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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versão impressa ISSN 2184-0458versão On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.8 no.1 Braga jun. 2021  Epub 01-Maio-2023

https://doi.org/10.21814/rlec.3211 

Artigo Temático

Biopolíticas da Luz nas Cidades Modernas e Contemporâneas: Do Olhar-Luz Disciplinar às Luzes Operacionais de Controle

Antoine Nicolas Gonod d’Artemare1 
http://orcid.org/0000-0003-2728-8641

1Escola Superior de Propaganda e Marketing, Rio de Janeiro, Brasil


Resumo

Neste artigo, buscaremos explicitar algumas das relações entre luz e biopolítica na ci- dade moderna e na contemporânea. Consideramos a luz como uma estimulação externa ca- paz não apenas de atingir e sensibilizar os corpos como também de agir, de diversas formas e em diferentes graus, sobre eles. A partir dessa premissa, nos perguntaremos de que maneira, na modernidade e na contemporaneidade, as materialidades e práticas luminosas do espaço urbano teriam a capacidade de influenciar, determinar, capturar, vigiar, disciplinar e controlar as opiniões, discursos e práticas dos indivíduos. Com o intuito de esboçar alguns elementos parciais de resposta a essa abrangente problemática, buscaremos demonstrar, em um primeiro momento, de que maneira a iluminação pública da Paris moderna poderia ser encarada como uma tecnologia disciplinar. Em seguida, nos perguntaremos de que modo a luz poderia, ain- da na contemporaneidade, participar de diversas estratégias de poder. A partir de Paul Virilio (2002), argumentaremos que houve um deslocamento nas estratégias de controle por meio da luz em relação a épocas anteriores. Retomando uma distinção proposta pelo autor, queremos delinear dois regimes: o primeiro, oriundo da modernidade, que se caracterizaria pelo emprego de “luz direta”; ao qual se acrescentaria hoje um segundo regime de “luz indireta”, próprio às sociedades de controle. Desse modo, procuraremos desnaturalizar nossa relação com a luz, no contexto da cultura ocidental, e reconhecer seu protagonismo ao serviço de foto-políticas, termo que propomos para designar algumas das instrumentalizações (bio)políticas da luz. Por fim, analisando obras e práticas luminosas insurgentes da contemporaneidade, buscaremos refletir sobre possíveis estratégias através das quais poderiam ser erguidas contraluzes.

Palavras-chave: biopolítica; genealogia; luz; mídia; política.

Abstract

In this article, we seek to explain some of the relationships between light and biopolitics in modern and contemporary cities. We consider light as an external stimulation capable of not only impacting and sensitizing bodies, but also influencing them in different ways and to different degrees. Based on this premise, we ask ourselves how, in modernity and in contemporary times, the luminous materialities and practices of urban space have the capacity to influence, determine, capture, monitor, discipline and control the opinions, discourses and practices of individuals. In order to outline some partial elements of response to this wide-ranging problem, we first try to demonstrate how public lighting in modern Paris can be considered a disciplinary technology. Then, we ask how light can, even today, participate in different power strategies. Starting with Paul Virilio (2002), we argue that there has been a shift in control strategies through light in relation to previous times. Subsequently, a distinction is proposed by the author, outlin- ing two regimes: the first, coming from modernity, is characterized by the use of “direct light”; to this, we can now add a second regime of “indirect light”, characteristic of societies of control. Thereby, we attempt to denaturalize our relationship with light, in the context of western culture, and recognize its role in the service of photo-politics, a term that we propose to designate some of the (bio)political instrumentalizations of light. Finally, analyzing contemporary insurgent luminous artworks and practices, we reflect on the possible strategies through which insurgent lights could be raised.

Keywords: biopolitics; genealogy; light; media; politics

Luzes Modernas: Paris, Cidade do Olhar-Luz Disciplinar

Em uma sátira intitulada “Les Embarras de Paris” (Os Constrangimentos de Paris), o escritor francês Nicolas Boileau (1872) descreve a atmosfera caótica que reinava, à noi- te, nas ruas parisienses, na segunda metade do século XVII. Os perigos descritos pelo autor suscitam-lhe apreensões e temores de tal modo que não se arrisca a sair depois do pôr do sol, refugiando-se em casa. Sobre a Paris noturna, em um poema, ironiza:

a mata mais funesta e menos povoada / É ainda, comparada a Paris, um lugar de resguardo. / Azar daquele que, então, por uma questão imprevista

/ Aventura-se, pouco tarde demais, e na rua se arrisca? / Logo quatro bandi- dos aproximando-se irão emboscá-lo, / Seu dinheiro!... É preciso render-se; ou não, lutai, / Para que vossa morte, de trágica memória, / Dos mártires famosos abarrote a história. (...) / Ouço gritos, por toda parte: Socorro! Estou sendo assassinado! (Boileau, 1872)

Não é de admirar que, diante da “terra de ninguém” descrita por Boileau, as autoridades tenham buscado meios para domesticar essa “selva noturna”, como ocorre, em 1667, com a introdução, em Paris, da iluminação pública por meio de um decreto real (Schivelbusch, 1983/1993, p. 75).

A busca por maior segurança através da iluminação pública na capital francesa é, todavia, anterior ao século XVII. Em seu livro La Nuit Désenchantée(A Noite Desencantada), o historiador cultural alemão Wolfgang Schivelbusch (1983/1993) relata como, desde suas formas mais arcaicas, no final da idade média, a iluminação pública já tencionava introduzir uma ordem na perigosa balbúrdia noturna. Os temores da noite medieval resultavam na interrupção das atividades diurnas bem como num recolhimento íntimo nas casas:

a comunidade medieval, a cada anoitecer, se preparava tal qual a tripulação de um barco diante da tempestade que se aproxima. Com o lusco-fusco, ini- ciava-se o recolhimento à intimidade, o que se traduzia por uma atividade generalizada; todo mundo se trancafiava. Primeiro fechavam-se as portas da cidade, que eram reabertas ao nascer do sol. (...) Da mesma forma acon- tecia em cada casa, passavam-se as chaves nas portas e, frequentemente, a chave era até mesmo confiscada durante a noite pela autoridade pública. (Schivelbusch, 1983/1993, p. 71)

Em Paris, um decreto de 1380 proclama obrigatório tal confinamento da população: “à noite todas as casas são fechadas e as chaves são entregues ao magistrado. Ninguém está autorizado a entrar ou sair de uma casa, a menos que se dê ao magistrado uma justificativa válida” (Trébuchet, 1843, como citado em Schivelbusch, 1983/1993, p. 72). Verifica-se, pois, como os receios frente ao cenário noturno justificavam a aplicação de medidas restritivas pelas autoridades, que passam a controlar o movimento e as atividades da população. Para assegurar essa interdição de circulação, porta-lanternas munidos de armas e tochas esquadrinhavam o território ao projetarem suas luzes. Schivelbusch (1983/1993) descreve esse movimento:

enquanto os habitantes de uma cidade, na Idade Média, estavam tranca- fiados em suas casas como a tripulação de um barco em seu interior, os porta-lanternas estavam patrulhando do lado de fora. Eles controlavam a terra de ninguém onde não se tinha o direito de caminhar, já que o toque de recolher reinava todas as noites. (p. 72)

Para Schivelbusch (1983/1993), os porta-lanternas permitiam não só iluminar o caminho das restritas movimentações noturnas como também designar e tornar visíveis essas luzes como símbolos do poder. Dessa forma, a deambulação do porta-lanterna nos parece ambicionar, ainda, uma ocupação sensorial do espaço através da luz.

Se os porta-lanternas constituem, de certo modo, uma forma primitiva de iluminação pública, o autor relata como novas técnicas não tardariam a chegar. É já na segunda metade do século XVI que se materializam os primeiros rascunhos da iluminação pública nas ruas da capital francesa. Em 1551, o parlamento emitiu uma ordem para que os moradores da cidade

amarrassem todas as noites, antes das seis horas, durante os meses de novembro, dezembro e janeiro, em cada hotel, uma lanterna abaixo das janelas do primeiro andar, em um lugar conveniente e aparente, com uma vela acesa para iluminar a rua. (Schivelbusch, 1983/1993, p. 73)

Mais do que simplesmente iluminar a rua, essa prática, argumenta Schivelbusch (1983/1993), ambicionava tornar visível às autoridades a posição de cada habitação para que se introduzissem estrutura e ordem na cidade à noite.

No final do século XVII, essas primeiras realizações ganharam uma organização mais centralizada, quando, em 1667, o monarca francês decreta a iluminação pública obrigatória. Essa mudança fazia parte de uma série de medidas lançadas durante o pe ríodo da monarquia absolutista francesa que visavam a modernização das ruas e que envolviam, além da iluminação, o alinhamento das casas e a gestão, pelas autoridades, da pavimentação das vias. Doravante, a instalação das lanternas na rua não seria mais responsabilidade dos habitantes, mas das autoridades públicas através do intermédio da polícia, encarregada de sua minuciosa, criteriosa e drástica regulamentação (Schivelbusch, 1983/1993, pp. 74-75).

É significativo o fato de que, como relata o Schivelbsuch (1983/1993), o revérbero - modelo de candeeiro de iluminação pública (Figura 1) - tenha decorrido justamente de um concurso organizado pela polícia parisiense no ano de 1763. A inovação desse aparelho residia no fato de que permitia acoplar um refletor metálico à lanterna, aumentando consideravelmente seu rendimento luminoso. Podemos, portanto, nos perguntar se a busca de uma potencialização luminosa das lanternas não seria indissociável da busca por uma maior eficiência de vigilância e controle da população. Essa inter-relação entre a luz e o aparelho securitário se torna ainda mais evidente se considerarmos, como relata o autor, que a iluminação pública ocupava, no século XVIII, a maior despesa no orçamento da polícia parisiense (Schivelbusch, 1983/1993, p. 85).

Fonte. De Les Merveilles de la Science, por L. Figuier, 1867 (https://fr.wikisource.org/w/index.php?title=Fichier:Figuier_-_Les_Merveilles_de_la_science,_1867_-_1891,_Tome_4.djvu&page=3). Em domínio público.

Figura 1: Desenho de Revérbero de Iluminação Pública  

Paris contava, no final do século XVIII, com 3.500 revérberos que vigiavam a cidade noturna (Schivelbusch, 1983/1993, p. 84). No início do século XIX, essa presença luminosa conhece um crescimento importante atingindo 5.000 candeeiros em 1814 e 9.000 em 1826 - quando foi introduzido a iluminação a gás -; e, por fim, 10.000 em 1828 (Benjamin, 1982/2009, p. 608). Em consequência, a iluminação pública não apenas passou a aclarar o tecido urbano e os corpos que nele circulam como também diminuiu a possibilidade de permanecer despercebido na cidade noturna. “Não há esquina, nem um cruzamento, / Que o candeeiro não ilumine”, diziam a respeito das ruas parisienses, já no final do século XVIII, os versos do poeta francês Jacques Fournier, transcritos por Walter Benjamin em seu projeto de livro Passagens (Fournier, 1854, como citado em Benjamin, 1982/2009, p. 612). Essa superexposição que atingiu os moradores da capital, transparece também nos relatos em torno dos porta-lanternas, ainda presentes no final do século XVIII como serviço de iluminação móvel (Schivelbusch, 1983/1993, p. 78). Em seu Tableau de Paris (Cenas de Paris), publicado em 1781, o erudito Louis-Sébastien Mercier (como citado em Schivelbusch, 1983/1993) descreve essas luzes que rodavam pela cidade:

Esses deambuladores, segurando a lanterna acesa, estão ligados à polícia e veem tudo o que acontece; e os patifes que, nas ruelas, gostariam de negociar com as fechaduras, não têm mais o lazer diante dessas luzes imprevisíveis. (…) O porta-lanterna se deita muito tarde, prestando conta, no dia seguinte, de tudo aquilo que observou. Nada contribui melhor para a manutenção da ordem e para a prevenção de acidentes do que essas lanter nas circulando de uma esquina a outra, impedindo por sua súbita presença os delitos noturnos. (p. 78)

Através desses diferentes relatos, torna-se perceptível como a história da ilumi- nação pública testemunha a busca por uma visibilidade total. Visibilidade essa justa- mente necessária ao bom funcionamento do poder disciplinar, como descreve Foucault (1975/1999) em Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão:

o exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visí veis aqueles sobre quem se aplicam. Lentamente, no decorrer da época clássica, são construídos esses “observatórios” da multiplicidade humana para as quais a história das ciências guardou tão poucos elogios. Ao lado da grande tecnologia dos óculos, das lentes, dos feixes luminosos, unida à fundação da física e da cosmologia novas, houve as pequenas técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas, dos olhares que devem ver sem ser vistos; uma arte obscura da luz e do visível (enfase adicionada) preparou em surdina um saber novo sobre o homem, através de técnicas para sujeitá-lo e processos para utilizá-lo. (p. 143)

Por essa razão, o poder disciplinar supõe uma luz omnipresente, expositiva, total, que não deixe nenhuma sombra. Sua forma ideal, à imagem do panóptico de Bentham1, seria a de um dispositivo que tornasse possível um olhar onisciente e incessante:

ponto central (que) seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem. (Foucault, 1975/1999, p. 146)

Um olhar-luz que permitiria a vigilância e garantiria, dessa forma, o funcionamento desse poder. Pela maneira como expressa a busca por uma visibilidade total, considera- mos ser a iluminação pública parisiense parte integrante dessa arte obscura da luz e do visível, mobilizada pelo poder disciplinar.

A implementação da iluminação pública e sua participação em estratégias biopo líticas é justamente um dos elementos ressaltado por Paula Sibilia (2002) em seu livro O Homem Pós-Orgânico. Nele, a autora assinala como a iluminação pública fez parte de uma série de medidas que, na modernidade, estruturaram, de maneira progressiva e duradoura, o espaço urbano. A partir do relato de Walter Benjamin em “A Paris do Segundo Império em Baudelaire”, Sibilia (2002) assinala como, no texto, “são relembradas as tentativas governamentais de colocar uma camisa-de-força na confusa organização urbana da época, propiciando seu ordenamento com vistas à sujeição e à normalização dos habitantes” (p. 160).

A “extensa rede de controles” que, desde a revolução francesa, “vinha apertando cada vez mais a vida burguesa nas suas malhas”, não foi sempre acolhida positivamente pela população (Benjamin, 1982/2009, p. 49). Assim, o censo dos imóveis - atribuição de um número de identificação a cada prédio - despertou a relutância da população: “quando se pergunta a um habitante desse subúrbio pela sua morada, ele dirá sempre o nome da casa onde mora, e nunca o frio número oficial” (Benjamin, 1982/2009, p. 49). Ainda que em contextos distintos, uma resistência semelhante ocorre com o esta belecimento da iluminação pública, conforme lemos em Edgar Allan Poe e Robert Louis Stevenson, explica Sibilia (2002). Poe (1887, como citado em citado em Sibilia, 2002) reclama da obstinada “luta contra o anoitecer” que a iluminação pública representa e, por sua vez, Stevenson (1924, como citado em Sibilia, 2002) expressa sua indignação em termos expeditivos e contundentes: “essa luz só deveria cair sobre assassinos ou sobre criminosos de rua ou, então, iluminar o caminho em manicômios; ela é feita para aumentar o terror” (p. 160).

Para Schivelbusch (1983/1993), através da iluminação pública se materializa tam- bém um combate simbólico pelo poder. Da mesma forma que os porta-lanternas da idade média buscavam tornar presente a representação luminosa do poder nas ruas, as lanternas postas na segunda metade do século XVII por ordem do Rei Sol materializavam simbolicamente a dominação luminosa do monarca sobre seus sujeitos. O autor comenta:

nada ilustra melhor a ruptura com a antiga iluminação das casas que a posição das novas lanternas na rua. Elas eram penduradas a uma corda esten- dida sobre a rua de modo que se posicionassem exatamente no meio dela - pequenos sóis, elas representavam o grande Rei-Sol que havia ordenado sua colocação (...). (As) lanternas eram os novos emblemas da soberania, elas manifestavam claramente a autoridade de quem iluminava e dominava as ruas. (Schivelbusch, 1983/1993, p. 76)

Deslocadas para o centro da rua, as lanternas passariam a irradiar o poder do grande Rei Sol e asseguram, dessa forma, a visibilidade dos seus súditos. Ora, estima Schivelbusch (1983/1993), é justamente por se tornarem símbolos do poder que as luzes foram - em determinados momentos históricos - alvo de diversas tentativas de destruição. O autor relata como, durante uma insurreição em julho de 1830 em Paris, as lanternas foram atacadas pelos insurgentes: “o povo enfurecido percorre as ruas, quebra as lanternas, convoca os cidadãos à luta, clama por vingança”, relata uma testemunha ocular (Briefe aus Paris, 1831, como citado em Schivelbusch, 1983/1993, p. 88). Em meio aos combates de rua, outro observador descreve como, assim que “a noite veio a encobrir a capital com seu manto escuro, (...) as pessoas começaram a quebrar todos os candeeiros” (Cuisin, 1830, como citado em Schivelbusch, 1983/1993, p. 88). Para além da dimensão simbólica dessas destruições - se a luz policial impunha uma ordem, sua aniquilação buscava reencontrar certa liberdade na desordem perdida -, Schivelbusch assinala a dimensão estratégica concreta desses atos: com as ruas no breu, o exército real retratava-se e não ousava sair de suas bases. A escuridão em que mergulhava o território tornava-o incontrolável pelas autoridades, conclui o autor.

Luzes Operacionais Contemporâneas: Do Panóptico ao Paróptico

Como observamos, as diversas materialidades e práticas da luz da Paris moderna possuíam, para além da ambição de tornar a capital segura à noite, um papel chave tan to no mantimento da ordem no que se refere à vigilância da população e à aplicação de medidas disciplinares sobre ela2. Os indivíduos, doravante expostos, visíveis e vigiáveis, encontravam-se submetidos a um olhar-luz disciplinador. Nos perguntaremos agora de que modo a luz poderia, na contemporaneidade, participar de tais estratégias de poder. Esse controle ainda passaria pela questão da visibilidade através da iluminação, tal como assinalamos anteriormente, ou haveria algum deslocamento nas técnicas de vigi lância mais eficazes em relação às épocas anteriores? E, considerando essas eventuais transformações históricas, de que forma a reapropriação da luz poderia significar um enfrentamento ao poder?

O filme-instalação Gegen-Musik (Contra-tempo), do diretor Harun Farocki (2004), nos permite refletir sobre essas questões. A obra é um díptico audiovisual através da qual Farocki ambiciona realizar um remake atualizado do filme Man With a Movie Camera (Um Homem Com uma Câmera) de Dziga Vertov (1929). De forma semelhante, Farocki (2004) narra o dia de uma cidade3, contudo, ao contrário de Vertov (1929), faz essa narração a partir das imagens de diversos dispositivos que ocupam, controlam, regulam e vigiam o espaço urbano no século XXI. Assim, o filme retrata a cidade através de visua lidades-engrenagens que permitem seu movimento: imagens de câmeras de vigilância nas ruas (Figuras 2 e 3), praças públicas, metropolitano (Figura 4) e centros comerciais, além de registros de câmeras infravermelhas das redes de canalização de esgotos (Fi gura 5), aos quais se somam os gráficos de circulação das águas, dos carros (Figura 2) e trens (Figura 6) ou, ainda, imagens de controle médico de pacientes em observação hospitalar (Figura 7).

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 2: Imagens Operacionais da Circulação Viária  

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 3: Imagens Operacionais - Imagens de Câmera de Vigilância no Espaço Público (Letreiros de Vitrine)  

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR

Figura 4: Imagens Operacionais - Imagens de Câmera de Vigilância do Metropolitano  

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 5: Imagens Operacionais das Canalizações de Esgotos  

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 6: Imagens Operacionais - Geolocalização dos Trens no Painel do Centro de Controle  

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR

Figura 7: Imagens Operacionais - Gráficos Respiratórios e Cardíacos Produzidos em Laboratório de Sono  

Todas essas imagens formam um conjunto visual que corresponde ao que o dire tor conceituou como imagens operacionais. Tais imagens são, de acordo com o diretor, imagens objetivas que não são feitas para serem assistidas, mas que possuem uma função específica dentro dos dispositivos e aparatos dos quais fazem parte (e.g., imagens produzidas numa linha de montagem industrial, cuja única função é proceder a um con trole de qualidade, ou, ainda, no âmbito que nos interessa mais diretamente, imagens de dispositivos de vigilância, de reconhecimento facial, de detecção de presenças, etc.). Imagens, em suma, das quais Farocki destaca o caráter funcional e descartável: “apenas em casos excepcionais as fitas não são apagadas e reutilizadas”, explica o diretor (Eh mann et al., 2019). “As imagens dizem: aquilo que há para ser visto não importa”, refere o diretor (Ehmann et al., 2019). Importa, antes, a maneira como elas fazem funcionar diversos dispositivos na cidade contemporânea.

Esta obra permite perceber também a maneira pela qual a luz tem sua importância reiterada, embora também alterada ou complexificada, para o funcionamento da cidade contemporânea. “Direcionamos as câmeras de vigilância para as luzes de rua para flagrar o momento em que acendem”, descrevem umas cartelas no filme (Farocki, 2004, 00:08:08). Depois de uma longa espera, o raiar dos diferentes postos de iluminação é capturado pelas diversas câmeras de vigilância (Figura 8). Antes mesmo que a luz azul do dia tenha plenamente desaparecido, a luz avermelhada da iluminação pública assegura luminosidade e visibilidade nas ruas escurecidas. É importante ressaltar que é através da luz da iluminação pública que se torna aqui possível a produção de imagens de vigilância durante a noite, sem a qual as imagens produzidas se aproximariam do breu. A partir do filme, percebemos como a luz participa hoje - em coerência com seu uso na modernidade - de diversos dispositivos de controle no espaço urbano. Apesar dessa aparente continuidade, porém, cabe questionar quais diferenças qualitativas e quantitativas poderíamos enxergar nas luzes contemporâneas.

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 8: Luzes Operacionais Possibilitando a Vigilância  

Em seu livro La Nuit: Vivre Sans Témoin (A Noite: Vivendo sem Testemunhas), Michael Fœssel (2017) elabora possíveis elementos de reposta. Fœssel percebe o surgimento, na contemporaneidade, de uma nova qualidade de luz - luz branca - que conviria tanto às rítmicas ininterruptas do capitalismo neoliberal quanto ao funcionamento dos diversos aparatos mobilizados por estratégias securitárias. Essa nova qualidade da luz, que a torna indiferente à hora, inundaria doravante espaços como centros comerciais e open spaces com um brilho que seria “um puro artefato cuja finalidade não é de iluminar senão de criar um espaço em que os movimentos dos corpos e a disposição das coisas se tornam apreensíveis em um único olhar” (Fœssel, 2017, p. 85). A luz branca produziria, portanto, um espaço sem sombras em que não se poderia mais escapar à visibilidade. Uma luz que, como nota Fœssel (2017), apresenta qualidades convenientes aos dispositivos de vigilância, já que as “câmeras de vídeo-segurança estão perfeitamente adaptadas a essa brancura sem sombra” (p. 86).

Enxergar na luz branca o elemento central no deslocamento das relações de poder através da luz hoje em dia nos parece, contudo, uma resposta incompleta à problemática. Para além dessa luz branca, a obra de Farocki (2004) assinala a emergência de ou- tras visualidades que, na cidade contemporânea, fazem parte de diversos mecanismos de controle. Trata-se de imagens mais abstratas, algorítmicas, menos representativas e mais informativas, como os gráficos respiratórios e cardíacos produzidos no laboratório de sono (Figura 7), que integram o conjunto das imagens operacionais. De modo semelhante, cabe mencionar imagens como as da geolocalização dos trens no painel do centro de controle, as dos dispositivos automáticos de detecção de presença ou de contagem de pessoas ou, ainda, as do espectro colorido da passagem do trem de alta velocidade filmado por uma câmera de controle (seria esta uma imagem térmica?). To- das elas constituem exemplos de como o filme de Farocki flagra a expansão da vigilância rumo às frequências e aos regimes mais amplos de visibilidade e luminosidade hoje em vigor. Como no caso desse sistema destinado a contabilizar os indivíduos passando numa massa (Figura 9) e produzindo, assim, uma operação individualizante tão cara aos mecanismos de controle, como provavelmente alude Farocki ao texto deleuziano. Pois, como explica Deleuze (2013), na sociedade de controle os indivíduos “tornaram-se ‘dividuais’, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou ‘bancos’” (p. 226).

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 9: Dispositivo de Contagem Automática de Pessoas  

O filme apresenta também os bastidores de uma central de controle de trens de alta velocidade, situada na cidade francesa de Lille, em que uma expressiva quantidade de monitores alinhados em série permite observar - graças à teletransmissão eletrônica das imagens - os diversos espaços da rede ferroviária. Neste centro de controle, che gam mais de 1.200 câmeras cujas imagens, produzidas sem operadores humanos, registram de modo simultâneo e automático os diversos espaços a serem monitorados. Dispositivos de câmeras controladas por computadores produzem uma visão ubíqua e maquínica que lembra fortemente as “máquinas de visão” descritas por Paul Virilio (1988/1994). Dispositivos esses que, explica o autor, são capazes não apenas de monitorar como também de analisar e interpretar automaticamente o que está em sua frente, dando luz a uma “percepção automática” (Virilio, 1988/1994, p. 87), a uma “visão sem olhar” (Virilio, 1988/1994, p. 86). Máquinas, portanto, através das quais a cidade se tor- na “sensível” e passa a observar e vigiar seus habitantes.

Luz Indireta: A Emergência de um Novo Regime de Visibilidade

Podemos nos perguntar, então, se tais visualidades não seriam reveladoras também da emergência de uma nova qualidade de luz que iluminaria e exporia os corpos e objetos de uma forma indireta e que permitiria, graças a isso, o acréscimo de novos mecanismos de controle. Tal é o argumento de Virilio (2002) no capítulo “La Lumière Indirecte” (A Luz Indireta) de seu livro L´Inertie Polaire (A Inércia Polar). Nesse texto, o autor se surpreende primeiramente com o surgimento generalizado, no final da década de 1970, de telas de vídeo e de câmeras de vigilância que passaram a se difundir no es- paço urbano da cidade de Paris. Não por acaso, recorda o autor, essa proliferação se deu pouco tempo depois de 1968, ano marcado por intensas revoltas estudantis e operárias no território francês. Desde então, essas câmeras passariam a não apenas vigiar as ruas e as encruzilhadas da capital, mas também as entradas das grandes escolas e universidades, por exemplo.

Com a disseminação desses equipamentos de videoscopia4, teria emergido uma nova qualidade de luz: a luz indireta, descrita, assim, por Virilio (2002):

ao dia do tempo astronômico, deveria então logicamente ser adicionado o dia da velocidade técnica: desde o dia químico das velas, ao dia elétrico da lâmpada de Edison (inventor também do kinetoscópio), até o dia eletrônico dos terminais informáticos, esse falso dia da luz indireta, luz da velocidade da luz propagada pelas ondas, esses emissores/receptores e outros geradores de visão da duração (enfase adicionada). (p. 119)

Assim, aos regimes químicos e elétrico, acrescenta-se uma nova qualidade de luz, indireta, de natureza eletrônica. Isso insinua um deslocamento nos modos de produção de visibilidade: embora a luz permaneça responsável pela revelação das aparências sensíveis, “é doravante sua velocidade que ilumina, que dá a ver, e não mais o dia solar ou o falso dia da eletricidade” (Virilio, 2002, p. 108). Trata-se aqui, portanto, menos de uma luz no sentido tradicional - como irradiação eletromagnética contida na faixa do visível - do que uma luz sem luz, de uma luz eletro-óptica, de uma luz paróptica5, de uma luz digital (algorítmica?). Essa luz, acrescenta Virilio (2002), não se embasa nas leis da ótica moderna (segundo as quais as lentes transmitem passivamente a luz), mas nas da ele trônica e da informática (segundo as quais os dispositivos envolvidos têm a capacidade de produzir ou amplificar um sinal). De certa forma, trata-se de uma luz mais abstrata, próxima à ideia de visibilidade oriunda da conexão.

Esse deslocamento teria também importantes repercussões nas tecnologias de vigilância, conforme argumenta o autor (Virilio, 2002), já que a luz indireta, de natureza eletro-óptica, permitiria a apresentação e o controle de objetos ou sujeitos à distância e em tempo real. Dessa forma, o ato de ver, na contemporaneidade, não estaria limita- do à “iluminação direta” da coisa em sua presença. Agora, os dispositivos operariam também remotamente, ultrapassando a necessidade de presença física para efetuar a vigilância - ela se faria, então, onipresente e, portanto, onisciente. Sendo assim, ao contrário da “iluminação direta” da luz elétrica, que teria produzido uma vigilância em escala local, a “iluminação indireta”, própria das novas mídias videoscópicas, teria por sua vez transformado os mecanismos de vigilância locais em mecanismos de alcance global. Essa nova qualidade de luz teria, portanto, acrescenta Virilio (2002), uma função análoga à lâmpada testemunha6 cujo objetivo principal seria o de iluminar os meios em que fosse difundida, os tornando visíveis, vigiáveis e controláveis. Ao ultrapassar as limitações espaciais, a luz indireta ignora a separação entre a esfera pública e privada e passa, desse modo, a expor os corpos nesses diferentes espaços.

Pela maneira como possibilita esses novos mecanismos de vigilância, a luz indireta é indissociável da emergência e da consolidação das tecnologias de controle, tal como descritas por Deleuze (2013) em seu texto “Post-Scriptum Sobre as Sociedades de Controle”. Nesse breve ensaio, que data do início da década de 1990, o filósofo pro- põe uma atualização dos mecanismos de poder disciplinares formulados por Foucault. Segundo Deleuze, no final do século XX, teria havido uma intensificação do alcance espaço temporal dos mecanismos de poder, de tal modo que não haveria mais interstícios de espaço ou de tempo em que se poderia escapar a seus efeitos. Mais apertada que a trama disciplinar, o novo agenciamento do controle passaria a ser “de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado” (Deleuze, 2013, p. 228). Submetidos a dispositivos de rastreamentos constantes e vigiados continuamente por computadores, os indivíduos das sociedades de controle estariam, de acordo com Deleuze, permanentemente e em todo lugar, sob o efeito de um poder capaz de exercer esse tipo de controle. O próprio autor assinala a importância da obra de Virilio para a compreensão desses novos mecanismos de poder ultrarrápidos, que operariam ao ar livre e de maneira contínua.

Superexposição às Luzes Operacionais na Contemporaneidade

A maneira pela qual as tecnologias contemporâneas mobilizam uma visibilidade para além da capacidade da visão humana é também assinalada por Jonathan Crary (2013/2016) em seu livro 24/7 Capitalismo Tardio e os Fins do Sono. Convergindo com os argumentos de Virilio (2002) e Deleuze (2013), Crary (2013/2016) assinala a existência de um “panopticismo modernizado” que teria se expandido “muito além das ondas visíveis de luz, em direção a outras regiões do espectro” (p. 25). Ao mobilizar “diversos tipos de escâneres não ópticos e sensores térmicos e biológicos”, os mecanismos de vigilância não estariam mais restritos à lógica do visível (Crary, 2013/2016, p. 25). Câmeras de vigilância, dispositivos de reconhecimento de presença (Figura 10) e/ou facial ou de rastreamento (telefones celulares, aplicativos etc.) são alguns exemplos das novas formas através das quais se lograria, hoje, uma vigilância que desconsidera as fronteiras entre o espaço público e privado, apoiada em uma visibilidade mais abstrata.

Fonte. De Gegen-Musik (23 minutos) por H. Farocki, 2004, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2004 de Harun Farocki/Le Fresnoy. Cortesia de Harun Farocki GbR.

Figura 10: Imagens Operacionais de um Dispositivo de Reconhecimento de Presença  

Mas não só: para Crary (2013/2016), essas diversas estratégias luminosas de poder integrariam um conjunto maior no qual ele propõe enxergar um regime de luminosidade 24/7. O autor parte da análise de uma série de pesquisas, eventos e empreendimentos que revelariam uma busca, na contemporaneidade, pela ultrapassagem da discrepância existente entre as tessituras rítmicas humanas (cíclicas e inerentemente limitadas pelas condições fisiológicas dos seres vivos, que necessitam, imprescindivelmente, de descanso e sono) e os ritmos ininterruptos dos mercados (automáticos, pautados nas rítmicas técnicas e inorgânicas). A partir dessa constatação, Crary (2013/2016) assinala a consolidação hoje de uma temporalidade 24/7 de produção, atividade e consumo contínuos, que desencadeariam uma iluminação perpétua e por ela seriam catalisados (pp. 11-38).

Diante desse novo ritmo ininterrupto, Crary (2013/2016) percebe que a “noite” - entendida como símbolo da necessidade de descanso, de reflexão ou de devaneio

não possuiria mais espaço. Em consequência, tanto as subjetividades quanto as re lações sociais estariam afetadas por essa nova cadência. Por um lado, os indivíduos encontrar-se-iam, doravante, em um regime de conexão permanente diante de diversos dispositivos e redes sociais. O autor entende que, estimulados, magnetizados e, certas vezes, neutralizados pelo brilho ininterrupto do mundo 24/7, eles tenderiam a um esta- do de atenção difusa e a uma conduta semiautomática. A estimulação seria tal que, no limite, tais sujeitos abdicariam até de seu próprio sono para alinhar-se com essas novas tessituras rítmicas. Por outro lado, ainda que não pretendamos nos deter sobre esse aspecto, convém assinalar os vários efeitos desencadeados por esse regime de luz sobre o tecido social: a atrofia da experiência compartilhada e do encontro ou, ainda, o declínio da paciência e da espera, são algumas das constatações feitas pelo autor em seu livro7.

Assim, o regime de luz 24/7 delineado por Crary (2013/2016) não apenas assinala as ambições por uma visibilidade completa que permitiria criar as condições de controle da população (p. 25); como também impacta, de modo mais amplo, as tessituras rítmicas dos modos de viver contemporâneos. Após caracterizar esse novo regime mediante imagens vinculadas à iluminação contínua, o autor atenta para o fato de que não devemos considerá-las literalmente, sob o risco de limitarmos o entendimento do conceito. Sugere, portanto, entender essas imagens como simbólicas dessa nova temporalidade. Nessa perspectiva, o autor argumenta que, ao monopolizar a atenção dos indivíduos, o clarão desse regime de luz acarretaria também a “perda da capacidade de sonhar acordado ou de qualquer tipo de introspecção distraída que costuma ocorrer nos interregnos de horas lentas ou vazias” (Crary, 2013/2016, p. 97). Tudo está iluminado. Não há sombra que possibilite o pensamento nem a fuga da realidade e a experiência de outros mundos possíveis.

As imagens e luzes operacionais expostas por Farocki (2004) em Gegen-Musik tan- to revelam como são parte integrante desses novos mecanismos de poder descritos por Virilio (2002), Deleuze (2013) e Crary (2013/2016). Ao assistir ao filme Gegen-Musik, torna-se evidente que estamos expostos de maneira constante, na contemporaneidade, a diversas luzes (diretas ou indiretas) que operam, sobre nós, diversos controles. Produzimos, sob a luminosidade artificial e contínua dessas lâmpadas-testemunhas, rastros e reflexos (dados) de todo tipo, e isso de maneira mais ou menos inconsciente, involuntária e ilegal. Poderia mesmo ser argumentado que se tornou impossível viver, nas cidades contemporâneas, na (inexistente) sombra desses potentes refletores.

Desde que Virilio (1988/1994, 2002) e Deleuze (2013) escreveram seus respectivos textos, de certa forma proféticos, na década de 1990, grandes mudanças nas tecnologias de luz indireta aconteceram e foram acompanhadas por uma intensificação das tecnologias de controle. Entre essas transformações, destaca-se o crescimento exponencial da utilização de telefones celulares, cuja tela passou a projetar sobre seus usuários uma contínua e expositiva luz indireta. Em 2017, contabilizava-se cerca de 5.000.000.000 de telefone celulares no mundo, e projetava-se que esse número chegasse até 5.900.000.000 em 2025 - o que deveria representar 71% da população nesse futuro próximo (“Núme ro de Usuários Únicos de Celular Chega a Cinco Bilhões no Mundo”, 2018).

Em várias partes do mundo, a iluminação pública implantada nos tempos modernos também está vivenciando uma importante atualização. Em linhas gerais, para além da substituição das lâmpadas mais antigas por outras mais recentes e econômicas (de tecnologia LED), iniciativas públicas e privadas propõem igualmente transformar a iluminação pública em uma iluminação pública inteligente. Através dessa noção, propõe-se basicamente converter o velho poste de luz em um poste de luz conectado que abarcaria, para além dos refletores, diversos sensores de análise e monitoramento cujos dados poderiam servir à gestão da cidade, assim como se tornariam potencialmente monetizáveis. Não apenas câmeras de videomonitoramento, mas também sensores de nível de água, de lixo, de estacionamento, de deslocamento das pessoas, são algumas das infinitas possibilidades de dispositivos que o novo poste de luz poderia acolher. Além de sua tradicional luz direta, o poste passaria (e já passa, em certos espaços8), portanto, a emitir também uma luz indireta sobre os corpos que transitam pelo espaço público.

Se esses avanços abrem, por um lado, as portas para inúmeros benefícios em termos de gestão urbana, inquietamo-nos, por outro lado, a respeito de como eles poderiam difundir e “normalizar” a utilização de tecnologias de controle por meio de luz indireta. Com essas mudanças, o poste de luz, elemento tão difundido no território urbano, poderia passar a hospedar, por exemplo, câmera e sensores de vigilância ou, ainda, dispositivos de reconhecimento facial. Dessa forma, o poste de luz configurar-se-ia como um novo tipo de panóptico sem muros - no qual o iluminar e o ver se fundiriam num mesmo gesto de controle - concretizando, dessa forma, uma versão atualizada da lâmpada-testemunha prenunciada por Foucault (1975/1999) e Virilio (2002).

Na França, os recentes debates a respeito da controversa “lei de segurança global” são igualmente expressivos do papel chave que a luz indireta representa hoje para os mecanismos de controle da população. Apresentado no final do ano 2020, um projeto de lei propunha uma série de mudanças e implementações que visavam reforçar o aparato securitário policial francês. Dentre elas, o texto propõe não só autorizar a transmissão em tempo real das imagens filmadas pelas cameras-piétons, ensambladas no corpo dos policiais, como também de facilitar o acesso às imagens de vídeo-segurança pela instituição policial. Além disso, a proposta ambiciona legalizar a utilização de drones policiais que, equipados com dispositivos de vigilância, poderiam ser utilizados em mui- tas situações como, por exemplo, o monitoramento de manifestações populares - e isso sem que a polícia tenha doravante a obrigação de avisar ao público quanto à captação dessas imagens (Hourdeaux, 2020). Comentando sobre a necessidade de aprovar esse projeto de lei, o deputado Jean-Michel Fauvergue lamentava a seguinte argumentação: “a gente está perdendo a guerra das imagens (enfase adicionada) nas redes sociais” (Hourdeaux, 2020, p. 2). A guerra das imagens, diríamos que é, antes de tudo, uma guerra luminosa: a busca por uma visibilidade total é hoje tributária de um determinado regime de luz: indireta.

Erguendo Contraluzes: Do Blackout à Desconexão?

Cabe nos perguntarmos como, diante da intensificação do regime de luz indireta - diante de nossa superexposição cotidiana a diversas luzes de controle - não temer, nem esperar, senão, como sugere Deleuze (2013, p. 224), buscar novas armas? Como inventar novos espaços de escuridão, de devaneio, de espera, de sono, de privacidade? Talvez seguir o exemplo dos insurgentes parisienses que, em julho de 1830, destruíram as lanternas da cidade, constituiria hoje um ato tão ineficiente quanto quixotesco. Se existir qualquer eficiência na estratégia de blackout hoje, seria necessário não apenas enfrentar as luzes diretas, mas também as indiretas.

Essa estratégia converge para o apelo que Paul B. Preciado (2020) faz diante da legalização e da ampliação de um conjunto de “tecnologias biomoleculares, microprostéticas, digitais e de transmissão de informação” mobilizadas na luta contra a pandemia do covid-19 (para. 14). Contra a limitação da vida por um regime de biovigilância cibernética, o filósofo nos convoca: “desliguemos os celulares, desconectemos a internet. Façamos o grande blecaute (blackout) frente aos satélites que nos vigiam e imaginemos, juntos, a revolução que vem” (Preciado, 2020, para. 32). Esse argumento concorre com a proposta de Crary (2013/2016) que, contra o clarão da luminosidade 24/7, propõe reatribuir à noite e ao sono, um espaço e um tempo. Isso porque, para esse autor, existiria no sono uma reserva não só física, como também simbólica - entendidas como necessidade de descanso, de reflexão ou de devaneio onírico dos indivíduos - a partir da qual se poderia construir um amparo às palavras de ordem do regime 24/7 para a sociedade como um todo, de modo a garantir nela a durabilidade do cuidado social.

Cabe mencionar, ainda, o trabalho de Heather Dewey-Hagborg, artista, pesquisadora e biohacker, que apresenta possíveis caminhos de oposição à visibilidade completa proporcionada pelas diversas tecnologias de controle contemporâneas. Em Stanger Visions (Visões Desconhecidas, 2012-2013), a artista chama inicialmente a atenção para esses mecanismos que ameaçam qualquer possibilidade de “escuridão”. Após proceder à análise do ácido desoxirribonucleico de indivíduos a partir de rastros de desconheci- dos recolhidos na rua - como cabelos, restos de cigarro ou chiclete usado (Figura 11) -, a artista simula e reproduz em 3D uma moldagem do rosto da pessoa (Figura 12), utilizando um programa que opera uma complexa transposição dos dados genéticos para critérios fenotípicos.

Fonte. Página do projeto “Stranger Visions”, da artista Heather Dewey-Hagborg (Dewey-Hagborg, s.d.-a). Copyright 2009-2021 Heather Dewey-Hagborg. Cortesia de Heather Dewey-Hagborg e da Fridman Gallery (Nova Iorque).

Figura 11: Fotografia da Obra Stanger Visions (2012-2013) - Rastro de um Desconhecido Recolhido na Rua  

Fonte. Página do projeto “Stranger Visions”, da artista Heather Dewey-Hagborg (Dewey-Hagborg, s.d.-a). Copyright 2009-2021 Heather Dewey-Hagborg. Cortesia de Heather Dewey-Hagborg e da Fridman Gallery (Nova Iorque).

Figura 12: Fotografia da Obra Stanger Visions (2012-2013) - Modelização 3D do Rosto de um Desconhecido, a Partir de Seu Rastro Recolhido na Rua  

Trata-se de uma forma, para a artista, de assinalar o futuro - já presente, se considerarmos a importância dos bancos de dados genéticos para a apreensão de criminosos na atualidade - das tecnologias de vigilância genéticas, que poderiam in- cluir sistemas de rastreamento e reconhecimento a partir de meros vestígios recolhidos na rua e produzir, dessa forma, uma visibilidade ainda mais ineludível.

Para que possamos nos erguer contra esses controles, Dewey-Hagborg (s.d.-b) propõe, então, estratégias de subversão biopolítica em outra de suas obras, The Official Biononymous Guidebooks (Guias Oficiais Para um Bio-Anonimato). Nela, a artista produz um livreto explicativo, que é entregue aos visitantes da exposição, dentro do qual elenca os passos a seguir para retirar qualquer rastro de ácido desoxirribonucleico de um objeto (Figuras 13 e 14). Assim, ela contribui para a reflexão sobre o que poderíamos chamar de uma estética da opacidade ou, ainda, uma estética da proteção da privacidade.

Fonte. Página do projeto “The Official Biononymous Guidebooks”, da artista Heather Dewey-Hagborg (Dewey-Hagborg, s.d.-b). Copyright 2009-2021 Heather Dewey-Hagborg. Cortesia de Heather Dewey-Hagborg e da Fridman Gallery (Nova Iorque).

Figura 13: Fotografia da Obra The Official Biononymous Guidebooks (2015) - Parte Externa do Livreto  

Fonte. Página do projeto “The Official Biononymous Guidebooks”, da artista Heather Dewey-Hagborg (Dewey-Hagborg, s.d-b). Copyright 2009-2021 Heather Dewey-Hagborg. Cortesia de Heather Dewey-Hagborg e da Fridman Gallery (Nova Iorque).

Figura 14: Fotografia da Obra The Official Biononymous Guidebooks (2015) - Parte Interna do Livreto  

As instrumentalizações biopolíticas da luz, no entanto, são múltiplas e apresentam modos operatórios abundantes. A própria variedade e a complexidade dessas tecno- logias de poder só poderiam, portanto, demandar respostas e estratégias de proteção igualmente múltiplas. Nesse sentido, acreditamos que a tentativa de neutralizar tais luzes (diretas ou indiretas) e o decorrente mergulho numa “escuridão protetora”, como sugerido na obra de Dewey-Hagborg (s.d.-b), é apenas uma das diversas formas através das quais poderíamos erguer oposições diante desse novo regime de luminosidade.

Tomando um rumo diferente dessas estratégias subtrativas, há outras práticas aditivas de luz que poderiam, a nosso ver, apresentar inspirações prolíficas para a edificação de contraluzes. Se, por um lado, a utilização de telefones celulares permitiu o desenvolvimento de novas tecnologias de controle da população, por outro, difundiu de maneira expressiva a possibilidade de não apenas registrar acontecimentos em diversos formatos (fotográfico, videográfico, sonoro) como também de compartilhá-los ou transmiti-los de maneira instantânea. Com esse dispositivo, abre-se então a possibilidade para o indivíduo projetar e transmitir sobre o mundo sua própria luz indireta.

Essa utilização dos dispositivos digitais móveis já vem sendo fruída há anos, e ela permite, por exemplo, flagrar e publicar - em certos casos, até mesmo inibir - a violência policial. A respeito dessa questão, é sintomático o fato de que a proposta de lei de “segurança global” na França, anteriormente citada, preveja justamente, além da expansão dos recursos policiais de vigilância digitais, a redução, de modo concomitante, da possibilidade de a população empregar tais recursos. Com efeito, o projeto propõe a criminalização da difusão de imagens de policiais identificáveis - quando filmados no exercício de suas funções e na intenção de prejudicar sua “integridade física ou psíquica” -, o que os oponentes da lei enxergam como uma caracterização com alto componente de subjetividade (Hourdeaux, 2020). Portanto, nesse projeto de lei se cristaliza, a nosso ver, a enorme relevância da luz indireta nas redes de poder contemporâneas; e, de modo mais amplo, a importância da visibilidade nas relações atuais entre as autoridades e a população.

Convém também desviarmos o olhar do contexto europeu para melhor enxergarmos possíveis estratégias inspiradoras. No Chile, por exemplo, as manifestações populares contra as desigualdades sociais, que aconteceram entre outubro 2019 e abril de 2020, são igualmente instigantes para refletir sobre esta problemática. Despertadas por protestos estudantis contra o aumento da passagem de metropolitano em Santiago, o episódio, inicialmente localizado, se alastrou rapidamente por todo país, ocasionando uma onda de ações, marchas e protestos massivos, intergeracionais e transversais, além de enfrentamentos com as autoridades nacionais. Em resposta aos protestos, o governo federal, liderado pelo empresário de direita Sebastián Piñera, decretou um estado de emergência e enviou forças militares para as ruas no intuito de reestabelecer a ordem pública (Abufom Silva, 2020).

A escalada de tensão na gestão do conflito ocasionou confrontos de rua violentos entre os manifestantes e as forças de ordem, o que trouxe à tona, por meio de mídias profissionais e amadoras, imagens espetaculares de uma nova guerra luminosa. Os in- surgentes chilenos, munidos de lasers de mão, enfrentaram massivamente a polícia com essas luzes que pretendiam, senão cegar as autoridades e os meios de vigilância dos protestos, pelo menos atrapalhá-los. Vídeos publicados nas redes sociais da internet pelos manifestantes testemunham como esses raios (Figura 15) - cujo brilho é relativamente fraco quando sozinho, mas que compõem um intenso clarão quando somados entre si - conseguiram não apenas deslumbrar um veículo policial e ofuscar um piloto de helicóptero como também atentar contra um drone que, entorpecido pela potente luz, foi desviado antes de cair no chão.

Fonte. Por T. Canelo (tribitrip), 2019, Instagram. Copyright 2019 por Tribi Canelo. Cortesia de Tribi Canelo

Figura 15: Fotografia de Protestos em Santiago, Dezembro de 2019 

Essa estratégia aditiva de luzes é justamente a mesma mobilizada por determinados aviões militares que, para escapar ao rastreamento de um míssil, por exemplo, precipi- tam por todos os lados intensas luzes no intuito de burlar o sistema de reconhecimento automático de que seriam alvo (Figura 16), conforme assinala Farocki (2003) em seu filme Erkennen und Verfolgen (Reconhecer e Perseguir). Por mais que pareça paradoxal, jogar luz pode, portanto, nos permitir ofuscar, cegar - fazer noite. Algo que os insur gentes chilenos já haviam demonstrado: com seus lasers unidos, não apenas conseguiram burlar o controle das autoridades nas ruas chilenas, mas também inauguraram a possibilidade de pensar estratégias coletivas capazes de lutar contra os mecanismos individualizadores das sociedades de controle.

Fonte. De Erkennen und Verfolgen (58 minutos) por H. Farocki, 2003, Harun Farocki Filmproduktion. Copyright 2003 de ZDF/Harun Farocki Filmproduktion. Cortesia de Harun Farocki GbR

Figura 16: Avião Militar Utilizando Sistema Furtivo Luminoso 

Conclusão

Com o intuito de iluminar as relações de poder estabelecidas por meio da luz

para as quais gostaríamos de propor a noção de foto-políticas -, mostramos, em um primeiro momento, como a Paris moderna foi palco de diversas estratégias que se apoiaram sobre a visibilidade produzida por meio da iluminação pública. Essas luzes diretas permitiram tornar visível e vigiável a população para as autoridades, condição necessária à aplicação do poder disciplinar. De outro modo se configuram, hoje, as estratégias de poder que atravessam o tecido urbano de grandes metrópoles ocidentais, como percebemos através da obra de Farocki (2004). Nesses ambientes, vimos que a emergência de novas luzes indiretas permitiu a intensificação espaciotemporal do controle, fazendo com que as relações de forças ultrapassassem os limites do espaço físico, se afastando, assim, do mecanismo presente nas instituições disciplinares. Além disso, a natureza do olhar de vigilância se modifica: se na cidade moderna o controle pressupunha ainda um olhar humano, este é cada vez mais dispensado à medida que diversos dispositivos passam a recorrer a olhares maquínicos. Podemos nos perguntar também se a superexposição às luzes indiretas, as quais permitem a produção incessante de dados comercializáveis sobre a população, não marcará, nas cidades ditas inteligentes, uma inflexão maior na convergência de mecanismos de vigilância com estratégias eco nômicas. Por fim, analisamos, algumas proposições artísticas, teóricas e de movimen tos sociais que formularam estratégias inspiradoras com o intuito de se erguer contra esses mecanismos de controle.

Através dessa breve genealogia, evidenciamos, portanto, como as próprias materialidades modernas e contemporâneas da luz - entendida enquanto mídia - possibilitam, catalisam e refletem determinadas mediações de poder nos tecidos urbanos analisados. Se, conforme a perspectiva foucaultiana, o poder “intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos - o seu corpo - e que se situa no nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana” (Macha- do, 2019, p. 14), esperamos ter frisado a importância de considerar o protagonismo da luz não apenas no estabelecimento de tais relações de poder, como também na imaginação e na irrupção de luzes insurgentes.

Agradecimentos

Ao Tadeu Capistrano e à Paula Sibilia pela ajuda fundamental nessa pesquisa. À Bruna Freitas pela revisão do texto e pelo apoio na sua elaboração. À Isabela Abreu e Laura Davies pelo trabalho de tradução. Ao Tribi Canelo, Heather Dewey-Hagborg e An-tje Ehmann pela cessão das imagens.

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1O panóptico é um modelo arquitetural proposto por Jeremy Bentham, no final do século XVIII, que permitia a um guarda observar, a partir de uma torre central, cada célula exposta pela luz. Por meio desse dispositivo, os movimentos de cada indivíduo estavam, portanto, constantemente expostos (Foucault, 1975/ 1999).

2Ao constatar a participação da iluminação pública em estratégias de poder, não perdemos de vista, no entanto, sua neces- sidade e importância para a segurança urbana noturna. A diminuição da criminalidade é mesmo frequentemente compro- vada por estudos como aquele citado pelo historiador Jean Delumeau (1978/2009) em sua História do Medo no Ocidente 1300-1800 . Nesse livro, o autor relata o exemplo da cidade estadunidense de Saint Louis, no Missouri, que experimentou, um ano depois de haver instalado um importante programa de iluminação, uma diminuição de 41% dos roubos de auto- móveis e de 13% dos assaltos (Delumeau, 1978/2009, p. 149). Podemos nos perguntar, contudo, se a iluminação pública não deslocaria (e/ou talvez transformaria) os atos de criminalidade sem necessariamente enfrentar suas possíveis causas

3Gegen-Musik não parece preocupado em especificar uma localização espacial precisa e única. O filme, ao empregar imagens de diferentes cidades da região norte da França, se torna, desse modo, representativo daquilo que poderia ser, de forma mais geral, o retrato de uma metrópole ocidental na atualidade.

4Podemos entender os equipamentos de videoscopia como o conjunto de dispositivos “eletro-ópticos” capazes de produzir alguma forma de visibilidade potencialmente teletransmissível em tempo real, como, por exemplo, vídeo transmitido em direto, sistemas de geolocalização, mas também binóculos militares de visão noturna, entre outros

5“Paroptique”, no texto original, é um termo que qualifica uma visão extra-retiniana como acontece, por exemplo, com os sapos, que possuem a capacidade de, em certa medida, “ver” com sua pele.

6 Virilio (2002) argumenta que a miniaturização dos equipamentos de vídeo torna-os cada vez mais parecidos com a “lâm- pada testemunha”, cuja função prioritária seria a de iluminar o que está a sua frente. Lâmpada testemunha - palavra que deve ser entendida aqui na sua polissemia semântica - na medida em que permite não apenas iluminar, mas também observar: uma confusão entre olhar e fonte de luz que Foucault (1975/1999) já havia descrito como figura ideal do aparelho disciplinar em Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão.

7O que faz a riqueza da noção proposta por Crary (2013/2016) é também o que poderia, a nosso ver, constituir uma de suas fragilidades. Ao amalgamar diversos efeitos num único conceito, perguntamo-nos se o autor não se afastaria, de certa forma, da maior precisão conceitual proposta por Virilio (2002).

8Como acontece atualmente, por exemplo, em Juazeiro do Norte, no Brasil (Juazeiro do Norte, 2018).

Recebido: 30 de Janeiro de 2021; Aceito: 02 de Abril de 2021

Antoine Nicolas Gonod d’Artemare é cineasta e pesquisador. Atua como diretor de fotografia e colorista na área de audiovisual. É formado em cinema pela École Nationale Supérieure des Métiers de L’image et du Son (Paris, 2010) e possui mestrado em co- municação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2020). Leciona como professor de direção de fotografia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (Rio de Janeiro). Email: antoine.dartemare@gmail.com Morada: Rua Pereira da Silva, 270. Apto 206. 22221-140, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

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