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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versão impressa ISSN 2184-0458versão On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.10 no.2 Braga dez. 2023  Epub 28-Fev-2024

https://doi.org/10.21814/rlec.4694 

Artigos Temáticos

Multiplicidades, Narrativas de Vida e Memória Coletiva da Docência na História em Quadrinhos Fessora!

Nara Bretas Lagei  , Conceitualização, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-7983-300X

Samanta Coanii  , Conceitualização, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5268-6970

iPrograma de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, Departamento de Linguagem e Tecnologias, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

iiPrograma de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Departamento de Informação, Mediações e Cultura, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil


Resumo

O artigo apresenta o quadrinho Fessora!, desenhado e escrito pela brasileira Aline Lemos, publicado de modo independente e por financiamento coletivo em 2021. A história narrada tem como enfoque a experiência pessoal da autora quando foi docente de história no ensino público por um semestre. A autora nos apresenta um conjunto de 15 histórias que abordam suas memórias pessoais com colegas de trabalho, corpo discente e pais. Neste texto, foram selecionadas seis bandas desenhadas, a fim de compreender, a partir das memórias e dos fragmentos de vida narrados, as tensões e confluências entre as vivências de trabalho acionadas pela artista. Retratam sua experiência pessoal como professora, revelando o cotidiano de professores da educação pública no Brasil. Para esta análise, usamos a ótica da narrativa de vida da linguista argentina Leonor Arfuch (2002/2003, 2013), quanto à relação entre narrativas de vida contemporâneas e o espaço biográfico; e a noção de memória coletiva (Halbwachs, 1950/1999; Bosi, 2009) para compreender a multiplicidade de experiências a partir da memória individual. Conclui-se que Aline Lemos apresenta uma obra que evidencia os desafios da educação sobre a valorização do docente e as desigualdades sociais em sala de aula.

Palavras-chave: narrativa de vida; memória coletiva; história em quadrinho; docência; educação

Abstract

This article features the comic Fessora!, drawn and written by Brazilian author Aline Lemos, published independently and through crowdfunding in 2021. The narrative focuses on the author's personal experience of teaching one semester of history in a public school. Aline presents a set of 15 stories that address their personal memories with co-workers, students, and parents. Six stories in comic format were selected in order to understand, based on the memories and fragments of life narrated, the tensions and confluences between the work experiences highlighted by the artist. They portray their personal experience as a teacher, the emergence of a collective that reveals to us the daily life of public-school teachers in Brazil. In our analysis, we used the perspective of the life narrative of the Argentine linguist Leonor Arfuch (2002/2003, 2013) on the relationship between contemporary life narratives and the biographical space, plus the notion of collective memory (Halbwachs, 1950/1999; Bosi, 2009) to understand the multiplicity of experiences arising from individual memory. The conclusion reached is that Aline Lemos’s work highlights the challenges of education on the valorization of the teacher and the social inequalities in the classroom.

Keywords: life narrative; collective memory; comic book; teaching; education

1. Introdução

Fessora! é uma história em quadrinhos escrita e ilustrada por Aline Lemos1. Publicada em 2021 de forma independente, recebeu auxílio de financiamento coletivo e da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Na narrativa gráfica, Lemos retrata suas vivências como professora de uma escola pública em Minas Gerais durante o semestre em que ocupou o cargo de professora de história2. Uma experiência de vida marcada por desafios que lhe trouxeram mais questionamentos do que respostas, como pontua a artista no livro.

Neste trabalho, tomamos histórias em quadrinhos, a partir daquilo que Postema (2018) postula como formas de arte e narrativa, um sistema no qual elementos fragmentados e distintos atuam em conjunto a fim de criar um todo, esse completo. Os elementos dos quadrinhos, portanto, possuem partes pictóricas e partes textuais, apresentando muitas vezes também um misto dos dois. Mais do que isso, nos apoiamos em Paulo Ramos (2011, 2014) para compreender essa forma de arte e narrativa como um hipergênero que funciona como uma espécie de “rótulo” dentro do qual se reúnem vários gêneros comuns, e ainda assim individuais e autônomos, já que são compostos e nomeados de maneiras diferentes. Isso porque, na compreensão do autor, esses gêneros autônomos são moldados em processos interativos e sociocognitivos e, por isso, não acontecem automaticamente.

Fazem parte desse hipergênero histórias em quadrinhos (Ramos, 2011, p. 105), os diversos quadrinhos, como: charge3, cartum, tiras, tiras cômicas, tiras seriadas, tiras livres, quadrinhos digitais, graphic novels, e muitos outros. Pensando em nosso objeto de pesquisa, nos interessamos especificamente pelos quadrinhos autobiográficos, ou seja, as narrativas e os desenhos de si.

Associando os quadrinhos autobiográficos e/ou autorreferenciais às escritas de si e à retórica, a pesquisadora Nataly Costa Fernandes Alves (2021) afirma que o desenho de personagens muitas vezes faz alusões às características sociais, físicas e sexuais de suas criadoras. A essa prática, ela dá o nome de “desenhos de si”, que são protagonistas ilustradas com similaridades com as artistas que as concebem em aspectos fisiológicos, sociais e cotidianos. Há nestas, ainda, o que a pesquisadora chama de “parrésia visual” (Alves, 2021, p. 59)4. Como explica a pesquisadora, na parrésia o enunciador enuncia sem dissimulação e diz aquilo que deseja sem adequação da verdade, sem pautar no conforto do leitor ou ouvinte, e sem se importar com os riscos de violências e rejeição por parte destes. Para Alves (2021), é no cotidiano que artistas se amparam para apresentar as vivências de suas personagens nos desenhos de si e é também nestes que as similaridades entre quadrinistas e protagonistas podem ser percebidas. Considerando as ideias até aqui exploradas, entendemos que Fessora! é, portanto, um desenho de si, assim como uma narrativa de si.

Refletindo sobre o ato de narrar a si, ao qual adicionamos o desenho de si, a linguista argentina Leonor Arfuch (2002/2003) argumenta que, quem narra uma vida, não dá conta desta em sua totalidade. Por isso, ela entende que o que importa não é tanto a “verdade” dos fatos, e sim a maneira pela qual constroem-se as narrativas, as formas pelas quais (se) nomeiam os relatos, e o vai-e-vem promovido pela narração, além do ponto de vista e das escolhas entre quais fragmentos de vida serão relatados ou não. Isso porque é por esse vai-e-vem que acionam-se lembranças e memórias de um passado para dizer sobre o hoje, de maneira a atribuir sentido ao que está sendo dito. Ou seja, esse movimento, esse caminho da narração, confere à narrativa de si uma qualidade autorreflexiva na medida em que permite a escolha de qual história, ou quais delas, alguém conta de si ou de outro, tornando-a significativa (Arfuch, 2002/2003).

Em razão disso, quando olhamos para formas testemunhais e relatos de si, como é o caso de Fessora!, o que importa são as estratégias de autorrepresentação e a construção narrativa: “tratar-se-á, além disso, da verdade, da capacidade narrativa de ‘fazer crer’, das provas que o discurso consiga oferecer, nunca fora de suas estratégias de veridição, de suas marcas enunciativas e retóricas” (Arfuch, 2002/2003, p. 73). Narrativas de vida, afirma a linguista, não são livres de aspectos ficcionais. Ainda que sejam percebidas em seus diferentes usos, a persistência de gêneros primários e os efeitos de credibilidade acionados entram em jogo por meio dos mesmos procedimentos retóricos que estão na constituição dos gêneros de ficção, principalmente o romance (Arfuch, 2002/2003, p. 73). Nesse sentido, entendemos que testemunhos, relatos de si, narrativas de vida, narrativas de si e desenhos de si fazem parte do espaço biográfico.

2. Fessora! no Espaço Biográfico Contemporâneo

O espaço biográfico, para Arfuch (2013), é uma multiplicidade de formas narrativas (auto)biográficas, que englobam gêneros canônicos, como biografia, autobiografia, cartas, confissões, memórias, diários íntimos e correspondências; e gêneros contemporâneos como aqueles que emergem de tecnologias digitais e da internet, aos quais ela acrescenta dentre outras materialidades: os e-mails, as instalações de artes audiovisuais, as imagens e entrevistas midiáticas, os talk e reality shows.

Essa multiplicidade característica do espaço biográfico, ainda que diversa, possui um traço em comum: todas contam, cada uma à sua maneira, uma história ou experiência de vida, conforme Arfuch (2002/2003). A pesquisadora argumenta que não existe “uma vida” que possa ser pensada como uma via de mão única e anterior à narração. Para ela, a vida, como forma de relato, é um resultado contingente da narração. Narramos nossas experiências, portanto, para tentar dar sentido a elas. Por isso, relatos de si são sempre inconclusos, recomeçados, e reservam à vivência lugar de privilégio (Arfuch, 2002/2003). E como experienciamos novas vivências a todo o momento, estas possuem relação direta com a vida “como um todo” na mesma medida em que são voltadas para “além de si mesmas” (Arfuch, 2002/2003, p. 82).

É essa característica das vivências de convocar uma totalidade em um instante e ao mesmo tempo ser unidade mínima de uma experiência que vai além de si mesma quando se encaminha, na narração, à vida em geral - dando luz a, resgatando e recortando experiências - o que Arfuch (2002/2003) acredita fazer da narrativa de vida, um dos significantes mais valorizados do espaço biográfico na cultura contemporânea. Isso, porque a narrativa de vida aparece “impregnada de conotações de imediaticidade, de liberdade, de conexão com o ‘ser’, com a verdade de ‘si mesmo’, vem também atestar a profundidade do eu, dar garantia do próprio” (Arfuch, 2002/2003, p. 82). Ou seja, ao narrar uma vida, a nossa ou de outros, a linguista argentina entende que esta é “pinçada” de um segmento de vida na mesma medida em que faz referência ao seu todo e para além da vida em si. “Esse além de si mesma de cada vida em particular é talvez o que ressoa, como inquietude existencial, nas narrativas autobiográficas” (Arfuch, 2002/2003, p. 39).

Nesse sentido, narrar-se no espaço biográfico contemporâneo é construir-se a partir de fragmentos de vida. É articular traços como o “momento” e a “totalidade”, em direção a novas indagações e leituras mais diversas quanto às narrativas do eu (Arfuch, 2002/2003). É o que a autora entende como a busca por identidade e identificação na qual indaga-se sobre o caminho que guia o “eu” ao “nós”, ao mesmo tempo em que revela um nós no eu, não como uma somatória de individualidades, tampouco um agrupamento de acidentes biográficos, mas articulações homogêneas de valores compartilhados no “(eterno) imaginário da vida como plenitude e realização” (Arfuch, 2002/2003, p. 82).

Consideramos, portanto, neste trabalho, que a história em quadrinhos em questão está inserida no espaço biográfico de que fala Leonor Arfuch (2002/2003, 2013). Isso porque trata-se de uma narrativa autobiográfica quadrinizada, ou seja, a artista “pinça” e escolhe vivências e experiências como professora da rede pública de ensino para construir a narrativa gráfica e dar sentido tanto a este momento de sua vida, e sua inquietude existencial, quanto ao todo que compõe a individualidade Aline Lemos. E ao narrar-se ao desenhar a si, Lemos (2021) extrapola o todo de sua vida revelando experiências para além de si mesma que dizem também sobre as coletividades de professores e alunos de escolas públicas no Brasil.

Tomando como base as palavras de Aline Lemos na sinopse do livro, onde ela diz que narra seus “fracassos, glórias e emoções como professora novata no Ensino Médio”, buscamos analisar a história de quadrinhos Fessora! (Figura 1) sob a ótica da narrativa de vida de Arfuch (2002/2003, 2013), quanto à relação entre narrativas de vida contemporâneas e o espaço biográfico. Assim, nosso objetivo é observar nas memórias e nos fragmentos de vida narrados, as tensões e confluências entre as vivências de trabalho acionadas pela artista para falar de sua experiência pessoal como professora, a emergência de um coletivo, que nos revela o cotidiano de professores da educação pública no Brasil.

Fonte. Retirado de Fessora!, por A. Lemos, 2021. Copyright 2021 por Aline Lemos. (https://alinelemos.company.site/Livro-Fessora-p407250337)

Figura 1 Capa do quadrinho Fessora! 

Para tal, partimos de fragmentos das experiências narradas em Fessora!, nos quais a artista está, em alguma medida, lidando com questões de um eu, para delimitar caminhos narrativos pertinentes a vivências de professores como um coletivo, que são comprovados quando Aline aciona dados estatísticos e de pesquisa para reforçar um assunto abordado. Dividimos estes caminhos narrativos em momentos em que Aline lida com: (a) os alunos; (b) os colegas de trabalho; (c) ela mesma; e (d) os familiares dos alunos, ou seja, a comunidade escolar. Ressaltamos que estes eixos não aparecem de forma isolada na história de quadrinhos. Trata-se de vivências e experiências interdependentes e interligadas entre si.

Sobre a estrutura de Fessora!, convém dizer que o livro possui 15 histórias curtas, divididas em capítulos interligados em um contexto maior, a experiência de Aline como professora, que podem ser lidas em conjunto dentro da lógica narrativa da autora, ou separadamente sem comprometer a compreensão de cada história. Além disso, conta com duas entrevistas e uma dedicatória, todas elas ilustradas. É por meio dessa estrutura que a quadrinista retrata, de forma sincera e divertida, o cotidiano de uma professora em sua primeira experiência em sala de aula. Esgotamento, frustrações, violências, racismo, sexualidade, interações com alunos e outros professores, dificuldade de lidar com o tempo e em demonstrar autoridade são alguns dos temas abordados por Aline, que divide sua história de quadrinho nas seguintes histórias: “O Início”; “O Visto”; “Kathlen”; “Semana”; “Comportamento”; “Estratégias”; “O Grito”; “Licença”; “Tempestade”; “Ocupado”; “Turma Ruim”; “Besouro”; “Sovaco Cabeludo”; “Violência”, “Despedida”. Todas estas palavras estão diretamente ligadas às experiências narradas em cada capítulo.

Sem seguir um padrão de número de quadros por histórias, Aline escreve Fessora! recorrendo ao experimentalismo gráfico. Não por acaso, o livro começa e termina com folhas pautadas, como as de um caderno, nas quais a artista nos apresenta o “sumário” e a “lista de chamada”, respectivamente. Nesta última, ela mostra a “turma de apoiadores” da obra, com nomes de leitores que apoiaram financeiramente a história de quadrinho, que foi publicada com financiamento coletivo, e deixa ali um visto. Uma clara referência à prática muito utilizada por professores em sala de aula. Prática esta que também está presente em um dos capítulos da obra.

Além disso, os capítulos não seguem uma estrutura fechada de número e formatos de quadros, que são explorados pela autora de acordo com as necessidades da história relatada. Como cenário, temos principalmente as salas de aula e dos professores, mas outros espaços da escola também são retratados. Seus desenhos seguem as particularidades características de Aline, que usa traços simples de estilo cartum feitos mais à mão livre com linhas e quadros que não seguem uma estrutura geométrica padrão. Todas estas particularidades estão presentes também em outras de suas histórias de quadrinhos, como Lado Bê, publicação na qual, assim como em Fessora!, ela utiliza tons de preto e branco.

3. Quando o Adoecimento É Coletivo: Eu Professora - Nós Professores

Pensando na unicidade e multiplicidade do eu e do nós do espaço biográfico, Arfuch (2002/2003) entende que essas são de extrema importância na definição dos limites entre público e privado, individual e social. Na opinião da autora, todo relato de experiência, narrativa de si ou biografia é, em alguma medida, coletivo. Isso porque este expressa, também, questões sobre um período, um grupo, uma geração e uma classe que possuem uma narrativa comum de identidade. Em Fessora!, acreditamos, isso está atrelado à performance de identidade de “professores”, ainda que em determinado momento da narrativa Aline afirme não ser “uma professora de verdade”: “não me parecia justo com meus colegas me chamar de ‘professora’” (p. 12). Aline reflete sobre as sequências de fatos que a fizeram tomar posse da vaga de um concurso feito quatro anos antes. Independentemente de Aline ter aceitado o emprego pela necessidade financeira ou pela vontade de ser professora, bastou um semestre no ensino fundamental II - 6.o ao 9.o ano (11 a 15 anos de idade) - para vivenciar e compartilhar alguns dos desafios da docência no ensino público no Brasil.

A propósito da memória coletiva, Ecléa Bosi (2009) enfatiza que esta “entretém a memória de seus membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo” (p. 332). O quadrinho não se contenta apenas no testemunho das experiências individuais, mas nos apresenta e reforça as memórias da categoria do trabalho e do ensino em sala de aula. As histórias pessoais de Aline criam pontos de contato com uma base comum da memória coletiva (Halbwachs, 1950/1999). “É essa qualidade coletiva, como marca impressa na singularidade, que torna relevantes as histórias de vida” (Arfuch, 2002/2003, p. 100). Isso acontece, reforça a pesquisadora, em narrativas de vida expostas em gêneros literários tradicionais, nos midiáticos, nos das ciências sociais e no espaço biográfico contemporâneo, dentro do qual podemos incluir Fessora!. Sentimento esse que é, também, uma máxima coletiva.

O ponto de contato entre memória coletiva, professores e experiências em sala de aula, portanto, começa a ser criado já na primeira página da história de quadrinho quando “O Início” de sua trajetória como professora é retratado e a narrativa deixa a ansiedade da “fessora” esteticamente clara, quando ela é desenhada com olhos fundos, olheiras e boca aberta em uma expressão facial que revela sua ansiedade ao receber tantos conselhos, como “não seja tão meiga!”, “tome cuidado!”; e verbalmente dita pela própria Aline, no quadro que fecha a página, enquanto ela caminha em direção à sala de aula: “acho que tô enjoada” (p. 7).

Tomando essa história em quadrinhos como uma grande narrativa de vida dentro da qual vivências no ambiente escolar são narradas a fim de compor o todo do cotidiano de uma professora de rede pública do Brasil, entendemos que o clímax para a exaustão de Aline é apresentado em “O Grito”. Sem saber o que fazer para conter a turma, que brinca e circula dentro de sala promovendo uma atmosfera caótica, e buscando desesperadamente alcançar o silêncio, a professora grita “cala a bocaaa” (Figura 2). É a sequência narrativa deste grito, na história de quadrinho, que a leva ao consultório médico, fazendo do “AAA” final de “O Grito” se tornar o “AAA” do exame médico na história “Licença” (Figura 3). Após essa transição, a médica lhe diz: “vou te dar uma semana de atestado, repouse a voz e fique longe do giz!” (p. 34), deixando assim transparecer os fatores causadores de seu adoecimento: o uso repetitivo da voz e a longa exposição ao giz.

Fonte. Adaptado de “O Grito” e “Licença”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, pp. 32-33. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 2 Colagem “O Grito” e “Licença” 

Fonte. Retirado de “Licença”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 34. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 3 História de quadrinho “Licença” 

O problema da saúde vocal de professores da educação básica no Brasil é uma das principais causas de afastamento de docentes da sala de aula (Reimberg et al., 2022). O reconhecimento da enfermidade foi impulsionado com a publicação do protocolo Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho - DVRT do Ministério da Saúde (2018). Nele afirma-se que existe um “maior adoecimento vocal em professores do que na população geral” (Ministério da Saúde, 2018, p. 13). Essa validação, enquanto uma doença da categoria, se relaciona com o debate da saúde mental desses trabalhadores.

Ao dizer sobre um eu, portanto, a artista acaba por narrar experiências de um coletivo: o esgotamento de professores do país. Isso fica ainda mais evidente quando Aline utiliza como recurso narrativo, mais do que a sua experiência pessoal, a apresentação de dados de uma pesquisa sobre o adoecimento do professor da educação básica no Brasil. Tal como revelado por uma pesquisa realizada pelo Gestrado/UFMG em 2013, grande parte dos professores no país assumem funções em mais de uma escola, além de associar a prática docente a outras atividades para a complementação da renda (Oliveira & Vieira, 2013). Mais do que isso, na realidade do ambiente escolar, os professores acabam desempenhando diversos papéis e funções sociais em seu cotidiano, que extrapolam o ensino do conteúdo para o qual são designados (Carlotto, 2010). Isso porque, afirma o autor, se veem diante de conflitos diversos e emergentes no espaço e na dinâmica das relações com a comunidade escolar.

Essas questões também são apresentadas por Aline, que retrata a relação direta entre professores-alunos, professores-professores, e professores-responsáveis, tanto em sala como em outras dependências da escola. Em um desses momentos, conhecemos Antônio, o professor de geografia, que relata: “eu fiquei seis meses afastado”, e alerta sobre a necessidade de autopreservação “antes que chegue ao limite” (p. 35). Ao final desta narrativa, descobrimos que, ainda que de volta à escola, Antônio faz agora trabalhos administrativos, deixando subentendido que seu esgotamento ainda não passou.

Associando palavras como “ansiedade”, “depressão”, “esgotamento profissional” - todas estas ligadas ao adoecimento de professores -, à pesquisa “O Adoecimento do Professor na Educação Básica do Brasil” (Figura 3), a artista usa a sua vivência como recurso narrativo para dizer sobre os professores como uma categoria. Isso fica claro quando, a partir dos dados levantados por Nascimento e Seixas (2020), é revelado que a saúde física e mental dessa classe possui influências diretas da precarização do trabalho docente no Brasil, assim como da qualidade do ensino. Ou seja, as causas do adoecimento de professores são principalmente as questões relacionadas às condições do trabalho. Estes dados, portanto, são usados pela artista como recurso narrativo de comprovação, visto que aparecem de maneira a explicitar a partilha, a experiência coletiva das condições a que são submetidos os educadores no país.

Para Nascimento e Seixas (2020), o resultado da combinação de todos estes fatores com a sobrecarga de demanda de trabalho e a baixa remuneração, sem que haja o amparo e o reconhecimento social necessários para o seu exercício, é o adoecimento mental e físico. Por isso, ao lançar sobre professores a responsabilidade pela formação de crianças e adolescentes sem dar a devida importância à influência que as condições de trabalho possuem em sua saúde mental, sociedade, escola e Estado contribuem para esse adoecimento, conforme defendem Nascimento e Seixas (2020).

Sobrecarga e más condições de trabalho também são ressaltadas por Oliveira e Vieira (2013) como queixas dos professores. Eles relatam, aponta a pesquisa, ter de levar para casa tarefas relacionadas ao trabalho, e queixam-se sobre as condições do ambiente da sala de aula, tanto em relação a ruído interno, quanto a sua má ventilação e má iluminação. Além destas, os riscos psicossociais da profissão estão associados a questões como: exigências ergonômicas, vocais e posturais; quantidade de aulas lecionadas; e o mau relacionamento com os alunos, que pode gerar, por exemplo, lesões por sintomas repetitivos (Santos et al., 2012). Dentre os problemas relacionados ao trabalho e à saúde de professores, portanto, destacam-se fatores causadores de mal-estar, como estresse, síndrome de burnout, ansiedade, depressão, insônia, além de outras doenças crônicas que, quando associadas, podem levar ao agravamento da saúde, dando origem a doenças cardíacas e circulatórias (Santos et al., 2012).

Não por acaso, ao retratar o cotidiano escolar, a representação da exaustão na história de quadrinho é um recurso recorrente. Quer como tema central, quer como um elemento de uma outra situação retratada. Na história “Semana”, ela aparece quando Aline é desenhada primeiro pensativa, para, posteriormente, apresentar mudanças gradativas em suas feições até que, por fim, é inserida na história envolta em uma nuvem e com claros traços de exaustão como olheiras e olhos fundos. Traços estes que também acompanham a história “Comportamento”. Vale mencionar que estas duas histórias são contadas antes de “O Grito” e “Licença”, dando, portanto, à exaustão de Aline uma trajetória linear exposta a cada página da história de quadrinho até que, finalmente, seu corpo chega ao seu limite (Figura 4).

Fonte. Adaptado de “Comportamento”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, pp. 19, 21-22. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 4 Colagem traços de exaustão em Aline 

4. Quando o Corpo Não É “Neutro”: A Memória Política

As histórias rememoradas por Aline têm seu posicionamento político progressista como um fio condutor. Ela, enquanto uma pessoa não-binária e bissexual, não pretende ser “neutra” no local de trabalho. Entende-se por “memória política” (Bosi, 2009) quando a pessoa que narra o passado não se contenta apenas com ser testemunha, mesmo da própria história, mas deseja tecer a reflexão do presente com um teor ideológico que intervem e reafirma seu posicionamento. Isso é notável na história “Tempestade”, que relata uma conversa entre professores sobre preconceito a partir do relacionamento homoafetivo de duas alunas e o comportamento de um estudante, o Kevin. Um professor representado por um personagem branco, do sexo masculino e aparentemente mais velho (Figura 5) desdenha da necessidade da discussão sobre “preconceito” e “homofobia” contra a comunidade LGBTQIA+ com os alunos da escola. Na percepção dele, “ninguém morreu por causa disso” (p. 38).

Fonte. Retirado de “Tempestade”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 38. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 5 Quadrinho “Tempestade” 

A nuvem nesse quadrinho reforça não apenas a atmosfera da sala dos professores, mas também aparece no desenvolver do discurso que reproduz uma violência simbólica - vista como a mais “sutil” das opressões (Bourdieu, 1994/1996). Segundo o autor, a violência simbólica é uma produção social, uma vez que é construída por maneiras de ver e pensar. Essa é, portanto, uma violência exercida a partir da cumplicidade oculta e silenciosa de quem sofre e de quem exerce, já que ambos sofrem e exercem de maneira inconsciente (Bourdieu, 1994/1996). No quadrinho, ao reproduzir uma fala comumente utilizada no país para justificar atitudes preconceituosas, o professor está exercendo uma violência simbólica contra as alunas da turma 8C, mencionadas na página anterior de maneira que podemos concluir que ambas são LGBTQIA+. Aline, por sua vez, não recebe a violência com apatia. Ainda que sufocada pela “tempestade”, a professora se posiciona ao citar a realidade enfrentada pelas pessoas LGBTQIA+ com fatos históricos até dados de violências que a comunidade enfrenta. Usa a pesquisa Transgender e o dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais que definem: “o Brasil é campeão no assassinato de pessoas trans. Hoje!” (p. 38).

Nesse ato, vemos não apenas a professora de história performando no ambiente, imagem reforçada no enquadro com livros de história na mesa, mas também por ser uma pessoa não-binária que se vê afetada por esses discursos. Esse tema na sala de professores evidencia como existem docentes que reproduzem preconceitos e estão despreparados para lidar com as diferentes identidades de gênero e sexualidade do corpo discente. Questão esta que pode ser entendida como uma vivência coletiva dentro das comunidades escolares do país, principalmente quando olhamos para os dados da Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 20165 (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016). Segundo o levantamento, há nas escolas brasileiras uma generalização de comentários contra pessoas LGBTQIA+, o que contribui para a criação de um ambiente escolar hostil e assinala para os estudantes que eles não são bem-vindos naquela comunidade escolar.

A pesquisa revela ainda que “quase metade (47,5%) dos/das estudantes LGBT relataram ter ouvido outros/as estudantes fazendo comentários pejorativos, tais como ‘bicha,’ ‘sapatão,’ ou ‘viado,’ frequentemente ou quase sempre na instituição educacional” (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016, p. 31). Além disso, os dados levantados mostram que um quinto desses estudantes ouviram comentários LGBTfóbicos na instituição educacional, sendo que 21,7% disseram que esse tipo de comentários eram feitos pela maioria dos seus pares. Nesta mesma linha, mais de dois terços dos estudantes, o equivalente a 69,1% “relataram que já ouviram comentários LGBTfóbicos feitos por professores/ as ou outros/as funcionários/as da instituição educacional” (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016, p. 31). Em contrapartida, quando professores testemunharam situações de LGBTfobia, “poucos/as estudantes relataram que seus pares intervinham sempre ou a maioria das vezes quando ouviam comentários LGBTfóbicos (25,6%), e mais de um terço (36,2%) disseram que seus pares nunca tomavam qualquer providência” (p. 31).

O despreparo dos professores e da comunidade escolar é apontado na pesquisa de 2016 como causa do sentimento de não pertencimento e de insegurança dos estudantes nas instituições educacionais brasileiras. Por isso, quando questionados sobre denunciar ou não as situações de violência e preconceito vivenciadas nesses espaços, muitos apontaram a falta de confiança, a existência de preconceito, “vergonha, medo de represálias e exposição pública do fato de ser LGBT, até descrença na possibilidade de a instituição tomar alguma providência efetiva e a denúncia” (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016, p. 43).

Em Fessora!, este despreparo revelado nas estatísticas nacionais está visível dentro de tudo o que nos é apresentado em “Tempestade”, principalmente nas falas dos educadores. Desde as risadas da professora quanto à “imitação” de Kevin feita pelos alunos, a banalização das violências presente no dizer de outro professor que afirma que “preconceito, homofobia ( ... ) tempestade em copo d’água ( ... ) ninguém morre disso” (pp. 38-39), até à negação do diretor em lidar com a questão, relegando o trabalho às famílias ao dizer que se trata de uma questão “delicada” quando Aline se oferece para conversar com as alunas do 8C que estão em um relacionamento.

Guizzo e Felipe (2016) analisam esses desafios das práticas escolares de professores quando lidam com esse assunto em sala de aula. Há um avanço lento para proporcionar um debate sobre essas desigualdades ao ser definido como assunto “delicado” e entendido como um assunto transversal que nem sempre é assimilado pelas disciplinas. Perdem-se, assim, as possibilidades de transformações não apenas em sala de aula, mas como também fora dela para diminuir os preconceitos e avançar na discussão que afeta a vida de crianças e adolescentes.

Em “Tempestade”, há uma outra história que inicia e finaliza o quadrinho: a de Kevin, o “lourinho da 9A”. O aluno é descrito pelos professores como barulhento. Eles dizem, ainda, que Kevin é perseguido em sala de aula pelos colegas, o que, na leitura dos educadores, acontece devido ao preconceito. Só compreendemos a história desse discente no final do quadrinho: ele foi flagrado pela mãe experimentando roupas femininas em casa. Depois disso, Kevin “saiu” da escola e não estava frequentando mais as aulas (Figura 6).

Fonte. Retirado de “Tempestade”, por A. Lemos, 2021, Fessora!, p. 39. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 6 Kevin em “Tempestade” 

A saída de Kevin da escola, ainda que seja uma vivência individual, não é apenas isso, ela revela uma experiência coletiva, transpessoal, na medida em que representa uma situação corriqueira no cotidiano de estudantes LGBTQIA+ brasileiros que enfrentam ambientes hostis em escolas de educação básica. Faltar à instituição educacional é apontado na Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016 (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016) como consequência da LGBTfobia, o que pode levar à evasão escolar, dependendo do grau de violência e preconceitos enfrentados pelos estudantes6. Estão também associadas às vivências de estudantes LGBTQIA+ em comunidades escolares hostis, a queda no desempenho acadêmico, a depressão e o sentimento de não pertencimento à instituição escolar.

Por isso, Aline desenha em poucos quadros uma memória em comum às experiências de vida das pessoas transexuais e travestis na escola: a evasão involuntária. Ainda que a violência tenha acontecido em casa, Kevin não vai muito para a escola. Isso traz resquícios de uma vivência da “pedagogia da violência”7 (Andrade, 2012) pelos discentes transexuais e travestis no Brasil. Esse processo também pode ser “induzid[o] pela escola na qual os(as) educando(as) são, simbolicamente ou não, submetidos, por integrantes da comunidade escolar, a tratamentos constrangedores até que não suportem conviver naquele espaço e o abandonem” (Andrade, 2012, p. 247). Isso reforça a continuidade do ciclo de exclusão desses sujeitos na sociedade que vivem a violência em casa, na escola, no trabalho, na saúde e na política. Lima (2020), ao analisar essas experiências de pessoas transexuais e travestis na educação, observa que a escola é um espaço social que reflete o que a sociedade estabelece. Como efeito disso, “produz e reproduz diferenças, distinções e desigualdades por meio de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento e hierarquização que são reforçados a partir de um modelo referência a ser seguido” (Lima, 2020, p. 79). Sendo este modelo de identidade hegemônico no cotidiano escolar: homem branco, heterossexual, classe média e cristão (Junqueira, 2015; Lima, 2020; Louro, 2000). A exaltação desses marcadores sociais, dentro e fora da escola, vai refletir em duas experiências que são desenhadas nos quadrinhos “Besouro” e “Sovaco Cabeludo”.

O título do quadrinho “Besouro” é em referência ao nome do filme brasileiro, lançado em 2009, que narra a vida de resistência e luta do capoeirista8 Manoel Henrique Pereira (1895-1924), conhecido como Besouro, Besouro Preto, Besouro Mangangá ou Besouro Cordão de Ouro. Aline apresentou em sala de aula essa história para o corpo discente, a fim de debater sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, tema assegurado pela Lei n.º 10.639 (2003)9. O objetivo da lei é promover as diferentes culturas do Brasil no ensino, reforçando e valorizando as histórias de povos indígenas e de afro-brasileiros que foram sistematicamente apagadas desde o processo de colonização até hoje. Abidias do Nascimento (1978), em O Genocídio do Negro Brasileiro, evidencia o esforço de “apagar a memória do africano” (p. 84) e dentre diferentes grupos sociais e sujeitos que auxiliaram nesse projeto do ideário dominante estavam os historiadores, cientistas sociais, literatos e educadores. A cultura do branco e europeu era almejada e enfatizada na história oficial do Brasil, refletindo-se no contexto escolar. A lei busca romper a continuidade do silenciamento histórico de povos subalternizados no Brasil, mas há resistências à implementação no cotidiano escolar. Isso é nítido quando Aline apresenta a visita de uma mãe que vai questionar a tarefa de casa sobre a história do povo negro a partir do filme Besouro (Figura 7): “a minha filha não vai fazer essa tarefa! E vocês não deviam ensinar essas coisas!” (p. 49).

Fonte. Retirado de “Besouro”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 49. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 7 Cena da mãe de uma aluna criticando a tarefa sobre o filme Besouro 

A quadrinista conta que, ao ser “a professora branca” “nem desconfiava” dos desafios do ensino sobre a história de povos não-brancos, nesse caso sobre as religiões de matrizes africanas. Ela recorre a uma pesquisa (Botelho, 2019) que define os impasses vividos na educação a partir desse recorte temático: a exotização e folclorização dos elementos; a demonização por não ser cristã ou com referências europeias; e o racismo. O choque é narrado por Aline ao confrontar essa realidade na escola. Isso a fez adotar um comentário para evitar interpretações equivocadas pelos discentes ao reforçar: “não estou pedindo pra vocês adotarem nenhuma religião, entenderam? Estou dizendo que todas as crenças devem ser respeitadas” (p. 51). Questão que não é colocada ao falar de religiões cristãs em sala de aula.

O II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe (Santos et al., 2023) evidencia o aumento de 270% na violência contra as religiões de matriz africana10 no Brasil frente aos registros feitos entre 2020 e 2021. Essa intolerância busca negar, apagar, perseguir ou demonizar a existência do outro a partir de violência simbólica, até física, contra pessoas e templos religiosos.

Essa experiência narrada por Aline coloca luz no debate da memória em disputa onde a escola se torna um espaço fundamental para retirar o tema do esquecimento a partir do ensino de que existem inúmeras expressões de identidade brasileira (racial, de gênero, grupo trabalhador, classe social, entre outras) e contar histórias para além da oficial. Ensinar que a história das pessoas negras no Brasil não se resume ao período da escravidão e, como bem destaca Grossman (2000),

na medida em que somente a dor é focalizada, as pessoas que viveram toda uma experiência de sobrevivência e resistência acabam sendo reduzidas a simples vítimas, não sendo levado em conta o fato de que também são sobreviventes e resistentes. (p. 19)

A história do Besouro expõe a resistência e luta pelo direito de manifestar sua própria religião, sem ser criminalizado ou perseguido. Em “Tempestade” e “Besouro” observamos o viés da memória política, seja individual ou coletiva, para compreender os desafios do cotidiano de uma professora de história com os discentes.

Aline também é alvo de “brincadeira” por parte de três alunas por não performar uma feminilidade esperada de uma “mulher” e isso cria curiosidade também quanto à sexualidade por não depilar as axilas. Os quadros iniciais da história de quadrinho evidenciam os rostos das meninas ao verem o sovaco cabeludo da professora, gerando surpresa e repulsa (Figura 8).

Fonte. Retirado de “Sovaco Cabeludo”, por A. Lemos, 2021, in A. Lemos, Fessora!, p. 52. Copyright 2021 por Aline Lemos.

Figura 8 “Sovaco Cabeludo” 

Essa brincadeira se apoia no racismo recreativo, que é entendido como um tipo de violência contra pessoas negras quando as piadas “retratam a negritude como um conjunto de características esteticamente desagradáveis e como sinal de inferioridade moral” (Moreira, 2019, p. 19). A abordagem das adolescentes com o refrão da música “Nega do Subaco Cabeludo”, do humorista Pranchana Jack (2012), que virou meme no Brasil em 2012, exemplifica essa desumanização. Nessa música, o racismo recreativo é notável ao buscar mascarar o preconceito racial e de gênero com tom de “humor”.

Associa-se essa imagem feminina à sujeira de quem negligencia a higiene. Na pesquisa qualitativa sobre a construção da identidade negra na escola, Mizael e Gonçalves (2015) observam o uso dessa mesma música por um aluno branco para com a colega negra que “revela como a criança branca percebe as influências midiáticas e se apropria delas, reproduzindo a discriminação racial” (Mizael & Gonçalves, 2015, p. 12). Aline é associada a essa imagem negativa da mulher negra na letra.

A intenção de provocar uma reação na professora com a música não foi alcançada, porque ela também canta para romper com a piada. Por fim, ela consegue descrever o motivo da escolha para não se depilar e questionar os padrões estéticos postos às mulheres. Ainda que as adolescentes observem que isso é um ato “anti-higiênico” e algo que o “namorado pode achar ruim”, a professora consegue refletir com as alunas para explicar que homens não se depilam e ninguém associa esta opção à falta de higiene; e que o namorado não decide o que ela pode ou não fazer com o corpo. A breve conversa termina com uma outra curiosidade respondida sobre a sexualidade de Aline: “eu falei que ela tinha namorado!”, comenta a adolescente para a amiga.

O uso do recurso do estereótipo do que é ser mulher é usado pelas discentes. Entende-se enquanto estereótipo um “conjunto de crenças, valores, saberes, atitudes que julgamos naturais, transmitidos de geração em geração sem questionamentos, e nos dá a possibilidade de avaliar e julgar positiva ou negativamente coisas e seres humanos” (Chauí, 1997, p. 116). Aline nos apresenta as diferentes agressões cotidianas com os estereótipos que promovem a discriminação e manutenção do pensamento hegemônico na escola com o atravessamento de gênero, sexualidade, raça e classe social. A perpetuação desses discursos reforça a violência simbólica, a pedagogia da violência e, consequentemente, afasta crianças e adolescentes da sala de aula quando estas não se comportam segundo a norma hegemônica.

5. “O que Nos Parece Unidade É Múltiplo”

Ecléa Bosi (2009) compreende essa multiplicidade da memória igual ao desenrolar de um fio em meadas diversas, “pois ela é um ponto de encontro de vários caminhos, é um ponto complexo de convergência dos muitos planos do nosso passado” (p. 413). Observando a narrativa de vida enquanto professora por um semestre, analisamos alguns desses pontos discursivos que não são apenas a memória individual (uma unidade) que está sendo lembrada, mas também uma coletiva. A comunidade escolar representada pelos personagens do diretor, professores, alunos/as/es, mãe e faxineira compartilham com Aline o mesmo evento, mas podem ter perspectivas e leituras diferentes - seja pelo posicionamento ideológico ou pelo repertório cultural e social, por exemplo - como foram percebidos nos quadrinhos. Histórias que fazem parte da memória da categoria do trabalho e que se afastam do estereótipo do que é ser docente11 em um produto cultural como os quadrinhos.

Compreender esse potencial do trabalho feito em Fessora! a partir do ponto de vista individual sobre a experiência da docência no ensino público é apresentar às pessoas leitoras parte da complexidade da educação no Brasil. Trata-se de uma realidade pautada por questões sobre a saúde mental, desafios da escola em acolher e debater sobre identidade de gênero e sexualidade; e promover práticas educacionais que questionem o sexismo, o racismo e a homofobia presente no cotidiano da escola que por vezes são atenuados com o pretexto de ser uma “brincadeira” com o colega ou que não existem tais preconceitos.

Aline, ao encerrar a história em “Despedida”, observa a própria expectativa de ser professora: a imagem de uma figura que poderia transformar os estudantes e auxiliar na crítica da própria realidade em um semestre. “Não sei o que eu esperava./Lágrimas?/ Festa?/Que vaidade! Achar que causaria um grande impacto!/A atingida fui eu” (p. 64)

Importante pontuar que não pretendemos, com este trabalho, esgotar todas as discussões e debates em torno de Aline Lemos, sua história em quadrinhos Fessora!, e dos temas abordados nela. Tampouco isso é possível. O que fizemos foram escolhas e um recorte dentro de nossos universos de pesquisa em consonância com as possibilidades dialógicas de nossas trajetórias e investigações desenvolvidas até aqui. Incentivamos, nesse sentido, que pesquisadoras e pesquisadores partam de nosso trabalho em busca de outras análises possíveis dentro deste universo observado, explorando por exemplo as demais narrativas e temas presentes em Fessora! ou, ainda, a trajetória de Aline Lemos como artista independente de quadrinhos no Brasil.

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1Artista, quadrinista e ilustradora de Belo Horizonte, Minas Gerais, autodeclarada pessoa não-binária (atende pelos pronomes elu/ela). Escreveu “dezenas de zines e livros como Artistas Brasileiras (2018), publicação em parceria com a editora Miguilim - que lhe rendeu o 31° Troféu HQ Mix (2019) na categoria Homenagem - e de publicações independentes como Fogo Fato (2020) e Fessora! (2021), ambas possibilitadas por financiamento coletivo. Colaborou com publicações como Folha de São Paulo, A Zica, Plaf!, Banda e Mina de HQ, e foi professora nos cursos Vidas, quadrinhos e relatos, financiado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura (BH) - este que teve como resultado um livro de mesmo nome - , e FIQJovem, da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Além disso, é membro fundadora do coletivo ZiNas (2014) com o qual publicou as zines Transa (2014) e Aborto (2015) e o livro Vida, Quadrinhos e Relatos (2017)” (Lage, 2022, p. 292).

2Aline possui licenciatura e mestrado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, além de formação complementar em design e artes plásticas. Como relatado na própria história de quadrinho, quatro anos após prestar um concurso, Aline foi convocada à sala de aula. Na ocasião, já estudava para sua caminhada em direção às artes, mas precisava de emprego e por isso ficou um semestre na escola, experiência essa retratada em Fessora!.

3A charge, segundo Paulo Ramos (2009), é um texto de humor (que pode conter imagens/ilustrações/desenhos e palavras) que aborda fatos ou temas ligados ao noticiário. Segundo o autor, não é por acaso que elas geralmente são veiculadas na parte de política ou opinião dos jornais. Isso porque os políticos costumam ser grande fonte de inspiração para os chargistas, que tendem a retrata-los de maneira caricata. Assim, ao estabelecer com a notícia uma relação intertextual, em alguma medida, as charges recriam os fatos de maneira ficcional (Romualdo, 2000).

4De acordo com as ideias de Alves (2021, p. 59), há nesses desenhos de si uma “parréria visual” quando as artistas mulheres desenham seus corpos sem adequações a um ideal de beleza vigente, sem buscar uma estética corporal dissimulada e distante de seus corpos reais e sem se importar com a rejeição do trabalho, as críticas e as violências em decorrência dessa escolha.

5Até ao momento da entrega deste trabalho, esta foi a pesquisa mais recente encontrada pelas autoras que mapeia a situação das LGBTfobia nas escolas brasileiras.

6De acordo com a pesquisa de 2016, “houve duas vezes mais probabilidade de os/as estudantes faltarem à instituição educacional quando haviam vivenciado níveis maiores de discriminação relacionada à sua orientação sexual (58,9% comparados com 23,7%) ou à sua identidade / expressão de gênero (51,9% comparados com 25,5%)” (Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2016, p. 47).

7A pedagogia da violência não acontece apenas na escola, ela está em todas as instâncias da vida onde os sujeitos aprendem discursos pré-estabelecidos como uma única verdade. Na concepção de Andrade (2012), essa expressão está ligada à estética do preconceito e da morte. Nesse caso, quem não segue a performance hegemônica de gênero é lido como “não natural”, “indesejado” e alvo de ódio e violência.

8Capoeira não é apenas um esporte. É compreendida enquanto “expressão estética e de luta que remonta à ancestralidade afro-brasileira, capaz de transmitir, por meio do jogo e de suas músicas, os conteúdos negados da história e cultura do negro no Brasil” (Amaral & Santos, 2015, p. 54).

9Em 2008, a Lei n.º 10.639 (2003) foi modificada pela Lei n.º 11.645 que também incluiu no currículo escolar o ensino da história e cultura indígena.

10De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), 0,3% da população brasileira se declarara praticante de religiões afro-brasileiras (umbanda, candomblé, pajelança e entre outras).

11Idealização observada na análise de Adriana Lemes (2005) sobre a representação social da docência, com a Professora Dona Marocas, personagem do quadrinho Chico Bento, obra de Mauricio de Souza que se passa no ambiente rural brasileiro. A feminização do trabalho, roupas e acessórios que tenciona entre a sensualidade pelas curvas do corpo e disciplinada a partir do coque no cabelo, uso de óculos e brincos pequenos. Além do discurso do amor incondicional à profissão mesmo quando não é bem remunerada.

Recebido: 31 de Março de 2023; Aceito: 26 de Agosto de 2023

Nara Bretas Lage é doutora em Estudos de Linguagens pelo Centro Federal de Educação Tecológica de Minas Gerais. Fez doutorado sanduíche no Department of Women, Gender & Sexuality Studies na Ohio State University, nos Estados Unidos. É mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Fez intercâmbio acadêmico de mestrado no Department of Marketing Communication and Branding da Ural Federal University. É bacharela em Jornalismo pela UFOP, e licenciada em Letras - Língua Portuguesa pelo Centro Universitário Claretiano. Sua tese de doutorado Aconteceu Comigo: Mulheres, Narrativas de Vida e Violências nos Quadrinhos de Laura Athayde, foi aprovada com louvor pelo seu programa de pós-graduação. Atualmente, atua como pesquisadora independente e colunista da Mina de HQ. É membro do Grupo de Estudos sobre Narrativas de Si (Narrar-se/ Centro Federal de Educação Tecológica de Minas Gerais), do Grupo de Estudos sobre Discurso, Interseccionalidade e Subjetividade e da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial. Foi integrante do Comics Studies Society, do Grupo de Pesquisa em Mídia e Interações Sociais (GIRO/UFOP) e do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor/UFOP). E-mail: narabretaslage@gmail.com Morada: Rua 76, 149, Bairro Novo Horizonte, Timóteo, Minas Gerais. Brasil.

Samanta Coan é doutora em Ciência da Informação (Universidade Federal de Minas Gerais), mestre em Design (Universidade do Estado de Minas Gerais), especialista em Design Experiencial (Universidade Federal de Santa Catarina) e graduada em Design Gráfico (Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura). Foi co-fundadora do site e coletivo Lady’s Comics (2010-2018), o primeiro espaço a discutir representação e memória das mulheres quadrinistas no Brasil. Desde 2010, criaram projetos que visaram a promoção, a profissionalização (site e encontro Lady’s Comics); educação para incentivo à leitura e uso das histórias de quadrinhos na sala de aula (projeto QUATI); documentação e registro sobre mulheres e quadrinhos (minidocumentários, BAMQ! e revista RISCA!). Desde 2018, participa do Núcleo de Estudos sobre Performance, Patrimônio e Mediações Culturais/Universidade Federal de Minas Gerais; do Grupo de Estudo em Design e Memória. Atualmente faz parte do coletivo Muquifu, gestor do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos; e pesquisadora sobre performance, memória, cultura material, trabalho doméstico remunerado, curadoria de museus comunitários e métodos participativos de projetos culturais. Email: coan.samanta@gmail.com Morada: Rua Deputado André de Almeida, 341, Bairro Ouro Preto, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

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