007.

33«INSTITUTE FOR ECONOMICS AND PEACE». In Global Peace Index 2020: Measuring Peace in a Complex World. Sydney. Junho de 2020. Disponível em: http://visionofhumanity.org/reports.

34Ibidem.

35KISHI, Roudabeh, et al. - ACLED 2020: The Year in Review. ACLED annual report. Março de 2021. Disponível em: https://acleddata.com/acleddatanew/wp-content/uploads/ 2021/03/ACLED_Annual-Report-2020_WebFinal.pdf.

36KISHI, Roudabeh - «A year of COVID-19: the pandemic’s impact on global conflict and demonstration trends». ACLED Analysis. Abril de 2021. Disponível em: https://acleddata.com/acleddatanew/wp-content/uploads/2021/04/ACLED_A-Year-of-COVID19_April2021.pdf; Kishi, Roudabeh, et al. - ACLED 2020….

37KISHI, Roudabeh, et al. - ACLED 2020….

38HOLDO, Markus; BENGTSSON, Bo - «Marginalization and riots: a rationalistic explanation of urban unrest». In Housing, Theory & Society. Vol. 37, N.º 2, 2020, pp. 162-179.

39BEDÍA, Rosa Cobo - «La cuarta ola feminista y la violencia sexual». In Paradigma. Revista Universitaria de Cultura. N.º 22, 2019, pp. 134-138.

40UN HABITAT - Opinion: COVID-19 demonstrates urgent need for cities to prepare for pandemics. 15 de junho de 2020. Disponível em: https://unhabitat.org/opinion-covid-19-demonstrates-urgent-need-for-cities-to-prepare-for-pandemics.

41HAYS, Jo N. - Epidemics and Pandemics: Their Impact on Urban History. Santa Bárbara: ABC-CLIO, 2005.

42MARTÍNEZ, Lina; SHORT, John Rennie - «The pandemic city…».

43MIDLARSKY, Manus I. - «Analyzing diffusion and contagion effects: the urban disorders of the 1960s». In The American Political Science Review. Vol. 72, N.º 3, 1978, pp. 996--1008. Disponível em: https://doi.org/10.2307/1955117; BONNASSE-GAHOT, Laurent, et al. - «Epidemiological modelling of the 2005 French riots: a spreading wave and the role of contagion». In Scientific Reports. N.º 8, 2018; DAVIES, Toby P., et al.- «A mathematical model of the London riots and their policing». In Scientific Reports. N.º 3, 2013.

44UN HABITAT - «Opinion: COVID-19 demonstrates urgent need for cities to prepare for pandemics». 15 de junho de 2020. Disponível em: https://unhabitat.org/opinion-covid-19-demonstrates-urgent-need-for-cities-to-prepare-for-pandemics.

45PATEL, J. A., et al. - «Poverty, inequality and COVID-19: the forgotten vulnerable». In Public Health. Vol. 183, 2020, pp. 110-111.

46KLUGMAN, Jeni; MOORE, Matthew - «COVID-19 has a postcode: how urban housing and spatial inequality are shaping the COVID-19 crisis». Pathfinders for Peaceful, Just and Inclusive Societies. 12 de dezembro de 2020. Disponível em: https://cic.nyu.edu/sites/default/files/cic_pathfinders_covid-19_has_a_postcode.pdf; DIZIOLI, Allan; PINHEIRO, Roberto - «Information and inequality in the time of a pandemic». In IMF Working Paper 20/188. 2020. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2020/09/11/Information-and-Inequality-in-the-Time-of-a-Pandemic-49711.

47SANDOIU, A. - «Racial inequities in COVID-19 - the impact on black communities». In Medical News Today. 5 de junho de 2020. Disponível em: https://www.medicalnewstoday.com/articles/racial-inequalities-in-covid-19-the-impact-on-black-communities#Making-sense-of-incomplete-data.

48RAMOS, Elliott; ZAMUDIO, María Inés - «In Chicago, 70% of COVID-19 deaths are black». In WbezChicago. 5 de abril de 2020. Disponível em: https://www.wbez.org/stories/in-chicago-70-of-covid-19-deaths-are-black/dd3f295f-445e-4e38-b37f-a1503782b507.

49MAUGER, Craig; MACDONALD, Christine - «Michigan’s COVID-19 cases, deaths hit blacks disproportionately». In The Detroit News. 2 de abril de 2020. Disponível em: https://eu.detroitnews.com/story/news/local/michigan/2020/04/02/michigans-covid-19-deaths-hit-417-cases-exceed-10-700/5113221002/.

50WORLD HEALTH ORGANIZATION - Global Spending on Health: A World in Transition. Genebra, Suíça: Organização Mundial de Saúde, 2020.

51Utilizo aqui uma classificação criada pelo Banco Mundial, baseada no produto interno bruto (PIB) per capita dos países.

52ORTIZ, Isabel, et al. - World Protests 2006-2013. Initiative for Policy Dialogue. Friedrich-Ebert-Stiftung New York Office. Nova Iorque: Columbia University Press, 2013.

53 UNDESA (UN Department of Economic and Social Affairs) - «COVID-19 and older persons: a defining moment for an informed, inclusive and targeted response». Policy Brief. N.º 68, 2020. Disponível em: https://www.un.org/development/desa/ageing/wp-content/uploads/sites/24/2020/05/PB_68.pdf.

54WORLD HEALTH ORGANIZATION - Global Spending on Health….

55SEDIK, Tahsin Saadi; XU, Rui - A Vicious Cycle….

2A autora agradece a Francesc Teodoro pela sua ajuda na obtenção dos dados empíricos e na produção de alguns dos quadros e figuras utilizados neste estudo.

Recebido: 21 de Outubro de 2021; Aceito: 01 de Abril de 2022

Eva Garcia Chueca Investigadora sénior do CIDOB (Espanha) e professora no Institut Barcelona Estudis Internationals (IBEI).

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