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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

Print version ISSN 2184-0180On-line version ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.16 no.31 Castelo Branco May 2023  Epub May 31, 2023

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.31.158 

Review Paper

A Arte como suporte de criatividade no design da moda contemporânea

Art as a support for creativity in contemporary fashion design

Ilda Monteiro1  , Author
http://orcid.org/0000-0002-1536-702X

1Instituto politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, Centro de Estudos em Educação, Tecnologias e Saúde (CI&DETS). Portugal.


Resumo

Este trabalho de investigação remete para o tema da arte como suporte criativo, na área do design da moda contemporânea, cujo objetivo foi referenciar alguns acontecimentos da história da moda influenciados e inspirados pela arte, através de estudos realizados em que a arte reflete o momento, e o artista utiliza e constrói a sua própria história.

A moda representa a atualidade e o retrato de várias culturas, enquanto a arte mostra

a mensagem da moda através da descodificação do design e das cores de forma criativa e inovadora, gerando sentimentos e emoções no observador. Na era atual o consumidor valoriza produtos com valores exponencialmente estéticos, simbólicos e psicológicos que consequentemente propiciam o privilégio da experiência estética, considerando o estilista um criador reconhecido, com novas experiências e ideias que vão de encontro à satisfação do consumidor para o qual foram criadas.

Palavras-chave: arte; moda; vestuário; design; criatividade

Abstrat

This research work refers to the theme of art as a creative support, in the area of contemporary fashion design, whose objective was to reference some events in the history of fashion influenced and inspired by art, through studies carried out in which art reflects the moment, and the artist uses and builds his own story.

Fashion represents the present and portrays various cultures, while art shows the fashion message by decoding design and colors in a creative and innovative way, generating feelings and emotions in the observer. In the current era, the consumer values products with exponentially aesthetic, symbolic and psychological values that consequently provide the privilege of the aesthetic experience, considering the stylist a recognized creator, with new experiences and ideas that meet the satisfaction of the consumer for which they were created.

Keywords: art; fashion; clothing; design; creativity

1. Introdução

Sob ponto de vista etimológico, a palavra “moda”, segundo Pollini, “de origem latina “modus”, é utilizada para exemplificar uma medida agrária, a qual passou a ser utilizada na Baixa Idade Média como “modo”, significando “maneira de se conduzir”. A origem da palavra “façon” - que também significa modo, maneira - da qual o inglês adotou e modificou para “fashion”. Pollini refere que a utilização da palavra acabou por se referenciar a gostos, preferências, a maneira como as pessoas se vestiam, as suas escolhas e opiniões, assim como preferencias” (Pollini, 2007).

A moda é considerada parte integrante da arte por vários autores que defendem a ideia de que a arte é distinta da moda, e a moda independente da arte. Daí surgirem alguns aspetos de correlação na moda/arte: a moda como arte, a relação do artista com a moda e a relação do estilista com a arte. “A moda tem-se aproximado da arte com o propósito de introduzir o elemento estético no campo da produção, e poderá dizer-se que isto se iniciou com o movimento artístico democrático - Arts and Crafts - exaltando a moda através de impressões com motivos e padrões aplicados aos têxteis, no final do século XIX” (Dorfles,1972). Ao longo do século XX surgiram movimentos que promoveram interesse e envolvimento recíproco entre a moda e a arte. A moda associou-se às artes através de roupas criadas por artistas de forma excêntrica com interesses sobre o tema.

“A noção de obra de arte favoreceu a aproximação entre a arte e a vida, a criação e a modernidade científica nos movimentos vanguardistas, no futurismo, construtivismo, e surrealismo, e que atualmente mantém uma firme relação no processo de criação (Muller, 2000); (Cidreira, 2005),”. Vários foram os artistas que fizeram e ainda fazem esta relação entre a arte e a moda, tanto que essa Inter-relação promove a ideia que a moda é arte, ou não arte tendo em conta que a arte serve como suporte criativo das coleções. Segundo Stephen Wilson (2003) “vive-se um momento interessante e não menos importante da história, no qual se torna imperativo a integração entre as áreas, e algumas vezes é difícil distinguir a pesquisa tecnocientífica e a arte”. A integração das vastas áreas, arte, moda, design, tecnologia e ciência permitem a troca e a colaboração, com o produto, matérias primas e fabrico das peças como ferramenta impulsionadora do design da moda e no vestuário.

2. Problemática

Com base na problemática deste tema, depreende-se que a relação entre arte e moda sempre estiveram associadas, relativamente à expressão artística, influência e relevância da arte no design da moda, daí surgirem as seguintes questões de âmbito geral:

Em termos conceptuais como podemos definir arte/moda versus moda/arte?

Existirá a necessidade de os criadores e designers promoverem e exibirem as suas próprias coleções em espetáculos?

Como forma de comunicação, o vestuário possui o mesmo impacto e valor de uma obra artística?

Qual a diferença entre o processo artístico de um designer de moda e um artista?

Tendo em conta que o vestuário na moda possui o mesmo impacto, comparação e valor como outras formas artísticas, qual a importância e a diferença entre a moda e a arte?

Torna-se importante estudar estas questões, não só para os criadores, designers, artistas estilistas assim como para os consumidores em geral.

3.Estado da Arte

3.1. A arte e a moda

O aparecimento de designers de moda surgiram desde o século XX, quando os artistas começaram a manifestar interesse na área do vestuário, considerando que as suas obras poderiam ser vestidas pelo próprio artista, ou até pelos visitantes, com o pretexto de reconhecimento. As categorias, designer e artista tinham vantagens, desde que a moda passasse a ser considerada arte e o designer como artista, contrariando a indústria da moda através de atos irreverentes incluindo performance artística, não só para a execução das peças, mas também demonstrações diretas para o público. Relativamente à diferença entre a moda e a arte não tiveram efeitos no quotidiano, porque qualquer das duas estão inseridas na perspetiva criativa com o intuito de transmitir situações vividas no âmbito social, refletindo o estado económico, social, politico e cultural da sociedade e do autor. A moda, assim como outros tipos de arte podem ser comparadas a outras formas de arte desde a escultura, arquitetura, cerâmica, entre outras como aspeto funcional, mas também pelo seu valor visual e artístico.

As caraterísticas entre designers de moda, marcas e artistas estão associadas à elite artística, como forma de promover a moda e com o objetivo de afirmação como artistas. Segundo Loschek (2009) “a criação sendo um segmento dentro da moda tem como objetivo criar “híbridos” entre a moda e a arte”. Para o autor, “o vestuário descarta o seu carácter funcional e útil, concentrando-se apenas no lado artístico e criar vestuário segundo as características essenciais da arte faz dela o seu ponto dominante, numa forma de arte, com aplicação deste pensamento a outras áreas da moda, tal como é o caso do estilismo nos desfiles artísticos”.

Como tal, ambos os conceitos serão contextualizados, com enquadramento histórico e social, onde existem argumentos suficientes, uns que são a favor, e outros que recusam a moda como arte, comparando a moda com outras formas de arte, e a forma com se destacam no meio onde encontram. Neste contexto existe desconhecimento na área, argumentando a moda/arte apenas designado como peças de vestuário que não são adequadas para usar no quotidiano, assim como determinadas classes na sociedade que não vê a moda como arte, considerando a fast-fashion, uma imitação de vestuário de luxo.

4. Metodologia

Este trabalho de investigação de natureza descritiva e qualitativa explica questões e conceitos na área da moda/arte assim como também na criação artística, sob ponto de vista criativo e inovador.

O objetivo deste trabalho em termos metodológicos centra-se no tema da moda e da arte, como suporte de criatividade no design da moda contemporânea, baseado numa pesquisa bibliográfica e análise documental, artigos de revistas, obras literárias e Webgrafia, tendo em conta as relações que se estabelecem nos movimentos artísticos na área da moda e do design, considerando o vestuário como forma de linguagem e comunicação, assim como a interação entre o designer, o utilizador e o espectador.

O objetivo geral refere se à expressão artística através da intercomunicação moda/arte como potencial criativo com diferentes opiniões acerca dos artistas e dos designers artísticos, com caraterísticas de linguagem artística subjetivas presentes na moda contemporânea, assim como a interpretação da moda na área da comunicação.

5. Revisão da literatura

5.1. Conceito de arte e moda

Ao longo dos tempos a moda como arte sempre foi um tema abordado, Hollander (1996) apud Shulte, (2002) classifica que: [...] “a moda é uma arte moderna, pois as suas mudanças formais ilustram a ideia de um processo em movimento e representação. A moda faz a sua própria sequência de imagens criativas no meio formal e particular, o qual tem a sua história especifica, ela não cria simplesmente um espelho visual direto dos fatos culturais. [...]. Elas formam uma arte sequencial, uma projeção emblemática da vida, um análogo visual do tipo experiência comum que se baseia nos fatos sociais [...] sempre fluindo através dos tempos”. Hollander definiu que a moda e a arte nasceram através de um contexto social, em constante mudança, enquanto outros autores consideram a moda e a arte como simples formas de expressão humana, associando a função da moda a um instrumento artístico.

Segundo Ernst Fisher, “A arte, capacita o homem na compreensão da realidade e ajuda não só a suportá-la como a transformá-la” (Pereira, 2011, p.25). Na moda a situação é semelhante, pois esta área tem saído do âmbito glamouroso e passou a ser um “poderoso fenómeno social e de grande importância económica” (Treptow, 2005, p. 25). “A roupa era considerada uma forma de identificar a condição de um indivíduo dentro da sociedade” (Feghali, 2006, p. 6). Sob essa perspetiva, a moda conceitual constitui uma presença artística no mundo fashion, através de uma coleção, ou uma estação. Em 1965, Yves Saint-Laurent, associou a moda e a arte ao criar vestidos (ver fig. nº1) através dos trabalhos de Piet Mondrian, Matisse (ver fig. nº2), Claude Monet, Pablo Picasso Vangoh, em que o vestido se tornou-se um ícone da moda.

Fig. 1 Yves Saint Laurent’s Robe Hommage à Piet Mondrian, Musée Yves Saint Laurent Paris. Fonte:https://www.vogue.com/article/yves-saint-laurent-aux-musees  

Fig. 2 Matisse / Yves Saint Laurent’s. Fonte:https://damorida.com.br/2019/10/30/o-encontro-entre-a-moda-e-a-pintura/  

“A moda condecorou a cor, a criatividade, a geometria e materiais novos”, Garcia (2010). “A extravagância e a exuberância das coleções conceituais elevam a moda, nos nossos dias, a um status de arte”” (Ruiz, 2007, p.9), assim como na realização de desfiles conceituais em espaços destinados para a arte. “Desta forma, com o Renascimento, nos séculos XV e XVI, tornou-se evidente em que os trajes festivos eram desenhados por pintores”, (Fegali 2006, p. 41). Em 1936, Salvador Dali desenhava vestidos para Schiaparelli, num desfile de Paco Rabanne e os manequins desfilavam a dançar. “A pop art traz, a reação ao expressionismo abstrato, o retorno da figuração da publicidade, da televisão ou de revistas,” (Müller, 2000, p. 12).

5.2. Design na moda

Segundo Valém Flusser (2007) “a palavra design é bastante abrangente e pode ter vários significados relacionados com a "astúcia” e a "fraude" de modo estratégico" (p.181). Flusser (2007) associa o design às palavras “mecânica” e “máquina”, onde descreve o designer como alguém astucioso, e considera a “máquina”, supérflua e a “mecânica” uma estratégia de camuflagem” (p.182). O autor afirma que a base do design é “enganar a natureza através da técnica, substituir o natural pelo artificial e construir máquinas humanas” (Flusser, 2007, p.184), e concluiu que o design transporta a evolução condicionada pela natureza em artistas livres. “Esta distinção entre “o ramo científico, quantificável, "duro"” e “o ramo estético, qualificador, "brando"” retirou a importância do design” (Flusser, 2007, p.183). “Não obstante, o design é “dar a algo uma forma funcional, desejável e estética “Os designers são cruciais na produção de moda e desempenham um papel importante na manutenção, reprodução e disseminação da moda.” “Os designers são cruciais na produção de moda e desempenham um papel importante na manutenção, reprodução e disseminação da moda” (Kawamura (2005).

(Kawamura, 2005 considera que os “designers de moda expressam a moda e os seus projetos são a objetivação da mesma e que a legitimação e validação como moda, está dependente da colocação do designer e da sua “personificação” de moda”. Para o autor “o trabalho do designer passa a ser algo organizacional e social e não estético; perde o que o torna original, contudo este trabalho revela-se essencial para o entendimento da estrutura social e organização do sistema de moda”, (Kawamura, 2005, p.59).

A definição da palavra designer de moda é caracterizada por pessoas criativas com preferências na área da moda, em constante atualização e atentos aos acontecimentos tornando-se fontes inspiradoras para a concretização de bons trabalhos. “Como indivíduos criativos para acontecimentos culturais e sociais …” (Faerm, 2010, p.8) “São extremamente sintonizados com as mudanças históricas, culturais, sociais, políticas e económicas do mundo capazes de analisar a cultura popular como faria um antropólogo” (Faerm, 2010, p.8-9). “Os designers são os principais responsáveis pela criação de cada coleção, até a etapa de produção mesmo quando contam com o apoio de uma equipa de assistentes, pesquisadores e criadores de tecidos, modelistas, especialistas em softwares de design e técnicos, precisam de supervisionar de maneira apropriada e conveniente” (Faerm, 2010, p.10).

Faerm perante este cenário tem dificuldades na caracterização da moda e no vestuário, considerando a moda, artística, imaginativa e inovadora enquanto o vestuário é um produto final. “No design de moda é de extrema importância seguir uma metodologia eficaz de pesquisa. “… O sketchbook, designado pelo designer como suporte para escrever e expor expõe as suas pesquisas, as suas ideias, e a criatividade. Após a elaboração dos painéis o designer começa a fazer esboços e os primeiros rascunhos, os desenhos e finalmente a escolha da silhueta durante o processo criativo. Na elaboração da silhueta existe uma especial atenção na proporção das peças, tendo em conta que na fase de criação, os detalhes são uma parte essencial na execução da peça, assim como a decisão dos tecidos a utilizar, cores e texturas, fatores determinantes de aquisição pelo consumidor.

5.3. Criatividade no design da moda

Kawamura (2005) acha que a criatividade de um designer de moda não é inata, contudo para que um designer adquira o estatuto não basta ser criativo e hábil, também é necessário compreender o funcionamento do sistema em que se insere. “Todo o indivíduo tem vontade de criar algo, possui a ideia da criatividade, mas são necessárias forças externas para legitimar esse ato ou o produto final como "criativo". O autor refere a criatividade para o reconhecimento de um designer, contudo a sua criatividade não é posta em causa se não nomear designers como criativos. Os artistas são o estereótipo, como alguém isolado socialmente, em qualquer instituição considerando que os designers de moda, são comparados a artistas, com talento.

Segundo o autor, “o designer de moda costuma ter a reputação de alguém que domina o lado técnico da costura, com uma perceção naturalmente talentosa de harmonias de cor, materiais, disposição de peças, etc”. No entanto, Kawamura (2005) diz que “o trabalho real de um designer, varia dependendo do designer no processo de fabrico e projeção da peça. “Atualmente podemos constatar que existe um grande interesse pelo designer conseguir uma imagem atraente para o consumidor, em vez da peça e da sua produção”: “A ironia é que os designers cujas técnicas de costura e alfaiataria eram exclusivas e excelentes não sobreviveram como empresa, uma vez que a indústria gradualmente mudou para a criação de imagens”. Nos últimos anos a profissão de um designer de moda foi-se alterando, como é referido num artigo da plataforma online, Not Just a Label, acessível a estudantes de moda, deixando de pertencer a um nicho artístico exclusivo. Gradualmente, também se revela mais transparente devido ao interesse nas redes sociais, onde mostram todo o processo desde o desenho à criação em atelier e à apresentação em passerelle. Desta forma, a profissão foi obrigada a fazer alterações no sentido em que é necessário o envolvimento de um maior grupo de pessoas.

5.4. Movimentos artísticos na área da moda

Anne Hollander, no livro “Seeing through clothes (1980) aborda a moda diferente a outras formas de arte “sob ponto de vista económico, político, ou tecnológico, pode ser bastante iluminador sobre a questão de como esses temas afetam a invenção simbólica das roupas” (Hollander, 1980, pp. XIII, XIV.

Miller (2007) diz que “enquanto o design de palco permanece enraizado no campo visual e a moda enraizada no quotidiano através de metodologias socioculturais, que até agora têm sido o modo preferido de análise.” (Miller, 2007, p.35).

O autor comenta tal como a moda, outras atividades na “fenda das artes visuais”, como “dança, circo, palhaços e cultura, kitsch, natureza, chuva, beleza pessoal, etc.” (p.36

Contudo, os designers de moda “nunca conseguiram ganhar pleno reconhecimento como artistas, embora continuem a lutar” (Svendsen, 2010, p. 70). O autor explica como os designers, nos anos 80, confrontaram a arte conceptual e refere: “muitos no mundo da moda, criam roupas mais apropriadas em exposições, galerias e museus a serem realmente usadas” Svendsen, (2010), refere que estilistas usaram estratégias associados às artes contemporâneas na atribuição dos mesmos métodos que outros movimentos artísticos, as roupas com as costuras a lápis nas pinturas, uma das formas para conseguir aproximação da moda à arte inserido nos movimentos artísticos. “Tanto no design como na arte e arquitetura, as estruturas e formas estão sujeitas à destruição e construção renovada no sentido de desconstrução, reconstrução e transformação.” (Loschek, 2009, p.187).

5.5. A moda como forma de cultura

É através dos vários tipos de arte que o ser humano transmite a forma de pensamento como se enquadra no mundo, sob ponto de vista emocional social. No livro “Keywords” de Raymond Williams, o autor afirma que a palavra cultura vem do latim colere, “habitar, cultivar, proteger, honrar com adoração”. No livro “The sociology of culture”,” Williams (1981) refere três sentidos da palavra: quando direcionado ao intelectual “uma pessoa culta” (p.11); como “processo desse desenvolvimento” (p.11) através de atividades ou interesses culturais; ou ainda, como os “meios desses processos - como na cultura de "as artes" e "obras intelectuais humanas"(p.11). “É especialmente interessante que, na arqueologia e na antropologia cultural, a referência à cultura ou a uma cultura seja a produção material, enquanto na história e estudos de cultura a referência é primariamente a sistemas simbólicos ou significantes” (Williams, 2015, p.53).

Williams define “a cultura dentro da categoria do “ideal” como “um estado ou processo da perfeição humana” (Williams, 1965, pg. 57), enquanto “a categoria “documental” passa por ser o conjunto de ideias criadas durante esse processo, um trabalho imaginativo e intelectual com as mais apreciadas obras de arte”. No geral, a cultura pode ser utilizada como destacável utilizando a sobreposição e desvalorizando outras culturas “inferiores”. (Williams, 1965) e (Malcolm Barnard, (2002), perante esta visão da cultura, refere que “a moda, o vestuário, ou qualquer tipo de ornamentação, não podem ser vistos da mesma forma”. O autor considera que este argumento faz parte de uma elite inserida e baseada na moda e no vestuário, designado apenas como adereço utilitário e que não podem ser caraterizados como arte. No entanto, de acordo com Jessica Bugg (1996), “a moda faz parte da cultura e até da identidade de um país: “Vestuário e moda são práticas incorporadas, que podem ser executadas, adotadas ou construídas para desafiar ou conformar-se às normas sociais, no entanto, a cultura dominante e os códigos de vestuário ajudam-nos a entender as sociedades.” .” (Bugg, 1996).

Contudo, Williams (2015), considera que existe outra forma de cultura baseada na aceitação da moda inserida dentro da mesma. O autor afirma que a palavra foi adquirindo ao longo dos tempos vários significados como “civilizado” ou “cultivado” como processo de desenvolvimento humano, tendo como referência, a Europa do século XVIII assumido uma evolução cultural padronizada socialmente. Segundo Segundo Barnard (2002), “esta interpretação da cultura pode ser vista como “modos de vida” de diferentes civilizações”. O autor refere que “apenas os produtos perfeitos e ideais da criação humana eram considerados como cultura, não só as belas artes, música e literatura, como instituições culturais, no que se pode considerar cultura, englobando todas as atividades e experiências, a moda e o vestuário, culturalmente”. A cultura está relacionada com hábitos e tradições do quotidiano e inserida num sistema de relações interculturais e sociais, em que a moda e o vestuário são considerados determinantes no circuito comunicativo e inter-relacional das pessoas na sociedade. “Não refletem apenas a sociedade em que estão integradas, a moda e o vestuário constituem esses grupos sociais e as identidades individuais de cada membro através da sua comunicação” (Barnard, 2002).

5.6. A fusão da arte e da moda

A fusão entre arte e moda determinam uma linguagem subjetiva cujas caraterísticas estão inseridas no contexto da moda contemporânea. Sobre as novas potencialidades da arte, Azevedo destaca que “a ironia passa a ter papel fundamental nessa época, admitindo projetos experimentais que profissionais jamais teriam permitido” (Azevedo, 2001, p.61-62) considerando que a intertextualidade entre moda e arte nem sempre é comum em todas as vertentes.

Na apresentação, os tecidos e o vestuário nem sempre são usados como arte em museus, mas usado como elemento principal “VII Colóquio de Moda”. Entre eles, os exemplos, tais como: as obras de arte do casal francês Christo e Jeanne Claude, em arte ambiental, na qual os monumentos são revestidos e ornamentados com ‘tecido’, oferecendo uma imagem descritiva e vestida com uma roupagem diferente. (ver fig. nº3).

Gerard Deschamps, realiza de forma interpretativa uma composição dos seus quadros, com a utilização de peças de roupas íntimas. ver fig. nº4).

Existem artistas que concretizam obras com tecidos e peças de roupa, como forma de comunicar ao público as suas criações artísticas do vestuário em museus expostas como peças exclusivas de intervenção artística. Neste caso, a arte serve de inspiração para os artigos do vestuário da moda, com uma maior aproximação e atratividade para o espetador. Entende-se que nem toda a roupa é arte, porém “existe uma moda que faz arte e uma arte que fala da moda” (Muller, 2000).

Nesta sequência, a moda e a arte potenciam a forma como os artistas participam em desfiles de catálogos, criadores de moda e manifestações de arte contemporânea. A relação entre as duas áreas é considerada um acontecimento internacional, cada uma no seu papel - “a moda e a arte conquista o estatuto de uma dinâmica efêmera”. “As instalações, cada vez mais presentes nas bienais, confirmam essa propensão”, propensão (Remaury, 1997 citado por Cidreira, 2005). Muitas das coleções na área do design de moda usufruem da arte como inspiração, com bons resultados na diferenciação e a valorização do produto. Stephen Sprouse, designer e artista plástico, inspirado nas obras de Andy Warhol, e de Jean-Michel Basquiat na sua coleção de vestuário no ano de 1988. (ver fig. 5).

Fig. 5 Obras de Stephen Sprouse. Fonte:https://www.wright20.com/artists/stephen-sprouse  

Damien Hirst, é considerado um dos artistas contemporâneos, através do lançamento da primeira coleção de roupas em parceria com a Levi’s, em 2007, cujo título foi Warhol Factory X Levi's, com referência dos artistas: Andy Wahrol, Jackson Pollock e Jean-Michel Basquiat (ver fig. nº6)

Neste sentido, a moda/arte coloca-os numa posição de destaque tornando-se imprescindível a procura constante de diferenciação, com recurso à inovação tecnológica para garantir a valorização de novos produtos.

5.7. Estilismo artístico

A moda está equiparada com determinados aspetos sob ponto de vista estético e formal assim como no caso do estilista investe na criação de um modelo, tendo como referência os tamanhos, as cores conjugadas com a harmonia.

Regra geral alguns estilistas utilizam a arte como fonte de criatividade e inspiração, apropriando-se de imagens que recolhem e das cores, do estilo de uma qualquer obra de arte ou conceitos, desenvolvendo estampas e formas, (Souza, 1996).

Constata-se na observação da forma como o estilista se apropria dos mesmos métodos do artista na criação de sua peça, o estilista pode ser considerado um artista, contudo existe uma diferença em relação ao consumo, Cidreira (2005, p.136) afirma que: “O estilista é visto e reconhecido no mundo da moda como um criador, que diante de varias ideias e propostas, poderá ir ao encontro dos anseios e desejos do consumidor em geral”. (ver fig. 7).

Fig. 7 Keith Haring/Jean- Charles Castelbajac. Fonte:https://www.sothebys.com/en/articles/jean-charles-de-castelbajac-frontiers-of-fashion  

Podemos verificar que um artista e um estilista são considerados dois criadores embora distintos, sendo que a criação do estilista possa ser mais vocacionada para o consumo, enquanto na criação do artista propriamente dito é mais direcionada para a apreciação da obra. Segundo Mendes e Haye, (2003, p. 95) “Schiaparelli foi a primeira estilista a trabalhar com coleções temáticas. “As suas roupas eram admiradas pela elegância e perfeito acabamento, de admiráveis detalhes”. “O estilista Alexander McQueen, fez das suas roupas um produto que acompanha a sociedade moderna, questiona a própria beleza ideológica do bizarro para revolucionar a ordem na elegância típica da alta-costura e da grande indústria das confeções,” (Cordeiro, 2010). Contudo as ideias do estilista Jum Nakao superaram o conceito de moda, que propõe um novo olhar sobre o mundo e que, por isso, tem um grande potencial transformador (Miyajima, 2010), com a realização de um desfile inovador Fashion Week (SPFW), a costura do invisível, onde o estilista chama a atenção para o luxo e as coisas simples. “A arte e a moda têm a mesma linguagem, completando-se para expressar ideias, no entanto os assuntos abordados pelos artistas e estilistas variam, podendo comunicar “tanto a expressão de uma ideologia quanto a crítica de uma sociedade ou reflexo de uma confusão de géneros” (Müller, 2000, p.4).

6. Conclusão

Neste estudo de revisão da literatura, podemos constatar que a arte e a moda sempre estiveram interligadas, tendo em conta que o conceito de moda resulta do processo do designer como reflexão, ideias, experiências e emoções tanto a nível das artes aplicadas como decorativas Loschek, (2009). [6]. Dentro desta panorâmica artística existem parecerias entre designers de moda, marcas e artistas como forma de associar a moda à arte. Ao criar vestuário poderemos considerar uma forma de arte com a aplicação destes conhecimentos a outras áreas da moda, como é o caso dos desfiles na importância do estilismo artístico de vanguarda da moda. O processo criativo do designer e do artista é influenciado por elementos que fazem da obra um reflexo do estado de espírito, e motivações do criador. Na verdade, a moda e a arte na sua conceitualidade sugerem diferentes interpretações sob ponto de vista funcional em termos de utilidade e funcionalidade. Assim, esta pesquisa pode servir como referência para novos estudos sobre a importância da arte e da moda, como forma de reflexão e representação da vida e da cultura na sociedade. É de realçar, no entanto, a realidade artística de determinado momento, e as composições artísticas que representam a contemporaneidade da moda. Verificou-se que ao longo dos tempos a moda se apropriou de elementos artísticos, assim como diversos artistas plásticos extraíram da moda elementos para as suas obras, como forma de alquimia que gerava interesse e atenção pelo público no desfile como forma de representação. Conclui-se que este estudo pode servir como referência para novas investigações, sobre a importância da arte e da moda como forma de reflexão e contextualização cultural não só como fator económico, mas com valores estéticos na sua simbologia.

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Recebido: 27 de Maio de 2022; Aceito: 15 de Maio de 2023

Correspondent Author: Ilda Monteiro, Av. Cor. José Maria Vale de Andrade Campus Politécnico 3504 - 510 Viseu Portugal, ilda_montei@hotmail.com

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