Doente do sexo feminino, com 67 anos de idade, recorre ao Serviço de Urgência por lombalgia bilateral com irradiação abdominal, anorexia e edema dos membros inferiores.
O quadro tem início no mês anterior, após internamento por desidratação secundária a diarreia crónica iatrogénica. A venografia por tomografia computorizada (TC) (Fig. 1) revela extensa trombose do eixo iliocava e de ambas as veias renais. Após investigação etiológica, admite-se a desidratação grave recente como fator desencadeante.

Figura 1: Trombose subaguda do eixo iliocava. Venografia por TC do eixo iliocava, em reformatações planares curvas para o eixo iliocava (a) e para as veias renais (b), plano axial oblíquo ao nível das veias supra-hepáticas (c) e reformatação volumétrica da parede abdominal anterior (d). Documenta-se trombose oclusiva das veias femorais comuns (VFCd/e, a), ilíacas externas (VIEd/e, a), ilíacas internas, ilíacas comuns (VICd/e, a) e da veia cava inferior (VCI, a-c) até à convergência das veias renais. Existe ainda trombose parcial da restante VCI, até ao segmento intra-torácico, e de ambas veias renais (VRd/e, a-b). Os rins não apresentam áreas de enfarte (b). As veias supra-hepáticas (VSH, c) encontram-se permeáveis, sem evidência de congestão hepática. Não se observam valorizáveis colaterais venosos ao longo da parede abdominal anterior (d), favorecendo uma instalação aguda/subaguda destes aspetos.
A doente tem alta clínica após evolução favorável sob anticoagulação, mantendo seguimento em ambulatório.

Figura 2: Estenose pós-trombótica do eixo iliocava. Venografia por TC do eixo iliocava, em reformatações planares curvas para o eixo iliocava (a) e para as veias renais (b), plano axial oblíquo ao nível das veias supra-hepáticas (c) e reformatação volumétrica da parede abdominal anterior (d). Verifica-se repermeabilização do eixo iliocava, sem defeitos de opacificação atribuíveis a trombos. Contudo, documenta-se estenose contínua das veias femorais comuns (VFCd/e, a), ilíacas externas (VIEd/e, a), ilíacas internas, ilíacas comuns (VICd/e, a) e da veia cava inferior (VCI, a-c) até à convergência das veias renais, correspondendo ao território previamente ocluído. As veias renais (VRd/e, b) também apresentam redução difusa do calibre, sem aparente repercussão parenquimatosa. A restante veia cava inferior encontra-se permeável e com calibre conservado, tal como as veias supra-hepáticas (VSH, c). Existe ainda desenvolvimento de circulação venosa colateral ao longo da parede abdominal anterior (setas, d), concordante com a natureza crónica dos achados.
Um ano mais tarde, ainda sob anticoagulação oral, é internada por quadro de dor abdominal, anorexia, fadiga e sensação de peso nos membros inferiores, com três semanas de evolução. A venografia por TC (Fig. 2) não mostra sinais de trombose venosa profunda (TVP). Contudo, documenta-se estenose contínua do eixo iliocava, interpretada como sequelar à trombose prévia, assim como desenvolvimento de colaterais venosos ao longo da parede abdominal anterior. Após terapêutica sintomática, a doente tem alta clínica, acabando por perder o seguimento.
A trombose da veia cava inferior é uma forma rara de TVP, constituindo um desafio diagnóstico pela sua apresentação inespecífica.1 Impõe-se a exclusão de doença neoproliferativa subjacente, responsável por 37,4% dos casos,2 bem como de trauma abdominal, lesão vascular iatrogénica, anomalias congénitas, e dos clássicos fatores desencadeantes de TVP.1,3-5 O diagnóstico é imagiológico, sendo que a venografia por TC é considerada o método de eleição, sobretudo em contexto de urgência.4 O protocolo de aquisição inclui uma fase venosa sistémica (cerca de 100-120 segundos após a administração endovenosa de contraste) que, perante a suspeita de trombose tumoral, poderá ser precedida pelas fases pré-contraste e arterial dominante. Desta forma, a venografia por TC permite caracterizar o trombo como simples ou tumoral, definir a sua extensão, e ainda excluir potenciais fatores desencadeantes.4,5 Mesmo após terapêutica otimizada, os doentes poderão desenvolver alterações sequelares, como estenose pós-trombótica e membranas intra-cava. Para além da morbilidade associada, a estase e a turbulência de fluxo perpetuam o risco trombótico, pelo que o controlo evolutivo imagiológico é essencial.3
Em casos de estenose sintomática, poderá considerar-se angioplastia com balão e colocação de stent.1,6