1.Introdução

O apoio profissional à família engloba uma grande diversidade de intervenções e de recursos humanos (^{Devaney et al., 2013}). Efetivamente, o apoio à família (family support) é um campo transdisciplinar formado por práticas e saberes de diferentes áreas, teorias e abordagens (^{Herrera-Pastor et al. 2020}). Devaney et al. (2021) referem que não existe uma receita geral específica para o apoio à família, mas que existem diversas abordagens bem-sucedidas, dependendo do contexto, das tradições, da aceitação do Estado pelas pessoas e da confiança do Estado nas famílias. Tal diversidade complexifica e torna mais difícil definir e identificar um conjunto de competências profissionais essenciais, sendo que esses profissionais fornecem assistência e orientação às crianças e famílias e podem trabalhar em diferentes ambientes e instituições como, por exemplo, serviços da segurança social, abrigos, consultórios, serviços de acolhimento ou adoção, serviços de proteção infantil agências e outras organizações de serviços familiares (^{Avirovic Bundalevska et al., 2021}).

A literatura sobre os profissionais no apoio familiar encontra-se dispersa em várias áreas afins, pelo que os profissionais e investigadores envolvidos enfrentam desafios na definição do seu padrão de competências e competências exigidas. A este propósito importa referir que para a designação de competências se associam diversas vezes outras designações como habilidades ou intervenções, podendo até ser usadas de forma indiscriminada (^{Zegarac et al., 2021}). Para uma maior clarificação passamos a explicitar, conforme Cedefop (The European Centre for the Development of Vocational Training, 2014), a correspondência e a definição do conceito de competência (correspondendo ao conceito inglês de competence):

capacidade de mobilizar os resultados da aprendizagem de forma apropriada num contexto definido (educação, trabalho, desenvolvimento pessoal ou profissional).

ou

capacidade comprovada de utilizar o conhecimento, as aptidões e as capacidades pessoais, sociais e/ou metodológicas, em situações profissionais ou em contextos de estudo e para efeitos de desenvolvimento profissional e/ou pessoal.

Nota: a competência não se limita a elementos cognitivos (utilização de uma teoria, de conceitos ou conhecimentos tácitos), engloba igualmente aspetos funcionais (nomeadamente aptidões técnicas), interpessoais (por exemplo aptidões sociais ou organizacionais) e valores éticos. (Cedefop, 2014, p. 50)

Da mesma forma, explicitamos a correspondência do conceito inglês skills, que no referido documento aparece como: “competências/aptidões profissionais/capacidades profissionais” (Cedefop, 2014, p. 228), definindo-as como “a capacidade de realizar tarefas e resolver problemas” (Cedefop, 2014, p. 228), não se registando assim a correspondência a habilidade que por vezes se encontra em alguns trabalhos, a qual “corresponde a uma ação que tem um determinado objetivo” (^{Cardoso et al., 2015}, p. 12).

Neste sentido, importa referir que, neste trabalho, se utiliza o termo português competências num sentido lato, podendo englobar as duas definições referidas no Cedefop (2021), considerando, no entanto, de forma mais específica relativamente à temática do trabalho, a definição de competências de força de trabalho no apoio à família, conforme ^{Zegarac et al. (2021}):

family support workforce skills as their learned power of doing things in collaborative ways, while supporting different aspects of family functioning in a competent manner, and the ability to use their knowledge effectively and readily in the execution or performance of serving families using holistic, strengths-based, and relationship-based practice approach. (p. 401)

De facto, na revisão sistemática da literatura efetuada por ^{Zegarac et al. (2021}) constata-se que, apesar da existência de vários estudos no domínio do apoio familiar, quando as competências dos profissionais são o tópico específico, o número de estudos revela-se drasticamente menor. Com efeito, as lacunas de competências e as incompatibilidades dos trabalhadores são frequentes na prática geral dos procedimentos de emprego, tendo como consequência vagas de trabalho por preencher, pois os empregadores procuram profissionais com capacidades de aplicar os conhecimentos detentores de competências multidimensionais concretas e bem definidas (^{Alic, 2018}).

Na revisão sistemática da literatura realizada (^{Zegarac et al., 2021}) as autoras verificaram que, nos 40 estudos selecionados, se retratou uma prevalência de pesquisas sobre as competências dos assistentes sociais no apoio à família. Zegarac et al. (2021), como resultado da revisão da literatura, organizaram as competências dos profissionais no apoio às famílias em três tópicos:

as qualidades dos profissionais (atitudes e atributos) (e.g., empatia, cordialidade e autenticidade);

as competências técnicas (e.g., formas de empoderar as famílias e as competências de comunicação; e

os conhecimentos específicos (e.g., estratégias cognitivo-comportamentais e competências de modelagem).

Nesta mesma linha, ^{Avirovic Bundalevska et al. (2021}) sugerem, a partir da literatura na área, algumas competências do profissional de apoio familiar: conhecimento acerca dos direitos humanos e direitos da família; conhecimento sobre o desenvolvimento humano e familiar; conhecimento de diferentes estruturas familiares e tipos de família; conhecimento sobre fatores e indicadores que afetam as famílias; conhecimento sobre pressupostos de aconselhamento; conhecimento sobre a saúde reprodutiva e planeamento familiar; competências de assistência e apoio para famílias que vivem com dificuldades; competências de assistência e apoio a famílias em risco social; e competências para determinar o tipo de apoio emocional e ajuda necessária. As autoras destacam como mais importantes as competências de empatia, confiança, objetividade, não julgamento, relacionamento interpessoal e comunicação, iniciativa e independência no trabalho, relacionamento com crianças e adultos, liderança e respeito pelo outro (Avirovic Bundalevska et al., 2021).

Todavia, importa referir que o conceito de competências dos profissionais no trabalho de apoio à família é um conceito emergente e, por isso, estudos sobre o mesmo devem ser desenvolvidos, pois serão importantes ao estabelecimento de diretrizes padronizadas para a intervenção desses profissionais. Nesse sentido, encontra-se a trabalhar um grupo de trabalho da Ação COST da União Europeia “The European Family Support Network: A bottom-up, evidence-based, and multidisciplinary approach” (CA18123, EuroFam-Net) (https://eurofamne t.eu/), sendo aí que se enquadra este trabalho.

Então, identificar e definir as competências da força de trabalho de apoio à família parece crucial para o futuro desenvolvimento do perfil dos trabalhadores de apoio à família. Nesse sentido, o principal objetivo da presente revisão da literatura, já apresentada previamente num relatório de investigação (^{Antunes et al., 2021}), é complementar a revisão sistemática da literatura efetuada por ^{Zegarac et al. (2021}) e fornecer uma perspetiva sobre a referência às competências dos profissionais que trabalham no apoio à família, existente em livros e/ou manuais, procurando contribuir para a formulação conceptual das competências desses profissionais.

2.Métodos

Este trabalho procura responder à seguintes questões de investigação:

Existem livros e/ou manuais sobre as competências dos profissionais que trabalham no apoio à família?

Em que áreas científicas e que domínios de competências aparecem abordados?

3.Resultados

Nesta revisão da literatura foram encontrados 48 livros/manuais com conteúdos relacionados com as competências dos profissionais que trabalham no apoio à família. Dessas 48 publicações, apenas 8 estavam totalmente disponíveis online e apenas 9 eram totalmente ou quase totalmente dedicados ao tema em questão (Tabela 1). Apresentam-se assim os dados mais relevantes numa perspetiva descritiva e não de apresentação de resultados de investigação (^{Sargeant & O’Connor, 2020}).

Quanto aos livros disponíveis integralmente online (n=8) (Tabela 1 e Tabela 2) pode referir-se que:

Os autores são diversos e as temáticas também, sendo as disciplinas científicas específicas destes livros a Saúde Mental, a Psicologia e o Serviço Social, com a Psicologia como o domínio mais frequente. Especificamente, encontram-se as seguintes áreas dos livros/manuais (Tabela 2): Saúde Mental (n=1), Deficiências Intelectuais e de Desenvolvimento (n=1), Resiliência (n=1), Intervenção Comportamental (n=1), Terapias Baseadas em Evidência (n=1), Desenvolvimento Positivo (n=1), Diversidade e Educação (n=1) e Integração de Refugiados (n=1). Nestes livros/manuais encontraram-se 28 capítulos referindo-se a competências dos profissionais no trabalho de apoio à família, havendo outros capítulos relacionados com outros temas. A data de publicação dos livros/manuais oscila entre 2005 e 2008, revelando um intervalo pequeno e não atualizado, tendo sido todos publicados pela Springer. Talvez esse facto se deva à base de dados disponível e consultada (www.b-on.pt), pois todos os livros estavam alocados à mesma.

As principais categorias emergentes (relacionadas com as competências dos profissionais no trabalho ao apoio familiar) revelam que esses capítulos remetem para o desenvolvimento das competências relacionadas com: a Intervenção (n = 8); a Pesquisa e prática (n = 6); o Desenvolvimento do conhecimento (n = 5); e a Avaliação (n = 1). Este trabalho implica continuidade, procurando especificidades destas categorias (subcategorias) que permitam elencar competências concretas.

Tabela 2. Assuntos dos livros/manuais disponíveis online e temáticas associadas às competências dos profissionais no trabalho ao apoio familiar

Nota: *Esta numeração corresponde à atribuída ao livro na tabela 1. **Temáticas associadas às competências dos profissionais no trabalho ao apoio familiar.

Quanto aos livros disponíveis parcialmente online (n= 40) pode referir-se que:

Os autores também são diversos, assim como as temáticas abordadas. E, uma vez mais, os tópicos principais parecem remeter para a Saúde Mental, a Psicologia e o Serviço Social, sendo que lhe aparecem associados vários subtópicos específicos (aspeto a explorar em estudos futuros). O intervalo de publicação oscila entre 1995 e 2020, conforme descritor definido na busca: 1995 (n = 1), 2000 (n = 4), 2002 (n = 3), 2004 (n = 3) ), 2005 (n = 1), 2006 (n = 1), 2007 (n = 4), 2008 (n = 2), 2009 (n = 1), 2010 (n = 1), 2011 (n = 2), 2012 (n = 3), 2013 (n = 3), 2014 (n = 4), 2015 (n = 1), 2016 (n = 1), 2017 (n = 2), 2018 (n = 3), 2020 (n = 1).

Quanto aos livros disponíveis parcialmente online e dedicados especificamente às competências dos profissionais no apoio à família (n= 9) pode referir-se que:

Apenas 9 livros/manuais (dos 48 livros/manuais) parecem especificamente relacionados com o desenvolvimento de competências profissionais no apoio à família. Nestas publicações, as categorias centrais parecem relacionadas com o Desenvolvimento do Conhecimento, a Intervenção, a Investigação e prática, e a Avaliação, sendo que se requer a continuidade deste trabalho, procurando o acesso integral aos materiais para uma análise de conteúdo mais precisa.

4.Considerações Finais

Em relação ao objetivo do estudo e às questões de investigação formuladas este trabalho permite as seguintes considerações:

Os livros/manuais relacionados ao desenvolvimento de competências específicas dos profissionais que trabalham no apoio à família são escassos;

Parece verificar-se uma ausência de diretrizes/orientações padronizadas sobre as competências necessárias aos profissionais que trabalham no apoio à família;

A literatura existente sobre as competências profissionais no apoio à família parece centrar-se nas áreas da Saúde Mental, da Psicologia e do Serviço Social; e

Os conteúdos específicos abordados nos livros/manuais procuram promover o desenvolvimento de competências relacionadas com o Desenvolvimento do Conhecimento, a Intervenção, a Investigação e Prática, e a Avaliação.

Efetivamente, neste trabalho, como na revisão da literatura anterior a este estudo (^{Burgund et al., 2021}; ^{Zegarac et al., 2021}), as competências dos profissionais de apoio à família não parecem padronizadas e parecem associar-se a áreas específicas. Aqui, destaca-se a Psicologia, que tende a aparecer como área de qualificação preferencial no domínio em questão (Family Services Workforce Survey Report, 2017), sendo que no trabalho de Zegarac et al. (2021) emergia a prevalência do Serviço Social.

A revisão da literatura realizada parece dar algum contributo à área, sobre a perspetiva atual, ainda que não permita, de forma extensiva e exaustiva, uma listagem das competências requeridas ao trabalho no apoio à família e, consequentemente, uma abordagem aprofundada à sua conceptualização.

Os domínios encontrados parecem entrecruzar-se, sobretudo, com as categorias Desenvolvimento de habilidades técnicas e Conhecimentos específicos, em ^{Burgund et al. (2021}) e ^{Zegarac et al. (2021}). Efetivamente, a metodologia adotada permitiu alcançar estes resultados e promover uma panorâmica sobre a abordagem das competências dos profissionais no apoio à família, complementar ao trabalho prévio de Zegarac et al. (2021), carecendo, no entanto, de continuidade. Compreende-se a importância da análise de conteúdo e o contributo deste estudo ao mapeamento da presença das competências dos profissionais no apoio à família na literatura publicada em livros/manuais (^{Sargeant & O’Connor, 2020}), permitindo perceber a complexidade e diversidade do trabalho transdisciplinar no apoio à família (^{Devaney et al., 2013}, 2021; ^{Herrera-Pastor et al. 2020}).

De referir ainda que, apesar dos contributos conseguidos, algumas limitações do estudo merecem referência. Assim, os descritores utilizados e as bases de dados online, constituem desde logo a primeira limitação, pois outros materiais podem existir e não terem sido detetados nas buscas realizadas. Como exemplo, podemos referir alguns que nos parecem importantes e não emergiram nas buscas efetuadas (e.g., David & DiGiuseppe, 2015, ^{Evans, 2019}, ^{Forest, 2015}, ^{Forrester et al., 2021} ou ^{Patterson et al., 2018}). Também o facto de a maioria dos livros/manuais não estarem disponíveis online dificultou a sua consulta e o acesso concreto à informação plasmada. Desta forma se compreende que não é possível a generalização dos dados encontrados. Também importante referir que apesar de o processo de codificação ter envolvido a articulação e a discussão entre os investigadores, não envolveu cálculo de acordo entre codificadores, o que seria um procedimento que mais apurado que robusteceria o processo.

Todavia, este trabalho configura-se como a base de um work in progress, ou seja, pretende-se ainda uma continuidade focando-se numa análise de conteúdo mais aprofundada nos materiais recolhidos. Destaque-se, nessa linha, a análise dos conteúdos dos livros/manuais dedicados especificamente às competências dos profissionais que trabalham no apoio à família, que permitirá detalhar as competências abordadas.

NOTA: As referências a negrito correspondem aos livros/manuais da revisão da literatura.