SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9Perceção de experiências marcantes do confinamento em famílias portuguesas e brasileiras: Um estudo qualitativo“Aquela pequena vírgula é meu filho!” A experiência da gravidez na Adolescência índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.9  Oliveira de Azeméis jun. 2021  Epub 09-Dez-2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.9.2021.181-189 

Artigos Originais

A covid-19 em regiões transfronteiriças: Consequências e impactos na institucionalidade dos sistemas locais de saúde e proteção social

Covid-19 Pandemic in Border Regions: Consequences and Impacts on the Institutionality of Local Health and Social Protection Systems

Helenara Fagundes1 
http://orcid.org/0000-0003-2033-6276

Vera Maria Ribeiro Nogueira2 
http://orcid.org/0000-0003-4158-1510

Ineiva Terezinha Kreutz3 
http://orcid.org/0000-0003-1976-9197

1 Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

2 Universidade Católica de Pelotas RS, Brasil

3 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil


Resumo:

A proposta deste artigo é apresentar proposta metodológica de investigação do projeto de Pesquisa “A covid-19 em regiões transfronteiriças: consequências e impactos na institucionalidade dos sistemas locais de saúde e proteção social”, que se alinha e dá continuidade aos estudos sobre proteção social e saúde em fronteiras internacionais no Mercosul. No cenário atual de crise sanitária e econômica e suas consequências, tem como foco as alterações nos sistemas de saúde e proteção social causadas pela pandemia de covid-19 na região transfronteiriça. Levando em conta os objetivos e as distinções entre os setores a serem estudados: saúde e proteção social (temporalidade, garantias jurídico-administrativas, reconhecimento público, aparato institucional), as estratégias metodológicas devem favorecer a identificação jurídico-formal do aparato de proteção social e a concretude das propostas de proteção quanto as demandas, serviços, acesso e acessibilidade. Para verificar essa recursividade das políticas sociais e estrutura social vão ser avaliados os indicadores: jurídico-normativas, organizacionais, técnico-operativas e fiscais. A coleta de dados análise pretendida serão obtidos por meio de pesquisa documental e entrevistas em profundidade com os gestores e informantes-chave. O campo empírico da pesquisa privilegiou os seguintes critérios: a tríplice fronteira, (Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazu); municípios de médio porte, (Jaguarão/Rio Branco), municípios de pequeno porte, (Chuí/Chuy), possuem alta porosidade (o limite internacional é uma avenida). A análise das informações coletadas e sistematizadas será fundamentada inicialmente nas referências teóricas referidas na problematização do projeto de pesquisa e complementadas posteriormente à medida em que se fizerem necessárias para ampliação do estudo. Espera-se, entre outras expectativas, que os resultados ampliem o entendimento da região fronteiriça nos seguintes aspectos: conhecimento do contexto fronteiriço entre o Brasil e os demais países do Mercosul a partir do impacto da pandemia atual; explicitação das diferenças de encaminhamentos entre os gestores dos municípios.

Palavras-chave: Pandemia de Covid-19; Regiões Transfronteriças; Saúde; Proteção Social.

Abstract:

The purpose of this article is to present the methodological proposal of the study “Covid-19 in transborder regions: consequences and impacts on the institutionality of local healthcare and social protection systems”. This study aligns with and continues previous studies about social protection and healthcare in international border regions in Mercosur. Considering the current health and economic crisis and its consequences, the study focuses on the changes in the healthcare and social protection systems caused by the Covid-19 pandemic in a transborder region. Considering the objectives and differences among these sectors in terms of temporality, legal-administrative guarantees, public recognition, and institutional apparatus, the methodological strategies should favor the legal-formal identification of the apparatus for social protection and the concrete nature of the proposals for protection in terms of demands, services, access and accessibility. To verify this reproducibility of social policies and social structure the study evaluates normative-legal, organizational, operative-technical and physical indicators. The data to be analyzed will be obtained through document research and in-depth interviews with administrators and key informants. The empiric field of the study focused on the following criteria: the Triple Frontier region (Foz do Iguaçu, Ciudad del Este and Puerto Iguazu); medium (Jaguarão/Rio Branco), and small municipalities, (Chuí/Chuy), with high porosity (the international border is a local street). The analysis of the information collected and systematized will initially be based on the theoretical references referred to in the problematization of the research project and later complemented to the degree in which they are needed to expand the study. It is hoped that the results will broaden understanding of the border region in terms of: knowledge of the border context between Brazil and the other Mercosur countries considering the impact of the current pandemic; and explanation of the differences of the measures taken by municipal administrators.

Keywords: Covid-19 Pandemic; Transborder Regions; Healthcare; Social Protection.

1. Introdução

A proposta deste artigo é apresentar proposta metodológica do projeto de Pesquisa “A covid-19 em regiões transfronteiriças: consequências e impactos na institucionalidade dos sistemas locais de saúde e proteção social”, que dá continuidade aos estudos sobre proteção social e saúde em fronteiras internacionais no Mercado Comum do Sul (Mercosul). Tem como foco as alterações nos sistemas de saúde e proteção social causadas pela pandemia de covid-19 e o impacto nas estruturas locais na região transfronteiriça compreendida entre o Brasil e os demais países integrantes do Mercosul.

É recorrente a afirmação de que a pandemia atual apresentou, entre outras consequências, inúmeros debates relacionando a saúde, proteção social e o papel do Estado (Wolski, 2020; Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, 2020a, 2020b; Carvalho, 2020). A escalada de contaminação e mortalidade pela covid-19 desvelou dimensões insuspeitáveis de desigualdade e vulnerabilidade de contingentes populacionais expressivos, e demandou a rápida intervenção dos poderes públicos para garantir ações protetivas em duas dimensões.

A primeira delas foi a ampliação recursos financeiros para equipamentos e insumos para o setor saúde no sentido de fornecer um anteparo as emergências hospitalares, testagens e medidas preventivas, visando retardar a propagação do vírus e resguardar a capacidade operacional dos sistemas de saúde. Na América Latina, com exceção do Brasil, os demais países adotaram rapidamente, em plano nacional, o isolamento físico, o distanciamento social, o fechamento de fronteiras, medidas quarentenárias e o cancelamento de atividades não essenciais (Pêgo et al, 2020). O governo federal brasileiro adotou, inicialmente, uma postura ambígua e, posteriormente, posicionou-se contra as medidas indicadas pela Organização Mundial da Saúde, transferindo aos governos estaduais e municipais a responsabilidade pelas medidas a serem adotadas (Pêgo et al, 2020).

A segunda dimensão voltou-se para a proteção à população vulnerável, tanto a já atendida pelos programas de transferência monetária quanto a inclusão dos desempregados e empregados informais, visando garantir a renda familiar devido à retração econômica e favorecer o isolamento. Todos os países adotaram medidas similares, variando os valores, as formas, os critérios de repasse e o público-alvo (Pêgo et al, 2020).

Diante desse cenário, acentuam-se as preocupações com os impactos atuais e futuros na região transfronteiriça, articulando o espaço local com o internacional em uma relação simbiótica, além da convergência de situações de desigualdades territoriais1 devido a peculiar situação geopolítica.

A questão central do Projeto é avaliar em que medida as alterações nos sistemas de saúde e proteção social, decorrentes da pandemia de covid-19, contribuíram para reduzir as desigualdades territoriais em saúde e proteção social, ampliando a dimensão social da cidadania nos termos acordados pelos países no âmbito do Mercosul nos espaços transfronteiriços (Mercado Comum do Sul, 2011).

Considerando o ineditismo do estudo, em razão da emergência e desconhecimento da crise pandêmica atual, espera-se resultados que venham a contribuir com outras investigações em andamento sobre esse tema2.

Assim, tendo como referências: a) a reflexividade existente entre a estrutura social e as políticas sociais; b) a cooperação transfronteiriça entre os sistemas locais de saúde e de proteção social; c) o poder e a relativa autonomia dos gestores locais na implementação das políticas sociais; d) o reconhecimento do impacto dos determinantes sociais da saúde na propagação e possibilidades de cura face à pandemia; e e)as consequências ainda não detectadas na região diante dos distintos encaminhamentos das políticas sociais na atual crise sanitária pelos países limítrofes, esta proposta pretende ampliar o conhecimento sobre a realidade transfronteiriça durante e pós-pandemia, buscando respostas para as seguintes indagações: Quais foram os problemas enfrentados pelas equipes gestoras dos municípios fronteiriços no âmbito da gestão municipal da saúde e assistência social durante a crise sanitária? Quais estratégias de gestão foram ou são utilizadas para o enfrentamento desses problemas? A gravidade da pandemia favoreceu ou dificultou a cooperação entre os sistemas protetivos locais dos países na linha da transfronteirização? Ampliou a inclusão dos não nacionais? Tornou mais explícitas as desigualdades em saúde e vulnerabilidades sociais existentes? Houve a preocupação em ações integradas entre o setor saúde e proteção social diante dos determinantes sociais da saúde? Há uma previsão de continuidade das iniciativas após a pandemia? Como se expressa essa intencionalidade nas dimensões das políticas sociais? Identificam-se ações no campo da paradiplomacia apontando para a transfronteirização?

Diante da relevância da situação atual e das questões acima elencadas, a proposta tem como objetivo geral avaliar o impacto da pandemia de covid-19 e as suas consequências na institucionalidade social das políticas de saúde e assistência social na região transfronteiriça, ampliando a dimensão social da cidadania nos termos acordados pelos entre os países integrantes do Mercosul. Os objetivos específicos serão: a) resgatar as alterações ocorridas nas dimensões institucionais das políticas de saúde e proteção social; b) identificar as simetrias e assimetrias entre medidas adotadas pelos sistemas locais relacionadas às políticas acima indicadas; c) verificar a ocorrência de iniciativas de cooperação e harmonização entre os sistemas de proteção social na região estudada e, em caso positivo, os determinantes de tais iniciativas;

2. Metodologia

Quanto à natureza dessa pesquisa optou-se pela abordagem qualitativa. Segundo Denzin e Lincoln (2006, p. 20-22), a pesquisa qualitativa, incide em práticas interpretativas que vão visibilidade há uma determinada realidade.

As abordagens qualitativas do objeto “[...] ressaltam a natureza socialmente construída da realidade, a íntima relação entre o pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais que influenciam a investigação” (Denzin & Lincoln, 2006, p. 23).

Nessa mesma trajetória de entendimento, Minayo argumenta que a pesquisa de natureza qualitativa “responde a questões muito particulares”, ou seja, “[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (2002, p. 21-22).

A construção da proposta metodológica fundamentou-se nas indicações dos objetivos previstos, os quais sinalizam, simultaneamente, os aportes teóricos a serem acionados para se analisarem as informações, para a natureza dos dados a serem coletados no trabalho de campo, a parcela do fenômeno social a ser abordado e onde se recolherem os dados. A convergência desses elementos permite, assim, realizar a articulação entre o plano teórico e o empírico, ou seja, evidenciar com clareza o caminho do pensamento ao se apropriar analiticamente da situação transfronteiriça.

Levando em conta os objetivos e as distinções entre os setores a serem estudados: saúde e proteção social (temporalidade, garantias jurídico-administrativas, reconhecimento público, aparato institucional), as estratégias metodológicas devem favorecer a identificação jurídico-formal do aparato de proteção social e a concretude das propostas de proteção quanto as demandas, serviços, acesso e acessibilidade.

Essas duas dimensões são potencialmente viáveis para se produzir uma leitura do real que permita eleger linhas programáticas futuras visando materializar e concretizar direitos, para além do disposto no período da pandemia atual.

Apesar da forma sintética concernente a esta proposta, a indicação de algumas referências teóricas é necessária, visto que condicionam “o que procurar”, “como procurar” e “como analisar”; ou seja, os objetos a serem investigados, como investigar e como analisar. Nessa linha, convém salientar a importância do referencial teórico, pois, as teorias são referenciais fundamentais para o pesquisador construir suas estratégias de coletas de dados, fazer suas reflexões e interpretações.

A primeira é a evolução da concepção de fronteira para espaços transfronteiriços. Desiderá e Penha (2017) apresentam uma definição de transfronteiriço não restrito aos seus aspectos econômicos, sociais, culturais e aduaneiros, mas se estende às relações interpessoais de toda ordem, como as trabalhistas, emocionais, de gênero e de proteção social. Esse tipo de interrelações pessoais que ocorre na fronteira define-se, ao mesmo tempo, como nacional e social, e constrói um espaço designado como transfronteiriço, em que há uma esfera social translocal. A categoria translocal deriva de uma concepção ampliada dos direitos humanos, e com potência para impulsionar uma cultura de proteção local e global (Bertaso, 2014).

Assim, os estudos nos espaços transfronteiriços demandam uma abordagem binacional, sendo importante a apreensão das inúmeras determinações de um espaço diverso dos espaços nacionais, o transfronteiriço, que, por sua vez, é particularizado em relação aos países que os conformam devido a condições sócio-históricas, políticas, culturais e econômicas.

A relação entre fronteiras e saúde aparece, inicialmente, em decorrência de aspectos concernentes à gestão da União Europeia, a partir dos anos 1990 (Busse et al., 2002). No Brasil, os estudos sobre este tema são impulsionados pela criação do Mercosul, e os primeiros textos surgem nos anos 2000 (Giovanella et al. 2007; Preuss, 2007; Pérez Jiménez & Nogueira, 2009). A relação entre fronteiras e proteção social é bem mais recente, a partir de 2010 (Silva et al., 2017).

A segunda referência é a relacionada à implementação das políticas públicas e o papel central dos atores políticos locais, determinando a institucionalidade das medidas adotadas. Neste texto, retoma-se a concepção clássica formulada por O’Donnell (1991, p. 27): “Considera-se institucionalidades como “[...] padrões de interação que são conhecidos, praticados e aceitos regularmente (embora não necessariamente aprovados normativamente) por agentes sociais” [...]”. São relações que geram estabilidades, rotinas, padrões de comportamentos previsíveis, orientam a construção de símbolos e papéis, favorecem a construção de acordos e garantem, em última análise, o cumprimento das funções institucionais. Nesses termos, os sistemas de saúde e proteção social se constituem e se alteram em formas que facilitam ou dificultam o ingresso dos “não autorizados” institucionalmente. Concorda-se com Seibel (2001) que novas institucionalidades poderão firmar-se como canais efetivamente públicos de mediação e representação das demandas e interesses da sociedade, especialmente as medidas adotadas face a crise sanitária.

A terceira referência é a reflexividade entre estrutura social e política social, o que explica as continuidades e descontinuidades das medidas protetivas ao longo do tempo Adelantado et al (2000) delimita uma concepção particular de estrutura social para estudar a relação com a política social, visando identificar os mecanismos concretos de influência recíproca3.

El conjunto de los modos en que las prácticas de grupos e individuos están organizadas (instituciones) y relacionadas entres i (procesos sociales), de manera que se crean unos ejes de desigualdad que configuran la identidad de esos individuos y grupos, así como los cursos posibles de la acción social (individual y colectiva). Dicho de otro modo, la estructura social seria la configuración de instituciones, reglas y recursos que atribuye condiciones de vida desiguales a las personas en un momento y un lugar determinados (ADELANTADO et al, 2000, p. 27).

Ao se ter como objeto de estudo a proteção social e a saúde, e ambas serem decorrentes de condições históricas, culturais e ideológicas, sob o predomínio econômico, importa apreender como as medidas de anteparo à crise do coronavírus impactaram a institucionalidade das políticas e a potência do impacto para ocasionar alterações na estrutura social como acima definida. Ou seja, se ocorreu uma relação biunívoca provocando alterações em médio prazo ou se as inovações cessaram após o controle da pandemia, por vacina ou imunidade comunitária.

Para verificar essa recursividade das políticas sociais e estrutura social, a estratégia metodológica utilizada será a proposta da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2017), que construiu uma série de indicadores para avaliar a institucionalidade das políticas sociais na América Latina e no Caribe em quatro dimensões: jurídico-normativas, organizacionais, técnico-operativas e fiscais.

A dimensão jurídico-normativa constitui a base legal da institucionalidade relacionada à garantia de direitos econômicos, sociais e cultural das populações adstritas a um estado nacional e, no caso presente, também ao espaço municipal. Refere-se aos ordenamentos legais (leis, protocolos, decretos, normativas, ordens de serviço) a partir dos quais vão se construindo as institucionalidades relativas às políticas estatais vis-à-vis a cultura local.

A segunda dimensão apontada pela CEPAL para estudo da realidade local - a dimensão organizacional - estabelece o trânsito entre a base normativa e a possibilidade material e estrutural das propostas programáticas em distintas instâncias governamentais. Diz respeito à configuração (ministérios, secretarias, departamentos, sessões) das instâncias do poder executivo competentes para implementar os programas de carácter social, a partir de seus mandados decorrentes da situação jurídica.

A dimensão organizacional é acompanhada do que a CEPAL designa como dimensão técnico-operativa, neste texto designada como dimensão substantiva, no sentido que materializa concretamente a proteção social. Envolve a capacidade de planejamento e gestão técnica e política das políticas setoriais e programas sociais. Metaforicamente pode ser comparada à estrutura organizacional em movimento. Implica o uso ético, efetivo das ferramentas utilizadas de gestão das políticas sociais pelos sujeitos políticos em todos os níveis governamentais. A literatura atual sobre políticas em regiões fronteiriças dá conta da centralidade desses atores no encaminhamento das políticas locais, na agilização de ações paradiplomáticas. Quando imbuídos de uma perspectiva de cidadania democrática e competentes para manejar a “caixa de ferramentas” jurídicas e administrativas à sua disposição, têm provocado alterações significativas em distintos níveis4.

Por fim, a quarta dimensão é a fiscal: os custos para manutenção das demais dimensões, ou seja, para as instalações e recursos humanos para o funcionamento da estrutura jurídico-normativa, organizacional e técnico-operativa. Operam nesta dimensão, para análise do grau de proteção, os recursos mobilizados para o desenvolvimento social em termos de prioridades, estabilidade e garantia de seguimento.

Não por acaso, destaca-se que a visibilidade dos gastos públicos é difícil de ser obtida por três razões: a) a incipiente organização técnico-administrativa na manutenção de canais viabilizadores de consultas públicas (publicação sistemática por distintos meios, como web e publicações periódicas); b) linguagem hermética utilizada nas contabilidades estatais, favorecendo a apreensão unicamente por pessoal altamente especializado, o que interdita um controle desses gastos pela maioria da população; e c) reduzida evidência da utilização dos recursos pelos níveis subnacionais.

A partir dessas dimensões, foram escolhidos indicadores para o acompanhamento da institucionalidade das políticas implementadas, os quais fundamentam-se nas indicações de Januzzi (2002, p. 59), sintetizadas no check list proposto por ele. Nos casos de indisponibilidade pública dos dados financeiros, esses serão obtidos, ainda que com certo prejuízo, por meio de entrevistas em profundidade com os gestores. Durante a interpretação e análise dos dados, é preciso voltar atentamente aos marcos teóricos, pertinentes à investigação, pois eles vão dar o embasamento e as perspectivas significativas para o estudo, desta maneira a relação entre os dados obtidos e a fundamentação teórica é que dará sentido à interpretação e análise, ou seja, os resultados vão ser sistematizados e será construído categorias que vão ser transpostas para o software webQDA. Compreendemos que software webQDA será uma ferramenta que vai auxiliar as pesquisadoras na análise e interpretação dos dados.

2.1 Desenho Operacional

A partir das dimensões acima sumariadas, o desenho operacional da investigação foi previsto para favorecer a identificação jurídico-formal do aparato de proteção social dos municípios, as estruturas organizacionais disponíveis, a concretude das propostas de proteção (demandas, serviços, acesso e acessibilidade) e os recursos fiscais. Essas dimensões são potencialmente viáveis para se avaliar o nível de institucionalidade social nas três temporalidades previstas - antes, durante a pandemia e no futuro. Observa-se não haver uma preocupação quantitativa, mas a avaliação qualitativa das questões a partir dos gestores e assistentes sociais.

Para favorecer a coordenação do projeto e a tarefa de coleta empírica, são indicadas, a seguir, as metas necessárias para o alcance dos objetivos. Os dados serão coletados dos dois lados da fronteira, incidindo especificamente sobre os sistemas locais em estudo.

2.2 Coleta dos Dados

Os dados necessários para a análise pretendida serão obtidos por meio de pesquisa documental e entrevistas em profundidade com os gestores e informantes-chave. A pesquisa documental (dados secundários) será realizada no âmbito nacional uma vez que essas influenciam as medidas municipais e as medidas do Mercosul. Os documentos, como produtos de uma sociedade, são fontes históricas e exprimem as relações sociais e de poder da sociedade do “passado-presente e do presente-passado” (Ianni, 2012). As legislações, regulamentações jurídico-administrativas, os serviços e ações prestados, os acordos e pactos bilaterais e trilaterais, e as decisões do MERCOSUL-SGT n° 18 sobre fronteiras serão resgatados em estudo documental, junto aos organismos oficiais do Mercosul e em sites dos Ministérios Nacionais e das Secretarias de Saúde e Assistência Social dos municípios pesquisados. As entrevistas em profundidade foram escolhidas por favorecem o resgate dos aspectos políticos, éticos e técnico-operativos relativos à gestão em espaços fronteiriços internacionais. O critério para escolha recaiu sobre os órgãos públicos municipais responsáveis pela gestão e execução de serviços, planos, programas, projetos ou benefícios de proteção social, no âmbito das políticas analisadas.

Serão entrevistados em profundidade os gestores dos dois sistemas: saúde e proteção social, e assistentes sociais, sendo um vinculado ao setor saúde e outro à proteção social.

A escolha dos assistentes sociais para os dois setores se deve ao fato de serem os profissionais que recebem em primeira mão a demanda dos nacionais e não nacionais. (Silva, 2006; Silva et al., 2017). Nos municípios que não contarem com assistentes sociais, serão entrevistados outros profissionais que atendam na ponta dos sistemas, indicados pelos gestores. A coleta dos dados documentais e entrevistas será iniciada em 2021/2, indo até 2022/2 e anualmente, até 2024/1.

2.3 Campo Empírico

A escolha das cidades a serem pesquisadas privilegiou os seguintes critérios: a) a tríplice fronteira (Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazu) em razão de seu aspecto paradigmático, visto a intensidade do trânsito transfronteiriço, a alta porosidade com recursos de saúde e proteção social com iniciativas de transfronteirização5; b) Dois municípios de médio porte, por situarem-se em um corredor importante de trânsito comercial entre Brasil e Uruguai; c) Chuí/Chuy, por serem municípios de pequeno porte, com alta porosidade (o limite internacional é uma avenida).

2.4 Plano de Análise dos dados

A análise das informações coletadas e sistematizadas será fundamentada inicialmente nas referências teóricas referidas na problematização do projeto de pesquisa e complementadas posteriormente à medida em que se fizerem necessárias para ampliação do estudo. Depreende-se, que, devido à atualidade do tema, novos textos poderão ser publicados6 sobre implementação/política social, poder local/descentralização, paradiplomacia, cooperação transfronteiriça, determinação social da saúde e proteção social.

Espera-se, que os achados da investigação possam adensar o conhecimento sobre fronteira na linha indicada pelo convênio entre o Ministério da Integração Nacional e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2017:

[...] pesquisar o tema fronteiras passou a ser importante, pois a fronteira amplia as possibilidades de contato entre os povos e dos fluxos entre os países. [...]. Assim, a construção de uma linha de pesquisa sobre fronteiras do Brasil tem como objetivo conhecer a realidade fronteiriça em sua imensa diversidade (Pêgo e Moura, 2017, p. 15).

O desenvolvimento do projeto poderá evidenciar a importância dos sistemas públicos de saúde e proteção social diante de cenários de crise como a atual, que ampliam a desigualdade tanto entre segmentos populacionais dentro de cada países e entre os países (Carvalho, 2020). A compreensão sobre os espaços transfronteiriços, devido à convergência de diversos padrões estatais e suas funções, poderá ter um impacto inovador em ações de cooperação em saúde e proteção social, melhorando, assim, a oferta de bens e serviços para grupos em situação de vulnerabilidade social e de extrema pobreza como atenção integral à saúde e qualificação das vigilâncias sanitárias e epidemiológicas, e outras situações problemáticas acentuadas em limites internacionais, como tráfico de mulheres e jovens, uso de crianças para contrabandear mercadorias e uso de álcool e drogas.

3. Conclusões

O presente artigo é a apresentação de um projeto de pesquisa que está em andamento e, portanto, se propõe no âmbito do CIAQ 2021, contribuir para a discussão metodológica e análise qualitativa dos dados. Ao relatar um procedimento sistematizado e passível de ser aplicado, pretende-se de forma sistemática realizar uma apreensão das informações e analisar a partir do enfoque teórico dos pesquisadores. Assim, de acordo com os objetivos propostos, espera-se que os resultados ampliem o entendimento da região fronteiriça nos seguintes aspectos:

    4. Referências

    Adelantado, J., Noguera, J.A. & Rambla, X. (2002). El marco de análisis: Las relaciones complejas entre Estructura social y Políticas sociales. In: Adelantado, José. (coord.). Cambios en el Estado del Bienestar: políticas sociales y desigualdades de España. Barcelona: Icaria Editorial: Universitat Autònoma de Barcelona, Servei de Publicacions. https://dialnet.unirioja.es/servlet/libro?codigo=1014Links ]

    Bertaso, J. M. (2014). Cidadania translocal: tecendo possibilidades. Revista Novos Estudos Jurídicos, 19(3): 904-925. https://doi.org/10.14210/nej.v19n3.p904-925 [ Links ]

    Busse, R., Wismar, M. & Berman, P.C. (2002). The European Union and Health Services. The Impact of the Single European Market on Member States. Amsterdam: IOS Press. [ Links ]

    Carvalho, L. (2020). Curto-circuíto: o vírus e a volta do Estado. 1. ed. São Paulo: Todavia. [ Links ]

    Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. (2017). Institucionalidade social para a América Latina y Caribe. 2017. https://dds.cepal.org/bdips/Links ]

    Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. (7 de julio de 2020a). La respuesta a la crisis del COVID-19 requiere de un nuevo pacto social por un régimen de bienestar más inclusivo: Alicia Bárcena. https://www.cepal.org/es/comunicados/la-respuesta-la-crisis-covid-19-requiere-un-nuevo-pacto-social-un-regimen-bienestar-masLinks ]

    Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. (mayo 2020b). Informe sobre impacto económico en América Latina y el Caribe de la enfermedad por coronavirus (COVID-19). https://www.cepal.org/es/publicaciones/45602-informe-impacto-economico-america-latina-caribe-la-enfermedad-coronavirus-covidLinks ]

    Denzin, N. K. & Lincoln, Y. S. (2006). Introdução: A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In Denzin, N. K. & Lincoln, Y. S. (orgs.). Planejamento da pesquisa qualitativa - teorias e abordagens. 2ª ed., pp.15-42. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]

    Desiderá, W. A. N. & Penha, B. (2017). As regiões de fronteira como laboratório da integração regional no Mercosul. In Desiderá, W. A. N., Penha, B. & MORAES, R. F. (orgs.). O Mercosul e as regiões de fronteira. pp. 203-225. Brasília: IPEA. [ Links ]

    Giovanella, L., Guimarães, L., Nogueira, V. M. R., Lobato, L.V.C. & Damacena, G. N. (2007). Saúde nas fronteiras: acesso e demandas de estrangeiros e brasileiros não residentes ao SUS nas cidades de fronteiras com países do do MERCOSUL na perspectiva dos secretários municipais de saúde. En Cadernos de Saúde Pública. [online]. 23(suppl 2): S251-S266. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001400014. [ Links ]

    Ianni, O. (2012). A construção da categoria. Revista HISTEDBR On-Line, 11(41e): 397-416. https://doi.org/10.20396/rho.v11i41e.8639917 [ Links ]

    Instituto Social do MERCOSUL. (2018). Políticas Sociais no MERCOSUL - Estrutura dos organismos públicos de ofertas de serviços sociais. Assunção, Paraguai. http://www.ismercosur.org/pt/cidadania-em-fronteira%E2%80%8B/Links ]

    Pêgo, B., Moura, R., Nunes, M., Krüger, C., Moreira, P., Ferreira, G. & Nagamine, L. (2020). Pandemia e fronteiras brasileiras: análise da evolução da covid-19 e proposições. Nota técnica 16. Brasília: Ipea. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35600. [ Links ]

    Pêgo, B. & Moura, R. (2017). O projeto fronteiras do Brasil no IPEA (dirur): objetivos, hipóteses e proposições - a oficina como produto inicial do projeto. In Pêgo, B., Moura, R., Krüger, C., Nunes, M. & Oliveira, S. (orgs.). Fronteiras do Brasil: diagnóstico e agenda de pesquisa para política pública, vol. 2, pp.15-21. Brasília: Ipea -MI. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/170628_fronteiras_do_brasil_volume2.pdfLinks ]

    Januzzi, P. de M. (2002). Considerações sobre o uso, mau uso e abuso dos indicadores sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais. In Revista de Administração Pública, 36(1): 51-72. http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6427Links ]

    Mercado Comum do Sul. (2011). MERCOSUR/CMC/DEC. Nº 12/11 - Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul (PEAS). https://www.mercosur.int/documento/plano-estrategico-de-acao-social-do-mercosul-peas/Links ]

    Minayo, M. C.de S. (2002). Ciencia, Técnica e Arte: o desafio da pesquisa social. In Minayo, M. C.de S. (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 21 ed., pp. 9-29. Petrópolis: Vozes. [ Links ]

    O’Donnell, G. (1991). Democracia Delegativa? Revista Novos Estudos, São Paulo:CEBRAP, nº 31, pp. 25-40. https://uenf.br/cch/lesce/files/2013/08/Texto-2.pdfLinks ]

    Peixoto, A. B. (2017). Fronteira e Integração Regional. In Pêgo, B., Moura, R., Krüger, C., Nunes, M. & Oliveira, S. (orgs.). Fronteiras do Brasil: diagnóstico e agenda de pesquisa para política pública. vol, 2, pp.48-56. Brasília: Ipea -MI. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/170628_fronteiras_do_brasil_volume2.pdfLinks ]

    Pérez Jiménez, R. & Nogueira, V. M. R. (2009). La construcción de los derechos sociales y los sistemas sanitarios: los desafíos de las fronteras. Revista. Katálysis, Florianópolis, 12(1): 50-58. https://doi.org/10.1590/S1414-49802009000100007 [ Links ]

    Preuss, L. T. (2007). O direito à saúde na fronteira: duas versões sobre o mesmo tema. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Florianópolis. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/90418Links ]

    Seibel, E.J. (2001). Políticas Sociais e a questão da debilidade institucional. Revista Katálysis, Florianópolis, (5): 23-33. https://doi.org/10.1590/%25x [ Links ]

    Silva, M. G. da. (2006).O local e o global na atenção às necessidades de saúde dos brasiguaios: análise da intervenção profissional do assistente social em Foz do Iguaçu. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Florianópolis. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/88602Links ]

    Silva, V. R.; Ugoski, D. R. & Dravanz, G. M. G. (2017). Negação dos direitos sócio assistenciais para transfronteiriços indocumentados: desafios para as cidades gêmeas. Revista Texto & Contexto, Porto Alegre, 16(1): 231-243. https://doi.org/10.15448/1677-9509.2017.1.27121 [ Links ]

    Wolski, D. (22 junio 2020). El papel de las políticas sociales en tiempos de COVID-19. Programa de la Unión Europea EUROsociAL+. Región América Latina. https://eurosocial.eu/bitacora/el-papel-de-las-politicas-sociales-en-tiempos-de-covid-19/Links ]

    1 As desigualdades territoriais são relativas tanto a distância dos sistemas de proteção social de cidades maiores e com mais recursos no setor protetivo como as decorrentes dos reduzidos processos de harmonização dos sistemas locais entre os países fronteiriços.

    2As agências de fomento à pesquisa internacionais, nacionais e estaduais lançaram diversas chamadas com o tema do impacto da pandemia em diversos setores.

    3Advertem os autores ser a estrutura social produto de outras influências que não unicamente das políticas sociais, como pressões internacionais, econômicas, aspectos culturais e crenças religiosas.

    4Estudo comparativo realizado entre Espanha, Portugal, França e entre Brasil, Uruguai e Paraguai demonstraram a importância dos sujeitos políticos subnacionais, alterando mesmo normativas da União Europeia, no caso da construção do Hospital da Cerdanya, anteriormente referido. Esse mesmo estudo identificou processos de inclusão na fronteira entre Brasil e Uruguai no caso de atenção sanitária (Pérez Jiménez & Nogueira, 2009).

    5O relatório da consultoria ao Mercosul evidenciou ações protetivas em relação à criança e ao tráfico de adolescente (Instituto Social do Mercosul, 2018).

    6O IPEA conta com dois livros no prelo sobre as fronteiras do Arco Sul. Os inúmeros editais de pesquisa sobre a dimensão social da covid-19 igualmente deverão contribuir para ampliar o acervo teórico sobre o tema em estudo.

    Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

    Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons