INTRODUÇÃO
O climatério corresponde a um processo natural da mulher com a passagem da fase reprodutiva para a fase não reprodutiva. Neste período ocorre uma diminuição da produção de hormonas ováricas a que se encontra associado um conjunto de sinais e sintomas. O processo pode incluir três fases: pré, peri e pós-menopausa, com duração variável. A menopausa é o momento central do climatério, que se define com o último período menstrual, diagnosticada por doze meses consecutivos de amenorreia. A média de idades da mulher a que ocorre este processo situa-se entre os 45-55 anos, contudo, esta poderá ser em alguns casos tardia ou precoce1,2.
A importância deste tema torna-se acrescida uma vez que a população ativa está cada vez mais envelhecida. Em Portugal entre 2007 e 2017, a classe da pirâmide etária mais prevalente nas mulheres (Figura 1) passou dos 30 para os 40 anos3. Desta forma, brevemente, essa faixa atingirá a fase que envolve o climatério. Estas trabalhadoras poderão experienciar sintomas ligeiros a debilitantes, que poderão ter efeitos na sua capacidade de trabalho1,4-7.
METODOLOGIA
Questão protocolar: Quais os detalhes que a equipa de saúde ocupacional deverá ter em atenção, relativamente às trabalhadoras no processo do climatério?
Em função da metodologia PICo foram considerados:
-P (population): trabalhadoras no processo do climatério.
-I (interest): reunir evidência que permita otimizar a saúde destas trabalhadoras.
-C (context): Saúde Ocupacional aplicada às trabalhadoras no processo do climatério.
Em janeiro de 2019 foi realizada uma pesquisa através da plataforma EBSCOhost com inclusão das bases de dados: CINAHL®Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Controlled Trials Register, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Library, Information Science & Technology Abstracts, MedicLatina. As palavras-chave utilizadas foram “menopausal symptoms” e “work”. Os critérios de inclusão considerados foram: data de publicação igual ou superior a 2009; idioma português, inglês ou espanhol; revisto por pares; acesso completo ao texto e de pertinência para o objetivo desta revisão bibliográfica. Obtiveram-se onze artigos, dos quais sete foram removidos após a leitura do resumo por não irem de encontro com o tema e manteve-se interesse nos quatro restantes, após a leitura completa (Fluxograma 1).
Foi realizada uma pesquisa adicional na plataforma B-on (biblioteca do conhecimento online), em janeiro de 2019, com as palavras-chave “menopausal symptoms” e “workplace” com os mesmos critérios de inclusão e obtiveram-se 890 artigos. Para reduzir a lista de documentos encontrados, foi acrescentado mais um critério, ou seja, que as palavras-chave estivessem contidas no resumo e aí obtiveram-se treze artigos, dos quais oito foram removidos após leitura dos resumos por não irem de encontro com o tema e após leitura completa manteve-se interesse em quatro artigos (Fluxograma 2).
Como não se obteve nenhum artigo relativo ao contexto em Portugal, realizou-se uma pesquisa no RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal), com as palavras-chave “menopausa” ou “climatério” e “trabalho”, contudo não foi encontrado nenhum documento.
Foram ainda pesquisados no Instituto Nacional de Estatística (INE) dados a idade da população feminina residente em Portugal.
Para realizar esta análise foi preenchida um quadro com a caracterização dos artigos (Quadro1).
Estudo | Questão/ Objetivo | Tipo de Estudo | Resultados / Resumo |
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1 | O que deveriam os empregadores fazer em relação às mulheres em menopausa | Revisão integrativa | Os sintomas do climatério não são uniformes nas mulheres. Os ajustamentos no local devem ser adaptados às trabalhadoras, estas alterações são a nível de programas de promoção da saúde, ao espaço físico de trabalho, suporte de informação, aumento de sensibilidade e consciencialização dos empregadores e colegas. |
2 | Examinar diferenças sociodemográficas, estilos de vida e situação de saúde nas mulheres com sintomas de menopausa | Estudo quantitativo, descritivo transversal | Conclui-se que o histórico cultural, a educação e depressão nas mulheres de Israel estão associados às manifestações dos sintomas da menopausa. |
3 | Estimativas de População Residente em Portugal 2017 | Artigo estatístico | Entre 2007 e 2017, a classe etária mais prevalente nas mulheres passou da 3ª para a 4ª década |
4 | Rever a informação relacionada com as trabalhadoras e a menopausa | Revisão integrativa | Assunto pouco investigado, mas os poucos estudos que existem evidenciam que a menopausa afeta a produtividade e com custos elevados. |
5 | Analisar se os sintomas vasomotores nas trabalhadoras afetam a perceção da capacidade de trabalho. | Estudo quantitativo, transversal | 1263 Participantes. Dos 1057 (que não recorrem a tratamentos) 183 obtiveram um resultado fraco-moderado no WAI. Das 183 mulheres 70.5% reportaram terem sintomas vasomotores. |
6 | Avaliar os sintomas de menopausa e os fatores stressantes do trabalho | Estudo quantitativo, transversal | 1169 participantes. Existe relação entre o stress do trabalho e os sintomas da menopausa, enfermeiras gestoras têm maior prevalência de sintomas psicológicos enquanto que os não gestores de sintomas somáticos. |
7 | Analisar as experiências a trabalhar com sintomas da menopausa em trabalhadoras do Reino Unido | Estudo quantitativo, transversal | 896 participantes. Os sintomas da menopausa causaram dificuldades a algumas mulheres. Sintomas mais descritos: fraca memória, fraca concentração, sentir-se deprimida e baixa confiança. |
8 | Investigar os efeitos do exercício físico aeróbico sobre a capacidade de trabalho e stress diário em mulheres com sintomas de menopausa | Experimental, Ensaio clínico randomizado | Intervenção: exercício aeróbico quatro vezes por semana, cinquenta minutos por sessão, com progressivo aumento de intensidade. Duas atividades envolviam caminhada e as outras duas corrida, ciclismo, natação, ski, aeróbica ou outros exercícios de ginástica. Após seis meses o Índice de Capacidade para o Trabalho demonstrou um aumento no grupo intervenção, mas não estatisticamente relevante, em todas as categorias. Os investigadores sugerem que é necessário um estudo mais longo para comprovar a eficácia das medidas. |
9 | Avaliar o Impacto das intervenções do enfermeiro sobre os sintomas da menopausa e clarificar o papel do enfermeiro de saúde ocupacional | Estudo qualitativo, observacional, serie de casos | O autor conclui que, por vezes, é difícil distinguir entre os sintomas de menopausa e os de depressão; o papel de recetividade e escuta ativa dos colegas e superiores é vital; a saúde ocupacional tem o dever de informar e apoiar os colegas e superiores sobre o assunto. |
Para o horizonte temporal definido de 2009-2019 obteve-se um total de oito artigos: quatro Quantitativos, transversais; duas Revisões Integrativas; um Experimental e um Qualitativo.
Quanto ao ano de publicação dos artigos selecionados, a 2014 e 2016 correspondem dois artigos, seguidos dos anos 2009, 2010, 2013 e 2015 com um artigo cada.
Os estudos utilizaram questionários como índice capacidade para o trabalho (ICT), “Menopause Specific Quality of Life Questionnaire”, escala climatérica de Greene e outros formulados pelos investigadores que os executaram.
Dos artigos selecionados seis estudam a avaliação dos sintomas do climatério, estado e comportamentos de saúde e dados sociodemográficos; quatro artigos acrescentam variáveis como perceção da capacidade do trabalho e avaliação do stress; dois acrescentam estratégias de coping e um artigo acrescenta a exploração do exercício físico.
CONTEÚDO
Os sintomas do climatério nas trabalhadoras
Alguns estudos concluíram que há uma maior prevalência de sintomas do climatério em desempregadas1,2. Relativamente à prevalência dos sintomas do climatério nas trabalhadoras, os artigos não são consensuais: num estudo realizado em enfermeiras no japão, a presença de pelo menos dois sintomas teve uma prevalência acima de 70%6; noutros dois artigos esse valor passou para 50%, mas diferem em termos de severidade dos sintomas, nomeadamente 12%5 e 5%4 respetivamente. Estes sintomas tendem a aumentar da fase pré-menopausa para a fase peri-menopausa. Os sintomas psicológicos tendem a atingir o topo na menopausa ou um ano após, enquanto que sintomas vasomotores, como afrontamentos, aumentaram rapidamente na fase peri-menopausa e mantiveram-se em média por quatro anos6.
Apesar de não ser um tema muito explorado, já existem vários estudos que demonstram que este processo natural da vida da mulher tem um impacto negativo pela autoperceção das trabalhadoras relativa à capacidade de trabalho1,4-9. Trabalhadoras sintomáticas podem ter um maior absentismo e maior afluência a serviços de saúde.
Num estudo realizado no Reino Unido as trabalhadoras reportaram défice de concentração, cansaço geral e défice de memória, como os sintomas com maior impacto no trabalho, todos acima de 50%, enquanto que os afrontamentos surgem com 36% mas considerados algo bastante difícil de lidar em locais quentes ou pouco ventilados e em reuniões formais (71% e 63% respetivamente)7. As enfermeiras no Japão reportaram num questionário que o cansaço geral, irritabilidade e défice de concentração eram os sintomas mais prevalentes. Os vasomotores estavam associados a altos valores de índice massa corporal (IMC) e que as enfermeiras demonstraram valores mais altos de depressão e labilidade emocional6. Já num estudo realizado na Austrália sobre os sintomas vasomotores em trabalhadoras sem tratamento, 50% e 23% dessas trabalhadoras obtiveram um resultado fraco-moderado na escala ICT5.
Pelas características dos estudos realizados não é possível determinar a relação causa-efeito entre o trabalho e os sintomas. Mas foi comprovado que entre alguns fatores stressantes do trabalho (como a não satisfação com o mesmo e más relações interpessoais) e os sintomas do climatério existe uma associação, sendo a sua correlação mais forte nas fases peri e pós-menopausa6. Paralelamente a esta fase da vida da mulher, pode-se encontrar associada a prevalência de doença(s) crónica, de ter de cuidar de pais idosos e dependentes e/ou netos, além de que muitas também acumulam os trabalhos domésticos e outras situações potenciadoras de stress1,2,4.
Estratégias a adotar
Uma forma eficiente de minimizar os efeitos do climatério é através da terapia hormonal de substituição (THS)1,4,8,9, no entanto, alguns investigadores colocam a hipótese de este tratamento incorrer alguns riscos, como potenciação de doenças cardiovasculares e cancro da mama4,7,8.
As mulheres que se encontram nesta fase têm bastante resistência em abordar este tema com os responsáveis da empresa ou com os cargos de chefia1,4,7. Os motivos mais prevalentes são o facto de considerarem que é um assunto privado (62,1%)7; que não interfere no trabalho (42,7%)7 e a pessoa a chefiar ser homem (41,9%)7; outros artigos ainda afirmam o facto de as chefias não terem conhecimento do eventual impacto do climatério na mulher1,4 e o coordenador ser mais novo1,4. De um total de 11,9% das mulheres faltaram ao trabalho devido aos sintomas do climatério e dessas 58,5% mentiram no motivo da falta: 74,3% destas afirmaram que seria útil os cargos de chefia terem conhecimentos sobre o climatério7.
Quanto a abordagens mais práticas, estas podem passar por oferecer horários flexíveis (terminar mais cedo alguns turnos e compensar noutros momentos)4,7; avaliação dos sintomas nas trabalhadoras de forma a identificar possíveis ajustes ao posto de trabalho; oferecer maior controlo da temperatura e/ou ventilação do espaço físico; uso de ventoinhas pessoais; usar roupa em camadas; haver possibilidade de ir até espaços exteriores; acesso a líquidos frescos e acesso fácil a casas de banho1,4,7.
Também é bastante importante que existam programas de promoção da saúde que incluam informação sobre o climatério às trabalhadoras, chefia e seus colegas4. Uma vez que um ambiente onde as mulheres possam livremente partilhar experiências e enriquecer as relações interpessoais é bastante positivo no alívio de sintomas como ansiedade e depressão1,6,7. Com o climatério também está associado um aumento do peso, portanto deve-se aconselhar sobre hábitos saudáveis de alimentação e prática de exercício físico1,8. Aliás, num estudo experimental, o exercício físico quatro vezes por semana melhorou o índice de capacidade do trabalho das funcionárias com sintomas do climatério e a não realizar tratamento8.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
A revisão sugere que sintomas vasomotores, somáticos e psicológicos podem criar dificuldades nas trabalhadoras para exercerem as suas funções. Paralelamente, muitas mulheres chegam a esta fase no topo das suas capacidades, sendo relevante para as empresas em manter essas capacidades.
Algumas das estratégias sugeridas são fáceis de implementar, outras apresentam alguma dificuldade, no entanto, adaptar o máximo possível o ambiente de trabalho aos trabalhadores permite maiores níveis de produtividade e satisfação. Não será possível fazer estas mudanças se os responsáveis pelos cargos de chefia não estiverem cientes do impacto do climatério nas trabalhadoras. Programas de educação e de promoção da saúde são pertinentes para gerar essa mudança e capacitar as trabalhadoras com ferramentas de coping.