O ano de 2020 vai ficar indubitavelmente marcado pela pandemia COVID-19. O impacto da pandemia não se restringe à Saúde, repercutindo-se em múltiplas áreas. As consequências para a saúde e para a economia têm sido alvo de vasta investigação e reflexão. Todos nós já paramos para pensar sobre o que se alterou e está a alterar, desde a nossa vida pessoal à nossa atividade profissional.
Uma das grandes preocupações da sociedade é o impacto no ensino e na formação. E a área da saúde é uma das que enfrentou e enfrenta mais desafios.
No ensino pré-graduado, no ano letivo passado, com a suspensão quase imediata das aulas presenciais, recorreu-se ao ensino à distância, tendo muitos estudantes ficado sem o componente prático em algumas
valências. Neste ano letivo, foi necessário efetuar
adaptações que minimizassem o risco de contágio, mantendo aulas à distância, reduzindo o período de contacto clínico e limitando o acesso a algumas áreas hospitalares.
Na formação pós-graduada, o potencial impacto na formação específica é uma preocupação transversal a todas as especialidades. Houve alteração na formação condicionada pela suspensão de estágios, pela diminuição da atividade programada e pela limitação do contacto com os doentes. Mas será que apenas se verificou um impacto negativo? Não será possível retirar algo de positivo desta experiência que nenhum de nós alguma vez imaginou que pudesse acontecer? A capacidade de adaptação dos serviços, a resiliência dos profissionais, a oportunidade de contactar com uma nova patologia, a realização de consultas não presenciais, a necessidade permanente de atualização e de triagem dos múltiplos artigos publicados a um ritmo avassalador, não podem ser ignorados como pontos positivos na formação. Sem dúvida que a pandemia trouxe desafios, mas também oportunidades de aprendizagem e aquisição de novas competências.
E que impacto teve e tem a pandemia na investigação clínica realizada durante o internato?
Já antes da pandemia, a investigação clínica durante o internato era motivo de preocupação. Neste número da AOGP está publicado um estudo sobre a investigação efetuada durante o internato médico no período pré-pandemia1. O objetivo específico foi avaliar os obstáculos e incentivos à investigação clínica no internato de Ginecologia e Obstetrícia em Portugal. Metade dos internos referiu não ter publicações de trabalhos como primeiro autor e 43% defendem que a investigação não deveria ser uma componente obrigatória. A falta de tempo de dedicação à investigação (97%) e o apoio insuficiente em bioestatística e desenhos de estudo (88%) foram as principais limitações à investigação apontadas pelos internos.
O que se alterou em 2020 com a pandemia? Na sequência das alterações que foi necessário implementar nos serviços, será de esperar ainda menos tempo de dedicação à investigação. Contudo, o número de artigos que a AOGP recebeu desde o início da pandemia mostra-nos que a investigação clínica continua a realizar-se. A existência de uma nova patologia e os seus potenciais impactos, diretos e indiretos, na Ginecologia e Obstetrícia podem ter constituído um estímulo para a investigação. Um outro artigo publicado neste número da AOGP prende a nossa atenção2. Primeiro, pelo facto de ter sido realizado por internos de várias instituições, o que não é habitual entre nós. Segundo, pelo tema abordado, o aconselhamento pré-concecional durante a pandemia por COVID-19. O inquérito foi realizado imediatamente após a primeira vaga da pandemia, ainda com pouco conhecimento sobre os reais impactos da COVID-19 na gravidez e teve uma boa adesão (325 respostas), o que mostra disponibilidade dos Ginecologistas e Obstetras portugueses.
Para conhecermos os reais impactos da pandemia no internato de Formação Específica em Ginecologia e Obstetrícia, é necessário realizar um estudo que nos responda a essa questão, à semelhança dos já realizados noutras especialidades3-6.